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Fernando de Azevedo: na batalha do humanismo

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS

Catharina Edna Rodriguez Alves

Fernando de Azevedo:

Na batalha do Humanismo

Marília

2004

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Fernando de Azevedo:

Na batalha do Humanismo

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista, UNESP – Campus de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Educação (Área de Concentração: POLÍTICAS PÚBLICAS E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA).

Orientador: Prof. Dr. Pedro Ângelo Pagni

Marília 2004

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Alves, Catharina Edna Rodriguez A474f Fernando de Azevedo: na batalha do

humanismo / Catharina Edna Rodriguez Alves – Marília, 2004.

127f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2004.

Bibliografia: f. 122-127

Orientador: Prof. Dr. Pedro Ângelo Pagni

1. Fernando de Azevedo. 2.Humanismo. 3.Filosofia da Éducação. I. Autor. II. Título.

CDD 370.1

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Fernando de Azevedo:

Na batalha do Humanismo

Dissertação para a obtenção do título de Mestre

BANCA EXAMINADORA

Orientador: Pedro Ângelo Pagni

2º Examinador: Marcus Vinícius Cunha

3º Examinador: Carlos Roberto Silva Monarcha

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Agradecimentos

Não teria sido possível realizar este trabalho, se não fosse a ajuda de muitas pessoas. Quero começar por agradecer aos amigos pelas informações, materiais e sugestões trocadas. Muitos amigos foram insubstituíveis, no interesse com que acompanharam a elaboração do trabalho, ouvindo-me pacientemente e incentivando-me, entre eles, Luciana Nunes e a dona Irene.

Não poderia esquecer a minha antiga professora do Ensino Fundamental, a dona Irene que acompanhou boa parte da minha caminhada intelectual e profissional, sempre sendo uma grande torcedora, mas, nestes últimos anos, ela torceu, contribuiu e auxiliou.

Meus pais, Hélio e Isaura, também contribuíram para a elaboração deste trabalho, pois eles me deram valores e uma formação pessoal e cultural muito especial e isso foi o que me deu força para realizar tudo o que quero.

Ao Pedro, meu orientador, tenho muito a dizer e agradecer, mas chego a um ponto comum, “não tenho palavras”. A ele meu renovado abraço.

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A escolha desse tema se justifica na medida em que, há um número razoável de produções teóricas sobre o pensamento e as propostas político- educacionais de Fernando de Azevedo, poucos foram os estudos capazes de explicitar as fontes teóricas e a concepção humanista nas quais seu discurso e a sua prática se assentam.. Por essa razão, esta pesquisa pretende reconstituir o sentido humanista presente no discurso político-educacional de Fernando de Azevedo, compreendendo suas bases filosóficas e a filosofia da educação que o fundamenta. Assim, partiu-se da enunciação do problema geral do humanismo enquanto movimento histórico e concepção filosófica, diagnosticado no debate filosófico contemporâneo, e de forma com que esse problema repercutiu entre as concepções humanistas denominadas de moderna contra aquelas acusadas de tradicionais.

Nesse aspecto, este trabalho monográfico procurou, de um lado, compreender as particularidades da ação e do pensamento de Fernando de Azevedo ao longo de sua trajetória, assim como focalizar a sua concepção de humanismo, explicitada em sua obra produzida entre 1944 e 1955. E, de outro, elucidar as singularidades dessa ação e desse pensamento embasado numa concepção de humanismo cientifico, frente aquelas filosofias da educação que estiveram presentes no movimento de renovação educacional, entre 1930 e 1955, contribuindo para a compreensão da constituição da filosofia da educação no Brasil.

Assim, esse trabalho analisa a trajetória de Fernando de Azevedo de forma didática, porém a ênfase principal é no terceiro momento, o qual temos um Azevedo mais maduro e com a sua concepção de humanismo formado. No entanto, para cada um desses períodos tentou-se estabelecer as similaridades e as divergências de seu pensamento sobre a educação.

Por essa razão, esta pesquisa pretende reconstituir o sentido humanista presente no discurso político-educacional de Fernando de Azevedo, compreendendo suas bases filosóficas e a filosofia da educação que o fundamenta.

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The choosing of this theme is backgrounded in so far as, although there is an acceptable number of theoretical productions about Fernando, de Azevedo’s thinking and political- educational proposes, a few studies were able to explicit the theoretical sources and the humanist conception which his discourse and practice were established.

Therefore, it was started of the enunciation of the humanism general problem as a historical movement and philosophical conception diagnosed in the contemporaneous philosophic debate and, so that, this problem becomes reflected between these humanist conceptions named moderns contrary to those accused traditional.

In this regard, this monographic work, at first, aims to understand Fernando de Azevedo´s movement and thinking particularities along of his trajectory, as well as to focus his humanist conception expressed in his work produced between 1944 and 1955 and, on the other side, to elucidate the uniqueness of these movement andthinking based on a scientific humanism conception, in accordance with these educational philosophy which were present in the educational renovation movement between 1930 and 1955 contributing to the understanding of the educational philosophy constitution in Brazil.

Therefore, this work analyses Fernando de Azevedo´s trajectory in a didactic way. Nevertheless, the main emphasis is in the third moment, in which we have a more mature Azevedo with his humanism conception formed. However, in every one of these periods, it was attempted to establish the uniqueness and disagreements of his thinking about education. On this account, this research intends to reconstitute the humanist sense presents in Fernando de Azevedo´s political-educational discourse, understanding its philosophical bases and the eduational philosophy that bases him.

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INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO 1 Sobre a polêmica filosófica em torno do humanismo e suas repercussões para a filosofia da educação no Brasil 18

CAPÍTULO 2 Educação e humanismo no início da trajetória intelectual de Fernando

de Azevedo: os traços comuns de uma geração de intelectuais 30

2.1 Primeiros contatos com o ensino e as aproximações iniciais com o Humanismo 31

2.2 Os traços de um humanismo pedagógico, suas fontes e asserções 37

2.3 Indícios de uma educação humanista no Manifesto de 1932 49

2.4 O domínio de uma ciência do social e de uma filosofia como estratégia de poder 55

CAPÍTULO 3 As bases de legitimação do discurso político educacional de Fernando de Azevedo: sua arquitetura e suas fontes teóricas 60

3.1 Uma articulação entre sociologia e filosofia para fundamentar uma política de educação 63

3.2 As fontes teóricas apropriadas para conferir legitimidade a uma política da educação 69

3.3 O significado dessas bases de legitimação do discurso político-educacional para o contexto da época 78

CAPÍTULO 4 As bases de legitimação da teoria pedagógica elaborada por Fernando de Azevedo 81

4.1 As particularidades de nossa cultura e a ampliação da arquitetura do saber sobre a educação 82

4.2 Uma concepção de educação a partir da sociologia de Durkheim e da filosofia de Dewey 87

4.3 O esboço de uma teoria pedagógica para as condições da educação brasileira 93

CAPÍTULO 5 O humanismo científico de Fernando de Azevedo 97

5.1 O humanismo científico que fundamenta o discurso político-educacional e pedagógico de Fernando de Azevedo 98

5.2 As singularidades do Humanismo de Fernando de Azevedo no pós-guerra 103

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Introdução

Fernando de Azevedo (1894-1972) foi um dos principais integrantes do movimento de renovação educacional no Brasil, o redator do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 e um dos responsáveis pelo Manifesto de 1959, documentos em que um grupo de educadores e intelectuais interferiu diretamente nos rumos da política educacional desenvolvida no país. Participou do movimento pela criação da Universidade de São Paulo, onde exerceu sua atividade docente, sendo um dos introdutores da sociologia moderna e da sociologia da educação entre os acadêmicos da época, orientando alguns dos principais intelectuais das gerações que o sucederam, como Florestan Fernandes, João Cruz Costa, Antônio Cândido, entre outros. Ele teve, assim, um papel marcante na história da educação e da constituição da intelectualidade brasileira, cujo pensamento, ação política e educacional foram largamente estudados pela historiografia produzida sobre o assunto, sendo objetos de apologias e de críticas.

Escreveu uma vasta obra, em torno de vinte livros, sem contar os artigos publicados em periódicos, assim como balanços importantes sobre o esporte (1922), a instrução pública em São Paulo (1926), entre outros, publicados na Grande Imprensa. Nessas obras, está contida boa parte das suas idéias sobre os mais variados temas da cultura e da educação brasileira, além de se poder encontrar aí esboçadas as suas teses e as suas propostas para equacionar os problemas político-educacionais brasileiros, os argumentos que usa para defendê-las, as fontes sociológicas e os fundamentos filosóficos nos quais procura legitimá-las diante da opinião pública, da comunidade letrada e do Estado. São estes últimos aspectos do discurso político-educacional, produzido por Fernando de Azevedo, que se pretende investigar nesta pesquisa, analisando suas bases filosóficas e, particularmente, o humanismo em que se fundamenta. Acredita-se que, assim, pode-se apresentar algumas indicações sobre as bases filosóficas do discurso político educacional, com o intuito de esclarecer um ponto controverso das discussões produzidas pela literatura sobre o assunto em foco e de proporcionar uma maior visibilidade à constituição da filosofia da educação, no interior do movimento de renovação educacional brasileiro.

Tais finalidades se justificam à medida que a diminuta literatura produzida sobre o tema do humanismo azevediano o analisa de modo controverso, obscurecendo o sentido humanista e as fontes filosóficas presentes no seu discurso político-educacional, por

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intermédio de sua vinculação a uma história das ideologias alheia ao seu universo intelectual, assim como esquecendo o movimento interno à sua própria obra, onde explicita esse sentido e fontes, dentro de um contexto histórico determinado.

Entre os poucos trabalhos que trataram do tema do humanismo em que se fundamenta o seu discurso político-educacional, alguns deles o compreenderam como diretamente articulado ao movimento de renovação educacional brasileiro e ao ideário pedagógico escolanovista, com o objetivo de denunciarem a ideologia da qual estaria imbuído o seu pensamento e a sua ação, sem enfocar as suas particularidades, no interior desse movimento intelectual.

Nesses termos, Saviani (1983) considerou que o ideário do movimento de renovação educacional brasileiro se fundamentou numa “concepção humanista moderna de filosofia da educação”, inspirada numa visão existencialista de homem, em contraposição à “concepção humanista tradicional”, fundada numa concepção essencialista de homem e num discurso universal e abstrato, representando um movimento de recomposição da hegemonia burguesa, diante do processo de industrialização e de reforma conservadora do modo de produção capitalista. Nesse sentido, a concepção humanista presente no movimento de renovação educacional estaria vinculada à ideologia burguesa e à sua recomposição diante das mudanças estruturais de nossa sociedade, a ser alcançada através da escola e de um discurso pedagógico nitidamente conservador, na medida em que pressupunha um ensino centrado na criança e nos métodos, mais do que nos conteúdos, justamente num momento em que as camadas populares teriam começado a ter acesso à escolarização, contradizendo assim o seu discurso político-educacional aparentemente progressista, que apregoava a educação pública, obrigatória e gratuita para todos.

Como Fernando de Azevedo era um dos principais integrantes desse movimento intelectual, poder-se-ia inferir que essa contradição estaria presente em seu próprio discurso político-educacional, legitimado por suas fontes filosóficas e fundado numa concepção humanista que, em relação ao ideário escolanovista, traria em si mesma os traços conservadores da ideologia dominante ao qual se vincularia. No entanto, a literatura que enfocou especificamente o humanismo e as fontes filosóficas as quais, respectivamente, fundaram e informaram o discurso político-educacional azevediano, ainda dentro dessa perspectiva de análise, acabou por ressaltar não apenas esses seus traços conservadores, como também os traços progressistas do pensamento desse importante educador brasileiro.

Penna (1987) é uma das primeiras a explorar essas ambigüidades do pensamento de Fernando de Azevedo, destacando o sentido humanista que confere ao seu discurso

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político-educacional e pedagógico, a sua tentativa de conciliar a ciência com o humanismo e produzir as bases que legitimariam seu projeto de modernização do país, dentro dos recursos teóricos disponíveis e das condições políticas possíveis, no contexto em que foi elaborado. Ela tem como objetivo principal estudar o pensamento azevediano, em especial suas reflexões sobre as relações entre educação e mudança social. O método utilizado pela autora derivou exclusivamente dos problemas que o pensamento de Fernando de Azevedo parece levantar. Por isso, optou pela reflexão e crítica, instrumentalizando as citações e pontuando-as com algumas observações e indagações.

Mendes (1987), seguindo o caminho aberto acerca da ambigüidade do discurso político-educacional de Fernando de Azevedo, não apenas o estendeu à concepção humanista em que se assenta sua filosofia da educação, elucidando sua oscilação entre uma concepção clássica e moderna, como também esclareceu as fontes filosóficas que a informam, com uma certa influência do criticismo kantiano, do positivismo durkheimiano e do pragmatismo deweyano, gerando um ecletismo que, embora pareça incoerente, apresenta uma coerência teórica em relação aos seus propósitos políticos e pedagógicos. Em relação a estes últimos, esse autor, ainda, insiste no projeto político equivocado de Fernando de Azevedo e dos outros integrantes do movimento de renovação educacional, durante os anos 1930, com respeito ao Estado, embora coerente com a visão corrente da época desses intelectuais, assim como evidencia o caráter progressista da teoria pedagógica elaborada por eles, contrapondo-se à interpretação desenvolvida pela “pedagogia crítica social dos conteúdos” relativamente aos representantes dessa corrente do pensamento educacional brasileiro.

Observa-se na literatura produzida sobre o assunto uma controvérsia em relação à concepção humanista presente no discurso político-educacional de Fernando de Azevedo e, de certo modo, um consenso em torno das fontes filosóficas e teóricas que a legitimam, embora as discussões em torno destas últimas não tenham sido tão aprofundadas, até o final dos anos 1980. Nos trabalhos mais recentes, observa-se um maior aprofundamento da discussão acerca dessas fontes e um maior detalhamento, que possibilitariam compreender as bases teóricas de justificação de seu discurso político-educacional e pedagógico, mas sem que os seus fundamentos filosóficos e a sua concepção de humanismo sejam reconstituídos e melhor explicitados, em função da preocupação eminentemente historiográfica ou sociológica dessa produção.

Analisando criticamente o livro A Cultura Brasileira (19631), de Fernando de

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O livro A Cultura Brasileira teve a sua primeira publicação em 1943, pela editora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Porém, para a elaboração deste trabalho, utilizo a quarta edição, publicada pela

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Azevedo, Carvalho (1996, p.57-62) defende a hipótese de que, no decorrer do livro, há um esvaziamento político das proposições pedagógicas formuladas nos debates que se processaram em torno do tema da Escola Nova. Mais do que isso, a história nele escrita se caracterizaria por uma memória dos integrantes desse movimento pela Escola Nova, em nosso país, constituindo-se num modelo em torno do qual a história da educação brasileira teria sido escrita, mesmo pelas perspectivas historiográficas que almejaram criticar o ideário escolanovista, após os anos 1970. No que diz respeito ao livro em questão e à memória nele registrada, a autora afirma que o trabalho não possui um referencial teórico claramente demarcado para enquadrar os resultados da pesquisa empreendida, isto é, um instrumento metodológico explícito, à luz do qual procura compreender a história da educação brasileira.

Para ela, ainda, a obra de Fernando de Azevedo estaria apenas permeada de referências às teorias e aos valores culturais da Europa e dos EUA do pós-guerra, com destaque especial para as reformas educacionais com que sonhava forjar uma humanidade nova em que se encontravam as últimas esperanças de uma vida melhor, da restauração da paz pela escola e da formação de um novo espírito, mais ajustado às condições e necessidades de uma sociedade industrial, em franca evolução para uma democracia social e econômica. A partir dessas referências, segundo ela, Fernando de Azevedo procura readequá-las ao estudo da cultura brasileira, compreendendo as condições específicas do meio social brasileiro, ainda não profundamente atingido pelos efeitos da revolução industrial, e pensando a unificação do sistema educativo, em nível nacional, por uma política orgânica traçada pelas elites governantes, em termos diversos daqueles compreendidos, até então no âmbito da política nacional de educação.

Para essa autora, ainda, analisar a geração de educadores à qual pertence Azevedo é vê-la como aquela que tem a ambição confessa de enfrentar os problemas de organização nacional, por meio de uma reforma da cultura que promovesse uma grande mudança dos costumes, imprimindo sentido e direção à vida nacional. Consciente da importância de uma hegemonia cultural, que garantisse a eficácia do aparelho escolar, na consecução do projeto de sociedade que a ideava (CARVALHO, 1996, p.66).

Toledo (1996, p.49), por sua vez, fazendo um balanço das produções teóricas sobre o pensamento e a ação de Fernando de Azevedo, classifica-as segundo três pontos de vista:

Universidade de Brasília: Azevedo, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1963.

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-do ponto de vista filosófico: buscam na obra de Azevedo seu sistema de pensamento, a lógica que o compõe e suas contradições.

-do ponto de vista da crítica historiográfica: as obras que abordam as construções históricas de Azevedo, com o objetivo de criticá-las para, a partir daí, reconstruir os seus objetos históricos, diferenciando-os da maneira como foram propostos pelo autor. -do ponto de vista da história: os trabalhos que tomam Azevedo e suas ações como objeto histórico.

Questionando a amplitude desses estudos, essa autora conclama a uma melhor delimitação da obra de Fernando de Azevedo e ao estudo das fontes teóricas utilizadas por ele para compreender o problema da cultura brasileira. Analisando as fontes teóricas que fundamentam o discurso produzido por Fernando de Azevedo no livro A Cultura Brasileira (1963), em especial, destaca a diversidade de correntes sociológicas e antropológicas citadas pelo autor, assim como algumas fontes filosóficas, como Ortega y Gasset, Dewey, Alfred Schimidt, entre outras, demonstrando a heterogeneidade destas e de sua apropriação no discurso daquele, assim como as suas incongruências.

Nesse sentido, o trabalho de Toledo (1996) demarca uma ênfase maior ao estudo das fontes teóricas do pensamento educacional de Fernando de Azevedo, particularmente aquelas provenientes da sociologia e da antropologia. Contudo, pode-se dizer que os primeiros passos nessa direção haviam começado com Queiroz (1994, p.54), quando se refere à incursão de Fernando de Azevedo pelo campo da sociologia e, especificamente, à sua apropriação da teoria sociológica de Durkheim, em torno da qual legitimaria seu discurso político-educacional. Isso é desenvolvido a partir de 2000, quando essa apropriação da sociologia de Durkheim passa a ser compreendida em conjunção com outras fontes do pensamento filosófico, como aquelas relativas à filosofia de John Dewey, tal como expresso nos trabalhos de Pagni (2000) e Totti (2003).

Pagni (2002), analisando as fontes filosóficas e teóricas que informam a filosofia da educação que fundamenta o discurso político educacional azevediano, durante os anos 1930, assinala a articulação existente entre a filosofia de John Dewey e a teoria social de Durkheim, revelando a atitude iluminista de seu pensamento, expressa no sentido de rever os princípios do liberalismo e do humanismo clássico, assim como de reformar a mentalidade da comunidade letrada, acerca da cultura e da educação, envolvendo-a num projeto social

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reformador. Esse autor aproxima-se, assim, da elucidação das bases filosóficas em que se apóia o discurso político-educacional e pedagógico de Fernando de Azevedo, restritas ao período dos anos 1930.

Por sua vez, Totti (2003), almejando discutir historicamente as raízes do pensamento educacional de Fernando de Azevedo, examina o livro Sociologia Educacional, demonstrando como nele se articulam a sociologia de Durkheim e a filosofia da educação de Dewey, como essas fontes teóricas são reinterpretadas pelo educador brasileiro para compreender o problema da educação brasileira e para legitimar as suas propostas políticas educacionais. Demarca, por assim dizer, um conjunto de saberes utilizado por Fernando de Azevedo nesse livro, bem como a recontextualização das teorias de Dewey e de Durkheim, elaborada por ele, a fim de emprestar legitimidade ao seu discurso político-educacional e erigir a Sociologia Educacional em um campo disciplinar.

Essa literatura mais recente sobre o assunto auxilia a compreender as fontes filosóficas em que se fundamenta o discurso político sobre a sua cultura, a sua filosofia da educação ou a sua sociologia educacional, mas, em função do recorte estabelecido pelos autores citados, pouco caminham em direção ao esclarecimento da concepção humanista defendida por Fernando de Azevedo e, conseqüentemente, da controvérsia em relação ao assunto, antes anunciada. Isso porque ela enfoca períodos ou obras em que o humanismo aparece como um tema freqüente, mas transversal ou periférico, ainda pouco elaborado na enunciação do seu discurso político-educacional e pedagógico. Embora esse tema central em que se inscreve esse discurso apareça de modo implícito em suas produções teóricas anteriores a 1945, a concepção de humanismo de Fernando de Azevedo só será explicitada por ele no conjunto de conferências pronunciadas entre 1944 e 1961, que foram aglutinadas no livro Na Batalha do Humanismo (1966).

A obra teve a sua primeira publicação em 19522, com conferências pronunciadas em 1944 a 1955, mas a usada para a elaboração desta pesquisa foi a 2ªedição, em que novos textos foram inseridos: Ruy e o humanismo (1949), Discurso sobre Israel (1956), Nacionalismo, Americanismo e Universalismo (1961), No alvorecer de uma nova civilização (1961).

Por esse motivo, elegeu-se esse livro como objeto deste estudo, conjuntamente com os livros, documentos e artigos produzidos anteriormente e que auxiliam a elucidar a

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A razão pelo qual foi utilizada a segunda edição do livro Na Batalha do Humanismo, foi o fato que todo os campus da Unesp possuem apenas essa edição, sendo a USP e a UNICAMP as únicas que possuíam a primeira edição, no entanto, não permitiam o empréstimo da obra.

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gradativa construção da concepção humanista de Fernando de Azevedo, em que serve de base para o seu discurso filosófico e político-educacional, conferindo a ele uma certa unidade entre os aspectos particulares da cultura e da sociedade em que se desenvolve a educação e os aspectos humanos, transcendentes e universais, a serem perseguidos pelos educadores brasileiros. Além disso, pode-se dizer que é nessa coletânea de conferências, aglutinadas no livro Na Batalha do Humanismo (1966), que Fernando de Azevedo assume, conscientemente, uma teoria pedagógica construída a partir de uma apropriação bastante singular da filosofia da educação de Dewey e da sociologia de Durkheim, assim como se utiliza desta última fonte teórica e da teoria das massas de Ortega y Gasset para conferir legitimidade ao seu discurso político-educacional, particularmente ao seu projeto de educação das elites, delineado em sua obra desde a segunda metade dos anos 1920.

Desse modo, pretende-se elucidar aqui esse processo de elaboração da concepção de humanismo defendida por Fernando de Azevedo, o qual fundamenta o seu discurso político-educacional e pedagógico, assim como os motivos pelos quais ela se explicita de modo mais evidente, a partir dos anos 1945, ganhando centralidade em seu pensamento e uma maior clarividência das fontes teóricas nas quais se inspira.

Objetivamos, com isso, reconstituir racionalmente a elaboração da concepção de humanismo que permeia e, a partir dos anos 1945, fundamenta o discurso filosófico e político-educacional produzido por Fernando de Azevedo, através da análise imanente de sua obra, assim como, historicamente, situar a enunciação desse discurso, recorrendo à historiografia intelectual e da educação, iluminando as discussões sobre esse tema em seu pensamento e, por assim dizer, na sua filosofia da educação.

Para tanto, partimos da compreensão de Fernando de Azevedo como o sujeito dessa enunciação discursiva, situando a sua posição entre os intelectuais da sua geração, a fim de singularizarmos a produção de seu discurso político-educacional e pedagógico entre os educadores profissionais de sua época e, sobretudo, as fontes teóricas a partir das quais busca legitimidade para ele. Como esse discurso começa a ser construído desde os seus primeiros artigos e livros, publicados na segunda metade dos anos 1910, e a apropriação dessas fontes teóricas sofre algumas alterações, historicamente, à medida que ele confere um lugar à filosofia e à sociologia, em seu pensamento, elaborando uma arquitetura de saberes em torno da qual busca legitimá-lo, procura-se em seguida elucidar o seu processo de constituição, a começar por saber como Fernando de Azevedo se defronta, originalmente, com o problema da formação humanista e com a sua própria formação, passando pela reconstituição do discurso filosófico e científico sobre a educação, que procura compreendê-lo até chegar à concepção

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de humanismo que elabora e que explicita, ao longo de sua obra.

Tentando reconstituir historicamente o movimento de explicitação dessa concepção de humanismo, procuraremos elucidar as fontes teóricas em que se baseia e legitimam o seu discurso político-educacional e pedagógico, enfocando a sua pretensão de compreender cientificamente as particularidades dos problemas da cultura e da educação brasileira e, ao mesmo tempo, de postular filosoficamente finalidades para a nova educação baseada em valores humanos universais e, simultaneamente, necessários ao atual desenvolvimento da civilização industrial. Por fim, busca-se levantar alguns motivos pelos quais essa explicitação de sua concepção de humanismo e das fontes teóricas constitutivas de sua teoria pedagógica e de seu discurso político-educacional ganham centralidade em sua obra, a partir da Segunda Guerra Mundial e do término do Estado Novo, destacando tanto os aspectos imanentes à trajetória intelectual de Fernando de Azevedo quanto os aspectos históricos que a envolvem.

Nesse sentido, reconstituiremos racionalmente as teses e os argumentos do discurso político-educacional e pedagógico desse intelectual brasileiro, recorrendo a uma análise de sua obra, assim como tentaremos focalizá-lo no momento histórico e no contexto intelectual de sua produção, elucidando o seu provável significado e sentido à época em que a concepção de humanismo azevediana foi elaborada. Desse modo, almejamos alcançar os objetivos propostos neste estudo, cujos resultados seguem a seguinte ordem:

Assim, o primeiro capítulo consta do contexto histórico do humanismo enquanto movimento, ou seja, onde surgiu, como, porque e como foi difundido no mundo. Tendo como foco o modo como intelectuais, filósofos e outros intelectuais o definiu de acordo com a época.

No segundo capítulo, procuraremos focalizar a posição de Fernando de Azevedo em relação aos intelectuais de sua geração e os laços que seu pensamento estabelece com a educação, e como ele se depara com o problema do humanismo e começa a elaborá-lo no início de sua trajetória intelectual, entre 1920 e 1932.

No terceiro capítulo, reconstituiremos o movimento de explicitação da concepção de humanismo científico, presente no discurso político-educacional e pedagógico de Fernando de Azevedo e expresso em sua obra, bem como o local que ocupa no conjunto de saberes pedagógico no qual aquele se legitima, elucidando suas fontes filosóficas e as construções teóricas sobre a educação que desenvolve, entre 1940 e 1955, a partir de apropriações singulares das referências às correntes filosóficas e sociológicas.

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sociológicas apropriadas por Fernando de Azevedo, para elaborar sua teoria pedagógica. Por fim, o quinto capítulo refere-se ao humanismo cientifico de Fernando de Azevedo e como este fundamenta o seu discurso político-educacional e pedagógico. E como o educador sociólogo trabalha as singularidades de seu humanismo em um período de pós-guerra.

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CAPÍTULO 1

Sobre a polêmica filosófica em torno do humanismo e suas repercussões para a filosofia da educação no Brasil:

Muitos filósofos e estudiosos tentaram definir o Humanismo, mas o fizeram segundo os horizontes intelectuais de suas épocas e a partir das mais diversas perspectivas teóricas. Isso resultou em inúmeras definições e algumas interpretações, dificultando o estabelecimento de um único perfil ou definição. Além dessa dificuldade, uma outra se interpõe ao estabelecimento do significado do Humanismo enquanto movimento, a saber: a de que os filósofos e os intelectuais que a ele se referem o fazem em meio às suas doutrinas ou sistemas teóricos, raramente havendo obras específicas sobre o tema, mas uma concepção humanista que permeia as suas obras. Contudo, dentre as várias interpretações e concepções sobre o assunto, há um ponto de concordância entre os filósofos: o de que o humanismo, enquanto um movimento é histórico, varia historicamente e sendo ainda hoje objeto de polêmica.

Para se ter uma idéia geral da forma como foi tratado esse tema, em 1538, foi usado o vocábulo humanístico, em italiano, com o intuito de designar os mestres das chamadas humanidades, isto é, aqueles que se consagravam ao estudia humanitatis. Esse estudo não era um estudo profissional, mas liberal: o humanista era aquele que se consagrava às artes liberais, especialmente o “geral humano”: história, poesia, retórica, gramática e filosofia moral (MORA, 1994, p.1391). O humanismo italiano poderia ser compreendido, assim, como um “ciceronismo”, na medida em que consistiu, em grande parte, em estudo e em uma imitação do estilo literário e da forma de pensar de Cícero. Em outras palavras, o humanismo compreendido nesses termos seria sinônimo de formação humanista ou de humanidades, capaz de formar o homem erudito e de torná-lo moderado e humano.

Esse primeiro sentido do termo humanismo foi aprimorado na Alemanha, sendo utilizado pela primeira vez pelo mestre educador bávaro F. J. Niethammer, em sua obra Der Streit dês Philanthropismus und des Humanismus in der Streit des Erziehungsunterrichts unserer Zeit (1808). Esse filósofo entendia por humanismo a tendência a destacar a importância do estudo das línguas e dos autores clássicos (latim e grego). Nesse sentido, o humanismo seria utilizado para designar o estudo desses conteúdos formativos responsáveis pela formação do homem erudito, sinônimo de estudos das humanidades, porque responsável, pedagogicamente, por humanizar o próprio homem.

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Em termos filosóficos, Abbagnano (1982, p.493) identifica esse sentido pedagógico da utilização do humanismo como decorrente do movimento literário e intelectual que teve suas origens na Itália, na segunda metade do século XIV e da Itália difundiu-se para os demais países da Europa, constituindo a origem da cultura moderna. Proveniente da Europa, esse movimento teria se desenvolvido de maneira mais incisiva com o Renascimento, graças a valorização do homem em sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu mundo, que é o da natureza e o da história. Ele se caracterizaria enquanto movimento histórico nos seguintes aspectos:

O reconhecimento da totalidade do homem como ser formado de alma e corpo, destinado a viver no mundo e a dominá-lo. O humanismo reivindica para o homem o valor do prazer, afirma a importância do estudo das leis, da medicina e da ética contra a metafísica, nega a superioridade da vida contemplativa sobre a ativa, exalta longamente a dignidade e a liberdade do homem, reconhece o seu lugar central na natureza e o seu destino de dominador da própria natureza.

O reconhecimento da historicidade do homem, que, de um lado, servem para uni-lo com esse passado, de outro, para distingui-lo e contrapor a ele. Sob este ponto de vista, é parte fundamental do Humanismo a exigência filológica: que não é somente a necessidade de descobrir os textos antigos e de reconstituí-los na forma autêntica, estudando e colecionando os códigos, mas é também a necessidade de reencontrar neles o autêntico significado de poesia ou de verdade filosófica ou religiosa que contêm.

O reconhecimento do valor humano das letras clássicas. Este é o aspecto do qual o humanismo toma sua denominação: na época de Cícero, a palavra humanistas significa educação do homem como tal, por meio daquilo que os gregos chamavam de paidéia e que eram reconhecidas como “belas artes”, ou seja, as disciplinas que formam o homem, por que são próprias somente dele e o diferenciam dos outros animais.

O reconhecimento da naturalidade do homem, isto é, do fato de que o homem é um ser natural, no qual o conhecimento da

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natureza não é uma distração imperdoável de vida e de sucesso (ABBAGNANO, 1982, p.493).

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Segundo Mora (1994, p.1436), não se poderia considerar essas característica gerais em torno das quais o humanismo se desenvolve historicamente, propriamente, como uma tendência filosófica nem sequer como um novo estilo filosófico, pois não havia um conjunto de idéias filosóficas comuns a autores do período. O que ocorreu nesse momento teria sido muito mais uma atmosfera cultural em torno da qual o antropocentrismo passava a ocupar, nas artes, nas ciências e na filosofia, uma posição de destaque, rompendo com as concepções teocêntricas, que vigoravam nesses campos até então, do que propriamente um movimento gerado em torno de uma filosofia comum. É sob o influxo desse movimento que muitos filósofos escrevem obras que valorizam o próprio homem e promovem uma virada nas tradições teocêntricas da Filosofia entre os séculos XV e XVII, mas sem que isso implicasse no completo abandono do saber medieval e da Metafísica.

No século XV, Michel de Montaigne (1533-1592) expressou em seu pensamento essa perspectiva em termos filosóficos, partindo das novas teorias astronômicas, nos seus Essays (1592), Considerada por muitos como a maior obra do século, quer pela originalidade de sua forma literária, quer pelo seu conteúdo humanista de pensamento, a obra de Montaigne faz um balanço sobre a ciência de seu tempo e, de acordo com esse propósito, procura por meio dela descobrir no homem o que há de verdadeiramente humano.

Montaigne recomendava, pois, que se abandonasse o velho hábito medieval de se apoiar no saber doutrinário dos sábios catedráticos, cuja fixidez de princípios e conseqüências resultava, não no conhecimento da natureza, mas do desejo, desses sábios e seus seguidores, de estabelecer a suficiência fundamental e o valor dos princípios que utilizavam (MOREIRA, 1956, p. 90).

Na segunda metade do século XVI, quando a reforma protestante tinha se expandido por todo o norte da Europa, atingindo inclusive os países bálticos, distinguimos nitidamente a bifurcação do espírito renascentista, de um lado para o formalismo e de outro para a continuação renovadora. A partir do século XVII3 começa a haver um compromisso de

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não interferência do homem sobre o mundo, transformando-se em um espectador de si mesmo e do universo, perdendo o anseio de unidade humanizadora, para se multiplicar e se dividir em homens diferentes: o religioso, o político, o artífice, o pesquisador e o filósofo. Enquanto religioso, abandona a ciência, a filosofia e a política; enquanto filósofo, estabelece os limites e os meios de conhecimento, mas renuncia à ciência e à política; enquanto pesquisador, é livre, mas não se compromete com os problemas humanos. A liberdade e a curiosidade já não embalam a totalidade humana, para se circunscreverem em fronteiras definidas, cada uma delas determinando um tipo de comportamento e de função a ser exercida socialmente.

No século XVIII, Kant dissociou a filosofia da ciência e dos problemas morais e sociais, pois negou à ciência toda possibilidade de ascender aos problemas metafísicos, isto é, de interpretação do mundo e do homem, quanto às suas causas e à sua destinação. Para ele, a vida prática já não tinha nada a ver com a vida racional e os problemas humanos situavam-se fora do âmbito da ciência. Mas, ainda, permaneciam no âmbito da reflexão filosófica e da psicologia racional, tanto quanto, para ele, os problemas divinos ficariam a cargo da teologia. Por intermédio desse saber filosófico e psicológico, Kant elabora um fundamento antropológico para a sua filosofia e para a sua pedagogia, que tinham por objetivo forjar um ideal de perfectibilidade humana a ser buscado pelo homem empírico com o intuito de formar e de se humanizar, saindo do estado selvagem em que se encontrava desde seu nascimento e promovendo a emancipação da humanidade. Esse ideal, porque racional e definido por uma filosofia transcendental, seria imutável e absoluto, representando aquilo que de essencial há no homem e em sua própria natureza.

Com Kant, o humanismo começaria a ser usado em um outro sentido, a saber, o de qualquer filosofia que tenha como fundamento a matéria humana ou os limites e interesses do homem, não se restringindo àquele movimento histórico, mas se constituindo como toda forma de pensamento que se constituísse numa base antropológica.

O humanismo é toda a filosofia que faz do homem a medida das coisas, assim como, pode ser qualquer caminho filosófico que tome em consideração as possibilidades, ou limites do homem e que proceda nesta base a uma reordenação dos problemas filosóficos

do texto de MOREIRA, J. Roberto. O humanismo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 3, p.45-101, 1960, pelo fato de haver uma grande dificuldade em encontrar material que aborde o humanismo filosófico.

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(ABBAGNANO, 1982, p.495).

Esse sentido antropológico da filosofia acompanhou boa parte do pensamento filosófico do século XIX. Embora todo o esforço profundamente humano de humanizar a vida se perdia e se diluía com o advento da modernização da sociedade, como se não valesse a pena a tentativa renascentista de realizar a felicidade neste mundo, a persistência desse sentido persistia nos campos da filosofia e da pedagogia. Porém, já à época o que importava era apenas um compromisso desarticulador desses saberes entre si, que permitisse o viver, abandonando o homem à tentativa de conquista de si mesmo. Isso porque a partir do século XIX o humanismo começa a ser concebido enquanto a base filosófica que fundamentaria e articularia as ciências do homem. Nos campos em que ainda esse sentido humanista da filosofia em associação com as ciências do homem possuía algum significado, o humanismo tornou-se objeto de uma polêmica entre as várias perspectivas em jogo.

O humanismo foi um dos cavalos de batalha no pensamento contemporâneo, especialmente entre existencialistas, marxistas, existencialistas que se declararam ao mesmo tempo marxistas (ou vice versa), personalistas e estruturalistas de diversas filiações. Pouco após a segunda guerra mundial, existencialistas, marxistas e personalistas cristãos declararam freqüentemente que cada um deles era representante do verdadeiro humanismo (ABBAGNANO, 1982, p.1393).

No campo pedagógico, a formação humanista que, durante o século XVIII, passara pelo seu primeiro processo de mudança (de conteúdo formativo relacionado às humanidades para uma antropologia filosófica que fundamentasse as teorias pedagógicas e as práticas educativas), com a contemporaneidade as disputas em torno do humanismo se acirram, no sentido de saber qual das correntes filosóficas em voga traria uma concepção verdadeira para fundamentar a atividade de ensino, passando por uma segunda mudança (agora, em torno do debate acerca das bases legitimadoras da Pedagogia ou das Ciências da Educação). Ademais, a própria compreensão acerca do humanismo como sinônimo de humanidades, isto é, enquanto um conteúdo formativo relacionado à cultura clássica, imprescindível a formação do gênero humano, passa a ser questionada pelo fato de não atender as demandas exigidas pela sociedade industrial e pela necessidade uma cultura ou que fosse útil ao desenvolvimento do

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indivíduo nessa mesma sociedade ou que tentasse reconciliar-se com as ciências e tecnologias responsáveis pelo seu processo desse desenvolvimento ou, ainda, que resistissem a esse mesmo desenvolvimento social que teria sido responsável pela desumanização do próprio homem.

Para justificar cada uma dessas proposições a serem empreendidas na e pela educação, as teorias pedagógicas produzidas na contemporaneidade buscaram suas bases de legitimação ou seus fundamentos na filosofia, adotando uma ou outra das perspectivas filosóficas em disputa sobre o humanismo, e nas ciências do homem, sobretudo, na sociologia e na psicologia. Esta foi o modo pelo qual as polêmicas filosóficas em torno do humanismo e da própria ciências do homem acabaram por repercutir nos discursos e nas práticas educacionais a partir do século XX. E, mais do que isso, as correntes filosóficas contemporâneas serviram para que algumas tendências da filosofia da educação se contrapusessem àquelas marcadas pela tradição essencialista e metafísica da filosofia (laicas ou religiosas). Isso porque elas argumentavam que estas últimas viam na idéia transcendental de homem a possibilidade de tirá-lo do estado selvagem no qual se encontrava e no qual nascia, graças às potencialidades contidas na própria natureza humana, tornando-o efetivamente humano por intermédio da cultura e da educação.

Com isso, consideravam que essa tradição justificava a educação humana e defendia a necessidade do ensino escolar se tornar universal, garantindo que todos tivessem acesso a ele, porém, fundamentaria um método pedagógico que consistia na transmissão da cultura pelo professor e na sua recepção pelo aluno, denominado de tradicional.

Tanto essa denominação de tradicional quanto as críticas à concepção de educação como transmissão da cultura e ao método de ensino centrado no professor foram desenvolvidas pelas concepções de filosofia da educação que se denominaram de modernas. Estas últimas, por sua vez, buscaram suas bases de legitimação nas correntes do pensamento que procuraram rever a própria tradição do humanismo filosófico, postulando a formulação de um humanismo que atendesse as demandas da modernização da sociedade e que fosse considerado, por isso, moderno ou científico, dependendo de sua relação ou não com as ciências e a tecnologia.

Assim, buscaram a formulação de um humanismo moderno ou científico que fundamentasse as teorias pedagógicas e as práticas educativas não mais a partir de um ideal transcendente de homem e de uma idéia de educação como transmissora da cultura, mas a partir do próprio desenvolvimento social e das necessidades existenciais do homem que viveria numa sociedade determinada, historicamente constituída, e de uma concepção

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educativa que admitiria a dinâmica e a possibilidade da mudança cultural em nome da modernização. Este talvez seja o principal ponto de inflexão do debate em torno do humanismo no debate pedagógico contemporâneo, envolvendo várias perspectivas filosóficas para fundamentar tais proposições, com repercussões em vários países, inclusive no Brasil.

O confronto da Concepção Humanista Moderna de filosofia da educação com a Concepção Humanista Tradicional, segundo Saviani (1983), ocorreu entre os anos 1930 e meados de 1960, no Brasil, com a conseqüente hegemonia da primeira sobre a segunda. Para ele, a Concepção Humanista Moderna se diferenciaria da Tradicional em função de sua fundamentação existencialista, inspirada em correntes filosóficas como o positivismo, o pragmatismo, o vitalismo, a fenomenologia e o existencialismo, destacando o seu papel histórico na recomposição da hegemonia burguesa e no reaparelhamento da escola e dos métodos de ensino elaborados por ela para favorecer os interesses e a ideologia dominante.

Os precursores dessa concepção de filosofia da educação seriam os educadores que participaram do movimento de renovação educacional no Brasil, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, entre outros. Posteriormente, teriam engrossado o ideário dessa concepção boa parte dos educadores brasileiros que conceberam a educação como um processo ativo de aquisição da cultura e que elaboraram métodos de ensino e teorias pedagógicas centrados no aprendizado do aluno, mesmo aqueles que os fundamentaram em correntes filosóficas contemporâneas diferentes daquelas que se constituiu na base do discurso político-educacional e pedagógico dos chamados pioneiros da educação nova.

A análise produzida por esse autor parece transpor para a história das idéias pedagógicas no Brasil o resultado de uma síntese sobre o confronto da Concepção Humanista Moderna com a Humanista Tradicional, produzido historicamente entre o final do século XIX e início do XX, sem levar em conta as singularidades que essas concepções assumem em nossa realidade cultural e educacional. A partir dessa síntese externa a essa história, o autor classifica os educadores que, para fundamentarem seus discursos sobre a política educacional e a pedagogia no Brasil, se apropriam de correntes filosóficas contemporâneas distintas e muitas vezes antagônicas entre si, inclusive do ponto de vista ideológico, submetendo-os a um mesmo lugar comum e ignorando a singularidade dos pensamentos produzidos por eles sobre a educação e a complexidade contextual que os enredam.

Tentando contemplar essa singularidade da reflexão filosófica sobre a educação no Brasil e a complexidade histórica que a envolve, num estudo mais recente, Severino (2000) restaura o confronto entre as diversas correntes da filosofia contemporânea em torno do tema do humanismo, justamente por considerar que toda filosofia da educação decorre de uma

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antropologia filosófica, esboçando as configurações assumidas pela reflexão sobre a educação no Brasil e os círculos hermenêuticos que as compreendem. O autor parte da polêmica entre as correntes de pensamento que buscavam uma base essencialista de homem para fundamentar a reflexão sobre a educação (como as inspiradas no Tomismo e no Neotomismo) e aquelas que almejavam essa fundamentação em bases existenciais, que compreendem as filosofias da educação inspiradas no pragmatismo e na filosofia analítica, no existencialismo, no personalismo e na fenomenologia, no marxismo em suas diferentes perspectivas, na teoria crítica e no pós-modernismo. Afirma que a filosofia da educação fundada nas concepções essencialistas de filosofia teria se constituído no Brasil como uma ideologia sendo confrontada por todas as outras tendências contemporâneas apropriadas pelos educadores brasileiros, desde os anos 1930.

Esses educadores teriam procuradoproduzir suas reflexões sobre a educação, cada um a seu modo e em conformidade com as filosóficas apropriadas por eles, buscando definir ou privilegiando em suas análises o estatuto epistemológico desta última, a sua dimensão ética, estética ou política em suas análises, a fim de propor um sentido humanista a ser empreendido na prática educativa.

Para esse autor, nesse sentido, os Pioneiros da Educação Nova e, mais recentemente, alguns educadores que se apropriaram do neopositivismo, do positivismo lógico ou da filosofia analítica teriam produzido, no Brasil, uma reflexão técnica-funcional acerca da educação, privilegiando os aspectos epistemológicos da investigação do fenômeno educativo e a dimensão técnica da atividade pedagógica. Os educadores brasileiros que se apropriaram das correntes filosóficas do existencialismo, da fenomenologia e do personalismo, a partir dos anos 1950, teriam se contraposto ao círculo técnico-funcionalista em educação, ao privilegiarem em suas reflexões teóricas as dimensões éticas e subjetivas da atividade pedagógica, conferindo a elas um humanismo existencial que se assentaria na valorização da atividade do sujeito e que teriam configurado, no Brasil, um círculo hermenêutico em torno da ecleticidade formativa.

Contrapondo-se a esta concepção de humanismo pedagógico e a esta idéia de sujeito defendida no discurso propagado por esse segundo círculo hermenêutico, alguns educadores brasileiros, mais recentemente, ao apropriar-se do pensamento dos teóricos críticos alemães e dos filósofos franceses pós-estruturalistas, teriam forjado uma outra forma de pensar sobre e na educação, no Brasil, que privilegiaria a análise arqueo-genealógica em suas reflexões e a subjetividade desejante na atividade educativa.

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marxista e da categoria de práxis que ele oferece para se refletir sobre o trabalho pedagógico teria valorizado a sua dimensão política e aglutinado vários educadores que viam a elaboração de uma reflexão sobre a educação à luz dessa perspectiva como um meio de compreender o papel ideológico desempenhado por essa prática social na sociedade existente e de envolver os seus agentes nas lutas pela transformação dessa mesma sociedade.

Embora Severino não afirme que este último círculo hermenêutico se contraponha aos outros mencionados nem o assuma como epistemológica e politicamente superior aos demais – como faz Saviani – também o adota como um ponto de vista privilegiado para a produção desse esboço sobre filosofia da educação no Brasil apresentado. De ummodo mais detalhado e com uma maior pesquisa empírica do que aquele quadro desenvolvido por Saviani, Severino procura a partir do material empírico levantado constituir uma caracterização desses círculos hermenêuticos e uma classificação em torno da qual aglutina o pensamento de vários educadores e movimentos intelectuais brasileiros em torno da educação. Essa forma de análise auxilia a esclarecer melhor o pensamento desses educadores e aglutinar os seus pensamentos sobre a educação em torno do movimento intelectual ou círculos hermenêuticos ao qual pertencem, oferecendo uma visão mais precisa acerca de como se deu as repercussões do conflito em torno do humanismo na filosofia contemporânea no campo educação brasileira.

Contudo, o esboço sobre a filosofia da educação no Brasil produzido por Severino não parece ser suficiente para compreendermos as singularidades da apropriação dessas correntes filosóficas nem a lógica imanente do pensamento de qualquer um desses agentes históricos que, num dado contexto histórico, se propõe a formular uma concepção humanista para fundamentar o seu discurso sobre a educação ou as suas práticas políticas ou educativas. Até porque o seu estudo não se propôs a isso, mas, simplesmente, a elaborar um esboço mesmo, que servisse como uma referência a outros estudos e, principalmente, informasse os professores de Filosofia da Educação sobre a historicidade dessa disciplina em nosso país. E, talvez, assim deva ser compreendido, mesmo pelos estudos como o presente, que almeja reconhecer nesses trabalhos sobre as repercussões sobre a polêmica do Humanismo na filosofia da educação no Brasil apenas uma primeira aproximação do tema, já que o seu objeto é o pensamento de um dos precursores daquilo que ficou conhecido como Concepção Humanista Moderna ou como círculo Técnico-funcionalista: Fernando de Azevedo.

No entanto, como tentar compreender as singularidades do seu pensamento, assim como as fontes teóricas apropriadas por esse educador para elaborar a sua concepção de humanismo, à luz da qual fundamenta o seu discurso político educacional e pedagógico em

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um determinado momento de sua trajetória intelectual e de sua obra, não basta apenas essa aproximação mais geral do tema e classificação a priori de (ou externa a) sua forma de fazer filosofia da educação. Neste caso, é preciso de uma maior aproximação tanto dessas produções acadêmicas que abordam o tema de um mais geral sobre o processo de constituição da filosofia da educação no Brasil quanto de trabalhos que procuraram deslocar esse processo do tema do humanismo, dado que a filosofia da educação poderia ser entendida como um desdobramento da antropologia filosófica, para as formas de apropriação de fontes filosóficas pelos educadores brasileiros com o intuito de tentar reconstituir as suas formas de pensar, mesmo que isso implique em compreender a coerente ecleticidade ou a ambigüidade de seus discursos e práticas, reconhecendo nelas um traço constitutivo do pensamento educacional brasileiro.

Um estudo que poderia nos auxiliar nessa tarefa foi desenvolvido por Mendes (1987). Ao invés de centrar-se em torno da polêmica em torno do humanismo, como os estudos antes apresentados, ele procura elucidar as influências das correntes filosóficas contemporâneas sobre o pensamento educacional brasileiro. Mostra que mesmo num movimento intelectual em torno de idéias pedagógicas ou do mesmo campo ideológico, os educadores que partilham dessas idéias ou ideologias se inspiram em referências teóricas distintas e, muitas vezes, num mesmo pensamento ocorre uma múltipla influência filosófica, por exemplo, como ocorre no interior do movimento pela escola nova no Brasil. Com isso, detêm-se mais sobre as singularidades dos pensamentos de Fernando de Azevedo e de Anísio Teixeira e as formas como tais educadores se apropriam das fontes filosóficas do pensamento contemporâneo para fundamentar seus discursos político-educacionais e suas proposições sobre as práticas pedagógicas a serem desenvolvidas nas escolas brasileiras.

Embora não procure compreender a concepção humanista em que fundam os discursos filosóficos sobre a educação brasileira, esse autor fornece elementos sobre os problemas político-educacionais e pedagógicos com os quais se defrontaram nos anos 1930 e 1940, porém, sem desenvolver alguma classificação que unificasse o pensamento desse movimento intelectual. Desse modo, ele parece assinalar para a necessidade de compreendermos as singularidades do pensamento desses educadores, assim como o significado de suas produções teóricas no contexto em que foram formuladas, mesmo que seja para a análise de um tema tão amplo como o da concepção do humanismo em torno da qual fundamentam seus discursos e práticas.

Indicação semelhante sugere os outros estudos historiográficos sobre o movimento da escola nova no Brasil, ou mesmo os estudos mais recentes em filosofia da educação sobre

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o pensamento de Fernando de Azevedo e de Anísio Teixeira, citados na introdução. Contudo, como apreender essas singularidades no pensamento de educadores que abordaram o tema do humanismo ou mesmo de movimentos intelectuais que nele fundamentaram a(s) sua(s) filosofia(s) da educação? Ao que parece, tal compreensão das singularidades somente pode ser possível com estudos monográficos sobre intelectuais e educadores que abordaram o tema ou sobre as formas como esse tema foi pensado no Brasil a partir de algumas correntes filosóficas contemporâneas e com um recorte histórico bastante definido.

No caso deste trabalho optamos por um estudo monográfico sobre a concepção de humanismo de Fernando de Azevedo, que permita reconstituir de um modo mais pormenorizado o pensamento desse educador, auxiliando tanto na compreensão sobre a repercussão do embate em torno do humanismo contemporâneo no Brasil quanto nas discussões sobre as possibilidades ou não de seu pertencimento à concepção humanista moderna ou sobre o círculo hermenêutico técnico-funcionalista de filosofia da educação.

Vale ressaltar, porém, que tanto no interior do movimento escolanovista quanto no pensamento de Fernando de Azevedo o tema do Humanismo ganha uma maior projeção apenas entre 1950 e 1960. Embora os traços desse humanismo que se explicita a partir desse período já estejam esboçados desde os anos 1930, é nesse momento de nossa história que não somente as divergências teóricas internas em torno desse tema aparecem no âmbito desse movimento, como também uma maior capacidade de enunciação de suas bases filosóficas e científicas, entre outros, por Fernando de Azevedo. Nesse momento, também, várias outras correntes da filosofia contemporânea passam a ser apropriadas, juntamente com aquelas apropriadas pelos chamados escolanovistas, entram em cena e passam a disputar os fundamentos a nortearem os discursos pedagógicos e a prática educativa, muitos deles, claramente preocupados em denunciar as conseqüências trazidas pela Segunda Grande Guerra à humanidade e da sociedade industrial para a vida humana, propondo um outro sentido para a educação.

No entanto, enfocaremos apenas algumas divergências teóricas entre os defensores da chamada escola nova no Brasil e entre os intelectuais de sua geração, observando a obra de Fernando de Azevedo em três momentos: 1) das obras que vão do final dos anos 1910 à publicação do Manifesto dos Pioneiros em 1932; 2) de sua entrada para a Universidade de São Paulo às suas obras produzidas em meados dos anos 1940; 3) da publicação de seu livro A Cultura Brasileira aos artigos da coletânea Na Batalha do Humanismo. Desse modo, pretendemos com esta dissertação concorrer para a discussão sobre as repercussões da polêmica do humanismo sobre a filosofia da educação no Brasil.

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CAPÍTULO 2

Educação e humanismo no início da trajetória intelectual de Fernando de

Azevedo: os traços comuns de uma geração de intelectuais

Azevedo sempre foi uma pessoa de ação, inquieto e insatisfeito consigo e com a sociedade em que estava inserido; sempre buscou falar sobre o humanismo e a formação do homem (PILETTI, 1994, p. 4).

Homem extremamente culto (nunca escondeu sua paixão pelo conhecimento, adorava freqüentar bibliotecas, onde mantinha contato com intelectuais e profissionais de diversas áreas), ao longo de sua vida, Fernando de Azevedo sofreu influências de diversos intelectuais e pesquisadores, tais como Dewey, Durkheim e Ortega y Gasset; em suas obras, consegue articular comentários de vários outros intelectuais, como Stuart Mill, Pareto, Marx, entre outros, emprestando ao seu discurso um certo ecletismo, que a princípio parece incoerente.

Contudo, tal forma de apropriação dessas referências se justifica e confere uma certa coerência ao seu discurso político e pedagógico, caso se leve em conta a sua preocupação com o problema da educação à época em que ocorreu, a sua pretensão em pensar sobre a reforma da cultura e do ensino, como meios de formar um novo homem e de concorrer para a consolidação da democracia, em nosso país. Fernando de Azevedo poderia ser compreendido, assim, como um intelectual que pensou sobre esse problema e que tentou elaborá-lo teoricamente, enunciando um discurso sobre o qual legitimou a sua ação política nesse campo, nas esferas públicas ligadas à universidade, enfrentando toda a forma de resistências à reforma do ensino que propôs.

Diferentemente dos escritores brasileiros que, desde o final do Império até os primeiros anos da República, nutriam suas obras de um discurso pessimista sobre as possibilidades de modernização e democratização da sociedade brasileira, segundo Pecáult (1990, p.24), os intelectuais que se formaram entre 1900 e 1910 preconizam uma maior intervenção sobre o social, através de seus discursos e de suas práticas, assumindo uma

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função eminentemente política, e propondo reformar nossa realidade sóciocultural. Boa parte dos intelectuais dessa geração, ainda segundo o autor, almejavam essas reformas sociais e políticas por intermédio da educação pública, despertando sobre ela a atenção e o foco de intermináveis debates, com o intuito de promover o que chamavam de modernização da sociedade brasileira.

O despertar desse "entusiasmo pela educação", durante os anos 1920, possibilitou que se formassem no seio da intelectualidade nascente, os "primeiros educadores profissionais" que, na década seguinte, ao produzirem um discurso e elaborações teóricas pedagógicas mais especializadas, empreenderam aquilo que foi denominado por Nagle (1974) como um certo "otimismo pedagógico". Entre esses primeiros “educadores profissionais", estaria Fernando de Azevedo, juntamente com Anísio Teixeira, Lourenço Filho, entre outros. Mas, afinal, o que singularizaria o discurso expresso nas obras e na prática de Fernando de Azevedo, entre os intelectuais de sua geração e aqueles enunciados empreendidos pelos "primeiros educadores profissionais"? E, antes disso, como se deu na trajetória intelectual de Fernando de Azevedo, esse contato com o problema da educação brasileira e com o tema do humanismo?

São essas perguntas que procuraremos responder neste capítulo, recorrendo aos primeiros anos de sua formação intelectual e às suas primeiras obras, bem como à historiografia produzida sobre os intelectuais de sua geração. Com isso, pretende-se focalizar aquelas singularidades e discutir em que medida o problema da formação humanista clássica não se apresenta, já em suas primeiras obras, fornecendo indícios que foram, posteriormente, melhor elaborados em relação ao assunto.

2.1. Primeiros contatos com o ensino e as aproximações iniciais com o Humanismo

Piletti (1985, p.43) afirma que o gosto pela educação surgiu de forma acidental na vida de Fernando de Azevedo, argumentando que, se ele não fosse mandado por Júlio de Mesquita Filho a fazer um inquérito sobre a Instrução Pública, em São Paulo, jamais se interessaria em estudar e analisar questões relacionadas à educação e, muito menos, discutir e refletir sobre os seus problemas. Para ele, esse foi o grande salto de Fernando de Azevedo, porque, a partir desse momento, nunca mais deixou a educação.

No entanto, essa informação pode ser considerada discutível, se levarmos em conta a biografia de Fernando de Azevedo e a sua trajetória, no contexto intelectual do final dos

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anos 1910 e início de 1920, quando a educação se torna um problema político nacional, pensado e debatido por vários intelectuais dessa geração.

Como muitos deles, ainda muito jovem, Fernando de Azevedo ingressou na vida religiosa, mantendo um comportamento de devoção à carreira assumida, até o momento em que algumas “inquietações” pessoais dela o afastaram. Segundo ele, tal afastamento da vida religiosa teria ocorrido por falta de vocação, fazendo-o procurar uma chance na Escola Naval e no Itamarati (Rio de Janeiro), não conseguindo êxito pelo fato de não ter nenhuma relação com pessoas influentes ou um patrocínio político. Não obstante essa ausência de êxito, Azevedo teria começado a cursar a Faculdade de Direito, em Belo Horizonte (Minas Gerais), transferindo-se logo em seguida para a Faculdade de São Paulo, ingressando no curso de Ciências Jurídicas e Sociais. Aí obteve os rudimentos da recém-criada Sociologia moderna, bem como aprimorou os seus conhecimentos em Filosofia, que mais tarde serviriam de base para pensar sobre as questões relativas à educação, com a qual se defrontara desde 1915, de um modo mais intenso, e com o problema do humanismo, que permearia toda a sua formação clássica (AZEVEDO, 1971, p.20-100).

Antes de ingressar no curso de Direito, em Belo Horizonte, ele teria atuado como professor substituto de Latim e de Psicologia, no Ginásio do Estado de Minas Gerais, atividade que exerceu entre 1913 e 1914, tornando-se, em seguida, bibliotecário dessa mesma instituição. Nessas atividades, no entanto, as suas inquietações o levavam a observar todos os lugares da escola, chegando a verificar a sala de educação física, a qual percebeu que era uma “sala de armas”, e que a sua prática não condizia com aquilo que imaginava em relação a essa disciplina, a partir de seus estudos sobre a cultura grega e da valorização que esta emprestava à ginástica. Azevedo mergulha num período de estudos e análises sobre a educação física, apresentando um documento à Câmara Estadual, pleiteando a liberação do concurso para a disciplina.

Ele conseguiu a liberação do concurso, mas não conseguiu o cargo. Nas provas de exames e de títulos, ele fora aprovado com a tese “A Poesia do Corpo”, que teve grande repercussão à época, porém, em função da lei permitir que o presidente do Estado de Minas Gerais nomeasse para a cadeira o candidato de sua predileção, entre os aprovados, a última palavra teria sido dada por ele, concedendo a vaga ao outro candidato, um pugilista afiliado de seus correligionários de Barbacena. O presidente Delfim Moreira concedera, assim, o cargo para a cadeira de ginástica no Ginásio do Estado para um pugilista.

Comentando mais essa frustração de Fernando de Azevedo, ao tentar adentrar à vida pública, por intermédio de um concurso, Briccio Filho (2000) declara:

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Delfim Moreira observou que se apresentaram dois candidatos: um fisicamente desenvolvido, espadaúdo, forte, musculoso, demonstrando haver estado, na infância, em exercícios corporais, outro, um mocinho enfezado, anêmico, de proporções minúsculas, de porte médio, denotando não ter em criança experimentado a influência da educação física, a mesma educação física que se propunha ensinar. O segundo pretendente ao citado posto era o Sr. Fernando de Azevedo, crismado doutor, não sei por que academia. De S. Gonçalo de Sapucaí, onde dizem que veio ao mundo zarpou ao embalo do engano d’alma, ledo e cego, a que se referiu o lusitano Camões, que, com um olho só, enxergava mais que muita gente com dois.

Mais uma vez, em virtude das influências políticas regionais, ele se via desprestigiado e injustiçado. A tese que defendera no referido concurso teria obtido grande publicidade, bem como a injustiça de que fora acometido, dando-lhe um certo prestígio, na imprensa mineira. Foi em São Paulo, cidade para a qual havia migrado após o ocorrido, porém, que Fernando de Azevedo se encontraria definitivamente com a educação e com a atividade docente, além de desempenhar, paralelamente, a atividade de jornalista (free lance), possibilitando a veiculação de seus primeiros artigos, posteriormente transformados em livro. Ele começa a sua atividade de ensino, nessa cidade, ministrando aulas particulares de latim e, mais tarde, sendo nomeado professor de Latim e Literatura, na Escola Normal da Praça (cadeira de professor obtida por indicações de Alarico Silveira e José Lannes).

Em um de seus escritos de memória, ele recorda:

Quem entrava para a Escola Normal não era apenas nem, sobretudo, um professor de latim e literatura, mas, na verdade, um jovem imbuído de idéias de reforma do ensino e da educação (AZEVEDO, 1971, p.57).

Esse mesmo espírito parecia permear a atividade jornalística de Fernando de Azevedo e nutrir suas primeiras reflexões sobre a educação clássica, publicadas no Correio

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Paulistano4, juntamente com notas de falecimentos, aniversários, ensaios sobre a Antigüidade Latina e sobre literatura. Para a elaboração desses artigos, Azevedo utilizou toda a sua erudição sobre a cultura grega e latina, que aprendera com a formação religiosa, enunciando algumas críticas ao classicismo literário e à formação humanística clássica. Mais tarde, uma parte desses ensaios e artigos foi aglutinada nas coletâneas Jardins de Salústio (1924) e No tempo de Petrônio (1923), publicada no formato de livro, trazendo ao grande público essas críticas literárias e, sobretudo, as críticas à formação humanística clássica, da qual decorre o primeiro confronto que estabelece com a concepção de humanismo que a informa.

Nessa primeira aproximação do tema, expressa nessas duas obras, o humanismo apresenta-se implícito, diluído e muito arraigado à sua formação religiosa; ainda partidário de uma cultura clássica, adquirida no seminário (latim, grego - diálogos de Platão - história da literatura das duas línguas clássicas), o problema do humanismo clássico é apenas enunciado como algo a ser superado, sobretudo, diante das mudanças ocorridas na sociedade moderna e na formação escolar. Nesse caso, esse problema parece decorrer da insatisfação de Fernando de Azevedo com a sua própria formação, principalmente no que diz respeito à insuficiência desses conteúdos da cultura, para auxiliar na compreensão das mudanças sociais e psicológicas ocorridas nessa época, bem como para formar um homem que se fortalecesse de uma cultura socialmente útil, apropriando-se dela com o intuito de modernizar a sociedade brasileira, e não como mera erudição e como um critério de distinção de classes, no sentido em que até então vinha sendo concebida pelas nossas elites.

Azevedo deixa claro essa aspiração, quando afirma:

A sciencia livresca, plethorica de theorias pretenciosas e labyrinthica no emmaranhado de suas escolas, tende hoje, ao que parece, a paralysar quase toda a vivacidade intuitiva e plástica do espírito humano (AZEVEDO, 1923, p.76).

Ora, o meio de reanimar essa atividade do espírito humano seria através de uma reforma educativa, inspirada na praticidade da vida e da cultura romana, tal como interpretada por ele nesses dois primeiros livros de crítica literária. Ao contrário da cultura grega, aristocrática, que formava o homem para o ócio e para uma cidadania restrita a alguns poucos,

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Azevedo, quando estava trabalhando no jornal Correio Paulistano, recebeu um convite de Júlio de Mesquita Filho, para escrever um estudo para a edição especial do jornal O Estado de São Paulo, em comemoração ao Centenário da Independência; resolveu, assim, escrever o texto publicado como: A evolução do esporte no Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 1930.

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