• Nenhum resultado encontrado

Dissertação Paulo Seifer 2012

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Dissertação Paulo Seifer 2012"

Copied!
148
0
0

Texto

(1)

Dissertação de Mestrado

PAULO GUILHERME SEIFER

“Gestão de projetos de microssistemas de geração e

distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e

sustentabilidade”

Santo André Agosto/2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENERGIA

(2)

PAULO GUILHERME SEIFER

“Gestão de projetos de microssistemas de geração e

distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e

sustentabilidade”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade Federal do ABC para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Federico Bernardino Morante Trigoso

Santo André Agosto/2012

(3)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade Federal do ABC SEIFER, Paulo Guilherme

Gestão de projetos de microssistemas de geração e distribuição de energia elétrica : procurando seu sucesso e sustentabilidade / Paulo Guilherme Seifer — Santo André : Universidade Federal do ABC, 2012.

145 fls. il. 29 cm

Orientador: Federico Bernardino Morante Trigoso

Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-graduação em Energia, 2012.

1. Eletrificação rural descentraliza 2. Abordagem de Capacidades 3. MIGDI, SIGFI I. TRIGOSO, Federico Bernardino Morante. II. Programa de Pós-graduação em Energia, 2012, III. Título.

(4)
(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Esta dissertação é o fruto de uma busca por mudanças, tanto profissionais como pessoais. O caminho até sua conclusão foi tortuoso, e sem dúvida não seria possível sem o apoio de diversas pessoas, e a estas eu ofereço meu sincero obrigado.

À Janaína, por ser meu pilar na decisão de iniciar esse caminho, e por me acompanhar na maior parte, e por sua disposição de discutir Ostrom e Sen.

À Anna Carolina, Natalia e Gilsa, por todo companheirismo.

À Louise por seu companheirismo, e apoio nos momentos mais difíceis desta jornada.

Ao pessoal da UFMA e da Ilha dos Lençóis, por me receber e possibilitar a realização da pesquisa de campo desta dissertação.

Ao Professor Arilson, que me apresentou Ostrom e Sen, que são as pedras fundamentais deste trabalho.

Ao Professor Federico, por toda sua habilidade na minha orientação (que admito, deve ter sido difícil), e sua paciência nos momentos em que os resultados pareciam mais distantes. E, claro, por toda sua contribuição, que sem dúvida enriqueceu ainda mais este trabalho.

(7)

SUMÁRIO Lista de tabelas Lista de figuras Lista de abreviaturas Resumo Abstract

Capítulo 1 – O PROBLEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO... 1

1.1 Introdução... 1

1.2 Objetivos... 10

1.2.1 Objetivo geral... 10

1.2.2 Objetivos específicos... 10

1.3 Justificativa e marco teórico... 10

1.4 Metodologia... 15

1.5 Contribuição... 17

Capítulo 2 – CULTURA, INSTITUIÇÕES, CAPACIDADES E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA... 18

2.1 Introdução... 18

2.2 Comunidade rural, cultura e território... 18

2.3 Transição energética e difusão de inovações... 23

2.3.1 Conceitos de transição energética... 23

2.3.2 A adoção da tecnologia e o processo de difusão... 26

2.3.3 A demanda pela nova fonte energética... 30

2.4 Abordagem de Capacidades... 31

2.4.1 Conceitos básicos... 31

2.4.2 Críticas e contra-críticas à Abordagem de Capacidades... 35

2.4.3 Abordagem de Capacidades e a eletrificação rural descentralizada por MIGDI... 36

2.5 Abordagem Institucional... 38

2.5.1 Conceitos básicos ... 38

2.5.2 A construção das instituições... 44

2.5.3 Arranjos institucionais... 45

2.6 Síntese do capítulo... 49

Capítulo 3 – A ELETRIFICAÇÃO RURAL E PRÁTICAS DE GESTÃO... 49

3.1 Introdução... 49

3.2 Aspectos relevantes dos projetos de eletrificação rural... 50

3.2.1 A motivação para a eletrificação rural e quem a realiza... 50

3.2.2 A questão da propriedade de infraestrutura de gestão... 56

3.2.3 Estrutura de manutenção e as questões da dificuldade de acesso e capacitação... 58

3.2.4 Estrutura de cooperativas e associação de moradores... 66

3.2.5 Criação de empresas/Negócios locais... 67

3.2.6 Concessionária de serviços de energia elétrica... 67

3.2.7 Participação do Estado... 68

(8)

Capítulo 4 – OBSERVAÇÕES DE CAMPO... 74

4.1 Histórico do projeto... 74

4.2 A gestão do sistema... 77

4.3 A equipe da UFMA... 78

4.4 A Ilha dos Lençóis... 79

4.5 Análise Institucional... 85

4.5.1 Atores e suas funções... 85

4.5.2 Atividades... 85

4.5.3 A eletricidade na vida dos usuários segundo a Abordagem de Capacidades... 87

4.6 Análise dos resultados... 90

4.7 Síntese do capítulo... 97

Capítulo 5 – MÉTODO PARA A GESTÃO DE PROJETOS DE ELETRIFICAÇÃO RURAL... 99

5.1 Método... 100

5.2 Distribuição temporal dos estágios... 113

5.3 Síntese do capítulo... 117

Capítulo 6 – CONCLUSÃO... 119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 128

(9)

Lista de tabelas e box

Tabela 1.1 – Valores de referência para microcentrais hidrelétricas

segundo Eletrobrás e OLADE... 3 Box 3.1 O programa Ecowatt... 52 Tabela 3.1 – Instituições e a possibilidade de sucesso de seus projetos de

eletrificação... 54 Box 3.2 Projeto “Luz do Sol”... 57 Box 3.3 Eletrificação rural descentralizada realizada pela concessionária

COELBA... 60 Box 3.4 Estrutura de eletrificação rural descentralizada instalada em

(10)

Lista de figuras

Figura 2.1 – IAD framework... 41

Figura 4.1 – Diagrama do sistema híbrido na Ilha dos Lençóis... 75

Figura 4.2a – Sede da infraestrutura... 75

Figura 4.2b – Geradores eólicos... 75

Figura 4.2c – Gerador Diesel... 75

Figura 4.3a – Conversores de Corrente Contínua para Alternada (Inversores)... 76

Figura 4.3b – Conjunto de baterias... 76

Figura 4.4 – Localização da Ilha dos Lençóis com relação à São Luis – MA. 80 Figura 4.5 – Ilha dos Lençóis... 80

Figura 4.6a – Casa de madeira... 81

Figura 4.6b – Casas de palha... 81

Figura 5.1 – Diagrama de Gantt proposto para a distribuição temporal dos estágios... 116

(11)

Lista de abreviaturas AM... Associação de Moradores

ANEEL... Agência Nacional de Energia Elétrica CEAM... Companhia Energética do Amazonas CELPA... Centrais Elétricas do Pará S.A.

CEMIG... Companhia Energética de Minas Gerais CESP... Companhia Energética de São Paulo CFCB... Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias COELBA... Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia Eletrobrás... Centrais Elétricas Brasileiras

FSADU... Fundação Sousândrade de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal do Maranhão

GEDAE... Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas GTZ... Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit

IAD... Institutional Analysis and Development

ICMBio... Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IISc... Indian Institute of Science

ITDG... Intermedian Technology Development Group

MIGDI... Microssistema de geração e distribuição de energia elétrica MME... Ministério de Minas e Energia

NEA... Núcleo de Energias Alternativas

OLADE... Organização Latino Americana pra o Desenvolvimento PBS... Palli Biduyti Samities

PIE... Produtor Independente de Energia

PRODEEM... Programa de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios REB... Rural Electrification Board

RESEX... Reserva Extrativista

SFD... Sistema Fotovoltaico Domiciliar

SIGFI... Sistema individual de geração por fonte intermitente UFMA... Universidade Federal do Maranhão

(12)

RESUMO

Esta dissertação trata dos elementos que podem levar um projeto de eletrificação rural descentralizada por MIGDI ou SIGFI ao sucesso ou ao fracasso. Observa-se uma predominância de fracassos nestes projetos, e também uma literatura dispersa em termos de conclusões sobre a motivação para estes fracassos. Toma-se aqui como elemento comum subjetivo os incentivos perversos como causa disto. Para confirmar essa hipótese é utilizada a Análise Institucional, além da Abordagem de Capacidades como suporte para compreensão de como o Bem-estar dos indivíduos é afetado pela eletrificação. A análise é realizada por meio de uma revisão da literatura de eletrificação rural, na qual são destacados o interventor, suas motivações e características; a questão da propriedade da infraestrutura; a estrutura de manutenção e o processo de capacitação dos usuários; a organização da gestão como cooperativa e como mercado; a questão da eletrificação feita pela concessionária de serviços de eletricidade; e a questão da eletrificação pelo Estado. Foi observado que os altos custos de transação podem servir de incentivo para que os atores envolvidos se distanciem de suas funções, aumentando a chance de colapso da infraestrutura. Estas observações são confirmadas por meio de uma pesquisa de campo realizada na Ilha dos Lençóis, onde estes elementos de altos custos são observados, mas características locais da comunidade e a situação de incerteza na gestão da infraestrutura ainda a sustentam evitando o colapso. Por fim é proposto um método para a gestão de projetos de eletrificação rural por MIGDI ou SIGFI, construídos de modo a buscar a diminuição dos custos de transação e aumentar a chance de sucesso da infraestrutura.

PALAVRAS-CHAVE: Eletrificação rural descentraliza, MIGDI, SIGFI, Gestão do projeto, Análise Institucional, Abordagem de Capacidades.

(13)

ABSTRACT

This dissertation deals with the elements that can lead a decentralized rural electrification project by MIGDI or SIGFI to success or failure. There is a predominance of failure in these projects, and also a scattered literature in terms of conclusions about the motivations to these failures. Here is considered as common subjective element the perverse incentives as the cause of this. To confirm this hypothesis is used the Institutional Analysis, and the Capability Approach, as support for understanding how the well-being of individuals is affected by the electrification. The analysis is performed by a literature review of rural electrification, which highlights the intervenor, their motivations and characteristics; the questions of ownership of infrastructure; the maintenance structure and the process of users training; the management organization as a cooperative and as a market; the question of made by the utility of electricity services; and the question of the electrification made by the State. It was observed that the high transaction costs can bring the incentives for the active actors get off their functions, increasing the chance of infrastructure breakdown. These observations are confirmed in the field research performed in Ilha dos Lençóis, where the elements of high transaction costs are observed, but local characteristics of the community and the uncertain situation of the infrastructure management avoid their breakdown. At last are proposed a set of guidelines to project of rural electrification by MIGDI or SIGFI, built in a way to seek the reduction of the transaction costs and increase the chance of success of infrastructure.

KEY WORDS: Decentralizes rural electrification, MIGDI, SIGFI, Project management, Institutional Analysis, Capability Approach.

(14)

Capítulo 1 – O PROBLEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1 Introdução

A energia elétrica pode ser entendida como uma energia nobre. Isso ocorre em função de fatores como a facilidade de transporte (em especial, com poucas perdas), e a facilidade na sua conversão para outras formas de energia, o que a torna um elemento fundamental para a forma de industrialização e produção (material e intelectual) na sociedade atual.

Em decorrência destes fatores, a eletrificação desde seus primórdios foi vista como elemento estratégico para o desenvolvimento de uma nação. Isso pode ser observado em momentos da história recente, alguns de forma implícita, como a Doutrina Truman, que considera que o modelo de desenvolvimento americano deveria ser o modelo a ser seguido por outras nações. Pode ser observado também de forma mais explícita, como no plano de industrialização das nações socialistas, como em manifestações públicas de Lênin sobre a importância da eletrificação, ou das ciências elétricas (MORANTE, 2004).

Essa visão de desenvolvimento era fundamentada fortemente no conceito de crescimento econômico, sendo a medida deste confundida, até recentemente, com a própria medida de desenvolvimento. Assim, para um país de orientação capitalista, trazer para um país menos desenvolvido um modelo semelhante ao já adotado nos países considerados ricos, significaria um aumento das chances de tirar tais países do subdesenvolvimento.

Apesar da importância depositada na eletrificação, esta não se difundiu de forma universal. A quantidade de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil, que ainda não dispõe deste recurso ainda é muito elevada. Dentre os diversos motivos que levam a esta situação pode-se destacar o financeiro como o de maior importância. Isto tanto no sentido da extrema pobreza impedindo (ou mesmo, não justificando) a difusão do uso da eletricidade, como no sentido de que eletrificar um determinado território pode ser por demais custoso, como destacado a seguir.

Segundo Gouvello (2003) e Haanyiaka (2006), grande parte desta situação vem das reformas liberais ocorridas a partir da 2a metade do século passado, das quais uma conseqüência foi

(15)

em desenvolvimento. Destas mudanças destaca-se a privatização do setor elétrico, fato que trouxe a geração, a transmissão e a distribuição de eletricidade para o modelo baseado em mercado (GOUVELLO, 2003; HAANYIKA, 2006), cuja pedra fundamental é a maximização dos lucros.

Essas mudanças acabaram por influenciar diretamente o processo de eletrificação de comunidades rurais pois, como citado, o elemento motivador para esse processo deixou de ser o “estratégico”, onde a eletricidade é vista como elemento para desenvolvimento, e passou a ser o financeiro, passando a eletricidade a ser vista como fonte de lucro.

O baixo interesse econômico na eletrificação rural normalmente ocorre em função de algumas características comuns de comunidades rurais. Características como a baixa densidade populacional, resultando em baixa taxa de retorno em função do investimento são amplamente apontados como fatores que desestimulam as empresas concessionárias a fornecer eletricidade para tais comunidades. Ainda pode-se destacar as dificuldades técnicas, como, por exemplo, em comunidades rurais de Bangladesh, que possuem densidade populacional interessante em termos financeiros, mas cujas características geográficas impedem o processo de extensão de rede (GOUVELLO et al., 2003), que seria o processo natural em um sistema centralizado de geração e distribuição de energia elétrica.

Ainda assim, o acesso à eletricidade é visto hoje como um vetor para o desenvolvimento, sendo o acesso universal a esta forma de energia ambicionada. Nesse sentido, o esforço para a eletrificação ainda se dá por meio da extensão de rede, atingindo em maior intensidade as comunidades mais próximas dos centros urbanos, onde o custo para a extensão é mais baixo (GOUVELLO, 2003; GÓMEZ e SILVEIRA, 2010).

Acabam prejudicadas neste processo as comunidades rurais mais afastadas, ou ainda, isoladas, assim consideradas ou em função da distância dos centros urbanos, ou pelas dificuldades geográficas de acesso.

Uma possibilidade para tais comunidades rurais isoladas é o uso de microssistemas de geração e distribuição de energia elétrica (MIGDI) ou sistemas individuais de geração de energia

(16)

elétrica por fonte intermitente (SIGFI)1, por meio de tecnologias como painéis fotovoltaicos,

pequenas turbinas eólicas, pico/nanohidrelétricas, baseadas em biomassa etc.

Embora esta denominação esteja dirigida ao uso dessas tecnologias de geração pelas distribuidoras de energia elétrica seu uso pode ser generalizado. Nesta dissertação esta denominação é estendida a todo tipo de projetos que utilizem fontes de geração de até 100 kW de potência instalada, tal como indicado na Resolução no 493, da ANEEL.

Não existe um valor limite para a geração em pequena escala, mas sim algumas convenções desenvolvidas especialmente para fins legais, como é o caso da definição da Eletrobrás para as dimensões de centrais hidrelétricas (micro, pequena etc). Os valores limites acabam condicionados à quantidade de exigências para que a central possa ser construída: quanto menor a central, menor a quantidade de exigências (FARRET, 2010).

Um exemplo dos valores abaixo dos quais a geração é considerada pequena escala é apresentada na tabela 1.1. Nela são apresentados os limites para a Eletrobrás e para a Organização Latino-Americana de Desenvolvimento (OLADE). O valor utilizado nesta dissertação como referência para pequena escala é o equivalente ao de microcentrais hidrelétricas (em especial, para o valor da Eletrobrás). O valor estipulado de 100kW é hoje o valor limite para potência instalada para que um microssistema seja enquadrado como MIDGI (ANEEL, 2012).

Tabela 1.1 – Valores referência para microcentrais hidrelétricas segundo Eletrobrás e OLADE

Tamanho

da central Fonte

Potência

(kW) Altura (metros)

Baixa Média Alta

Micro OLADE até 50 15 15 a 50 50

Eletrobrás até 100 15 15 a 50 50

Fonte: adaptado de Farret (2010)

O uso de fontes renováveis, como a solar e a eólica, é incentivado desde o início de projetos de eletrificação rural como projetos de intervenção planejada para o desenvolvimento local,

1 Estes sistemas têm seus procedimentos e condições de fornecimento regulados pela Resolução Normativa No.

493, de 5 de Junho de 2012, da ANEEL (2012). Como esta dissertação não trata especificamente do formato de geração e distribuição, cabendo aqui tanto microssistema como sistema individual, quando for utilizado apenas o termo MIDGI, subentende-se a referência aos dois, a não ser em caso explícito de especificidade do microssistema.

(17)

por volta da década de 1970. Neste período começaram a surgir os questionamentos e preocupações com relação às mudanças climáticas provocadas pelo estilo de vida da sociedade atual, e pela primeira crise do petróleo, tendo então o discurso do desenvolvimento acrescido do de sustentabilidade. Até este período (e pode-se supor que ainda ocorra) houve a prevalência do uso de geradores com base em combustíveis fósseis, mas existe muito pouca documentação a respeito (ZERRIFFI, 2010).

Apesar dos benefícios providos pela substituição da fonte fóssil, muitos relatos apontam para o descarte incorreto de equipamentos ligados à eletrificação, como baterias automotivas, que podem implicar em dano ambiental. Vale destacar também que é questionável o quão limpa pode ser considerada a energia gerada, visto que em alguns casos pode haver danos ao meio ambiente na construção do gerador (como é o caso de alguns tipos de painéis fotovoltaicos), na produção da fonte energética (como é o caso da biomassa), ou mesmo pelo seu simples funcionamento (como a geração eólica e hídrica, com possíveis danos mais destacados na geração em grande escala).

O uso de fontes renováveis, além da relativa vantagem ambiental promovida pela substituição do combustível fóssil, pode implicar também em vantagem econômica ao indivíduo abastecido, visto que os combustíveis que alimentam tais geradores (sol, vento, água, biomassa) normalmente não representam ônus ao usuário. Além disso, a substituição da fonte fóssil também pode representar segurança aos indivíduos, visto que elimina-se a necessidade do transporte e manuseio deste (MORANTE, 2004). Por outro lado, existe o problema da aquisição do equipamento e da sua manutenção, o que pode implicar em gastos que podem superar os anteriores com combustíveis fósseis, não sendo a vantagem financeira uma consequência direta da simples substituição da fonte de energia.

No projeto da infraestrutura para a geração em pequena escala, a determinação de qual fonte renovável será utilizada representa mais uma questão técnico-econômica, em função da disponibilidade da fonte, o custo do equipamento gerador, entre outros, do que ambiental, dada a dificuldade de mensurar os danos que o uso de determinada fonte ou gerador podem causar. Esta questão, porém, foge do escopo deste trabalho, sendo pertinente apenas nas

(18)

implicações que estes podem causar na gestão do projeto (como por exemplo, as dificuldades oriundas de gerenciar uma floresta energética para a geração de biomassa)2.

Em termos de infraestrutura, a energia elétrica pode ser gerada e distribuída das seguintes formas (COURILLON et al., 2003):

1. sistemas isolados residenciais; 2. sistemas isolados comunitários; 3. mini-redes locais.

Nos sistemas isolados residenciais a eletricidade é gerada na própria residência em que será utilizada. O uso das fontes solar e eólica, em função da intermitência, exige o uso de baterias para que o funcionamento dos recursos elétricos seja constante.

Nos sistemas isolados comunitários, a geração de eletricidade é feita em um ponto comum à comunidade, mas a eletricidade não é transmitida de forma direta à residência. Esse é o caso dos centros de carga de bateria: aqui a residência do usuário é alimentada por uma bateria, que quando está com sua carga abaixo da profundidade aceitável, e levada para carga nestes centros.

No caso das mini-redes, ou mini-grids, a eletricidade é gerada em um ponto único e transmitida de forma direta às residências. Este tipo de estrutura é mais comum na geração por fontes hídrica e biomassa, como o uso de gaseificadores e motores à base de óleos vegetais ou biodiesel. Dada a intermitência das fontes solar e eólica, são poucos os relatos destas neste tipo de estrutura.

Um projeto de infraestrutura para a eletrificação rural descentralizada envolve todo o equipamento necessário para a geração e também, normalmente, o equipamento mínimo necessário para o aproveitamento básico do sistema, como a fiação domiciliar e lâmpadas. Em projetos mais amplos, podem ser incluídas bombas de água, equipamento para o beneficiamento de insumos, além de ferramentas elétricas diversas e equipamentos voltados para o bem-estar e saúde.

2 Por esse motivo, o conceito de sustentabilidade aqui será utilizado em termos de projeto, e não em termos

(19)

A grande gama de possibilidades tecnológicas para a geração, unida às formas de organização da infraestrutura, tornam difícil a abordagem de forma exaustiva de todas as possíveis infraestruturas para MIGDI dentro do espaço desta dissertação. Assim, para análise, serão considerados os sistemas híbridos compostos por geradores solares, eólicos e, eventualmente, diesel. Essa escolha se deve ao fato de existirem diversos projetos com estes sistemas no Brasil, além de ser possível encontrar infraestruturas com este tipo de gerador nas três formas de geração e distribuição destacadas anteriormente, e pelo fato de serem tecnologias que ainda despertam, per se, a curiosidade, ou por vezes a desconfiança, daqueles que por ela são atendidos.

Os resultados obtidos nestes projetos são os mais diversos. Alguns fracassam, muitas vezes pela “distância” da tecnologia empregada com a realidade da comunidade, ou pela falta de suporte, na forma de manutenção etc, sendo gradativamente abandonados e a comunidade retornando à sua condição energética anterior à eletrificação.

Outros projetos, por sua vez, superam tais e outras dificuldades, afastando assim a possibilidade de fracasso e abandono da infraestrutura. Definir tais projetos como sucesso, porém, depende da forma como o interventor, ou mesmo um avaliador externo, define o que é sucesso. Tipicamente admite-se como tendo sucesso um projeto que atingiu sua sustentabilidade, e é nesse ponto em que se encontra a grande divergência nas formas de avaliação. Alguns autores admitem que um projeto atingiu a sustentabilidade se este se mantém após a saída do desenvolvedor (NARVARTE e LORENZO, 2010), outros porém acrescentam a este critério o fato da infraestrutura desenvolvida gerar alguma forma de lucro (OSTROM et al., 1993), por fim, alguns optam por compreender a sustentabilidade como a persistência da estrutura ao menos durante o tempo de vida útil do equipamento definido pelo fornecedor (por exemplo: 25 anos para infraestruturas baseadas em painéis fotovoltaicos).

Compreender o sucesso como a existência da infraestrutura pelo tempo de vida útil do equipamento não soa justo com o projeto em si, visto que no intervalo de tempo entre o início de sua operação e o tempo de vida útil diversas situações podem ocorrer, como a chegada da rede convencional à comunidade, ou mesmo a reestruturação da infraestrutura. Ainda, mesmo que as situações descritas não ocorram, como atribuir sucesso a uma infraestrutura que, no

(20)

colapso de seu gerador, colapse conjuntamente? Assim, este critério não será utilizado nesta pesquisa.

Pensando o sucesso do projeto como a continuidade regular das atividades da infraestrutura mesmo após a saída do interventor, fica mais coerente com o discurso comum que motiva a eletrificação rural assumir que esta deva prover lucro, que nesse caso se reflete nos benefícios que se supõe devam atingir os usuários na comunidade. Assim, será considerada como bem sucedida a infraestrutura que atingiu a autonomia com relação ao interventor e ainda proporcionou aos indivíduos da comunidade atendida benefícios ao seu bem-estar (estes vistos de acordo com a Abordagem de Capacidades, que será melhor abordada no capítulo 2 da dissertação).

Além das características particulares já citadas das comunidades rurais, outro ponto importante a ser considerado diz respeito à quem desenvolve projetos de MIGDI. instituições de ensino, concessionárias de energia elétrica, organizações não-governamentais, instituições religiosas etc, são alguns dos interventores (ou fomentadores), que tem sua própria motivação, carregam suas ideologias, e são influenciados pela própria cultura na gestão de projetos desta natureza.

Dada a diversidade de desenvolvedores e ideologias, não é difícil observar que a diversidade de estratégias, abordagens da problemática e modelos de gestão dos projetos também é grande. Alguns projetos ignoram as particularidades culturais da comunidade atendida, outros não consideram necessário o acompanhamento do sistema após a instalação e alguns realizam um trabalho mais elaborado, levando em conta muito mais que apenas os aspectos técnicos.

O que se observa na análise de resultados de projetos de MIGDI é que esta diversidade acarreta em resultados também diversos, sendo predominantes os fracassos. As particularidades culturais e territoriais das comunidades rurais, a proximidade do usuário com o sistema gerador, a qualidade da energia fornecida e, em especial, as grandes mudanças energéticas e tecnológicas que ocorrem, entre outras, são pontos que tornam a gestão de um projeto de MIGDI diferente de projetos de natureza urbana.

Essas observações mostram que a gestão de um projeto de MIGDI, desde sua concepção, até o momento em que o projeto torna-se sustentável, deve considerar muito mais aspectos que os

(21)

meramente técnicos. Neste contexto, o foco deste trabalho é a gestão de projetos desta natureza. A gestão pode ser compreendida como a administração do projeto, em seus estágios, desde o design inicial até sua implantação, entrada em funcionamento e acompanhamento ao longo do tempo. Aqui vale uma distinção importante a respeito do que é um projeto e do que é uma prática industrial comum, ou uma produção em escala. Shtub et al. (1994:2) diferem sistemas de gerenciamento de operação e produção em três tipos distintos: os desenvolvidos para a produção em massa, os para produção em lote e aqueles que são desenvolvidos para projetos não repetitivos, como os voltados para a construção de um novo produto.

No caso da produção em massa, toda a estrutura industrial é voltada para a produção de um determinado produto ou serviço, com equipamentos e procedimentos específicos, exigindo pouco esforço gerencial e controle na sua condução, mas aqui a flexibilização fica dificultada justamente pela especialização de toda a estrutura. No caso da produção em lote, diversos produtos ou serviços são desenvolvidos dentro de uma mesma estrutura, de acordo com sua demanda, permitindo assim sua flexibilização, mas exigindo maior controle e gerência de material e escalonamento da produção. Já no caso dos produtos e serviços desenvolvidos dentro do contexto de baixa demanda, como são os casos de projetos, o gerenciamento é fundamental em todos os estágios, como o planejamento, monitoramento e controle das atividades da organização.

Tal distinção é importante, pois se observa certo esforço na busca de projetos que possam ser replicáveis em diversos locais (ZERRIFFI, 2010). Isto permitiria que benefícios como a economia de escala refletida em produtos e mão de obra, além da diminuição dos custos de transação oriundos do desenvolvimento de um novo projeto. Esta visão de replicabilidade acaba se tornando enganosa, dadas as particularidades de cada local onde será realizada a eletrificação, podendo resultar no fracasso na implantação do MIGDI apenas pela não adequação de um projeto, antes bem sucedido em um local, em outro.

Com relação ao conceito de projetos, citando Archibald (1976) e um documento técnico da General Electric (1997), Shtub et al. (1994:5) apresentam projeto como “o processo total requerido para produzir um novo produto, nova planta, novo sistema, ou outro resultado específico” e “uma atividade estreitamente definida que é planejada para uma duração finita

(22)

com um objetivo específico a ser atingido”3, respectivamente. A gerência de projetos, para os

autores, é uma arte, caracterizada por intuição, julgamentos aprendidos, eventos únicos e ocorrências singulares (IBID., pg. 42). Ainda, dados todos os fatores relacionados à gerência, como as incertezas e riscos nos diversos estágios do desenvolvimento do projeto, o gerente de projetos deve ser familiar com um grande número de disciplinas e técnicas (IBID., pg 14).

Dentro do contexto de desenvolvimento de infraestruturas voltadas para o desenvolvimento, Ostrom et al. (1993) definem como estágios do projeto o seu design, os aspectos financeiros, a construção, a operação e manutenção e o seu uso efetivo. Todos estes estágios são organizados e regidos por um ou mais arranjos institucionais, que buscam guiar o desenvolvimento da infraestrutura do seu início ao final. As instituições podem ser compreendidas com as regras, normas e estratégias que buscam guiar os atores em ações repetitivas, dentro de um contexto específico. Assim, pode-se compreender também a gestão por uma visão institucional, que permite compreender quais são as motivações, ou incentivos, que se apresentam a todos os atores envolvidos.

Da mesma forma da citada diversidade de desenvolvedores e ideologias, além da diversidade de tecnologias e formas de organização técnica da infraestrutura, também se observa diversidade nas formas de gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada para comunidades isoladas por meio de MIGDI.

Variações na forma de gerir projetos desta natureza podem ser encontradas nos estágios iniciais do projeto, na sua concepção e design; no processo de construção da infraestrutura; e no estágio final, nas estruturas de gerência e manutenção. Da mesma forma como citado anteriormente, o número de sucessos e fracassos em função do modelo de gestão adotado também é variado, não sendo possível apontar um modelo único de gestão que tenha tido sucesso de forma universal.

A partir do exposto, pretende-se aqui responder às seguintes perguntas:

1 – Quais são os fatores predominantes para o sucesso ou fracasso de projetos de eletrificação, rural?

3 “the entire process required to produce a new product, new plant, new system, or other specified results” e “a

(23)

2 – É possível implantar modelos de eletrificação que levem em conta as particularidades territoriais e culturais no momento de elaboração do projeto?

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

- Formular um método que possa guiar o interventor na gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada por MIGDI procurando o sucesso e a sustentabilidade do empreendimento.

1.2.2 Objetivos específicos

- Identificar quais são os fatores que apresentam maior relevância na gestão de projetos de MIGDI visando aumentar as chances de que tais projetos tenham de obter sucesso;

- analisar de que forma os diferentes arranjos para a gestão da infraestrutura de MIGDI são afetados por particularidades territoriais e culturais.

1.3 Justificativa e marco teórico

A análise da literatura a respeito da eletrificação rural descentralizada feita por meio de MIGDI mostra diversos elementos que podem ser associados ao sucesso ou ao fracasso destes projetos. Muitos convergem para elementos como a presença de uma estrutura de manutenção, a necessidade da capacitação, ou da transferência tecnológica, entre outros, mas não é possível apontar um único elemento como determinante no resultado do projeto.

Além disso, se considerarmos a eletrificação rural como um processo de transição energética, uma intervenção planejada, e ainda admitirmos, para efeito de análise, a eletrificação pela extensão de rede, teremos outros elementos que contribuem para compreender o processo como um todo, acrescentando elementos importantes para a compreensão do sucesso e do fracasso destes projetos.

(24)

Algumas pesquisas como Morante (2004) e Serpa (2001) destacam a importância do conhecimento da cultura local, seus hábitos energéticos, seu contato com o urbano e sua história como essencial para o correto planejamento do projeto. Destacam também a forma de participação e organização da comunidade para construção do sistema (SERPA, 2001, SÁNCHES, 2007) e a necessidade da transferência tecnológica na forma de capacitação técnica (SERPA, 2001). A importância desses aspectos vem em especial das grandes mudanças energéticas e tecnológicas pela qual passa a comunidade, sendo que a sua não observação pode resultar na rejeição da tecnologia por eventuais dificuldades ou demora excessiva de adaptação à nova realidade.

Dentro ainda do princípio de conhecimento da cultura local, Gómez e Montero (2010) defendem a compreensão do processo de eletrificação dentro do corpo de conhecimento da construção social da tecnologia, buscando compreender a tecnologia, no caso a relacionada à eletrificação rural descentralizada, como um elemento moldado pela, e que afeta, a cultura da comunidade que a recebe.

Outro ponto destacado em pesquisas trata do dimensionamento e da distribuição da potência gerada. Dimensionar os sistemas em função de uma expectativa de demanda, além de definir uma estratégia de distribuição de potência elétrica que compreenda as relações locais pode ser observado em Morante (2004). O correto dimensionamento do sistema é fundamental para que o uso da MIGDI não fique excessivamente restrito, ou superdimensionado, evitando gastos desnecessários. A distribuição de potência também é importante em função de constrangimentos que podem ocorrer entre usuários na comunidade.

Santos (2002), Sánches (2007) e Narvarte e Lorenzo (2010) destacam a importância da qualidade dos equipamentos utilizados para a MIGDI, bem como de uma estrutura de manutenção e a gerência do sistema após a instalação. A importância da estrutura de manutenção é observada nestes trabalhos em especial pelas características particulares das comunidades rurais, onde a distância entre as casas costuma ser grande, dificultando o trabalho do técnico de manutenção. É importante destacar também a observação da ocorrência de atos de vandalismos (MORAES, 2009) e sua prevenção (HAANYIAKA, 2008; NARVARTE E LORENZO, 2010) como itens a serem considerados no projeto.

(25)

A forma de transferência dos custos, a incidência de subsídios e a definição de um público alvo, se tornam elementos importantes dada a pobreza que muitas vezes é observada nas comunidades rurais. Este aspecto é tratado em pesquisas como Santos (2002), Dunnet (2009) e Sánches (2007).

Alguns trabalhos também buscam estabelecer algumas diretrizes, ou mesmo desenvolver um modelo para a gerência de projetos de eletrificação rural via MIGDI. São os casos, por exemplo, de Santos (2002), que trata especificamente da eletrificação via painéis fotovoltaicos, abordando os aspectos de regulação do sistema, qualidade de material e equipamentos, transferências de custos, entre outros. Kumar et al. (2009) busca estabelecer uma heurística para a seleção da tecnologia e do modelo de gestão do sistema. Gouvello e Maigne (2003), não estabelece um modelo propriamente dito para a eletrificação por painéis fotovoltaicos, mas aborda seus diversos aspectos, buscando compreendê-los e estabelecer diretrizes para o seu tratamento.

A questão acerca do desenvolvimento, e de como os atores compreendem o processo de eletrificação também tem grande relevância. A diferença na visão dos atores envolvidos daquilo que se compreende como necessidade do ator que receberá o serviço (neste caso, a eletricidade), é destacada por alguns autores como um elemento de relevância para o sucesso da empreitada. Amartya Sen define como desenvolvimento o aumento das capacidades de que dispõe o indivíduo, ou seja, daquilo que o indivíduo valoriza fazer, ser ou estar, e a liberdade para decidir torná-las realidade (SEN, 1999). A visão de Sen busca compreender o desenvolvimento fora da visão usual de crescimento econômico, ainda mais, de forma individual, e não coletiva. A visão de uma comunidade a respeito do desenvolvimento, porém, pode ser a mais variada. A visão comum, por exemplo, dos habitantes da vila de Uroa, na Tanzânia, apresentada por Winther (2008), é de que o desenvolvimento advindo da eletrificação por extensão de rede veio na forma de uma aproximação do estilo de vida na cidade, com seus equipamentos modernos e o sentimento de pertencimento ao mundo.

Long e van der Ploeg (1989) argumentam contra a visão de projetos de intervenção planejada como projetos discretos no espaço-tempo, ou seja, projetos onde tudo correlacionado fica restrito ao tempo definido como sendo o tempo de vida do projeto. Estes autores argumentam que tais projetos são parte de um contínuo no espaço-tempo, onde o conhecimento prévio dos atores, sua vivência em intervenções anteriores, seu contato prévio

(26)

com o Estado ou outro agente interventor, e as relações a serem criadas entre os diversos atores são relevantes. Argumentam ainda que a intervenção acaba se tornando um ato de confrontação entre diversos “mundos” e experiências sócio-políticas que podem ser significantes para a geração de novas formas de prática social e ideológica.

Barnes (2007), por meio de um extensivo estudo do processo de eletrificação rural em diversos países, realizado em conjunto com outros pesquisadores, aponta diversos fatores como importantes para o sucesso deste tipo de intervenção, além de desmistificar outros. Um primeiro ponto importante apontado pelo autor é que não existe um arranjo institucional prevalente para o sucesso da eletrificação. Podem ser observados casos de sucesso e fracasso tanto em casos em que a organização foi feita na forma de cooperativa, como em serviços públicos ou em privados. Também destaca a necessidade de estrutura estatal dedicada à eletrificação rural, seja na forma de fiscalização ou de fomento, de modo a garantir a regulação deste tipo de atividade. O autor aponta também a necessidade do comprometimento das partes envolvidas para o sucesso da empreitada, ou ainda o comprometimento com uma visão de desenvolvimento. Este aspecto constitui um elemento comum em todos os casos apresentados pelo autor e seus colaboradores. Ainda, o processo de eletrificação é um processo de contínuo ajuste, onde as decisões tomadas em um estágio do processo podem repercutir de forma a exigir sua correção no futuro, demandando o acompanhamento contínuo do interventor, ou de pessoal qualificado com condições técnicas para realizar tais ajustes.

Em outro trabalho extenso, este voltado especificamente para projetos de eletrificação rural descentralizada, Zerriffi (2010), argumenta que projetos com alto nível de subsídio têm poucas chance de êxito, em função especialmente das dificuldades econômicas que podem acometer o prestador do serviço. Também argumenta em favor de uma estrutura descentralizada, com participação de atores locais, em função da sua compreensão das características locais. Além disso, segundo este autor, o incentivo para o uso da eletricidade para atividades produtivas aumenta as chances de sucesso por representar uma forma de retorno financeiro ao usuário, e conseqüentemente, retorno financeiro para o prestador do serviço (ao menos por evitar a inadimplência). O trabalho de Zerriffi mostra ainda que a eletrificação rural descentralizada pode ter sucesso mesmo sem a participação do estado.

Esta diversidade de elementos vistos como importantes para o sucesso de uma empreitada relativa à MIGDI condiz com a visão de Ostrom et al. (1993). Estes autores argumentam, por

(27)

meio de uma análise a respeito de projetos de infraestrutura para o desenvolvimento assistido em países da Europa pós 2ª Guerra Mundial e em países em desenvolvimento, que não é possível apontar uma única causa para fracassos em programas desta natureza, como a falta de treinamento, má qualidade de equipamentos, entre outros, mas pode-se sim definir uma única causa subjetiva que conduz a tais fracassos, que são os incentivos perversos que motivam os atores envolvidos no diversos estágios deste tipo de projeto.

Incentivos são “modificações positivas e negativas nos resultados que o indivíduo observa como conseqüência de ações particulares dentro de um conjunto de regras em um contexto físico e social particular”4 (OSTROM et al., 1993:8). Incentivos vêm na forma de

recompensas ou punições para comportamentos. Um indivíduo que vê seu vizinho se favorecendo de forma inapropriada de algum recurso do qual também faz uso, pode se sentir motivado a se beneficiar da mesma forma, ou a deixar de participar da sua manutenção por não concordar com o ato. O indivíduo que nota a ausência de punições para um ato ilícito seu pode se sentir motivado a voltar a realizá-lo, ou ainda, de torná-lo prática comum.

Os elementos que podem constituir o sistema de incentivos e de que forma os atores podem responder a esse sistema, porém, é dependente das características territoriais e culturais, e dependente da motivação que guia o interventor a desenvolver o sistema. Assim, entende-se aqui, que a construção de um modelo único de gestão fica comprometida pelo fato de que as características das comunidades não são universais, assim como as motivações do interventor também não são.

Argumenta-se nesta pesquisa, e se pretende demonstrar, que as características destacadas anteriormente são, ou geram, elementos de incentivo para os atores na sua decisão de atuar de forma a manter a infraestrutura da MIGDI ou não. A qualidade de equipamentos, a manutenção oferecida, a utilidade compreendida da empreitada pelos usuários são alguns incentivos que estes têm para permanecer ou não como usuários da infraestrutura. Por outro lado, as instituições que guiam os atores envolvidos na construção da infraestrutura e depois no provimento do serviço, além de deverem tratar os incentivos descritos anteriormente, também oferecem incentivos para que estes mantenham um comportamento adequado ou que o desvie, comportamento este que se reflete na qualidade do serviço oferecido e,

4 “[…] positive and negative changes in outcomes that individuals perceive as likely to result from particular

(28)

conseqüentemente, no conjunto de incentivos que recebe o usuário. Ainda, os resultados observados pelos indivíduos em outras ações de intervenção podem influenciar a visão destes a respeito da ação de eletrificação rural. A observação da limitação do sistema, do não atendimento daquilo que o usuário entende como importante, também podem motivá-lo a abandonar o sistema.

Para a compreensão de como as instituições desenvolvidas tratam o sistema de incentivos e guiam o comportamento dos atores dentro do ambiente da infraestrutura, será utilizado o

Institutional Analisys and Development (IAD) framework, desenvolvido pelo Workshop in Political Theory and Policy Analisys, grupo de pesquisa de Indiana University, Estados

Unidos, tendo como principal referência os trabalhos de Elinor Ostrom. Além deste, será utilizada a Abordagem de Capacidades para a compreensão das necessidades dos indivíduos da comunidade e de que forma estas são atendidas pela infraestrutura desenvolvida. O IAD

framework e a Abordagem de Capacidades serão melhor abordados no capítulo 2 desta

pesquisa, onde serão apresentados seus fundamentos e particularidades metodológicas.

A forma dispersa como o tema da eletrificação rural por MIGDI é abordado, e a forma como as pesquisas apresentadas se complementam, ou mesmo se contradizem no sentido de apontar respostas que não são únicas, justificam a tentativa de abordar o problema da eletrificação rural pela ótica da motivação subjetiva dos incentivos, justificando, assim, a abordagem proposta nesta pesquisa.

1.4 Metodologia

Foi realizada a revisão documental do histórico de instalações desta natureza no Brasil, observando as tecnologias empregadas para a geração, o modelo de gestão de projeto adotado, a abordagem dada às diferenças culturais, a ocorrência e a forma de capacitação técnica, a estrutura de manutenção, além de outras informações julgadas relevantes no decorrer do projeto. Também foi realizada a revisão documental de instrumentos de avaliação de projetos de eletrificação rural, buscando identificar suas virtudes e limitações.

Foi utilizada a revisão documental para a seleção do sítio onde seria realizada a pesquisa de campo. A seleção foi conduzida de modo a buscar projetos em comunidades cujo registro documental fosse o mais amplo e completo possível, de modo a possibilitar a reconstrução

(29)

histórica do processo de eletrificação. Em função deste histórico foi selecionado como campo o Projeto ”Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, no município de Cururupu – MA”, desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com apoio do Ministério das Minas e Energia.

Foi elaborado um instrumento para a avaliação de projetos de eletrificação rural descentralizada por MIGDI com o objetivo de compreender as estruturas das instituições envolvidas no processo de construção e uso da infraestrutura. Esse instrumento foi constituído de um roteiro para a entrevista semiestruturada e um questionário (anexo 1) para a pesquisa socioeconômica, e permitiu constituir as arenas envolvidas, compreendendo as posições dos atores (interventor e usuários) e os incentivos que guiam o comportamento destes.

A pesquisa foi conduzida em dois sítios, um em São Luiz – MA, onde foram entrevistados os atores relacionados à UFMA, e na Ilha dos Lençóis – MA, onde foram entrevistados os atores relacionados à Associação de Moradores e conduzida uma pesquisa amostral, compreendendo aspectos socioeconômicos.

A tabulação dos dados obtidos na etapa anterior permitiu identificar quais são os incentivos que guiam o comportamento dos atores envolvidos e como as instituições atuam sobre estes. Em conjunto com os dados obtidos na revisão documental deste projeto, foi possível compor um quadro histórico do processo de eletrificação da comunidade da Ilha dos Lençóis.

Esta dissertação é concluída com a proposta de um método que visa guiar o interventor no projeto de MIDGI de modo que os custos nos estágios sejam minimizados, aumentando assim as chances de sucesso da infraestrutura.

1.5 Contribuição

Esta dissertação deve apresentar a seguinte contribuição:

- Definição de um método para a construção de instituições apropriadas para o gerenciamento de uma infraestrutura de eletrificação rural descentralizada por MIGDI baseado em uma proposta de metodologia para a avaliação do desempenho deste tipo de infraestrutura.

(30)

Capítulo 2 – CULTURA, INSTITUIÇÕES, CAPACIDADES E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

2.1 Introdução

A proposta desta dissertação é compreender o sucesso e o fracasso da eletrificação rural por MIGDI tendo em vista os incentivos que se apresentam aos atores que de alguma forma se envolvem no processo, tanto no desenvolvimento e construção da infraestrutura, como na sua operação, manutenção e uso. Acontecer o incentivo, per se, não implica em comportamento predeterminado do indivíduo: uma vez apresentando o incentivo, fatores como os valores morais, a percepção da punição entre outros são ponderados por este de modo a guiá-lo na tomada de decisão.

Também na sua incidência, os incentivos podem ocorrer das mais diversas formas. Ao observar seus vizinhos fazendo uso de uma nova fonte energética, ou de recursos alimentados por esta, um indivíduo pode se sentir motivado a adotá-la. O mesmo pode ocorrer ao observar que uma determinada tecnologia pode lhe prover melhorias no bem-estar. Da mesma forma, a observação de que um determinado recurso não pode ser amplamente utilizado pela falta de uma manutenção apropriada pode estimular o indivíduo a abandoná-lo.

Neste capítulo serão apresentados alguns conceitos para que se possa compreender melhor o processo de eletrificação rural por MIGDI e os incentivos que podem se apresentar nesse processo. Também serão apresentadas algumas formas de se compreender a cultura, a comunidade e o território. A seguir, será discutida a transição energética em seus aspectos conceituais básicos. Também será tratada a Abordagem de Capacidades, como instrumento para a compreensão do bem-estar do indivíduo. Por fim, será tratada a abordagem institucional adotada nesta dissertação.

2.2 Comunidade rural, cultura e território

Essa seção tratará de alguns conceitos que são de fundamental importância para a compreensão, e mesmo delimitação, do problema que é apresentado nesta dissertação. Não existe uma definição universal do que é rural, ou mesmo um consenso a respeito do conceito (MORANTE, 2004). No Brasil, cada município possui sua área urbana e área rural, sendo os

(31)

limites entre eles definidos de forma arbitrária pelas Câmaras Municipais. Ocorre que delimitar o rural desta forma não permite compreender as particularidades das comunidades que serão atendidas pelo processo de eletrificação.

Abramovay (apud FAVARETO, 2006) apresenta três dimensões que caracterizam a ruralidade, que são a “proximidade com a natureza, a ligação com as cidades, e as relações interpessoais derivadas da baixa densidade populacional e do tamanho reduzido de suas populações” (pg. 103). No que diz respeito à proximidade com a natureza, destaca-se o uso produtivo desta, em especial na produção de bens primários. Este também é o elemento de ligação com as cidades, e a cidade essencialmente um consumidor do que é produzido no campo.

Para Favareto (2006), a partir da década de 1970, em função de diversos fatores, em especial pela estagnação do urbano, a relação entre o rural e essas dimensões muda, sendo que:

“No que diz respeito à proximidade com a natureza, os recursos naturais, antes voltados para a produção de bens primários, são agora objeto de novas formas de uso social, com destaque para a conservação da biodiversidade, o aproveitamento do potencial paisagístico disto derivado, e a busca de novas fontes renováveis de energia. Quanto à relação com as cidades, os espaços rurais deixam de ser meros exportadores de bens primários para dar lugar a uma maior diversificação e integração intersetorial de suas economias, com isso arrefecendo, e em alguns casos mesmo invertendo, o sentido demográfico e de transferência de rendas que vigorava no momento anterior. As relações interpessoais, por fim, deixam de apoiar-se numa relativa homogeneização e isolamento para dar lugar a um processo crescente de individuação e de heterogeneização, compatível com a maior mobilidade física, com o novo perfil populacional e com a crescente integração entre mercados antes mais claramente autônomos no rural e no urbano, mercados de bens e serviços, mas também o mercado de trabalho e o mercado de bens simbólicos.” (pg.103)

Apesar da forma como rural e urbano se confundem nos dias atuais, sendo seus limites já não tão evidentes, ainda existem as comunidades cujo contato com o urbano é mínimo, e que mantém características mais próximas das dimensões do rural apresentadas por Abramovay. Esse é o caso das comunidades ditas tradicionais, onde o contato com o urbano é mínimo, e normalmente restrito a um número pequeno de indivíduos da comunidade.

(32)

Tal isolamento implica, muitas vezes, no surgimento de uma cultura particular da comunidade, moldada por ações de sobrevivência, como a caça, a agricultura familiar, a ação coletiva para auxílio mútuo, enfim, ações que não passam pelo cotidiano do cidadão urbano típico. Ainda, comunidades rurais tradicionais são particulares em suas características. George Foster (1964) indica, de fato, que não existem duas comunidades rurais iguais.

A importância da compreensão da cultura local vem do fato de que esta pode representar uma barreira para a entrada da nova tecnologia, assim como é modificada por esta. Goméz e Montero (2010), por exemplo, destacam a importância da cultura ao tratarem o processo de eletrificação dentro da linha de construção social da tecnologia. Já Winther (2008) destaca as diversas mudanças culturais que ocorrem em uma vila em Zanzibar, Tanzânia, após a eletrificação.

Apesar da sua importância, definir o que é cultura é uma tarefa ingrata, senão de impossível consenso. Laplantine (2007) cita o levantamento de Kroeber5, que listou mais de 50 possíveis

definições. Geertz (1989), por exemplo, em uma visão semiótica6 da cultura, cita Weber ao

dizer que o “homem é um animal amarrado à teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo estas teias e sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.” (GEERTZ, 1989:15). O próprio Laplantine propõe como definição para a cultura “o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividade adquiridas através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros” (2007:120)(grifo no original).

Um aspecto importante da cultura que é observado por Foster (1964), é o de que esta é, essencialmente, um emaranhado de instituições de diversas naturezas, sendo a própria cultura o elemento que absorve as tensões entre estas instituições. A mudança em uma instituição acaba refletindo em todas e, conseqüentemente na própria cultura da comunidade.

5 Em provável referência ao seu trabalho com Kluckhohn, Culture, a Critical Review of Concepts and

Definitions (1952), Cambridge, amplamente citado quando à necessidade de indicar as dificuldades na definição

de cultura.

6 Semiótica é uma área ampla das ciências humanas, assim como ampla em termo de definições. Uma das formas

de compreendê-la é como sendo “a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura” (NÖTH, 1995:17). Para uma melhor compreensão da semiótica, seus significados e história, ver NÖTH (1995) e NÖTH (1996).

(33)

Evidentemente as culturas, assim como as instituições que as compões, são dinâmicas, mas a entrada de uma nova tecnologia envolve, invariavelmente, uma aceleração no processo de mudança cultural. Envolverá a mudança dos valores, a mudança de significações etc.

A entrada da eletricidade em uma comunidade implica em diversas mudanças, que vão desde o padrão da sua cesta energética7, até a mudança na sua cultura. Esse processo pode ser

melhor compreendido como um processo de transição energética, destacado na próxima seção, onde a eletricidade faz o papel de substituir determinados tipos de fontes dentro de determinadas condições relativas às características do território e das particularidades do indivíduo.

A mudança na cesta energética é a primeira grande mudança para o indivíduo. A substituição de equipamentos alimentados por diesel, querosene, gasolina (lamparinas etc), lenha, ou ainda de pilhas constitui-se uma das maiores mudanças diretas da entrada da eletricidade na vida do indivíduo. Essa mudança vem, em especial, da possibilidade do uso de lâmpadas, do uso de rádios, TV etc., e muitas vezes, acaba refletindo de forma positiva na economia do indivíduo, dados os custos e dificuldades de obtenção de algumas das fontes anteriores (como por exemplo, no tempo despendido para a coleta da lenha).

Um exemplo de como a mudança tecnológica pode modificar diversos aspectos de uma sociedade pode ser observado pela entrada da iluminação elétrica na comunidade. Essa mudança implica na substituição de uma fonte, tipicamente fóssil, de energia para iluminação; implica em valores mensais de gastos diferentes (não raras vezes menor); resulta em uma qualidade de luz diferente; em tempo de duração da iluminação diferente. Destas mudanças diretas podem resultar o maior contato entre as pessoas da comunidade à noite; a atração de insetos peçonhentos; a possibilidade de estudos à noite (na casa ou na escola); o aumento de custos com insumos (no caso, a lâmpada). Ainda, a substituição de uma fonte tradicional por uma nova, implica em uma nova forma de dependência.

Tanto a mudança energética como a cultural são eventos particulares para cada comunidade. A forma como a comunidade absorve estas mudanças e como estas refletirão no processo de desenvolvimento será consequência de diversos fatores, dos quais destaca-se, nesse ponto, o

7 Cesta energética pode ser entendida como o conjunto de recursos energéticos utilizados pela comunidade para a

(34)

conjunto de características da comunidade antes do processo de eletrificação (cultura, recursos, economia etc).

Ainda, um conceito pouco empregado na literatura voltada à eletrificação rural, mas de valor, em especial para a compreensão da relação entre a comunidade, sua cultura, e seu “espaço”, é o de território.

Haesbaert (2011) aponta diversas formas de compreender o que é o território, com base na relação entre o espaço e os que o habitam. Ele destaca quatro formas mais evidentes e distintas entre si: a política, a econômica, a “natural” e a cultural. A noção política trata do espaço delimitado e controlado, onde se exerce alguma forma de poder. No caso da noção econômica, o território pode ser visto como fonte de recursos, ou como palco das lutas entre classe, sendo aqui a divisão do espaço como elemento econômico. A noção “natural” (aspas do original) trata da relação entre o homem e o ambiente físico, no equilíbrio entre os grupos e os recursos naturais.

Apesar de todas estas noções terem valor no que diz respeito à eletrificação rural, a noção de território cultural é a que apresenta maior impacto, como pode ser observado na literatura. Esta noção “prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.” (Ibid., pg. 40).

Essa forma de observar o território, de “morada dos deuses (ou o espaço se confundindo com os próprios deuses)” (HAESBAERT e LIMONAD, 2007:46)(grifo no original), pode ser observada nos relatos de Winther (2008) sobre a eletrificação vila de Urôa, em Zanzibar, onde os anciões locais pediram proteção aos espíritos da floresta para que a eletrificação fosse bem sucedida, enquanto que na vila vizinha houve a recusa da eletricidade ao se observar a destruição de seu espaço sagrado pela concessionária de energia.

2.3 Transição energética e difusão de inovações

Há cerca de 10.000 anos o homem realizou um dos mais importantes passos na evolução de sua sociedade: desenvolveu técnicas de agricultura, no que seria conhecido como Revolução do Neolítico (DIAMOND, 2001). Esta mudança fez com que o homem se estabelecesse em

(35)

um local, permitindo o aparecimento de aglomerações sociais, fazendo surgir estruturas sociais próximas às que temos atualmente, fato difícil de sustentar em sociedades de caçadores-coletores, como eram antes.

Mas o fato mais importante, que motiva a construção desta seção, é que a agricultura ofereceu ao caçador-coletor uma fonte de energia mais regular e, talvez, mais segura, já que diminuiu a necessidade da caça e seus perigos. Assim esta revolução é vista como um dos mais importantes momentos de transição energética da história do homem.

Associada a esta transição vieram o já citado assentamento do homem, com o surgimento de uma sociedade organizada e estratificada, a formação de vilas, cidades, o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a agricultura, provavelmente um desenvolvimento mais apurado da astronomia, entre outros. Assim foi também com o uso do carvão, petróleo, urânio e também é com a eletricidade, fontes que a partir da descoberta de suas propriedades incentivaram uma série de mudanças no seu entorno.

2.3.1 Conceitos sobre transição energética

O estudo da transição energética esbarra em alguns problemas, como apontam Elias e Victor (2005), a começar pela falta de uma definição precisa do que vem a ser este fenômeno. A falta de uma definição, ainda segundo estes autores, implica na dificuldade no estabelecimento de critérios para sua quantificação, que por sua vez, dificulta o estabelecimento de uma relação de causa e efeito entre a transição energética e o bem-estar.

De forma mais geral, a transição energética envolve a mudança de uma fonte, como por exemplo, a biomassa, para outra mais eficiente, como o carvão. Apesar da simplicidade da idéia, uma análise mais profunda mostra diversos detalhes que devem ser considerados e que, pela falta da sua observação, dificultam a sua compreensão. Como por exemplo, pode-se comentar o fato da energia ser necessária para diversos serviços, implicando muitas vezes no uso de diversas fontes; ou compreender que fatores levam o indivíduo a adotar uma nova fonte; em como fica sua relação com a fonte antiga; e por que ocorre, por vezes, a volta ao uso da fonte anterior, entre outros.

(36)

O processo de transição é muitas vezes visto por meio de metáforas, como “escada energética” [energy ladder] ou “empilhamento energético” [energy stacking] (ELIAS e VICTOR, 2005). No caso da visão “escada”, a transição ocorre pela mudança gradativa de fontes, da menos eficiente para outras mais eficientes, enquanto que no empilhamento ocorre a agregação da nova fonte a um portfólio de outras utilizadas e, eventualmente, a substituição de uma delas.

A análise da literatura mostra uma coerência maior da visão “empilhamento” que a da “escada”. Especificamente no caso da eletrificação, a “escada” implicaria na substituição de toda fonte que pudesse ser substituída pela eletricidade, mas o que de fato ocorreu em muitos lugares foi a substituição de alguns serviços, como a iluminação, e a manutenção de fontes tradicionais, como, por exemplo, para a cocção (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; SERPA, 2001; CAMPBELL et al., 2003; MORANTE, 2004; MADUBANSI e SHACKLETON, 2006; WINTHER, 2008).

O que motiva a manutenção de fontes tradicionais são as mais diversas causas, como cultura, renda, segurança entre outros. O que isso demonstra é que a concentração da investigação da transição energética na própria energia talvez não seja o ponto ideal. De fato, Wilhite et al. (1996) mostram (em uma análise no contexto urbano) que a fonte energética, per se, não é considerada em primeiro plano pelos indivíduos (que no estudo residem em Oslo, Noruega, e Fukuoka, Japão), mas sim os serviços oferecidos pelas fontes. Talvez a visão secundária da energia não possa ser estendida de forma integral ao meio rural, dada a relação mais íntima do indivíduo com a energia (na coleta, transporte, pela segurança etc.)8. Observar a energia em

função do serviço oferecido talvez seja mais apropriado para compreender a relação do homem com a energia (SOVACOOL, 2011) e assim melhor compreender o processo de transição energética.

Na visão de serviços a energia é vista de acordo com sua capacidade de oferecer recursos para a iluminação, a cocção, o aquecimento, o entretenimento, o transporte, entre outros. Isso permite compreender o processo de transição para além do processo em si, considerando inclusive suas motivações. Davis (1998), Serpa (2001), Morante (2004) e Winther (2008) mostram que o uso de eletricidade não se difunde universalmente nos possíveis serviços.

8 No caso específico da eletrificação, existe a carga social, em especial de inclusão, ou pertencimento, que será

Referências

Documentos relacionados

Resultados Adicionais sobre o Gradiente Generalizado da Função Marginal do seguidor Condições Necessárias de Otimidade para o Problema de Programação Matemática de Dois ~ h

Até aqui, a pauta foi a da necessidade de manter presente a boa-fé e o dever derivado de prestar informação nos negócios jurídicos, em especial nos contratos de seguro e

Both the distribution of toxin concentrations and toxin quota were defined by epilimnetic temperature (T_Epi), surface temperature (T_Surf), buoyancy frequency (BuoyFreq) and

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

nesse contexto, principalmente em relação às escolas estaduais selecionadas na pesquisa quanto ao uso dos recursos tecnológicos como instrumento de ensino e

Coeficiente de partição n-octanol/água Não determinado por ser considerado não relevante para a caracterização do produto Temperatura de auto-ignição Não determinado por

Daí que o preâmbulo, seja por indicar os fins a serem atingidos pelo ordenamento constitucional e, por isso, ser capaz de influenciar a interpretação dos seus preceitos, não pode

Invólucro campanulado, 8-10 mm alt., 13-15 mm diâm., trisseriado, brácteas involucrais dimorfas, as da série externa foliáceas, expandidas, de maior tamanho que as internas, às