Crianças na internet: conhecendo um blog e seu autor
Joana Loureiro Freire UERJ O presente artigo faz parte da pesquisa de doutorado em andamento intitulada: “Crianças e internet: possibilidades de criação1” que investigará a atuação da criança na internet como produtora de conteúdo e propagadora de informação e conhecimento através de blogs, grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, participações no aplicativo Instagram, pretendendo qualificar esse acesso, entendendo as crianças como produtoras de conteúdo digital. Este trabalho apresenta reflexões sobre o primeiro contato de campo com um dos interlocutores da pesquisa, Caio, 11 anos, um aluno especial sem diagnóstico definido, mas que apresenta dificuldades de leitura e escrita. Ele possui um blog, que foi criado com o estímulo de sua mãe e é administrado por ela, onde publica os desenhos que faz. O contato com o blog do Caio e com sua história fez com que algumas questões surgissem: sendo considerado um aluno especial, qual a relação da criação de um blog com o desenvolvimento de suas habilidades de leitura e escrita? A escola aproveita esse espaço criado para incentivar a ampliação dessas habilidades por Caio? Como sua família aproveita esse espaço? Considerando sua dificuldade em ler e escrever e sua facilidade em desenhar, podemos concluir que ele utiliza os desenhos como forma de expressão, de mostrarse ao mundo. As escolas frequentadas até hoje por Caio não valorizaram o seu interesse e desenvoltura em desenhar. Caio fez o blog em maio de 2012 e as legendas que aparecem nos desenhos continuam sendo simples e não há nenhuma evolução na escrita dele no blog. Sua família segue buscando formas de incentiválo e a sugestão de sua mãe para que ele criasse o blog é prova disso, mas, provavelmente por falta de conhecimento ou por receio de que ele desista, a família ainda não o estimula a ampliar seus passos.
Crianças na internet: conhecendo um blog e seu autor
As crianças são as melhores fontes para a compreensão da infância. Willian Corsaro
O presente artigo faz parte da pesquisa de doutorado em andamento intitulada: “Crianças e internet: possibilidades de criação” que inserida no âmbito dos estudos sobre mídia e educação, tem por principal objetivo compreender melhor e tentar aprofundar nosso conhecimento acerca dessa nova alternativa de criação e comunicação que se apresenta à infância contemporânea. Para isso, investigará a atuação da criança na internet como produtora de conteúdo e propagadora de informação e conhecimento através de blogs, grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, participações no aplicativo Instagram, pretendendo qualificar esse acesso, entendendo as crianças como produtoras de conteúdo digital. Diante do objetivo proposto, algumas questões básicas nortearão o trabalho de doutorado: quais espaços são preferencialmente escolhidos pelas crianças para suas criações online? Por que os escolhem e como os utilizam? Quem são essas crianças? Onde buscam os assuntos para alimentar suas páginas? Quais postagens fazem mais sucesso? Quem são os seguidores ou participantes? Quem elabora os espaços? Como as crianças se descrevem nestes lugares?
Este recorte da pesquisa apresenta reflexões sobre o primeiro contato de campo com um dos interlocutores: Caio de 11 anos que possui um blog2 onde publica os desenhos que faz. Nossa conversa sobre seu blog aconteceu em março de 2014, mas meu primeiro contato com ele foi em 2010 quando estava refazendo o primeiro ano do ensino fundamental e precisava de ajuda para desenvolver as habilidades de leitura e escrita.
Ao longo do tempo, fomos solidificando nossa relação e ele começou a se empolgar com o trabalho desenvolvido, que o levava a ler e escrever sobre assuntos de seu interesse, sempre envolvendo o desenho ou imagens. Em 2011, já no segundo ano do ensino fundamental (em uma escola particular na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro), sua mãe, Raquel, solicitou que eu o acompanhasse dentro de sala, realizando um trabalho de mediação, atividade da qual tive que me afastar após um curto período por motivos profissionais.
Caio permaneceu nessa mesma escola até o 3º ano do ensino fundamental, tendo em 2013, refeito o 3º ano do ensino fundamental em outra escola particular da Tijuca e, paralelamente, cursou o Kumon3 de português o que, segundo sua mãe, o ajudou a
melhorar o desempenho na leitura e escrita. Caio está atualmente no 4º ano do Ensino Fundamental e é considerado um aluno especial, mas sem um diagnóstico definido, sendo atendido por uma fonoaudióloga, uma psicóloga e frequentando um curso de desenho.
O contato com o blog e a história de Caio despertaram outros questionamentos a respeito da relação da criação de um blog com o desenvolvimento de suas habilidades de leitura e escrita, tendo em vista que é considerado aluno especial. A escola faz uso deste espaço criado para incentivar a ampliação das habilidades de Caio? E, se o faz, de que forma o realiza? Sua família, como aproveita este espaço para apoiálo no desenvolvimento de leitura e escrita? A partir das conversas com Caio, percebeuse a necessidade de conversar também com sua mãe, Raquel, porém, antes de apresentar alguns relatos com os sujeitos da pesquisa, fazse necessária uma rápida descrição do que é um blog.
Inserido no âmbito da web 2.0, onde todos os usuários podem se tornar emissores de conhecimento, devido à facilidade de inserção de conteúdos possibilitada por essa nova forma de navegação na internet, os blogs se tornaram um dos espaços de fácil publicação de escrita. De acordo com Di Luccio e NocolacidaCosta:
Os principais recursos utilizados nos blogs são os posts, textos que podem ser alterados, apagados, atualizados, etc. com a frequência que o autor desejar. Os posts podem incluir links para outras páginas da web ou para outros blogs. Novos posts são acrescentados no topo da página. Abaixo ou acima do post, podemos encontrar a data e a hora de sua publicação. Dessa forma, os leitores podem acompanhar o blog lendo as publicações em ordem cronologicamente inversa. Outro recurso quase sempre presente nos blogs é a caixa de diálogos, por meio da qual os leitores podem enviar seus comentários para o escritor (2010, p. 136)
Questionado sobre quem comenta os desenhos de seu blog, Caio não soube responder. Fomos ao blog para descobrir e, quem mais comentava era o pai dele. Joana – Seu papai sempre comenta, né? Caio – É. Joana – E seus amigos da escola, sabem que você tem um blog? Caio – Acho que alguns sabem, mas eu acho que eles não comentam. Joana – Mas, você sabe se eles veem os desenhos que você coloca? Caio – Ah, eu acho que não. Joana – Você ía gostar se os seus amigos entrassem no seu blog? Caio – Ah, sim. Segundo sua mãe: Raquel – Quando alguém comenta ele fica, no início ele pedia toda hora pra eu olhar, todo dia se tinha algum comentário, né? Aí depois ele parou de pedir, mas quando alguém comenta ele fica deslumbrado. E aí o blog é do Google, é, um dia ele tava vendo imagens de dinossauro no Google imagens e ele achou um desenho dele, por causa do blog entrou na busca. Nossa, ele ficou muito feliz, todo bobo.
A questão dos comentários, da necessidade de saber que alguém viu e comentou o que foi feito por ele é recorrente e surgiu também em conversas com outros interlocutores da pesquisa e pode ser compreendida com o auxílio de Sibília (2009):
Por isso, apesar da ênfase nas novas práticas presentes na Web 2.0, eu tendo a afirmar que se trata de um fenômeno bem mais amplo: usamos essas ferramentas para responder às demandas de um novo tipo de sociedade, um universo cada vez mais distante daquela cultura oitocentista que incitava a escrever diários verdadeiramente “íntimos”.
Uma das principais manifestações dessa virada é um crescente desejo de ser visto, uma vontade de se construir como um eu visível, como um personagem que os outros podem ver e, graças a esse olhar reconfortante, confirmam a existência de quem se exibe.
A necessidade de ter seu trabalho reconhecido e comentado é algo sempre esperado quando há a publicação em um blog. Caio quer que seus desenhos sejam vistos e comentados pois desta forma ele irá conseguir se mostrar ao mundo, se expressar, se destacar? Será que podemos incluir as crianças nesse “crescente desejo de ser visto”? Compreendendo as crianças como integrantes da cultura da sociedade, que afetam e são afetadas pela cultura do mundo, acreditamos que sim, que as crianças querem ser vistas, se expressar, se destacar, ter sua existência confirmada pelo olhar do outro. E elas estão usando as ferramentas que estão disponíveis para isso. Entretanto, no caso de Caio, segundo sua mãe, a ideia de criar o blog foi dela, na tentativa de fazer com que ele tivesse uma elevação da autoestima. Joana – Você lembra por que que o Caio quis fazer o blog? Como começou essa história de blog? Raquel – Eu que tive a ideia de fazer o blog e ofereci pra ele. E aí ele ficou empolgado, né? Joana – Ele quis. Raquel – Ele quis e ficou todo feliz quando eu fiz. [...] Joana – Mas, você acha que o blog ajudou ele com a questão da autoestima, do desenvolvimento? Raquel – Com certeza. Tudo que tem a ver, que incentiva o desenho, que é a habilidade dele, que ele se sente seguro nessa habilidade, incentiva ele. É muito divulgada a facilidade e a desenvoltura das crianças ao lidarem com as tecnologias, mas Caio não demonstra interesse em aprender a lidar com as ferramentas que envolvem a publicação de um blog, conforme observamos no diálogo abaixo: Joana – E alguém te ajudou a fazer o blog? Caio – Ah, eu acho que foi minha mãe. Joana – E hoje para botar as coisas lá, alguém te ajuda ou é você que bota? Caio – É a minha mãe que bota. Joana – E para escrever, assim, as legendas dos desenhos, os nomes? Caio – Na verdade ela escreve e eu falo. Joana – Você fala e ela escreve? Caio – É. Joana – Ah, e como é que você coloca os desenhos aí? Que você faz no papel, que não é no computador? É sua mãe que coloca, né? Como é que ela coloca você sabe? Caio – É, ela coloca na impressora e aí depois vai no paint ou sei lá e aí ela coloca no blog.
Caio – Ah, eu sei que também tem que colocar o nome. Joana – Mas, você já tentou botar você? Caio – Eu? Não. Joana – Vamos ver aqui, ó, o seu perfil? Vê o que que tem? Tem uma foto sua. Quem escolheu essa foto, foi você ou sua mãe? Caio – Foi minha mãe. Ou seja, no caso de Caio, ele é o autor dos desenhos, mas quem administra o seu blog é sua mãe. Segundo ela, Caio demonstra preguiça em conhecer e se apropriar das ferramentas necessárias para a utilização do blog. Joana – Você escreve pra ele o nome (do desenho). Raquel – Escrevo porque ele pede, mas é por preguiça. Joana – Ah, por que ele já consegue, né? Ele já deu uma evoluída naquela questão de leitura e escrita dele, já está bem melhor, né? Raquel – Deu uma evoluída, não tá ideal, mas ele deu uma evoluída. Joana – Tá, entendi. Raquel – Mas, ele consegue usar o teclado, mas como ele usa devagar, ele pede pra eu escrever pra ele. Mas, assim, eu só escrevo o que ele pede. O texto, tudo o que ele pede pra eu escrever. Joana – E botar também lá, também é mais complicado, né? Raquel – É, porque eu tenho que escanear e fazer as coisas que ele ainda não domina. [...] O interesse dele é sempre passar pra eu fazer. Ele ainda está nessa fase. Reflexões finais Um blog, enquanto forma de expressão na internet, pode ser entendido como um diário pessoal onde há a escrita de si e a estruturação da própria vida como um diálogo (SIBILIA, 2008). A partir desta perspectiva, podese considerar o blog do Caio como uma forma de escrita de si? Há neste blog um relato da vida ou apenas a divulgação dos desenhos? Considerando sua dificuldade em ler e escrever e sua facilidade em desenhar, podemos concluir que ele utiliza os desenhos como forma de expressão, de mostrarse ao mundo. As duas escolas frequentadas por Caio, até hoje, não valorizaram seu interesse e habilidade em desenhar. As escolas que frequentemente utilizam as imagens como ferramenta auxiliar no ensino, parecem não estar ainda preparadas para compreender, promover e absorver o potencial de um aluno que faz com desenvoltura uso do desenho como forma de expressão, auxiliandoo, assim, a suplantar suas deficiências em outras áreas do conhecimento.
Enquanto era mediadora de Caio, observei que ao invés de incorporar esta sua forma de comunicação ao aprendizado de outros conteúdos acadêmicos em sala de aula, ajudandoo assim em suas dificuldades e, talvez, oferecendo a outros alunos a oportunidade de se beneficiarem disto, a escola, ao contrário, menosprezava essa sua
habilidade, considerando mais importante sua adequação ao trabalho préestabelecido por ela.
Fato é que muitas escolas não estimulam e muito menos valorizam as criações das crianças, seja nos desenhos, nas redações, nas resoluções de problemas etc. Os alunos são orientados sobre o que desenhar (desenho dirigido costuma ser uma atividade escolar desde a préescola), escrever (redação com tema é mais frequente do que redação livre) e quais passos seguir para a resolução de problemas (mesmo que o aluno chegue à solução correta por outro caminho). A família de Caio segue buscando formas de impulsionálo, e a sugestão de sua mãe para que ele criasse o blog é prova disso, no entanto (provavelmente por falta de conhecimento ou por receio de que ele desista) ainda não há incentivo na ampliação de sua participação na elaboração do conteúdo do blog, como instigalo a aprender a escanear, veicular e escrever as legendas, o que poderia ser muito proveitoso.
Há o incentivo à realização dos desenhos e à sua divulgação, mas parece haver pouco empenho para que ele amplie sua capacidade de leitura e escrita e para a conquista de autonomia no uso das ferramentas relativas ao blog.
Referências Bibliográficas
DI LUCCIO, Flavia; NICOLACIDACOSTA, Ana Maria. Blogs: De Diários Pessoais
a omunidades Virtuais de Escritores/leitores. In: Revista Psicologia Ciência e Profissão, 2010, 30 (1), 132145.
SIBÍLIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 286p.
_____________ Entrevista concedida para a Revista IHU Online em 20/04/2009 a Patrícia Fachin. Disponível em:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24
1 A pesquisa conta com o apoio da FAPERJ e é desenvolvida sob a orientação de Rita Ribes Pereira
coordenadora do Grupo de Pesquisa Infância e Cultura Contemporânea – GPICC.
2 http://caioanimaisselvagens.blogspot.com.br/