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EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E O CONSUMO DE MÚSICA AO VIVO: interação público e ambiente como fator de fortalecimento do circuito independente

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EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E O CONSUMO DE MÚSICA AO VIVO: interação público e ambiente como fator de fortalecimento do circuito independente

Suzana Maria Dias Gonçalves Universidade Federal de Pernambuco – UFPE

Resumo

Após a grande crise enfrentada pela Indústria Fonográfica por volta de 1990 e o surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação, assistiu-se à reorganização da indústria da música, que resultou, entre outras coisas, na valorização do mercado de música ao vivo e no aumento da produção de música independente. Com isso, criaram-se espaços de circulação independente em que a interação entre público e ambiente surge como importante fator para o fortalecimento desses circuitos culturais. O artigo propõe-se a mostrar que as relações de afeto do eu com o objeto no tecido urbano, mediante a sensibilidade perceptiva do processo proposta por Dewey, estão sujeitas à consumação de experiências estéticas mais facilmente que em outras práticas de consumo, fator que contribui para o fortalecimento desses espaços.

Palavra-chave: Experiência estética; percepção estética; consumo musical; circuito cultural; música independente

Introdução

Não é novidade que, desde a segunda metade dos anos 1990, a indústria da música vive um momento de transição. Assistimos à crise do modelo tradicional da Indústria Fonográfica e o consequente crescimento da valorização da música ao vivo, materializada nos shows de músicos contratados por grandes gravadoras e, principalmente, nos festivais independentes realizados pelo país afora, importantes meios de circulação para artistas que, na maioria das vezes, se encontravam à margem das grandes companhias fonográficas.

Se antes prevalecia a tradicional indústria do disco, com gravação sofisticada, comercialização em grandes lojas, divulgação e consumo através dos tradicionais meios de comunicação, como a TV e o rádio; hoje, os custos com produção foram barateados, estúdios caseiros viabilizaram a gravação de trabalhos independentes, canais de comunicação na Internet facilitaram a circulação e divulgação de discos, ou seja, criaram-se novos canais de consumo, por meio da venda de música por empresas de telefonias e videogames,

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constituindo uma importante forma de reorganização do mercado (HERSCHMANN, 2011). E tudo isso contribuiu, entre outras coisas, para o fortalecimento de consumo musical nos espaços urbanos.

Embora o cenário seja de mudanças, observa-se que antigas práticas permanecem, a exemplo da força que o rádio ainda exerce na cultura como meio de consumo imediato de música. O pesquisador Henry Jenkins (2009) avaliou que essa nova configuração caracteriza-se como uma “cultura da convergência”, em que novas e velhas mídias coexistem e produtores e consumidores têm maior interação.

Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas. [...] Cada vez mais, líderes da indústria midiática estão retornando à convergência como uma forma de encontrar sentido, num momento de confusas transformações (JENKINS, 2009, p.33).

Na mesma direção, André Lemos (2009) aponta que o novo formato de consumo, produção e circulação da informação é configurado por um sistema aberto de comunicação, em que o consumidor também passa a assumir o papel de produtor de maneira colaborativa e participativa. O autor chamou o novo formato comunicacional de “pós-massivo”, mídia que funcionaria como verdadeiro canal de diálogo, no qual a conversação se daria na produção e nas trocas informativas entre atores individuais ou coletivos.

É importante compreender que a nova paisagem comunicacional não aniquila o poder e a força dos meios massivos, mas faz emergir outra esfera onde a emissão não é controlada, onde a conexão planetária dá o tom a uma reconfiguração da indústria cultural, das formas sociais e da produção e da circulação de informação. [...] A nova esfera conversacional se caracteriza por instrumentos de comunicação que desempenham funções pós-massivas (liberação do pólo da emissão, conexão mundial, distribuição livre e produção de conteúdo sem ter que pedir concessão ao Estado), de ordem mais comunicacional do que informacional (mais próxima do “mundo da vida” do que do “sistema”), alicerçada na troca livre de informação, na produção e distribuição de conteúdos diversos, instituindo uma conversação que, mesmo sendo planetária, reforça dimensões locais. (LEMOS, 2009, p. 03).

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Em meio à reorganização da indústria da música, observa-se que cada vez mais públicos são formados por afinidade e gostos em comum do que por gostos padronizados pelos meios massivos de comunicação. O mercado massivo deixa de ser hegemônico, abrindo espaço para o mercado de nicho local e global, o que gera públicos para consumo de produtos midiáticos segmentados, a exemplo dos circuitos independentes de música.

Chris Anderson (2006) classificou esse fenômeno de “mercado de Cauda Longa”, em referência à “cauda” formada ao longo do gráfico, cujos dados representam a relação do número de venda de produtos populares versus produtos não-comerciais. Segundo o autor, a venda de produtos de nicho, ou seja, de produtos não-massivos tem se tornado um negócio lucrativo para a indústria, visto que a soma de suas vendas consegue ser maior que a venda de um produto de massa separado.

A música em si não caiu em desfavor – muito ao contrário. Nunca houve melhores tempos para artistas e fãs. A Internet é que se tornou o veículo favorito para se escutar música. O que caiu em desfavor foi o tradicional modelo de marketing de vender e distribuir música. O sistema de produção e distribuição de músicas, que atingiu proporções gigantescas, nas costas das máquinas de fabricar sucessos do rádio e da televisão, gerou um modelo de negócios dependente de grandes hits de platina – e hoje já não existe tanto arrasa-quarteirão. Estamos testemunhando o fim de uma era (ANDERSON, 2006, p.34-35).

No mundo da música, por exemplo, pode-se tomar o caso das gravadoras independentes, que atualmente abocanham juntas importante fatia do mercado de discos. A busca por gêneros mais marginalizados pela grande mídia tem crescido nesse mercado de nicho, como a procura pelo gênero indie rock. Para se ter uma ideia da importância do mercado especializado, as gravadoras indies representam juntas 28,4% do mercado de fonogramas, de acordo com a última pesquisa apontada pela International Federation of the Phonographic Industry (IFPI)1, mais que a fatia de cada uma das quatro grandes gravadoras multinacionais, a saber Universal, Sony BMG, EMI e Warner, que ocupam, respectivamente, 25,5%, 21,5%, 13,4% e 11,3% das vendas de discos no mercado.

O ex-executivo de gravadoras multinacionais, Pena Schmidt, avalia as transformações do mercado fonográfico, em reportagem do jornalista Marcus Preto, publicada na Folha de São Paulo online.

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Os tempos são contraditórios para quem faz a nova música do Brasil. Um artista pode "acontecer" -- fazer música e viver dela-- mesmo que ninguém fora de seu segmento se dê conta da existência dele. "Em vez de 'música de massa', definitiva e industrial, hoje temos a 'música da maioria', em que o ouvinte comum pode se inserir em muitos momentos --mas já não mais em todos eles, como antes. Esta é a diferença: a maioria é flutuante e volátil e não mais um território dominado", diz Pena Schmidt, ex-executivo e produtor de gravadoras multinacionais que atualmente comanda a programação de shows do Auditório Ibirapuera. (PRETO, 2012).

Isso justifica, por exemplo, o fortalecimento de uma nova geração de musicos brasileiros, rotulada pela crítica especializada de “Nova MPB”, que submetidos às novas lógicas do mercado, encontram novas formas de produzir, comercializar e circular seus produtos midiáticos, na maioria das vezes de modo independente, fazendo uso de plataformas digitais para disponibilizar e fortalecer a circulação do produto, dentre outras estratégias. Artistas como Rômulo Fróes (SP), Cícero (RJ), Curumin (SP), Céu (SP), Tulipa Ruiz (SP), Lucas Santtana (BA), Marcelo Jeneci (SP), Nina Becker (RJ), Karina Buhr (PE), Otto (PE), Catatau (CE), Wado (AL), Momo (RJ), Criolo (SP) e tantos outros protagonizam essa nova safra.

Ainda segundo a reportagem da Folha, artistas como Karina Buhr e Céu vivem no top 10 da Livraria Cultura e o primeiro disco da Tulipa já vendeu mais que os últimos dos consagrados Caetano Veloso e Gilberto Gil. Por outro lado, no mercado pirata movido pelos camelôs o que prevalece é a cultura de massa, onde os hits de artistas mainstream são os mais procurados e os novos músicos, praticamente desconhecidos, como aponta o diálogo do jornalista Marcus Preto com um vendedor de camelô na reportagem.

Na reportagem online do jornal O Globo, o jornalista Leonardo Lichote avalia o surgimento dessa geração como uma nova cena musical brasileira, conectada tanto no ambiente virtual quanto nos espaços urbanos.

Alguma coisa acontece no coração da nova música popular brasileira quando cruza certas esquinas paulistanas neste início de século XXI. Aos poucos, nos últimos anos, uma geração de artistas baseados em São Paulo, de diferentes motivações e origens (Paraná, Recife, Ceará, Rio e mesmo a capital paulista), vem trocando ideias, e-mails, arquivos MP3, mensagens no Facebook, links do MySpace - produzindo muito e alimentando uma cena que agora, madura, se configura como a mais consistente do país, apesar do pequeno alcance comercial. Pode ser cedo para afirmar, mas talvez pela primeira vez desde a década de 60, quando foram realizados os festivais e os programas da paulista TV Record (como "Jovem Guarda" e "O fino

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da bossa"), São Paulo concentre os olhares de quem está interessado nos rumos da futura MPB (LICHOTE, 2010).

Na edição de julho de 2008 da Revista Bravo!, José Flávio Junior e Marcio Orsolini também tentaram definir o que seria a “Nova MPB”.

Eles não têm manifesto. Não formam um movimento articulado. Por não se sentirem na obrigação de se opor a um estilo anterior, têm liberdade e abertura para qualquer influência – e, entre essas influências, valorizam principalmente a MPB tradicional. Afinados com os novos tempos, divulgam suas obras pelo MySpace. Não são artistas-solo, como os da bossa nova dos anos 60, nem formam bandas, como os roqueiros dos anos 80. Trabalham colaborativamente. Em alguns momentos, formam núcleos de criação que são verdadeiroas incubadoras de talentos; em outros, se recolhem para criar trabalhos solo. (FLÁVIO JUNIOR; ORSOLINI, 2008, p.90).

Embora pouco conhecidos, esses músicos independentes têm cada vez mais se fortalecido no mercado, com plateias cada vez maiores nos shows, e muitos deles se tornando populares, embora continuem à parte da indústria, a exemplo de Céu, Criolo e Otto.

Experiência estética e o consumo de música ao vivo no circuito independente

Em Arte como Experiência, John Dewey (2010) diz que o “sentimento de comunhão gerado por uma obra de arte pode assumir um caráter decididamente religioso” (p. 467). A afirmação é ainda mais assertiva se pensarmos no consumo de música em circuitos culturais de música independente, como as pequenas casas de shows ou as dezenas de festivais independentes que acontecem anualmente em todo o país. Nessa cena, músicos, críticos e fãs disponibilizam seu tempo não só para a produção e o consumo de música, mas também para reflexão dessas práticas (JANOTTI, 2011), à medida que fãs tornam-se produtores de festivais do gênero ou novos críticos culturais, ao divulgar o circuito na Internet, para ficarmos em alguns exemplos. Circular nesses espaços, então, envolve afetos, relações sociais e experiências estéticas daqueles que criam relações de consumo com o ambiente. Para Dewey (2010), “toda experiência é resultado da interação de uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela vive” (p.122) e acrescenta que

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Nenhuma experiência isolada tem a oportunidade de se concluir, porque o indivíduo entra em outra coisa com muita precipitação. O que chamado de experiência fica tão distante e misturado que mal chega a receber esse nome. (DEWEY, 2010, p. 123).

No entanto, para que ela tenha um caráter estético, singular, é necessário que haja a sensibilidade perceptiva está presente na interação entre organismo e ambiente. “A percepção de uma relação entre o fazer e o estar sujeito a algo permite compreender a ligação que a arte como produção, por um lado, e a percepção e apreciação como prazer, por outro, mantêm entre si” (DEWEY, 2010, p.126).

Na relação de músicos e ouvintes com o circuito independente há certamente um comprometimento maior ao consumo, uma vez que, diferente de outras práticas de consumo, a experiência estética se dá mediante um olhar mais atento e interativo com o que acontece ao redor. A experiência vivida nesses espaços urbanos torna-se, nesse sentido, um lugar privilegiado de fruição musical, uma vez que a interação dos atores sociais do universo musical com o tecido urbano amplia as possibilidades de experiência diante das relações sociais possíveis, que nem sempre são geradas na escuta individual de um CD no player ou do mP3 no iPod em casa. Isso porque estas últimas práticas muitas vezes se dão simultaneamente a outras atividades diárias, como correr, tomar banho, dirigir, e, por isso, nem sempre são consumidas com escuta mais dedicada.

Nesse último caso, a experiência torna-se limitada diante de um desequilíbrio da percepção entre o estar sujeito e o fazer, ou seja, quando as interações se perdem nos excessos de estímulos ou na falta de tempo/atenção necessários para processá-las, muitas vezes comum na cultura contemporânea. Isso dificultaria a transformação dessas interações em experiência singular, como aponta Dewey (2010).

O gosto pelo fazer, a ânsia de ação, deixa muitas pessoas, sobretudo no meio humano apressado e impaciente em que vivemos, com experiências de uma pobreza quase inacreditável, todas superficiais. Nenhuma experiência isolada tem a oportunidade de se concluir, porque o indivíduo entra em outra coisa com muita precipitação. O que é chamado de experiência fica tão disperso e misturado que mal chega a merecer esse nome. [...] O indivíduo passa a buscar, mais ainda inconscientemente do que por uma escolha deliberada, situações em que possa fazer o máximo de coisas no prazo mais curto possível. (DEWEY, 2010, p. 123).

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Já do ponto de vista de Immanuel Kant (2005), a experiência estética é caracterizada por um sentimento de “prazer desinteressado”, meramente contemplativo, visto que não satisfaria a qualquer interesse prático ou propósito ulterior. Desse modo, para o autor, a experiência não depende da existência do objeto, mas do sentimento gerado pela sua representação. Isso poderia, em um primeiro momento, desconstruir a ideia de que a interação do público de um festival com o circuito cultural deveria se dá de modo desinteressado para que fosse promovida uma experiência estética, uma vez que a relação de prazer kantiana é indiferente ao objeto.

Chama-se interesse ao comprazimento (a) que ligamos à representação da existência de um objecto. Por isso um tal interesse sempre envolve ao mesmo tempo referência à faculdade da apetição, quer como seu fundamento de determinação, quer como vinculando-se necessariamente ao seu fundamento de determinação. Agora, se a questão é saber se algo é belo, então não se quer saber se a nós ou a qualquer um importa ou sequer possa importar algo da existência da coisa, mas sim como a ajuíza-nos na simples contemplação (intuição ou reflexão). [...] Quer-se saber somente se esta simples representação do objecto em mim é acompanhada de comprazimento, por indiferente que sempre eu possaser com respeito à existência do objecto desta representação. Vê-se facilmente que se trata do que faço dessa representação em mim mesmo, não daquilo em que dependo da existência do objecto, para dizer que ele é belo e para provar que tenho gosto. Cada um tem que reconhecer que aquele juízo sobre a beleza, ao qual se mescla o mínimo interesse é muito faccioso e não é nenhum juízo de gosto puro. Não se tem que simpatizar minimamente com a existência da coisa, mas pelo contrário ser a esse respeito completamente indiferente, para em matéria de gosto desempenhar o papel de juiz. (KANT, 2005, p. 50).

De fato, a noção de experiência estética deweyana refuta a noção kantiana do prazer desinteressado, à medida que Dewey (2010) defende que numa experiência estética há elementos de busca, uma pressão para ir adiante, ou seja, há uma intenção consciente na relação entre sujeito e objeto. Para ele, entre a existência e ausência de um fim prático, situam-se atos sucessivos carregados de sentimentos que se conservam e se acumulam em direção a uma consumação de um processo.

[...] o interesse não recai exclusivamente, ou talvez não principalmente, no resultado consderado em si (como no caso da mera eficiência), mas sim no resultado como desfecho de um processo. Há interesse em concluir uma experiência. É possível que essa experiência seja rejudicial ao mundo, e que sua consumação seja indesejável. Mas ela tem caráter estético. (DEWEY, 2010, p.115).

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Afinal, para Dewey (2010), o ser humano carrega um “repertório” de percepções/vivências/conhecimentos acumulados de experiências passadas, que vão transformar de modo determinante experiências estéticas ulteriores, já que “a experiência é uma questão de interação do organismo com seu meio, um meio que é tanto humano quanto físico, que inclui o material da tradição e das instituições, bem como das circunvizinhanças locais” (p.430).

Desse modo, seria ultrajante afirmar que as experiências vividas pelos atores sociais do mundo da música nos circuitos culturais os quais frequentam fossem compostas de interações desprovidas de emoções e desejos. Para Dewey (2010), a busca do desejo e a satisfação da necessidade são elementos que levam à consumação de uma experiência estética numa relação do organismo com o ambiente externo. É o prazer interessado na peça musical que está sendo executada, no consumo da crítica cultural que divulga o circuito, na compra de artefatos musicais, como CDs, DVDs, camisetas e tudo quilo que envolve aquele universo musical, que levam aqueles consumidores a experimentarem emoções de caráter estético.

No entanto, acredito que o problema da noção kantiana não é pensar que a satisfação de uma necessidade prática ou de um desejo pessoal impossibilita a concretização de uma experiência estética, mas pensar que na satisfação dessas necessidades não possa haver uma interação apaixonada e consciente da criatura viva e o meio com o qual se relaciona. Em ouras palavras, os objetos perderiam seu valor estético se usados para satisfação de desejos pessoais e necessidades práticas sem emoção apaixonada, tal qual ocorre quando alguém ouve distraidamente uma música apenas para praticar exercícios físicos, sem se ater às qualidades plásticas da peça musical. Possivelmente, nesse caso, se caracterizaria um experiência comum em relação ao consumo daquela música, ao invés de uma experiência prorpiamente estética. Mais uma vez aqui, recorremos à importância da ação perceptiva do ponto de vista deweyano.

Quando somos apenas passivos diante de uma cena, ela nos domina e, por falta de atividade de resposta, não percebemos aquilo que nos pressiona. Temos de reunir energia e coclocá-la em um tom receptivo para absorver. [...] Há um trabalho feito por parte de quem percebe, assim como há um trabalho por parte do artista. Quem é por

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demais preguiçoso, inativo ou embotado por convenções para executar esses trabalhos não vê nem ouve. (DEWEY, 2010, p.136-137. Último grifo meu).

Considerações finais

Embora a reflexão permita pensar que na cena musical independente há uma grande disposição de consumidores a vivenciarem experiências singulares, não se pretende aqui afirmar que em toda relação entre músicos, produtores, jornalistas e audiência que acontece nesse circuito cultural ocorra uma experiência estética, visto que entram em jogo condições e dimensões diversas da relação sujeito-meio ambiente, não podendo ser caracterizada pelo organismo ou meio exclusivamente. Trata-se de defender que nesse tipo de interação - principalmente nos novos tempos da indústria da música, em que a promoção de concertos ao vivo cresceu significativamente em resposta à queda do consumo de música em suportes materiais, como o CD – certamente é um ambiente potencialmente favorável para a consumação de experiências estéticas, uma vez que se verifica uma pré-disposição maior por parte dos consumidores que frequentam o circuito, partilham sentimentos de afinidade, consumem demais artefatos midiáticos atrelados àquele ambiente, trocam experiências e se relacionam emotivamente uns com outros e com o meio, ora de maneira tensiva, ora de maneira afetiva, que caracteriza o universo cultural e compreende não apenas elementos estéticos, mas também elementos de interação sociais e econômicos.

Com a segmentação e, consequentemente, proliferação de nichos de mercado, diversos gêneros e cenas musicais atraíram consumidores fiéis, que passaram de mera audiência passiva, cujo consumo se restringia ao que as grandes gravadoras disponibilizavam, para uma audiência que também participa ativamente dentro circuito cultural. Muitos fãs acabam se tornando também mediadores, ao incentivar promover o circuito em seus blogs e sites de compartilhamento, e também produtores, à medida que criam festivais independentes em suas cidades e fomentam essa cadeia cultural.

Conclui-se que, assim, tal iniciativa consiste numa espécie de retroalimentação para o mundo cultural, permitida por uma experiência perceptiva resultante dessa interação da criatura viva e o meio em que vive. Ou como diz Lemos (2009),

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As tecnologias da comunicação e interação digitais, e as redes que lhe dão vida e suporte, provocam e potencializam a conversação e reconduzem a comunicação para uma dinâmica na qual indivíduos e instituições podem agir de forma descentralizada, colaborativa e participativa. (LEMOS, 2009, p.3).

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