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Crianças na internet: conhecendo um blog e seu autor Joana Loureiro Freire UERJ

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Academic year: 2021

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Crianças na internet: conhecendo um blog e seu autor

Joana Loureiro Freire UERJ O presente artigo faz parte da pesquisa de doutorado em andamento intitulada:  “Crianças e internet: possibilidades de criação1” que investigará a atuação da criança na  internet  como  produtora  de  conteúdo  e  propagadora  de  informação  e  conhecimento  através de blogs, grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, participações no  aplicativo Instagram, pretendendo qualificar esse acesso, entendendo as crianças como  produtoras  de  conteúdo  digital.  Este  trabalho  apresenta  reflexões  sobre  o  primeiro  contato  de  campo  com  um  dos  interlocutores  da  pesquisa,  Caio,  11  anos,  um  aluno  especial sem diagnóstico definido, mas que apresenta dificuldades de leitura e escrita.  Ele possui um blog, que foi criado com o estímulo de sua mãe e é administrado por ela,  onde publica os desenhos que faz. O contato com o blog do Caio e com sua história fez  com  que  algumas  questões  surgissem:  sendo  considerado  um  aluno  especial,  qual  a  relação da criação de um blog com o desenvolvimento de suas habilidades de leitura e  escrita?  A  escola  aproveita  esse  espaço  criado  para  incentivar  a  ampliação  dessas  habilidades  por  Caio?  Como  sua  família  aproveita  esse  espaço?    Considerando  sua  dificuldade em ler e escrever e sua facilidade em desenhar, podemos concluir que ele  utiliza  os  desenhos  como  forma  de  expressão,  de  mostrar­se  ao  mundo.  As  escolas  frequentadas  até  hoje  por  Caio  não  valorizaram  o  seu  interesse  e  desenvoltura  em  desenhar. Caio fez o blog em maio de 2012 e as legendas que aparecem nos desenhos  continuam  sendo  simples  e  não  há  nenhuma  evolução  na  escrita  dele  no  blog.  Sua  família  segue  buscando  formas  de  incentivá­lo  e  a  sugestão  de  sua  mãe  para  que  ele  criasse  o  blog  é  prova  disso,  mas,  provavelmente  por  falta  de  conhecimento  ou  por  receio de que ele desista, a família ainda não o estimula a ampliar seus passos.

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Crianças na internet: conhecendo um blog e seu autor

As crianças são as melhores fontes para a compreensão da infância.  Willian Corsaro 

O presente artigo faz parte da pesquisa de doutorado em andamento intitulada:  “Crianças  e  internet:  possibilidades  de  criação”  que  inserida  no  âmbito  dos  estudos  sobre  mídia  e  educação,  tem  por  principal  objetivo  compreender  melhor  e  tentar  aprofundar nosso conhecimento acerca dessa nova alternativa de criação e comunicação  que se apresenta à infância contemporânea. Para isso, investigará a atuação da criança  na internet como produtora de conteúdo e propagadora de informação e conhecimento  através de blogs, grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, participações no  aplicativo Instagram, pretendendo qualificar esse acesso, entendendo as crianças como  produtoras de conteúdo digital. Diante do objetivo proposto, algumas questões básicas  nortearão o trabalho de doutorado: quais espaços são preferencialmente escolhidos pelas  crianças para suas criações online? Por que os escolhem e como os utilizam? Quem são  essas crianças? Onde buscam os assuntos para alimentar suas páginas? Quais postagens  fazem  mais  sucesso?  Quem  são  os  seguidores  ou  participantes?  Quem  elabora  os  espaços? Como as crianças se descrevem nestes lugares?

Este recorte da pesquisa apresenta reflexões sobre o primeiro contato de campo  com  um  dos  interlocutores:  Caio  de  11  anos  que  possui  um  blog2  onde  publica  os  desenhos  que  faz.  Nossa  conversa  sobre  seu  blog  aconteceu  em  março  de  2014,  mas  meu primeiro contato com ele foi em 2010 quando estava refazendo o primeiro ano do  ensino  fundamental  e  precisava  de  ajuda  para  desenvolver  as  habilidades  de  leitura  e  escrita. 

Ao  longo  do  tempo,  fomos  solidificando  nossa  relação  e  ele  começou  a  se  empolgar com o trabalho desenvolvido, que o levava a ler e escrever sobre assuntos de  seu interesse, sempre envolvendo o desenho ou imagens. Em 2011, já no segundo ano  do ensino fundamental (em uma escola particular na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro),  sua  mãe,  Raquel,  solicitou  que  eu  o  acompanhasse  dentro  de  sala,  realizando  um  trabalho de mediação, atividade da qual tive que me afastar após um curto período por  motivos profissionais.

Caio permaneceu nessa mesma escola até o 3º ano do ensino fundamental, tendo  em 2013, refeito o 3º ano do ensino fundamental em outra escola particular da Tijuca e,  paralelamente,  cursou  o  Kumon3  de  português  o  que,  segundo  sua  mãe,  o  ajudou  a 

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melhorar o desempenho na leitura e escrita. Caio está atualmente no 4º ano do Ensino  Fundamental  e  é  considerado  um  aluno  especial,  mas  sem  um  diagnóstico  definido,  sendo  atendido  por  uma  fonoaudióloga,  uma  psicóloga  e  frequentando  um  curso  de  desenho. 

O contato com o blog e a história de Caio despertaram outros questionamentos a  respeito da relação da criação de um blog com o desenvolvimento de suas habilidades  de leitura e escrita, tendo em vista que é considerado aluno especial. A escola faz uso  deste espaço criado para incentivar a ampliação das habilidades de Caio? E, se o faz, de  que  forma  o  realiza?  Sua  família,  como  aproveita  este  espaço  para  apoiá­lo  no  desenvolvimento  de  leitura  e  escrita?  A  partir  das  conversas  com  Caio,  percebeu­se  a  necessidade  de  conversar  também  com  sua  mãe,  Raquel,  porém,  antes  de  apresentar  alguns  relatos  com  os  sujeitos  da  pesquisa,  faz­se  necessária  uma  rápida  descrição  do  que é um blog.

Inserido  no  âmbito  da  web  2.0,  onde  todos  os  usuários  podem  se  tornar  emissores de conhecimento, devido à facilidade de inserção de conteúdos possibilitada  por essa nova forma de navegação na internet, os blogs se tornaram um dos espaços de  fácil publicação de escrita. De acordo com Di Luccio e Nocolaci­da­Costa:

Os principais recursos utilizados nos blogs são os posts, textos que podem ser  alterados,  apagados,  atualizados,  etc.  com  a  frequência  que  o  autor  desejar.  Os posts podem incluir links para outras páginas da web ou para outros blogs.  Novos posts são acrescentados no topo da página. Abaixo ou acima do post,  podemos encontrar a data e a hora de sua publicação. Dessa forma, os leitores  podem acompanhar o blog lendo as publicações em ordem cronologicamente  inversa. Outro recurso quase sempre presente nos blogs é a caixa de diálogos,  por meio da qual os leitores podem enviar seus comentários para o escritor  (2010, p. 136)

Questionado  sobre  quem  comenta  os  desenhos  de  seu  blog,  Caio  não  soube  responder. Fomos ao blog para descobrir e, quem mais comentava era o pai dele.  Joana – Seu papai sempre comenta, né? Caio – É. Joana – E seus amigos da escola, sabem que você tem um blog? Caio – Acho que alguns sabem, mas eu acho que eles não comentam. Joana – Mas, você sabe se eles veem os desenhos que você coloca? Caio – Ah, eu acho que não. Joana – Você ía gostar se os seus amigos entrassem no seu blog? Caio – Ah, sim. Segundo sua mãe: Raquel – Quando alguém comenta ele fica, no início ele pedia toda hora pra eu olhar, todo dia se tinha  algum comentário, né? Aí depois ele parou de pedir, mas quando alguém comenta ele fica deslumbrado.  E aí o blog é do Google, é, um dia ele tava vendo imagens de dinossauro no Google imagens e ele achou  um desenho dele, por causa do blog entrou na busca. Nossa, ele ficou muito feliz, todo bobo.

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A questão dos comentários, da necessidade de saber que alguém viu e comentou  o  que  foi  feito  por  ele  é  recorrente  e  surgiu  também  em  conversas  com  outros  interlocutores da pesquisa e pode ser compreendida com o auxílio de Sibília (2009):

Por isso, apesar da ênfase nas novas práticas presentes na Web 2.0, eu tendo  a  afirmar  que  se  trata  de  um  fenômeno  bem  mais  amplo:  usamos  essas  ferramentas para responder às demandas de um novo tipo de sociedade, um  universo  cada  vez  mais  distante  daquela  cultura  oitocentista  que  incitava  a  escrever diários verdadeiramente “íntimos”.

Uma das principais manifestações dessa virada é um crescente desejo de ser  visto, uma vontade de se construir como um eu visível, como um personagem  que  os  outros  podem  ver  e,  graças  a  esse  olhar  reconfortante,  confirmam  a  existência de quem se exibe.

A  necessidade  de  ter  seu  trabalho  reconhecido  e  comentado  é  algo  sempre  esperado quando há a publicação em um blog. Caio quer que seus desenhos sejam vistos  e comentados pois desta forma ele irá conseguir se mostrar ao mundo, se expressar, se  destacar?  Será  que  podemos  incluir  as  crianças  nesse  “crescente  desejo  de  ser  visto”?  Compreendendo as crianças como integrantes da cultura da sociedade, que afetam e são  afetadas pela cultura do mundo, acreditamos que sim, que as crianças querem ser vistas,  se expressar, se destacar, ter sua existência confirmada pelo olhar do outro. E elas estão  usando as ferramentas que estão disponíveis para isso. Entretanto, no caso de Caio, segundo sua mãe, a ideia de criar o blog foi dela, na  tentativa de fazer com que ele tivesse uma elevação da autoestima. Joana – Você lembra por que que o Caio quis fazer o blog? Como começou essa história de blog? Raquel – Eu que tive a ideia de fazer o blog e ofereci pra ele. E aí ele ficou empolgado, né? Joana – Ele quis. Raquel – Ele quis e ficou todo feliz quando eu fiz. [...] Joana – Mas, você acha que o blog ajudou ele com a questão da autoestima, do desenvolvimento? Raquel – Com certeza. Tudo que tem a ver, que incentiva o desenho, que é a habilidade dele, que ele se  sente seguro nessa habilidade, incentiva ele. É muito divulgada a facilidade e a desenvoltura das crianças ao lidarem com as  tecnologias, mas Caio não demonstra interesse em aprender a lidar com as ferramentas  que envolvem a publicação de um blog, conforme observamos no diálogo abaixo: Joana – E alguém te ajudou a fazer o blog? Caio – Ah, eu acho que foi minha mãe. Joana – E hoje para botar as coisas lá, alguém te ajuda ou é você que bota? Caio – É a minha mãe que bota. Joana – E para escrever, assim, as legendas dos desenhos, os nomes? Caio – Na verdade ela escreve e eu falo. Joana – Você fala e ela escreve?  Caio – É. Joana – Ah, e como é que você coloca os desenhos aí? Que você faz no papel, que não é no computador?  É sua mãe que coloca, né? Como é que ela coloca você sabe? Caio – É, ela coloca na impressora e aí depois vai no paint ou sei lá e aí ela coloca no blog.

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Caio – Ah, eu sei que também tem que colocar o nome. Joana – Mas, você já tentou botar você? Caio – Eu? Não.  Joana – Vamos ver aqui, ó, o seu perfil? Vê o que que tem? Tem uma foto sua. Quem escolheu essa foto,  foi você ou sua mãe? Caio – Foi minha mãe.  Ou seja, no caso de Caio, ele é o autor dos desenhos, mas quem administra o seu  blog é sua mãe. Segundo ela, Caio demonstra preguiça em conhecer e se apropriar das  ferramentas necessárias para a utilização do blog.  Joana – Você escreve pra ele o nome (do desenho). Raquel – Escrevo porque ele pede, mas é por preguiça. Joana – Ah, por que ele já consegue, né? Ele já deu uma evoluída naquela questão de leitura e escrita  dele, já está bem melhor, né? Raquel – Deu uma evoluída, não tá ideal, mas ele deu uma evoluída. Joana – Tá, entendi. Raquel – Mas, ele consegue usar o teclado, mas como ele usa devagar, ele pede pra eu escrever pra ele.  Mas, assim, eu só escrevo o que ele pede. O texto, tudo o que ele pede pra eu escrever. Joana – E botar também lá, também é mais complicado, né? Raquel – É, porque eu tenho que escanear e fazer as coisas que ele ainda não domina. [...] O interesse  dele é sempre passar pra eu fazer. Ele ainda está nessa fase. Reflexões finais Um blog, enquanto forma de expressão na internet, pode ser entendido como um  diário pessoal onde há a escrita de si e a estruturação da própria vida como um diálogo  (SIBILIA, 2008). A partir desta perspectiva, pode­se considerar o blog do Caio como  uma forma de escrita de si? Há neste blog um relato da vida ou apenas a divulgação dos  desenhos? Considerando sua dificuldade em ler e escrever e sua facilidade em desenhar,  podemos concluir que ele utiliza os desenhos como forma de expressão, de mostrar­se  ao mundo. As duas escolas frequentadas por Caio, até hoje, não valorizaram seu interesse e  habilidade  em  desenhar.  As  escolas  que  frequentemente  utilizam  as  imagens  como  ferramenta  auxiliar  no  ensino,  parecem  não  estar  ainda  preparadas  para  compreender,  promover  e  absorver  o  potencial  de  um  aluno  que  faz  ­  com  desenvoltura  ­  uso  do  desenho como forma de expressão, auxiliando­o, assim, a suplantar suas deficiências em  outras áreas do conhecimento.

Enquanto era mediadora de Caio, observei que ao invés de incorporar esta sua  forma de comunicação ao aprendizado de outros conteúdos acadêmicos em sala de aula,  ajudando­o  assim  em  suas  dificuldades  e,  talvez,  oferecendo  a  outros  alunos  a  oportunidade  de  se  beneficiarem  disto,  a  escola,  ao  contrário,  menosprezava  essa  sua 

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habilidade,  considerando  mais  importante  sua  adequação  ao  trabalho  pré­estabelecido  por ela.

Fato é que muitas escolas não estimulam e muito menos valorizam as criações  das  crianças,  seja  nos  desenhos,  nas  redações,  nas  resoluções  de  problemas  etc.  Os  alunos  são  orientados  sobre  o  que  desenhar  (desenho  dirigido  costuma  ser  uma  atividade escolar desde a pré­escola), escrever (redação com tema é mais frequente do  que redação livre) e quais passos seguir para a resolução de problemas (mesmo que o  aluno chegue à solução correta por outro caminho). A família de Caio segue buscando formas de impulsioná­lo, e a sugestão de sua  mãe para que ele criasse o blog é prova disso, no entanto (provavelmente por falta de  conhecimento ou por receio de que ele desista) ainda não há incentivo na ampliação de  sua  participação  na  elaboração  do  conteúdo  do  blog,  como  instiga­lo  a  aprender  a  escanear, veicular e escrever as legendas, o que poderia ser muito proveitoso.

Há o incentivo à realização dos desenhos e à sua divulgação, mas parece haver  pouco  empenho  para  que  ele  amplie  sua  capacidade  de  leitura  e  escrita  e  para  a  conquista de autonomia no uso das ferramentas relativas ao blog.

Referências Bibliográficas

DI LUCCIO, Flavia; NICOLACI­DA­COSTA, Ana Maria. Blogs: De Diários Pessoais 

a omunidades Virtuais de Escritores/leitores. In: Revista Psicologia Ciência e Profissão,  2010, 30 (1), 132­145.

SIBÍLIA,  Paula.  O  show  do  eu:  a  intimidade  como  espetáculo.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Fronteira, 2008. 286p.

_____________  Entrevista  concedida  para  a  Revista  IHU  Online  em  20/04/2009  a  Patrícia Fachin. Disponível em:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24

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1 A pesquisa conta com o apoio da FAPERJ e é desenvolvida sob a orientação de Rita Ribes Pereira 

coordenadora do Grupo de Pesquisa Infância e Cultura Contemporânea – GPICC.

2 http://caio­animaisselvagens.blogspot.com.br/ 

Referências

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