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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DE PORTUGAL
DIREÇÃO ANTÓNIO COSTA PINTONUNO GONÇALO MONTEIRO
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COORDENAÇÃO
JORGE M. PEDREIRA
NUNO GONÇALO MONTEIRO
AUTORIA
~ORGE
M.
PEDREIRA
MIGUEL FIGUEIRA DE FARIA
NUNO GONÇALO MONTEIRO
CAPA
Autor desconhecido
Vista da Praça do Rossio no momento da chegada da Junta Provisional do Governo a Lisboa no dia 1 de Outubro de 1820
Gravura a água-tinta Museu da Cidade de Lisboa
Joaquim Gregório da Silva Rato Batalha da Guerra Peninsular, 1821 Óleo sobre tela,
Palácio Nacional de Mafra
GUARDAS
Domingos António de Sequeira Alegoria à Constituição (estudo), 1821 Pintura a óleo
Museu Nacional de Arte Antiga
Henry l'Évêque/Bartolozzi
Partida do príncipe regente e da corte portuguesa para o Brasil, 1807-1808
Gravura a talha doce colorida a aguarela Museu da Cidade de Lisboa
Joaquim Gregório da Silva Rato Batalha da Guerra Peninsular, 1821 Óleo sobre tela
Palácio Nacional de Mafra
CONTRACAPA
Henry l'Évêque/Bartolozzi
Partida do príncipe regente e da corte portuguesa
para O Brasil, 1807-1808
Gravura a talhe doce colorida a aguarela Museu da Cidade de Lisboa
FOLHA DE ROSTO Henry l'Évêque
Vue de la Pia ce du commerce de Lisbonne
Gravura a água-tinta colorida Museu da Cidade de Lisboa
AMÉRICA lATINA
NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA CONCEÇÃO E DIREÇÃO
Pablo Jiménez Burillo CONSELHO EDITORIAL Manuel Chust Calero Pablo Jiménez Burillo CarIos Malamud Rikles Carlos Martínez-Shaw Pedro Pérez Herrero CONSElHO ASSESSOR Jordi Canal Morell Carlos Contreras Carranza António Costa Pinto Joaquín Fermandois Huerta Jorge Gelman
Nuno Gonçalo Monteiro Alicia Hernández Chávez Eduardo Posada Carbó Inés Quintero Lilia Moritz Schwarcz Alfredo Castillero Carlos Severino Gerardo Gaetano COORDENAÇÃO Javier Bravo Garcia
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DE PORTUGAL 1808-2010
VOLUME 1
O COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO LIBERAL
1808-1834
Copyright © 2013 dos textos, os autores _
Copyright © 2013 desta edição, FUNDAÇAO MAPFRE e SANTILLANA EDITORES, S. A., emcoedição
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Paseo de Recoletos, 23128008 Madrid Te!.: 51 91 281 11 31 Telefax: 51 91 581 17 95 www.fundacionmapfre.org EDITORA OBJECTIVA Estrada da Outurela, 118 2794-084 Carnaxide Te!.: 214246905 correio@objectiva.pt www.objectiva.pt La edição: Outubro 2013 Depósito legal: 364962/13 ISBN: 978-989-672-186-2
ISBN: 978-84-9844-430-8 (Fundación MAPFRE) EDiÇÃO
Clara Capitão e Eurídice Gomes REVISÃO
Florbela Barreto e Maria Cruz PAGINAÇÃO
Segundo Capítulo
PROJETO GRÁFICO DA CAPA Victor Burton
EXECUÇÃO DA CAPA José Manuel Reis
TRATAMENTO DE IMAGEM Paulo Oliveira e Paulo Ferreira
COORDENAÇÃO DOS DIREITOS DE IMAGEM Irene Nuiiez ARTE FINAL Teresa Coelho IMPRESSÃO E ACABAMENTO Printer Portuguesa DISTRIBUiÇÃO VASP Te!: 214337 000 geral@vasp.pt
íNDICE
CRONOLOGIA 15
200 ANOS DE HISTÓRIA DE PORTUGAL 17
António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro
AS CHAVES DO PER(ODO 25
Nuno Gonçalo Monteiro e Jorge Pedreira
A VIDA POLITICA 37
Nuno Gonçalo Monteiro
PORTUGAL NO MUNDO 737
Jorge Pedreira
O PROCESSO ECONÓMICO 123
Jorge Pedreira
POPULAÇÃO E SOCIEDADE 165
Nuno Gonçalo Monteiro
CULTURA 201
Miguel Figueira de Faria
BIBLIOGRAFIA 239
A ÉPOCA EM IMAGENS 253 OS AUTORES 279
A VIDA POLíTICA
Nuno Gonçalo Monteiro
Afirmar que o primeiro terço do século XIX em Portugal culminou com o triunfo do liberalismo é uma evidência que corre o risco de se tornar enganosa. No início da história que aqui cabe contar, ou seja, por volta de 1807, o liberalismo não
era visto como uma alternativa de regime para quase ninguém, apesar de se falar em reformas e de já se discutir a sua concretização. Liberal e liberalismo, no sentido político, eram termos que não se empregavam. Tardiamente, como resultado direto e quase abrupto de importações com estreita ligação à história política do país, estas palavras vão sofrer súbitas inflexões no seu uso e signifi-cado: a novidade chegou de forma quase tumultuária e anunciou-se imparável.
A MONARQUIA PLURICONTlNENTAL, AS REFORMAS E A OPINIÃO
As imagens retrospetivas podem, muitas vezes, suscitar interpretações distorci-das. Em meados de Oitocentos, várias foram as memórias escritas por destacados liberais. José Maria Xavier de Araújo, para quem «a Revolução de 24 de agosto de 1820 abriu uma nova era em Portugal», foi um dos juristas a participar no movimento em cuja génese conferiu um grande papel à Maçonaria. Este autor estabeleceu uma cronologia clara: «O pequeno Partido, que desde o ano de
1800 pensava em reformas na Administração do Estado, cresceu em número,
e qualidade de pessoas. Esse Partido, que só dera sinais de vida na ocasião da moléstia nervosa do Príncipe Regente, e mais tarde em 1808, quando apresentou
ao general Junot um projecto de Constituição para Portugal semelhante à do Grão Ducado de Varsovia; esse Partido com seu assento em Lisboa, cresceu, e se espalhou para varias partes do Reino, transformado em Sociedades Secretas,
'
I
•
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
e teve hum aumento imenso, quando o Exercito Português vitorioso voltou de França em 1814.»
Serão as afirmações citadas corroboradas pelo que se sabe? Pela mesma altura, eSCrevia D. Pedro de Sousa e Holstein, já então 1. o duque de Palmela,
outra testemunha ativa desses tempos, que, nos últimos anos do sé ulo XVIII (cerca de 1797), e apesar da onda de «entusiasmo» vivida em quase toda a Europa, «Portugal parecia ter ficado de fora do movim nto criado peja Revo-lução Francesa. Assim meslUo, a policia de Lisboa mostrava-se meticulosa, e o intendente-geral Manique empregava as mais tigorosas precauções para evitar
a propaganda revolucionária. O (mico nexo que por então prendia Portugal
ao resto da Europa era a aliança tradicional inglesa [e
J
a aliança espanhola,puramente familiar». José Liberato Freire de Carvalho, que fora um destacado publicista liberal, afirmava, também em meados do século XIX, que «ao ano 1800 do século passado é que verdadeiramente pertence o começo da minha vida pública; e como em toda ela tratasse COm os homens que mais tem figurado no meu país, e até com alguns vivesse familiarmente, como poderei também deixar de dizer o que foram, ou pelo menos, O que me pareceram?». Este último autor, tendo-se dedicado a vida ecle iástica que depois abandonou, fora, entre mil e uma coisa, protegido do 2.0 duque de Lafões, o fundador, em 1782, da Academia
da Ciências, e aderiria em 1804, à Maçonaria. Fazia, pois, parte do tal «partido» a que Xavier de AI'aújo se refere ...
Que pode ajuizar-se destes testemunhos, aliás, parcialmente contraditórios? Curiosam nte, os primeiros passos da Revolução Francesa em 1789 foram bem recebidos pelo governo e peja diplomacia de Portugal, todos de cunho refor-mista .. A
pr6pr~a
folhaoncial (Gazeta
c/eLisboa),
a única que existia, chegou a.I~glar
a«n~lte
de 4 para 5 de agosto do couente» e a famosa c bolição dosdlreltos feudaJs, considerando que «se concluiu m duas ou três horas o que há dez anos se não ousaria esperar no decurso de dois ou três século >}. Porém, o
evoluir da situação em França conduziu, nesse mesmo ano, a uma inflexão da posição. Três anos depois Portugal parti 'pava na campanha do Roussilhão. Em 1795 publicar-se-ia, em português. uma tradução da
Historia Abreviada da
Perseguição,
Assa sinato,
edo Desterro do Clero
Francez
[
... ]
pelo
Abade Ban'ue/,
autor antimaçónico e contrarrevolucionário francês, cuja edição original datava
de 1793· A propaganda contrarrevolucionária chegava ante da propaganda a
favor da revolução ...
Tal significa que só em 1800, e através da Maçonaria, começou a pensar--se nas «reformas da Administração do Estado»? De maneira nenhuma. É no próprio corpo do oficialato central da monarquia, por vezes no seio do governo,
A VIDA POLíTICA
e podem ser encontrados alguns dos maiores expoentes do pensamento
refor-qu d . R I d C' A •
mista. Relevante foi a publicação dos escritos da Aca emla ea as lenCIas de Lisboa e, em particular, as chamadas memórias económicas. No entanto, mais significativos, coerentes e sistemáticos foram o pensamento e a ação de D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), o mais destacado reformado~ da é oca, protegido por Pombal nos seus primeiros passos, mas que se tornou leitor
p~ecoce
de Adam Smith, o teórico da economiapolí~ica
clássica, uma~nspiraç~o
muito diversa da prevalecente no pombalismo. DepOIS de passar pela diplomaCIa, foi sucessivamente Secretário de Estado da Marinha e Ultramar (1796-1801), da Fazenda (1801-1803) e da Guerra e dos Negócios Estrangeiros (1808-1812), bem como promotor da casa literária do Arco do Cego (1799-1801), uma forma de poder patrocinar a publicação do que pretendia. Apesar de admitir formas de representação parlamentar inspiradas no modelo britânico, era um defen-sor, segundo as suas próprias palavras em 1789, do «despotismo esclarecido e submetido à opinião pública de certas grandes nações da Europa», sendo um dos primeiros portugueses a usar a expressão «opinião pública». De facto, como afirmou reiteradamente, «sobre constituições políticas não creio que haja senão duas dignas de louvor, e que são o despotismo iluminado e vigoroso que faz reinar leis inalteráveis, conhecendo que o interesse do déspota e do súbdito é inseparável, ou o da mais perfeita liberdade, em que os direitos do homem são respeitados, havendo uma perfeita segurança individual, e da propriedade». A esta segunda modalidade, alternativa ao «despotismo luminoso», chamou também «governo misto, em que os poderes legislativo e executivo se balançam [ ... ] [e] o governo conserva toda a actividade necessária para a segurança interna e externa do país em que se acha estabelecido».D. Rodrigo questionou de forma clara, em muitos dos seus escritos, a ordem fundiária do Antigo Regime, de acordo com uma inspiração que, no plano do direito civil e dos fundamentos económicos, era já liberal, embora apenas no ordenamento civil, porque ser liberal, na época, era defender o liberalismo econó-mico, conforme as leituras de A. Smith, não o liberalismo político ou o «governo
misto», para retomar a citação anterior. Aliás, nunca se bateu seriamente por esta alternativa. Em todo o caso, seriam matérias de direito civil que fariam, mais tarde, Junot hesitar na publicação do Código Civil napoleónico no ano de 1808. D. Rodrigo defendera a abolição dos morgados, da enfiteuse, dos dízi-mos eclesiásticos, dos direitos senhoriais de foral e da décima (imposto pago ao Estado), substituindo-os por um imposto único, bem como a desamortização de todos os bens das ordens religiosas. Era ainda a favor da supressão de todas as isenções tributárias do clero e da nobreza e dos privilégios jurisdicionais. As suas
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÀO IMPERIAL
propostas em matéria financeira, de educação e de riação de escolas
especia-lizadas, entre outras, serão menos relevantes do que a sua conceção plástica da mon,arquia como um espaço pluricontinental. Um tema ao qual se irá regressar.
E comum falar-se destes tempos como os do absolutismo. E é verdade que, durante o reinado de D. José, com base no ((doutíssimo De Reah>, se adotara
a doutrina de que Portugal era um «Governo Monárquko, aquele em que o Supremo Poder reside todo inteiramente na Pessoa de um só Homem, o qual (Homem) ainda que se deve conduzir pela razão, não reconhec contudo outro Superior (no Temporal) que não seja o mesmo Deus, o qual (Homem) reputa
as pes oas qu lhe parecerem mais próprias para exercitarem os diferentes
ministélios do Governo; e o qual (Homem finalmente) faz as Leis, e as derroga, quando bem Ih parec» (1768). Foram tais princípios que levaram Pombal a
afirmar ufano m 1775, que «em todo o Portugal e seus domínios, não soam
outras razõe que não sejam as que baixam do real trono de sua Majestade». A censura apertada, a vigilân ia na importação de livros e a polícia por tal zelavam. Acresce que, desde esse tempo, os ministérios (chamados Secretarias de Estado) se tinham tornado os centros da decisão política, esvaziando em boa medida os tribunais centrais de competências em matérias que, doravante, passavam a ser da competência do esboço de poder executivo.
Numa memória manuscrita datada de 1803, atribuída a um destacado
fidalgo, dizia-se que o. Secretários de Estado «até ao tempo do marquês de
Pombal foram simplesmente uns canais por onde subiam os negócios à
pre-sença do Soberano, presentemente são tudo [ ... ]. Com esta trincheira de
cria-turas revestida d'auto.ridade, passa-se a tudo, adquirem-se honras, e riquezas, quartam-se as alçadas dos Tribunais, forjam-se Leis Novas, despr zam-se as antigas, alteram-se todas as formalidades [ ... ] segue-se o despotismo Ministe-rial, que é o maior flagelo dos Povos». Não voltará a existir, como no período pombalino, um primeiro-ministro de facto, e as reformas nunca serão muito
sistemáticas; contudo, a centralização do poder de decisão nos ministros da
resp tiva área era contestada por muitos, que a consideravam um instrumento de mudança,. As reformas promovidas, de forma descontínua, pelos ministros do rei eram vista por uns como um «despotismo e c1arecido» e por outros como um simples (despotismo ministerial». Da herança pombalina ficaram também, embora com reformulações, a censura apertada e lima nova noção de polícia que marcariam o período subsequente.
Entretanto, o poder do rei e dos seus ministros sobre o território reinícola e seus domínios estava longe de ser absoluto. A integração do reino no sistema de poder da monarquia fazia-se através de instituições dotadas de ampla autonomia.
A VIDA POLiTICA
À cabeça, vinham as câmaras municipais. Desde os finais da Idade Média que d o espaço continental da monarquia portuguesa se encontrava coberto por
to o d 'lh
a malha de concelhos, modelo que pretendeu estender-se, de resto, as i as
um ' 1 B ' l
tlânticas aos territórios situados noutros continentes, em particu ar ao raSi.
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todos os municípios deveriam ser constituídas câmaras municipais, deten-S em toda a parte de atribuições formais parcialmente coincidentes, nestast o r a , ' ,. ,
e incluindo a jurisdição em primeira instância, pelo menos em matena civel, do
~espetivo
juiz presidente. Dito por outras palavras,~ue~ yre~idi.a ~ ~âmara
:x:r-, também as funções de juiz:x:r-, com as inerentes atnbmçoes JudiClais. Os oficiosCla d (d" .
municipais abrangiam sempre, em primeiro lugar, um juiz presi ente ,or mar~o ou de fora, neste caso um jurista de formação). Compunham-nas, amda, dOls ou mais vereadores e um procurador. À exceção dos juízes de fora, todos estes oficiais eram eleitos a nível local e confirmados pela Administração Central da Coroa ou pelo senhor da terra. Constituíam a câmara, ou o chamado «(senad~})
nas terras mais importantes, e, em teoria, não auferiam qualquer remuneraçao; porém, a regra sofria ~uitas exceções. Pelo menos a partir d~ século XVII, as
poucas pessoas elegíveis para as câmaras e que
const.av~m ~as
listas,e~aboradas
ara o efeito eram designadas por <<nobreza» ou «pnncipais» das vanas terras.
p ' ) 't d'
Conforme ressalta do mapa (d. mapa da página segumte ,eram mm o lVersas as dimensões dos territórios concelhios. As câmaras abrangiam ainda oficiais pagos (escrivães e juízes dos órfãos, quase sempre) e
diver~os
outros que o não eram. A rede concelhia (cerca de 800 câmaras em todo o remo) sobrepunha-se a uma outra, que cobria igualmente todo o território, mas mais antiga e que, além disso, dependia de outros vínculos e hierarquias: a das paróquias eclesiástic~s, com o respetivo pároco, as únicas existentes, pois não havia então fregueSias civis. A quantidade de freguesias eclesiásticas em que se encontrava dividido ocontinente português era superior à dos concelhos (4°92 em 1801-1802),
cons-tituindo uma malha ainda mais densa.
Os municípios e as paróquias coexistiam com outras instituições locais rele-vantes em particular com as misericórdias e as ordenanças, que representavam outros' tantos paIos da sociedade local e foram muito marcantes no período
em apreço. Do ponto de vista do recrutamento militar, o reino estava
div~do
em capitanias-mor de ordenanças, por sua vez subdivididas em
com~anhias.
À hierarquia das ordenanças competia ter arrolados todos homens malOres de 16 anos, excetuando os privilegiados e os velhos, para que pudessem, quando solicitados, ser escolhidos para o exército de primeira linha ou, ainda, para operar a nível local quando tal fosse necessário, pelo q~e ,deviam reunir-~~ com regularidade para receberem treino militar. Por fim, eXistiam as forças mllitaresMunicípios portugueses no início do século XIX o 20 40km . . . ! Comarcas no início do século XIX
• Sede ~a. comarca-_-(orr~l~ao _ _ ~ Valença HIn Unhares § Chão de Couce • Tentúgal o 20 40km ... !w. I
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
de segunda linha u mHícias. EmbOl;a a respetiva rede fosse muito men s deu a, a hierru·quia d forças militares de segunda linha ( oronéi , teneJlt s- oronéis e majores d milí.cias) tinha uma presença significativa na sOciedade local do finais do Antigo Regim . Note-s que, fora de Lisboa, não exi tia, na primeira décadas do século XJX, um orpo de polícia pago. Quando n ces ário, eram cha
-mados os oficiais camarários e, sobretudo, os membros das ordenanças. Tanto os vereadores como o oficiajs das ord nanças e das miUcias, ou ainda o irmãos nobres das misericó 'dias eram escolhidos de acordo com arranjos diversos, de entre as elites locais.
Embora comunicando om as câmaras e intervindo na SUa composi ão a coroa e os seus agentes [corregedores
(cf.
mapa da p. 43) e provedores] tinham de lidar com as elites locais sabendo que, 110 dia a dia, lhes cabia um pe o imensona gestão dos assuntos correntes. No império atlântico (ilhas e Brasil, em par-ticular), a coroa dispunha ainda de govemadores, por si apontados, em cada capitania geralmente militares, com mais amplas competências em matéria civil do que os governadores d armas no reino. Contudo, os governadores coloniais defrontavam-se, na maior parte dos casos, com grandes espaços e di ·punham de urna tropa paga muito reduzida. Tal como no reino, a administração quotidiana do território tinha d r pousar nas elite locais cuja composição social variava de acordo com a zona, mas qu encabeçavam as mesmas insti tu ições em quase toda a parte. Aliás sempre que necessário, também estas enviavam para Lisboa os requerim ntos com as suas pretensões. Uma intensa comunicação política é
uma marca e sendal do funcionamento da monarquia. De resto, o BrasiJ nunca deixa de estar 110 fulCl·o das atençõe da elite pol1tica central de de logo porque dos proventos dele decorrentes de forma direta ou indJreta dependiam s finan-ças da monarquia. Sobretudo relevantes eram os direitos alfandegários, cobrados sobre a reexportação para a Europc da produções brasil iras que o exclu ivo comercial obrigava a vir a Lisboa ou ao Porto, o monopólio r' gio do tabaco. Acresce o facto de circularem para o Bra
ii
mais natuxais do reino (militares, juristas, negociantes, jovens candidatos a caixeiros ... ) do que para Europ como era observado desde há muito pelos eSb:angeiros. A longo do século XVIII,os particulares aí l'esidentes remeteram muito ouro para o reino, naturalmente, bem mais do que aquele cobrado pela coroa sob a forma de imposto. Desde há muito que o Brasil era visto não como um mero apêndice mas como uma parcela essencial da monarquia pluricontinental dos Bragança. No entanto, era sobre
-tudo no reino que o Brasil (em rigor, o Estado do Brasil o do Maranhão) era visto como uma unidade. Para a maio.r parte das elites re identes e dirigentes deste exten O tenitóxi sul-americano o seu horizonte iclentitário confinava- e
A VIDA POLÍTICA
às capitanias onde viviam e, de forma mais alargada, à monarquia portuguesa. Quando queriam reportar-se à dimensão intermédia, era mais frequente falarem de «América portuguesa» do que de Brasil. ..
Em grande medida pelo carácter pouco sistemático das reformas empreen-didas nos finais do Antigo Regime, as reacções locais nunca foram muito notó-rias. No reino, entre 1790 e 1792, quando, após a supressão de boa parte do que restava das jurisdições senhoriais, procurou também dar-se início a uma reforma administrativa, o objetivo era «o uso, e exercício da justiça, e os meios de ela se conseguir sejam iguais e uniformes». Propunha-se modificar a geografia das circunscrições administrativas e judiciais de primeira instância (câmaras muni-cipais) e intermédias, ou seja, extinguir municípios. Para o efeito, ~ez-se um inquérito: a quase totalidade das câmaras respondeu que nada pretendIa mudar! Os pequenos poderes corporativos locais pretendiam-se intocáveis. E assim ficaram, embora o centro político tentasse, cada vez mais, condicioná-los.
No Brasil tiveram lugar, na última dúzia de anos de Setecentos, uma cons-piração e uma sedição, ·nas Minas e na Bahia respetivamente, mas, no conjunto, esse tipo de eventos foi muito mais numeroso e amplo desde os anos 60 do século XVIII nos vários territórios da América espanhola.
Em meados da última década de Setecentos, o ambiente de guerra provoca dificuldades financeiras à monarquia. Apesar da expansão comercial, as despesas militares vão entrar numa imparável escalada. Na viragem do século, mesmo com o lançamento de novos impostos e a emissão de papel-moeda, os gastos da monarquia ultrapassam as suas receitas, tendo-se entrado numa incontrolável espiral inflacionista, visto os preços terem sofrido uma acentuada subida entre 1797 e 1810. Escassos foram os agentes económicos que conseguiram tirar par-tido desta conjuntura. A maior parte tendeu a perder.
Este cenário condicionou, como seria de esperar, o clima de reformas. Uma das marcas do reinado de D. Maria I e da regência do filho, D. João (em 1792, formalizada em 1799), foi a inexistência de qualquer personagem politicamente dominante de forma continuada. O relançamento do Conselho de Estado em 1796 e a sua regular convocação desde então não alterou a situação, pois este integrava os Secretários de Estado e nunca os substituiu enquanto polo central da decisão política. A instabilidade e as fraturas políticas foram, com efeito, uma marca do reinado. Os fatores de clivagem variavam: podiam ser o partido «da grande nobreza», mais conservador, em oposição ao dos adeptos de reformas. Contudo, é certo que a política interna se dividiu em função das prioridades definidas para a política externa - «partido francês» versus «partido inglês». Ser «anglófilo» ou «francófilo» eram opções de política externa, e tanto entre os
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
primeiros como entre os segundos havia gente do partido da «grande nobreza» e adeptos das reformas. Tanto o anglófilo D. Rodrigo como o francófilo Antó-nio de Araújo de Azevedo, que, em dados momentos, foram a cara das opções contrárias, podiam ser considerados reformistas, embora com ênfase diversa. Interpretado pela posteridade, o reformismo do fim do século XVIII pode parecer uma sucessão de paradoxos. Por exemplo: regressou-se a uma política de mercês que, embora beneficiasse um grupo mais alargado de pessoas, se mantinha dentro dos parâmetros tradicionais. Assim, ao mesmo tempo que o Erário Régio lançava pesados impostos sobre as comendas e os bens da coroa, a coroa continuava a doar essas mesmas comendas e bens, tal como os títulos nobiliárquicos, com uma acentuada liberalidade. Num outro plano, a atuação da Academia Real das Ciências de Lisboa e os projetos dos ministros coexistiram com uma apertada censura literária e com a atuação persecutória do Intendente--Geral da Polícia Diogo Inácio de Pina Manique, que, noutros domínios, foi um precursor dos novos tempos (nomeadamente, em matérias de assistência e de regulação e policiamento do espaço urbano). São bem conhecidos os episódios em que o fundador da Academia, o 2. o duque de Lafões, arranjava livros ou
pro-tegia pessoas à revelia de Manique. Foi nesse cenário que D. Rodrigo de Sousa Coutinho fundou a dita «sua» tipografia, e que biografias aventurosas, como a do poeta Bocage, tiveram lugar. No entanto, é difícil deixar de reconhecer uma preocupação crescente com uma opinião política que se sabia, porém, algo confinada. Desde a reforma da Universidade de 1772 que se estudava o direito natural moderno, mas os efeitos desse processo tardavam em fazer-se sentir. Por fim, se muitos pensavam como o futuro duque de Palmela escreveu mais tarde, que a monarquia «era dominada pela influência da alta aristocracia», a verdade é que, embora essa primeira nobreza tivesse retomado bens da coroa e comendas, mantido um peso hegemónico em muitos ofícios e readquirido posições na elite política central (Governo e Conselho de Estado), é impossível dizer que dominava os destinos da monarquia como noutros tempos. É também certo que, apesar de não se terem concretizado, os projetos reformistas a ataca-vam em muitos aspetos.
Entretanto, o contexto internacional foi-se agravando. Nesse sentido, a Campanha do Rossilhão (1793-95), na qual o exército luso-espanhol foi vencido pelas tropas da França revolucionária passando, depois, Espanha para a esfera de influência francesas iniciou um ciclo que se prolongaria por duas décadas. Acentuou-se, desta forma, a oposição política entre os que defendiam cedências a França (com Napoleão na liderança desde 1799) como meio de evitar a guerra e aqueles que viam no reforço da aliança inglesa a única defesa possível perante
A VIDA POLITICA
fi conflito que se supunha inevitável. velho 2.0 duque de Lafões, feito
UI cipitadamente «ministro a sistente ao d spa ho» eecretário de Estade
~:eGuerra
no início de 1.801, foi arrastado para o comando da disputa bélica.França exigiu então, o bloquei naval a Inglaterra, enquanto, do lado portu~ guês, tentava travar-se, pela via diplomática, a invasão &an
o-espanhol~.
Atéao fim, acreditou-se que a invasão, chefiada por Manuel de Godoy, o vabdo de
Carlos IV, poderia ser detida mesmo sem aUXÍlio inglês. Mas acabou po~' acon-tecer em maio d 1801. A «Guerra das Laranjas» foi, de facto, curta. Olivença,
com pouca def sas, rendeu-se em resistência; os outros bastiões,
à
exceção deElvas, foram caindo e os combates aldaram-se na derrota das forças
portugue-sas. A ofensiva s6 não prosseguiu porque o objetivo era mudar o alinhamento de Portugal e não, por ora, ocupá-lo militarm nte. Espanha conseguiu ganhos territoriais no Amazonas ... e ficou com Olivença. Portugal regressou ao seu
estatuto neutral.
o
EMBARQUE DA FAMíLIA REALSeguiram-se tempos frenéticos, no decorrer dos quais tentou impedir-se o ine-vitável. A pressão diplomática era cada vez mais forte, traduzindo-se numa crescente tensão interna. Notório será o afastamento dos ministros
«anglófi-los» por pressão do embaixador francês general Lannes, chegado a Lisboa em 1802. O intendente da polícia, Pina Manique, foi substituído na sequência de um incidente diplomático. Em agosto de 1803, cairiam os ministros D. Rodrigo
e D. João de Almeida, e, por .fim António de Araújo, o mais destacado ({francó
-filo», entrou para o governo. E ta conjuntura ficou igualmente marcada pelo
ambiente conflitual que se fazia sentir no apar lho militar e abrangia membros da primeira nobreza - dois processos, de resto associados. Parece também certo que, mesmo antes de 1807, ssas disputas cortesãs el'am já alimentadas pelos desentendimentos entre o príncipe D. João e sua mulher, D. Carlota Joaquina de Bourbon. Entre finais de 1805 e inícios de 1806, uma suposta doença ou ameaço de loucura do príncipe terá dado lugar, com a mediação de um grupo muito ativo de importantes aristocratas da corte, ntre os quais o 3.0
marquês de Alorna a uma tentativa de afastamento do príncipe e de instalação de uma regência da mulher. A rainha parece ter participado no processo para o qual terá querido convocar o pai, rei de Espanha, Carlos IV, sob a proteção de Napoleão. Retirado em diversos lugares e resguardado, como noutras situações, por um reduzido número de homens da sua confiança, o príncipe escapou à intentona, a
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
primeira de muitas que se seguiriam. Todavia, a extrema fragilidade da situação portuguesa ficou, mais uma vez, patente.
Em geral, para se apreenderem os dilemas do período aqui estudado é neces-sário ter em conta que os atores políticos se defrontavam com um conjunto de situações novas, para as quais não tinham antecedentes, sequer referente de conduta facilmente invocável. Assim, é forçoso que os juízos e as interpretações dos seus comportamentos entrem, com essa dimensão, em linha de conta, junto com o facto de que se moviam numa sociedade ainda dominada por uma perce-ção contínua ou cíclica do tempo. As novidades de fora eram apenas conhecidas por alguns, e boa parte dos que delas ouviam falar rejeitava-as. Para muitos, a ideia do citado abade de Barruel de que uma conspiração internacional, no caso, maçónica, subvertera o curso normal das coisas, a que se tentava agora regressar, parecia algo plausível. Entretanto, tratava-se de dar resposta a essas situações novas e inesperadas.
Mas o cerco foi-se apertando. As sugestões de que a família real embarcava para o Brasil não eram novas. Um dos textos mais conhecidos fora escrito por D. Luís da Cunha ainda na primeira metade de Setecentos, e diversos conselhei-ros do príncipe tinham-no proposto mais recentemente. Embora à margem das decisões nesses dias de temor, a posteridade reteve, em primeiro lugar, a célebre frase de D. Rodrigo em 1803, na qual sugeria aos príncipes «o irem criar um pode-roso império no Brasil, donde se volte a reconquistar o que se possa ter perdido na Europa». Como se narra no capítulo seguinte, apesar de pensada há muito e de sustentada numa evidente duplicidade diplomática, nem por isso a partida da família real, a 29 de novembro de 1807, deixou de se revestir de enorme drama-tismo e precipitação. Escapando às tropas que entravam em Lisboa, a família real rumou ao novo mundo com milhares de cortesãos e respetivos acompanhantes.
AS INVASÕES FRANCESAS E A GUERRA
o
rei partiu, então. O 1.0 duque de Palmela explicou mais tarde que, depois de o ter procurado com o intuito de o enviar para negociar com o general Junot, comandante das tropas francesas, o príncipe acabou por seguir os seus conse-lheiros, que tinham abandonado toda a «ideia de resistência». Como afirmava, com indignação, «em lugar de preparar a defesa, parecia quererem franquear a entrada aos Franceses e facilitar, pelas ordens que davam a invasão de Portugal». Com efeito, o príncipe deixou um Conselho de Regência composto por nove ele-mentos com instruções estritas para cooperarem com os «exércitos das nações aA VIDA POLITICA
que Portugal se acha unido no continente». A caminhada para Lisboa decorreu, assim, de forma quase pacífica. Diz-se que a vanguarda das tropas francesas ainda viu desvanecerem-se no horizonte os barcos qu levavam a família real ... Só muito mais tarde viria a atitude do príncipe a ser debatida e questionada. Poucos sabiam do tratado de Fontainebleau de 27 de outubro de 1807, que revia a divisão e partilha de Portugal em três partes e atribuía um território ao
P d d , . d . .
valido e ministro espanhol Manuel e Go oy. O pnnClpe regente eixara onen-tações que pareciam legitimar a colabo~aç~o co~ o ocupante. :alme~a, com a sua habitual clareza, destaca que, nos pnmeiros cmco meses, <<flao cabia [ ... ] na mente de nenhuma pessoa sensata nem sequer a mais remota esperança de que Portugal pudesse subtrair-se ao jugo que acabava de lhe ser imposto». A formação de um «estabelecimento que julgava ser duradouro» explica, segundo o mesmo, o colaboracionismo de grande parte das elites portuguesas, cujo francesismo, de resto, se não confundia com a partilha dos ideais da Revolução Francesa na maior parte dos casos. O cardeal-patriarca Mendonça, por exemplo, afirmava: «Não temais amados filhos [ ... ] lembrai-vos que este exército é de sua majestade o imperador dos franceses e rei de Itália, Napoleão, o Grande, que Deus tem des-tinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos.»
A regência, o episcopado e até a Academia das Ciências receberam, assim, o general Junot como o novo senhor da situação. De facto, a relativa indefini-ção da situaindefini-ção política em curso só seria ultrapassada quando, a 1 de fevereiro de 1808, Napoleão decretou o fim do reinado da Dinastia de Bragança, sendo, doravante, todos os atos públicos praticados em nome de «Sua Majestade o Imperador dos Franceses». Logo de seguida, a regência seria dissolvida, a tropa de primeira linha e as milícias desarmadas, seriam lançadas pesadas tributações e formado um governo de franceses, embora com portugueses como conse-lheiros. Nessa altura, já a ilha da Madeira tinha sido ocupada pelos ingleses, restando, na Europa, apenas os Açores como território dinástico dos Bragança. Mesmo depois da saída dos franceses, porém, o governador dos Açores preferiu comunicar diretamente com a corte do Rio de Janeiro em vez de o fazer com os governadores repostos pelos britânicos no reino.
A indefinição dos planos imperiais, que pareciam querer ultrapassar o Tra-tado de Fontainebleau, em nada contrariava as aspirações do próprio Junot ao trono de Portugal, pretensão cujo precedente partia do ocorrido noutros territó-rios com membros da elite napoleónica. Na sequência da referida decisão, cerca de doze mil homens, a flor do exército português, seria incorporada nas tropas francesas sob o comando do general D. Pedro de Almeida Portugal, 3.0
marquês de Alorna. Pela mesma altura, em abril de 1808, uma delegação de pessoas da
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
primeira nobreza dirigiu-se a Baiona com o intuito de pedir a Napoleão a manu-tenção .da unidade do reino de Portugal e um príncipe da família imperial para nele remar. Em maio, circulará por Lisboa e outros municípios uma súplica, a ser apresentada a Napoleão por um grupo de afrancesados, no qual se incluíam alguns juristas conhecidos. Tratou-se de uma reação às pretensões portuguesas do chefe da ocupação francesa, general Junot, enquadrando-se, sem dúvida, no contexto internacional de então e no que se presumia serem os projetos impe-rai,s. ~ se afirma: «Pedimos uma :?nstituição e um rei constitucional, que seja pnnClpe de sangue da vossa famlha real [ ... ] queremos uma constituição, na qual, à semelhança da de Varsóvia, a religião católica romana seja a religião de Estado», iniciativa que se contrapunha à delegação fidalga de Baiona. Solicitava--se ainda, entre outras disposições, a igualdade perante a lei, que implicitamente correspondia ao pedido da promulgação do código napoleónico de 1804, a liber-dade de imprensa, a divisão de poderes, consagrando-se o poder legislativo num sistema bicamaral, a reforma da administração pública, a desamortização e um sistema proporcional de impostos. Foi a mais viva expressão ideológica dos afrancesados portugueses. Ainda que abrindo um importante precedente, a sua base de sustentação não parece ter sido ampla.
Entretanto, a revolta popular em Espanha tudo veio alterar e subverter. O primeiro marco da nova ordem foi a sublevação de 2 de maio contra os france-ses em Madrid. Nas semanas seguintes, rebelaram-se as províncias espanholas, nas quais se formaram juntas, órgãos de poder dos revoltosos, dirigindo procla-mações «ao povo português» (30 de maio) e instruindo os militares espanhóis que ocupavam Portugal a abandonarem o território. A guarnição espanhola no Porto ajudou a desencadear a sedição nesta cidade, a primeira. O movimento de revolta passou daí para Trás-os-Montes, Minho, Algarve, depressa se alastrando a todo o território onde não estanciavam tropas francesas. Em numerosos casos, a rebelião foi acompanhada por movimentações populares, muitas vezes difíceis de controlar; noutros, manteve-se o controlo da situação, como aconteceu em Viseu ou Arcos de Valdevez. Mas, tendencialmente, a forma de poder emergente
destes levantamentos foi as «juntas», inspiradas no modelo espanhol. Ao todo, ter-se-ão formado mais de s tenta e três junta , embora logo se estaheI cesse uma
hierarquia entre estas. Numa clara reprodução de uma marca genética munici
-pal, a maior parte das juntas sediadas em vilas médias era presidida por juizes de fora, ao passo que, naquelas criadas em sedes de comarca e nas que vieram a ter papel mais destacado (Porto e Faro), outros elementos se evidenciaram, desig-nadamente os bispos das dioceses. Em todo o caso, mais de metade dos membros das juntas fazia parte dos eleitos ou dos elegíveis para as respetivas câmaras nos
A VIDA POLITICA
OS anteriores e nelas pesavam também os oficiais das ordenanças. A guerra
~ . b
aoS franceses e as fonnas de pod l' a que deu lugar p rpetuavam, aSSlm, em oa
dida a hierarquia da 50 iedad local e resp tivos podere . Porém,
apresenta-me , I ., .
"aro dua características novas: um quinto do seus membros eram ec e:lastiCOS (sem as ento nas câmaras) e os segmentos populares
~também
e~c.luld~s
deleições municipais) a cendiam a outro tanto. Esses d01~ ~ementos Impl'Jlne~l~ m cunho específico a uma parte das juntas. Embora mobüizadas em nome do rei
~
da religião contra os hereges, num contexto em que o sermões antijacobinos eram o mote por toda a parte, as formas d mobilização a que as juntas condu-ziram e as ações de guerrilha pOl' elas desencadeadas podiam fugir ao controlo
das elites locais, o que aconteceu com alguma frequência. No entanto, apesar de terem surgido conflitos de hierarquia entre elas, quase nunca reivindicaram uma legitimidade própria para o exercício da sua autoridade.
Junot reagiu com violência. As zonas rebeldes alcançadas pelas tropas fran-cesas conheceram duras punições, como aconteceu em Évora e Beja. De resto, os movimentos das tropas francesas eram fustigados na retaguarda por forças de guerrilha. Na verdade, não existia exército portuguê.s no reino; A 1 de ag?sto,
desembarcaram as tropas inglesas e, conforme se exphca no capltulo segumte, após duas batalhas formais, num mês expulsara~ as forças f~~n~esas, tendo estas
levado como espólio de guerra, com o consentlmento bntamco, tudo quanto conseguiram ...
Se as invasões francesas são, em geral, um dos acontecimentos da histó-ria portuguesa recente mais marcante na memória local, a segunda invasão foi pautada por episódios traumáticos. Comandada pelo marechal Soul~, em
março de 1809, entrou por Trás-as-Montes em direção ao Porto. Ao aproxlmar--se de Braga, espalhou o pânico nas populações responsáveis pela trucidação do general Beroardim Freire de And ade e outros ~ficiais que comand.avam uma pequena força militar portuguesa, sobre os quaIs se lançara a suspeIta de
traição. Ao acercarem-se do Porto as tropa francesas suscitaram novo pânico, consubstanciado no célebre epis6dio da Ponte das Barcas, afundada sob o pe o
da multidão em fuga na direção de Gaia, causando a morte no Douro a dezenas de fugitivos. Os franceses permaneceram fi cidade p ueo mais de um mês.
O desembarque de Wellington 10 Lisboa e a constituição de uma força
anglo--portuguesa, englobando agora tropas portuguesas organizadas pelos comandos
ingle es, em marcha para Norte, foi suficiente para precipitar a retirada do
exército francês para Espanha. Ai acabariam por ter lugar os enfrentamentos.
A terceira invasão desencadeada a partir da Beira, em julho de 1810, foi a que mobilizou maiores efetivos militares: para cima de meia centena de
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
milhares de homens de cada um dos lados. Embora tenha havido apenas um grande confronto entre as duas forças, no Buçaco, a inva ão de Mas ena, general
francês que dil'igiu a ocupação, gerou enorme deslocações de populações em
muitas zona da região centro do reino, incluindo Lisboa, bem como d'isputa
entre os governadores do reino e os comandos miJitares britânico, acusados de
promoverem a prática da «terra queimada» para debilitar os franceses, que se retirariam de Portugal em março de 1811. '
Pelo meio, tivera lugar a Setembrizada, com a deportação paxa os Açores de cerca de cinquenta suspeitos de colaboração com os franceses e d impa-tias políticas jacobinas, alguns dos quais partiram, d pois, daí pc ra
Inglate~ra
em 18lO. Este a ontecimento evoca, d fOl'ma quase direta, uma questãocen-traJ: porque não ocorreu em Portugal nem na colaboração nem na oposição às
invasões france as, um movimento liberal semelhante ao verificado na vizinha Espanha, com a Junta de Sevilha e a convocação das Cortes de Cádis?
Como noutros casos, é possível recordar aspetos divergentes nos dois contex
-tos ib' ricos que ajudam, com seglU'ança, a explicar as diferenças, Ao contrário
do que ocorreu em Espanha, a dinastia reinante portuguesa, onstituindo o princípio essencial de legitimidade do poder, não fora apresada por Napoleão
e, muito embora à distância de um oceano, subsistia como referente essencial.
Foi sob a sua invocação que se fez a rebelião contra os franceses. Porém, importa sublinhar alguns aspetos que sustentaram a evolução dos acontecimentos em Portugal. Por um lado, a presença britânica no país foi sempre mais próxima, inibindo eventuais movimentos subversivos; por outro, a deportação dos sus -peitos (Setembrizada) não se fez por iniciativa britânica, mas por impulso dos governadores do reino, Também é certo que o exército inglês, sob a tutela de William Bel'esford, deixado em Portugal por WelJington, ao mesmo tempo que
ajudou a formar o exército português que participou ao lado dos britânicos na
guerra também contribuiu involuntariamente para diss minar a Maçonaria
no corpo de oficiais portugueses, É possível ainda apontar outras diferenças,
residindo uma delas no facto de o «pequeno partido» que simp tizava com as
«reformas» do Antigo Regime ser, sem dúvida muito mais reduzido em
Por-tugal, mesmo guardadas as proporções. Palmela dirá, muito mais tarde, que
«havia alguns homens convencidos de que o domínio frao ês por certo espaço
de tempo era um mal de qu resultariam beneficios para o país»; usando um
vocabuJário tardio, afirma que «estes homens eram [ ... ] da lasse média dos que tinham alguma instrução adquirida em livros franceses, os quais aspiravam
ver os privílégios aboHdos e o sistema de igualdade de direitos estabelecido em
Portugal». Porém, destaca também que tais atitudes constituíam «excepções»,
A VI DA POliTICA
<pouco num ro as, pouco influentes». Note-s
~
d.res~o,
que Óde~ois
.dasCortes de Cádis de 1812, e de forma gradual, se
fOI
difundldo a expressao«II
be-ra
l» para designar estes individuo, Em todo o caso, nada permite afirmar que
O número de maçons fosse especialmente el vado ant s de 1808,.taJ como nada
garante que os futuros expoentes liberais do
~tismo
pensa~e~,
Já nessa altUl:a,O que pen araromais tarde, Mesmo para
~
maIOr~ar~e
dos Juristas, o que podeafirmar-se de mais seguro é que conheCJam o du'elto natural moderno, que
viria a tomar-se \.lma base para a evolução do seu pensamento. Por exemplo,
Manuel Borges Carneiro, qu será, em 1820, um dos deputados mais radicais
de reputação, esteve detido pelos franceses em 1808 quando era juiz de fora em
Viana do Alentejo, e escreveu então um poema bem ao gosto do tempo, Neste, embora aluda aos direitos naturais, defende a religião como «firme esteio das monarquias», «dos tronos e impérios», e condena «o hórrido ateísmo arreba-tado, la bulhões das lucifugas cavernas, laonde encerrado tinham um Helvitio, I Freret, Bayle, Voltaire e Mirabeau [ ... ] nefandos mestres da impiedade». Um tema que, junto com a condenação da Revolução Francesa ( «horrores que a Gália devastaram») e a exorcização de Bonaparte, será o mote do muito que se
publicou e proclamou nesses anos de guerra, Nos
~nos
subsequentes, ~ ~rovávelque as leitura e as experiências de Borges Carnelro, provedor,em Lema,
o~de
contactou com O ambiente senhorial dos coutos de Alcobaça, ajudem a explIcar a evolução do seu pensamento.Também no campo da oposição aos franceses, as tentativas de promover reformas foram irrelevantes. Costuma falar-se de uma iniciativa de militares no Porto para conferir um cunho liberal à sublevação local e de alguns outros episódios isolados, Contudo, não se detetou um movimento das juntas para, p~r exemplo, convocar Cortes, Aliás, estas formas de organização foram, depOIS, sendo progressivamente substituídas pelos poderes ordinários, como se disse, Do outro lado do Atlântico, 1808 não se traduzira apenas na chegada da famí-lia real portuguesa, mas, em simultâneo, num outro facto marcante: a abertura dos portos do Brasil às nações aliadas, ou seja, a Inglaterra, Assim se punha fim ao exclusivo comercial da metrópole e respetivos negociantes sobre o mercado bra-sileiro, Se a medida foi justificada por D, Rodrigo (feito então conde de Linhares) numa Carta Régia de março de 1810 remetida do Brasil com argumentos de nítido teor smithiano, foi com base nessa mesma fonte de inspiração que o seu rival de sempre, António de Araújo de Azevedo, veio denunciá-lo, logo em 1808 e 1809:
«Qual é o governo que tem adoptado os princípios liberais de comércio expostos
por aquele autor no seu livro intitulado A Riqueza das Nações? [,.,] Segundo o conde de Linhares, de acordo com o sistema de Smith e Sismonde, nada importa
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
tudo isto, porque dos púncípios liberais sobr ditos r sultará o aumento dos capit~is da naç~o e então se estabelecerá naturalmente a indústria que convém
ao
~a
l
s»
.. Ou seja, antes da influência de Cádis <<os princípios liberais» são os do ltberahsmo económico da escola clássica do pensamento e onómico, não os do .liberaJismopolíti~o.
É, afinal, esse o novo sentido que oDiccionario da
linguaPOI tugueza, de MoraI , de 1813, recolhe para Liberal, Livre, franco: {<Tanto que
por n6s lhe foi impedida esta libera I navegação (ao MouJ:Os).»
Nas condições da gu na aos franceses, sobretudo em 1809 e 1810, assitir
--se-á a uma profusão de folhetos de teor conservador e contrarevolucionáJ.io
que terão na demonização de Napoleão o mote mais emblemático. Como antes este tipo de literatura parece antecipar a publicação em portuguê de escritos
do campo cont :ário. As im, uma vez mais, omeçara em 1810 a edição pelo padre José Agostinho d Macedo de uma nova obra do abade de Bal1:uel, neste
caso o seu cé1ebr bl'eviário antimaçónico, as
Memórias
para
a História doJaco
-binismo ...
Porém, a verdade é que foi também nesse cenário de guerra, num contexto
~nde
ospode~
'
~s
di~ISOS
ma] controlavam o que se editava, que urgiu a primeira Imprensa polItIca hberal em Portugal. Trata- e, a vários títulos, de um fenómenoradicalmente novo. Ness curto ciclo paliicipou, entre diversos jornalistas, João Bernardo da Rocha Loureiro. Outro publicista que viria a destacar-se nos anos
sub~equentes,
José tib rato Freire de Carvalho, sintetizou mais ta'd O que entao s~ passou: «Enquanto durou a guen:a om França e os nossos governan-tes preCISavam de nos a energia e entusiasmo para que ela se concluísse a bem deles [ ... ] então tudo s screvia, todos escreviam e a todos era liei to rev lar os seus pensamentos [ ... ]. Mas assim que a guerra se acabou e em vez de um
des-po~ismo militar se começou a estabele er um despotismo civil e religioso [ ...
J
e so conservaram a
Gazeta
de Lisboa como imagem desseAlcorão
nlrco.»°
cicloseg~lÍ~te seria marcado pejo impacto, difeúdo no tempo mas nem por i so menos
deCISIVO, das Cortes de Cádi em Espanha e pela penetração, mais imediata e
im~ossí~el de
on~olar
pelos poderes instituídos, da imprensa portuguesa daemlgraçao em Pans e, sobretudo. em Londres.
°
centro de poder fora restabelecido em Portugal consegui, agoraCOn-~olal
'
o qu sei~primia
no reino, embora não pudesse impedir a entrada dosunpressos que vmham de fora.
°
Conselho da Regência do Reino fora recom-posto, sob a tutele militar inglesa, em setembro de 1808, sendo dela afastados~1~~el1to~
repu:ados olaboracionista ou ausentes. Ao mesmo tempo, tevemlCIO a clJssoluçao da juntas. Desde março de 1809 qu o general Bel'e ford
fora destacado para a reorganização do exército do reino tendo como pdncipal
CA
A VIDA POLITICA
. ter] cutor do lado português responsável pelos assuntos militares e pela
10 • d f
spetiva secretal'ia de Estado, D. Miguel Per ira Forjaz. Estava-se am a na ase re.
em que Wellington e os ingleses eram aclamados como lib rtadores. No entanto, coJJl fim das op rações militares em 1813-1814, a tutela britânica sobre o exér-cito português passou a provocar crescentes tensões com a regência e, sobretudo
com
o mesmo exército. Reorganizado e disciplinado pelos ingleses, existia agoraum noVO corpo militar português que se reputava vencedor da guerra com os franceses ao lado dos britânicos. Já tinha sido maior, mas, ainda assim, com-preendia cerca de 50 000 homens e um corpo de 2000 oficiais, boa parte deles jovens e com experiência de guerra. Acontece que o exército renovado consumia
quase 70% das despesas do reino de Portugal e om o fim da guerra, tornou
-evident que a abertura dos portos do Brasil significava uma quebra sem recuo
nas receitas alfandegárias, agravando, de forma drástica, as dificuldades finan-ceiras. Os atrasos nos soldos tornaram-se correntes até se chegar, em 1820, à iminência da «suspensão de pagamentos» ...
Entretanto, a imprensa da emigração tinha as suas expressões mais significa-tivas no Correio Braziliense, n' O Português e no Investigador Português em Londres;
apoiada por círculos de negociantes portugueses em Londres e, nalguns casos, contando com o discreto apoio governamental do Rio de Janeiro através da embaixada. Esses jornais eram dirigidos por um destacado núcleo de jornalistas que, apesar das cautelas iniciais, foram perseguidos e viram a circulação das suas publicações interditadas pelas autoridades portuguesas. Uma prática intensifi-cada após a conspiração dita de Gomes Freire de Andrade, general experiente e impulsivo feito grão-mestre da Maçonaria «chamada dos Cavaleiros da Cruz»
em maio de 1817. Estas manobras persecutórias chegaram mesmo a atingir a capital inglesa.
Apesar disso, nada conseguiu impedir a ampla difusão da primeira imprensa liberal da emigração em Portugal e no Brasil, elevado a reino autónomo em 1815.
As temáticas e o tom dessas publicações irão variar, mas a crítica ao tratado
de 1810 e ao governo do Rio e à Regência de Lisboa, assim como a defesa da
convocação de Cortes, acabará por constituir traços comuns. Todavia, a conde-nação do despotismo, a defesa da realização de Cortes e a apologia da liberdade, muitas vezes exemplificada com o modelo britânico, não surgem, regra geral, identificadas como um projeto liberal. Só em retrospetiva e muitos anos mais tarde se afirmará, como escreveu Luz Soriano, que «foi a imprensa periódica ou o jornalismo português em Londres quem [ ... ] principiou a difundir entre nós [ ... ] as ideias liberais». São estes os anos em que pode começar a falar-se da formação de uma opinião mais alargada.
o COLAPSO DO IMPERIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
No entanto, não foram estes os escritos mais difundidos durante esse
período. O discurso contrarr· voludonál'io, trallsfmmado em prédica, terá pr _
valecido junto da maior parte da população. Pode mesmo questionar-se e ap· sar da presen a recOrr nte das referências à «Pátria», o tópico d na ionalidade que o duque de Palmela definiu como o sentim nto «mais forte, porque faJa ao coração d todos sem distinção de classe sexo ou idaele», se sobrepôs aos demais. Isto porque. para boa parte da populaçao, a invocação do símbolos tradicionai da ordem legítima não e reportava necessariamente à escala do reino ou da monarquia. Associava-se à rejeição do estranl o do estrangeiro em zonas bem
conhecidas com uma tonalidade antijuclaica, e. quase sempre, em defesa das
pegu nas pátrias locais ameaçadas.
Assim, embora as linguagens fossem partilhadas (as palavras nação e pátria
conheceram nesses anos uma difusão sem precedentes), a questão nacional, com
um cunho cada vez mais antibritânico, era obr tudo uma marca da imprensa
liberal da emigração nos anos posteriores às invasô . francesas. O mI-estar
crescente no exército terá a sua expressão em mai de 1817 na já m ncionada
conspiração d Gomes Freire de Andrade. A r pressão exemplar dos
conspi-radores ajudou a transformá-los em símbolos da nação humilhada. Ainda que
Beresford se encontrasse, de facto, em disputa com a regência portuguesa cOn
-fOlme procurou justificar-se mais tarde, a subI vação apareceu com um unho
antHnglês, dando, assim, o mote para os anos vindouros.
o
PRONUNCIAMENTO DE 1820 E O TRIÉNIO LIBERALOs testemunhos dos cont mporâneos nas suas memórias ão largamente
coincid ntes quando falam dos acontecimentos ocorridos rn 1.820. Xavier
de Araújo refer qu em pOl·tugal s sentia «a humilhação de ser colónia do
Brasil».
Nos
primeiros encontros entre os jurista do futuro Sinéddo(Fernan-des Tomás, Ferreira Borges e Silva Cal'valb ), que tiveram lugar no Porto no
finais de 1817, retoma-se «o objecto habHuaJ das conv rsações dos homens um pou o instruído naquele tempo, era o estado do País: O Rei estava no Brasil
e não havia esperança de que voltass ; na sua ausência uma RegAncia fraca e
um general estrangeiro Governando!». Por sua v z, O 7.<> marquês da Fronteira,
D. José T 'a~imundo de Mas ar nha Barreto, refere que «as ideias de revolução
er~ geraIs»; «uns que conheciam as vantagens do governo repres ntativo,
queriam esse gov mo» mas «todos queriam a orte m Lisboa, porque odia
-vam a ideia de serem colónia de uma colónia». Mouzinho da Silveira dirá, d
A VIDA POLiTlCA
f
01 ·rna mais sistemática: (Em 1.820 o exemplo d Espanha. a ausência do nfl A • •1
f R i, sas mesadas, que el exigia no Ri de Janeiro e a. i. uenCla Ing e~a ~ram
causas do levantamento do Porto, que se fez electncldad ~eral; e nao digam os
hamados realistas que eles o não estimaram nem aplaudiram; porque nun a
:uvi a algum deles
r
...
]
com que nessa época falei senão muitos < plausos econgratulações.» .
De facto, no rescaldo de urna onda antl-francesa, passara-se a uma tor-rente ao ti-inglesa, misturada com a rejeição de ser «colón.ia de .uma c~ló~a».
Este tópico, porém, combinara-se om um outro. Fora-se dlfundrndo a Ideia do
e re so à Cortes, aos parlamentos antigos, tal como tinham sido convocados,
r
ela g última vez, em 1697. Embora com di ' f ' 'erenças enu'e . . , bl' SI, pnnclpals pu1-~jstas
da imprensa emigrada, Hipólito da Costa, Rocha Lour iro Jo é Liberato. tinham defendido a «constituição antiga de Portugal» e a necessidade de se convocarem Cortes. José Liberato justificou as posições então assumidas «por-que não «por-queria assustar o governo [ ... ] e porque, enfim, sabia muito. be~ que as Cortes velhas traziam no ventre as Cortes novas». Em todo o caso, a Ideia de que deveria convocar-se Cortes por ser isso conforme com a constituição tradicional da monarquia portuguesa, esquecida durante mais de um século, foi um tema central desses anos. Embora ninguém estivesse muito seguro de como se teriam as mesmas organizado nesses tempos remotos.Os novos protagonismos políticos serão gerados direta e imediatamente por dois grupos. De um lado, por juristas formados no direito natural moderno em Coimbra e participando da intensa socialização política dos anos do pós-guerra; de outro, por militares. Note-se que, entre estes, contavam-se elementos cujo percurso anterior e destino seriam divergentes. O centro da conspiração era o referido Sinédrio, uma associação secreta que se formara na cidade do Porto, de início com juristas já ligados à Maçonaria. O movimento estendeu-se, depois, a outros elementos, nomeadamente a militares, como Bernardo Sepúlveda e Sebastião Cabreira, mas também António da Silveira, descendente de uma influente família duriense e irmão do governador de armas da província trans-montana. O Sinédrio chegou a ter uns estatutos em que prometia fidelidade à Casa de Bragança no caso de romper «um movimento anárquico ou revolução». A deslocação de Beresford ao Brasil, aparentemente para reforçar a sua auto-ridade junto da regência, e a eclosão do pronunciamento liberal em Espanha criaram as condições para que se avançasse no sentido de uma movimentação razoavelmente preparada.
A 24 de agosto de 1820, no Porto, onde o movimento se iniciara, as forças
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
António da Silveira, uma Junta Provisional. A 2 de setembro, a regência, para
trava~ o; revoltosos, t~ma a iniciativa de convocar Cortes, mas, a 15 de setembro,
eclodua um pronuncIamento em Lisboa, que, por entre vivas à Junta do Porto e promessas de «constituição» conduziu à criação de um governo interino.
Um
acordo firmado em Alcobaça, a 27 de setembro, selará o entendimento entre os dois paios e ditará a formação de uma Junta unificada em Lisboa. S6em meados do mê de outubro a notícia chegou ao Brasil.
Porém, quando s preparava a convocação de Cortes, ocone novo confronto, desta feita entre o «partido militar», que incluía oficiais de variada tonalidade poütica - futuros miguelistas, como Silveira, e notórios liberais, como Sá. da Ban-deira -, e os civis, «bacharéis e desembargadores», que repartiam a chefia do movi
-m nto vinti ta. No pronunciamento da Martinhada, a 11 de novembro de 1820, o partido militar reivindicava a proclamação da Constituição espanhola de Cádis de 1812 com as «modificações convenientes», mas nunca «menos liberais»,
apa-rentemente com o intuito de assegurar a supremacia dos militares no processo. Contudo, foi sol de pouca dura, visto os civis, entre os quais destacava se Manuel Fernandes Tomás, terem acabado por retomar o controlo da situação, afastando os militares. Entretanto, a matriz do r gime fora definida. As Cortes não seriam convocadas à maneira tradicional ou eja, pelos três braços do Clero, Nobreza e Povo, e assegurou-se,
à
partida, Ulll papel de l:elevo para a s bemnia da Nação, com base no princípio de que as bases da futura constituição seriam recuperadas da de Cádis de 1812 que inspirava também o método de eleição do d putados. Assim, em dezembro de 1820 os deputados eliam eleitos em eleições inru-reta~, sem, no en~anto, se conhecerem limitações do direito de voto em função
da nqueza ou da mstrução, embora se saiba não ter sido maciça a participação. Entre fevereiro e março de 1821, votaram-se a «Bases da Constituição», que, no
es~encial, configuraram o futuro texto constitucional. Comefeito, Jogo se
deter-mmou que «a soberania» residia «em a Nação», como vinha no texto gaditano; apenas se concedia ao rei veto suspensivo sob r as decisões das Cortes, deposi
-tárias do poder legislativo; adotava-se um modelo unicamaral, ·ecusando-s , por larga maioria, uma segunda câmara. De entre alguns aspetos essenciais, dizia-se que a «Nação Portuguesa é a união dos Portugueses de ambos os hemisféIios [ ... ]. A sua Religião é a Católica Apostólica Romana», ou eja, a Nação abrangia os portugueses do ultramar e tinha uma religião oficial; as Bases incluíam, no ioldo, uma declaração de direitos que consagrava, entre outros, o princípio da igualdade e o da liberdade de pensamento.
Em larga medida, a votação das Bases circunscreveu, como se pretendia, o que virá a er o futuro texto constitucional. A forma do sufrágio, porém,
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A VIDA POLíTICA
SÓ ficou decidida na votação do texto constitucional, .p:ssando
~ ~e~
direto aO contrário da Constituição espanhola), sem restnçoes censltanas mas( 1. do os menores de 25 anos, os dependentes, os eclesiásticos regulares
exC UIn . . - d C'd·
para futuro, os analfabetos. Exigia, tal como a ConstItUlçao e a IS, uma
e, da em bens próprios para se ser eleito deputado. Em todas as questões
cen-ren d d . .
. elativas à configuração dos poderes, os eputa os vmtIstas, ao mesmo
traIS r - . .
que se revelaram moderados na sua produçao legIslatIva, optaram por
tempo . .
odeIo constitucional fortemente lImItador dos poderes do monarca,
um m h· . d bl·· l·b I
ainda ausente no Brasil. Anos mais tarde, o Istona ar e pu IClsta I era Alexandre Herculano dirá que a Constituição de 1822, decorrente do labor dos deputados, «rodeara o trono de instituições
republi~a~as».
O facto de quase todas essas opções terem sido votadas por ampla maIOna, bem como todas as ulteriores apropriações políticas do texto constitucional, algumas de cunho radical, reforçou essa leitura republicana da Constituição de 1822. No entanto, além das influências externas, desde logo espanholas, condicionantes do modelo constitucional vintista, declaradamente confessional (recorde-se que reconhecia a religião Católica como a religião da Nação) e acompanhado d: uma ação governamental pautada por um reformismo moderado, o mesmo so ode ser entendido no contexto político de uma assembleia reunida à margem~e
um rei ausente noutro continente, cujas intenções se desconheciam. Tal como na Constituição de Cádis de 1812 e na generalidade das constituições latino-americanas elaboradas nesses mesmos anos, é a ausência ou distân-cia do poder monárquico que explica o recurso à Nação como fundamento constitucional quase exclusivo, embora o texto constitucional português se distinga dos antecedentes em vários pontos. Com efeito, no textogadit~no
(cap.!. 0, artigo 3.°) diz-se: «A soberania reside essencialmente em a Naçao.e por isso pertence a esta exclusivamente o direito deestabe~ecer
as suasle~s
fundamentais.»; enquanto na Constituição portuguesa (artIgo 26.°) se fazIa diverso acrescento à mesma declaração: «A soberania reside essencialmente em a Nação. Não pode, porém, ser exercitada senão pelos seus represent.antes legalmente eleitos. Nenhum indivíduo ou corporação exerce a autondade pública que não derive da mesma Nação.»No entanto, não obstante a pluralidade de influências invocadas e da ampla panóplia de autores citados nos debates, a Constituição de 1822 não foi o pro-duto de constituintes republicanos, antes de deputados que tiveram de optar no cenário incerto antes referido. O moderado Francisco Trigozo, várias vezes eleito presidente das Cortes, integrava o grupo dos que consideravam que, com a Constituição, «a facção liberal pretendia expressamente aniquilar o poder Real,
o COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO IMPERIAL
deixando em EI-Rei um simulacro de Majestad )); ontudo, r conh da que, nas
const~tuintes, «chegou-s: a juntar quase tudo
°
qu havia de bom no reino, pOr autondade e saber [ ... ] nao se desprezavam inteiramente o homens moderadose menos se insultavam: às vezes uniam-se a estes ou todos ou p l'te dos liberais: e, outras, eram os moderados que venciam». A malor parte dos deputados era
composta por jurista ou canonista com formação em Coimbra, cerca d·· Um
quinto professores e quase outros tantos oficiais do exército. Em síntese, ape -sar das características do texto constitucional aprovado parece insustentável a
ideia de que a esmagadora maioria dos deputados que o sancionaram possa s r
definida como republicana ou, menos ainda, (jacobina».
Por certo, o regime vintistél revelou-se intransigente no que se r porta à
exigência de jUl'éU fideUdade do poderes e instituições pre xistentes. A questão colocou-s logo quando o Cardeal-Patriarca, D. Carlos da Cunha e Meneses, não
quis jurar as Bases da Constituição. Conforme explicava, em março de 1821,
o deputado Ferreira de Moura: «O Pod r Civil [ ... ] determinou as Bases da Constituição para serem juradas, e à decisão deste Poder Civil, e Soberano, é
que o Cardeal-Patriarca desobedece: logo, se um Eclesiástico, não obedecendo
à
determinações do Poder Judiciário d ve s r desnaturalizado, parece que não obedecendo o Cardeal-PatLiarca a uma Lei da Soberania, com mais rigor deveser julgado, e com mais razão sofrer a pena de desnaturalização.» De resto,
tam-bém a primeira nobreza, ou seja, os donatários e comendadores, teria de jurar várias vezes textos constitucionais, e a recusa em jurar a Constituição, quando regressou do Brasil, foi a base da oposição da Rainha Carlota Joaquina ao novo regime. No entanto, a legislação das Cortes pautou-se, em regra, por uma atitude de moderação em relação aos poderes tradicionais. Como tantas vezes se deixou expresso, não era intenção hostilizá-los.
Os liberais vintistas extinguiram, em março de 1821 por unanimidade a
Inquisição. Não voltaria a ser restaurada. Aboliram também os privilégios d
foro, porém, a maior parte dos deputados, ao mesmo tempo que reputava
de duvidosa utilidade o clero regular, reconhecia um papel social essencial ao
lero paroquial. Dest modo, aprofundando orientações que vinham de trás, pois o número de frades e freiras estava já em franco declínio, restringiram-se ainda
mais as admissões nos mosteiros, sendo que a ideia passava pela extinção gradual dos mesmos. Pelo contrár.io, o pap 1 fundamental que pretendia conferir-se aos párocos levou a que o regime os li asse amiúde como instrumento de difusão das
p~ó~rias i~iciativas políticas e, em resposta a um importante movimento peti
io-nano de parocos, chegou mesmo a existir um projeto de aum oto das côngruas.
Em todo o caso, a matriz que o vintismo definiu foi aquela que se concretizou
A VIDA POLiTICA
liberalismo triunfante. A uprema ia do pod I.' civil não chocava com a
com o . . . .
função essencial que se pretendia confenr ao 1 r.o . ular. ._
As Cortes foram invadidas por dezenas de nulhares de petlçoes de
tod~
o ti O de pessoas, gruposinstit~tiçõe,
em~ar
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te CO~10
resultado datra~sferen
-.p d expediente de organismos da Adrnullstraçao Central e, tambem, p la Cla t tiva renovada a autoridade reconhecida que os levava a acreditar que
expea . E ' "
o poder \,0 Soberano Congresso)) pode na
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r sproble~as.
mm~tenas
á
.
as Cortes votaran1 logo em abnl de 1821, uma lel dos cereaI queagr nas, , . ' b .
tegia a grande lavoura deveria fazer subU' os preços. Tambem rece elam
~~~ias
petições, umas a favor e outras contra a Companhia das Vinhas do~to
Douro. Debateram muito o assunto e
restringi~am
algun.s dos :eus exclUSIVOS,O entanto terem sido capazes de assumIr uma onentaçao clara quanto
sem, n , . - d
a este assunto. Sobre a questão dos forais, que suscitara dezenas de
p~tl!oes
a Beira Litoral e Estremadura e gerou prolongada discussão, as Corteshmlta~am-reduzir os direitos para metade, prevendo a sua ulterior remissão a tItulo
-se a ' .
nerosO ou seja, tendo de pagar para o efeito. Uma legislação a que os propnos
~onferi;m
um carácter emblemático e quiseram publicitar com insistência, masà qual deram uma resposta bem mais moderada do que a
con~edi~a
em 1832.Aprovara-se o princípio de que os ben: da
co~oa ~ra~ ~ens
naCIOnaIS, o~ue,
no imediato, não teve grandes implicaçoes. As lllstItmçoes e pessoas que tlllham recebido doações régias passaram a denominar-se, como o Mosteiro,~e
Alcobaça,«donatários da Real coroa e soberania Nacional» ... Outras matenas, como o comércio e a indústria, tinham uma ligação profunda com as expetativas sobre o Brasil. De resto, após grande discussão, as Cortes consagrariam uma variante em relação à Constituição de Cádis ao concederem a cidadania portuguesa aos
«escravos que alcancem carta de alforria».
Na verdade, o território do Reino Unido continuava a abranger todas as pos-sessões anteriormente administradas pela coroa portuguesa «na Europa [ ... ] na América, [ ... ] na África [ ... ] [e] na Ásia». No entanto, a questão da escravatur~,
tema central no Atlântico e na agenda política internacional, seria uma maténa a que as Cortes procurariam esquivar-se. . .
Um terreno relevante era o das instituições locais. O facto de a ConstItUI-ção de Cádis conferir um enorme destaque aos municípios tem levado
~i:ers~s
autores a encarar essas dimensões como uma cedência aos poderes tradICIonaIs e corporativos, falando, a propósito, de «uma cabeça moderna» com «um corpo gótico». Embora retomando, em parte, o texto gaditano, a,C.onstituiçãod~
18::2é bastante menos extensa no que estabelece sobre tais matenas. A reorgamzaçao dos poderes municipais foi alvo de longo debate, no entanto, as Cortes pouco