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A questão de gênero no sistema penitenciário: o tratamento jurídico penal brasileiro aos detentos pertencentes ao grupo LGBT+

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Academic year: 2021

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EDUARDA TOLOTTI

A QUESTÃO DE GÊNERO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO: O TRATAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO AOS DETENTOS PERTENCENTES AO GRUPO

LGBT+

Ijuí (RS) 2018

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EDUARDA TOLOTTI

A QUESTÃO DE GÊNERO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO: O TRATAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO AOS DETENTOS PERTENCENTES AO GRUPO

LGBT+

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Patrícia Marques Oliveski

Ijuí (RS) 2018

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Dedico este trabalho aos meus pais, que com muito amor, dedicação e incentivo, não mediram esforços para eu alcançar essa conquista.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela vida, por me guiar e iluminar meus passos.

À minha família, por todo amor dispensado, por sempre me incentivarem e acreditarem em mim. Agradeço e reconheço todos os esforços que fizeram para me proporcionar essa faculdade. Essa conquista é tanto de vocês quanto minha. Muito obrigada.

Ao meu companheiro João, que sempre esteve do meu lado, que me incentivou e me apoiou quando mais precisei, obrigada por todo carinho e paciência.

À minha orientadora professora Patrícia Oliveski, pela excelente sugestão do tema para esse trabalho, que desde logo me instigou. Pelo tempo dedicado a mim e por todo conhecimento que pôde me passar.

Aos meus amigos e colegas da faculdade que colaboraram de alguma forma nessa trajetória e pela amizade incondicional.

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“A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência”

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca do tratamento jurídico penal que é dispensado aos apenados pertencentes ao grupo LGBT+ que estão em privação de liberdade nos presídios brasileiros. Aborda brevemente o histórico da pena privativa de liberdade, o surgimento da pena de prisão no Brasil bem como as teorias existentes acerca da função da pena. Analisa a Lei de Execuções Penais e suas disposições quanto aos direitos e deveres dos apenados e como é realizada a individualização da pena. Analisa ainda a crise do sistema penitenciário brasileiro, adentrando na questão de gênero e ao tratamento jurídico penal dispensado aos apenados pertencentes ao grupo LGBT+, observando as demandas mínimas dessa população carcerária. Finaliza concluindo sobre a urgência de adequação do sistema prisional às necessidades dos detentos pertencentes ao grupo LGBT+ em estrita observância ao direito da personalidade e identidade em respeito à dignidade da pessoa humana.

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ABSTRACT

The present work of conclusion of course makes an analysis about the penal legal treatment that is dispensed to the prisoners belonging to the LGBT + group that are in deprivation of freedom in the Brazilian prisons. It briefly discusses the history of the custodial sentence, the appearance of the prison sentence in Brazil as well as the existing theories about the function of the sentence. It analyzes the Law on Criminal Executions and its provisions regarding the rights and duties of the victims and how the individualisation of the sentence is carried out. It also analyzes the crisis in the Brazilian penitentiary system, entering into the issue of gender and the legal legal treatment of the prisoners belonging to the LGBT + group, observing the minimum demands of this prison population. It ends by concluding on the urgency of the prison system's adequacy to the needs of detainees belonging to the LGBT + group in strict compliance with the right of personality and identity with respect to the dignity of the human person.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A EXECUÇÃO DA PENA NO ATUAL SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO ... 12

1.1 Breve Histórico da Pena Privativa de Liberdade ... 12

1.2 A Pena de Prisão no Brasil ... 15

1.3 Penas Privativas de Liberdade ... 18

1.4 Teorias sobre a função da pena ... 19

1.5 A Lei De Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984. ... 23

1.5.1 Da classificação do preso e a individualização da pena ... 24

1.5.2 Deveres e direitos do preso ... 28

1.6 A crise do sistema penitenciário brasileiro ... 30

2 A QUESTÃO DE GÊNERO E O SISTEMA PENITENCIÁRIO: O TRATAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO AOS DETENTOS PERTENCENTES AO GRUPO LGBT+ ... 36

2.1 Breve histórico do movimento LGBT+ no Brasil ... 37

2.2 A questão de gênero e o sistema penitenciário: a população LGBT+ privada de liberdade ... 39

2.3 As demandas mínimas do Grupo LGBT+ e a necessária adequação do sistema penitenciário em face do princípio da dignidade da pessoa humana e ao respeito ao direito de identidade ... 43

CONCLUSÃO ... 53

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como finalidade analisar a questão acerca do tratamento jurídico penal dispensado às pessoas pertencentes ao grupo LGBT+, que se encontram cumprindo penas restritivas de liberdade no atual sistema carcerário brasileiro. Pretende-se analisar como se dá a execução da pena em relação a este grupo e quais as demandas específicas sob a ótica da adequação do sistema e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

O principal objetivo deste trabalho é o estudo do sistema penitenciário brasileiro, tal como previsto na lei de execuções penais vigente refletindo acerca da problemática enfrentada por detentos do grupo LGBT+, visando o enfrentamento da questão pelos poderes constituídos e pela própria sociedade.

Visando alcançar tal objetivo, estruturou-se a pesquisa em dois capítulos. No primeiro capítulo serão estudadas as origens e as finalidades da pena privativa de liberdade no Brasil bem como as espécies de penas de prisão, além da análise das teorias que explicam qual a função e o sentido das penas. Sendo as três mais importantes, a Teoria Retributiva, a Teoria Preventiva e a Teoria Mista. Ainda, serão verificadas quais são as normas específicas da execução da pena no atual sistema penitenciário brasileiro, analisando conjuntamente a crise que assola o sistema prisional.

No segundo capítulo, serão estudados os aspectos históricos do movimento LGBT+, após será realizada uma análise da questão de gênero e o sistema prisional, visando saber qual é o tratamento dispensado aos apenados pertencentes ao grupo LGBT+. Visa-se demonstrar a necessidade de se atender as demandas específicas deste grupo em face do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao princípio da identidade e personalidade.

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É fato que o sistema prisional brasileiro se encontra em situação precária e caótica e que está distante de ser um sistema eficiente. O objetivo deste sistema, tal como previsto em lei, é a “ressocialização” dos apenados, entretanto, além de não ser esta a sua real função, da forma como está instituído, sem tratamento adequado aos detentos e respeito aos seus direitos, não há possibilidade sequer de reinserção destes ao meio social, caracterizando-se um sistema ineficaz como um todo.

A realidade é ainda mais preocupante em relação aos detentos que pertencem ao grupo LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e transexuais), pois se na sociedade essas pessoas já sofrem diversos tipos de preconceito e repressão, no sistema prisional esta situação não é diversa. Tal situação, no entanto, é agravada pelo despreparo do sistema prisional no tratamento e respeito a estas pessoas que, além de privadas de sua liberdade, também são privadas de sua própria dignidade e identidade.

A atual lei de execuções penais estabelece que os detentos devem ser classificados segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal. E mais, impõe o respeito à integridade física e moral dos detentos que têm assegurados pela lei seus direitos de igualdade de tratamento. Não obstante tal previsão legal, em face da falência do sistema prisional, não há uma efetiva garantia desta classificação e tratamento. Situação que se agrava quando se refere aos detentos pertencentes ao grupo LGBT+, mais especificamente em relação ao último gênero, pois os mesmos são encarcerados sem levar em consideração este aspecto importante de sua identidade e orientação sexual, em afronta ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

As carências oferecidas pelo sistema binário em relação ao grupo em questão são visíveis eis que o sistema binário de classificação de gênero consiste na separação, em função do gênero da pessoa, existindo uma estrutura voltada ao público feminino e outra ao masculino. Este sistema está instalado no sistema prisional sob diversas formas, pois os presos são divididos tão somente em penitenciárias masculinas e femininas.

A pesquisa visa, portanto, demonstrar que tais carências afrontam os direitos de personalidade e o direito à identidade para revelar a necessidade de o Estado promover faticamente a defesa dos direitos dos transexuais dentro do sistema prisional.

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Portanto, o tema proposto visa inserir tal problemática na pauta das discussões sociais, haja vista que a questão de gênero é um tema atual e que ainda enfrenta grande preconceito e discriminação na sociedade e via de consequência dentro do sistema prisional. Desta forma, a análise acerca de como a transexualidade é tratada dentro do sistema prisional é questão que se impõe em face do necessário respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, especificamente o direito à identidade e personalidade.

Quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratória. Utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização, será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando a seleção de bibliografias, revistas e documentos, fazendo uma reflexão crítica através do material selecionado e expondo os resultados obtidos neste texto monográfico.

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1 A EXECUÇÃO DA PENA NO ATUAL SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO Nesta seção são abordados aspectos sobre a história do sistema prisional, os fatores que levaram ao surgimento da pena de prisão e sua origem no Brasil, levando em consideração alguns acontecimentos no decorrer da história e como se dá, atualmente, a execução da pena, em observância às disposições legais.

Também são abordados aspectos conceituais acerca do sistema prisional brasileiro, traçando a incoerência da realidade prisional com as disposições da Lei de execuções Penais, levando em consideração que a crise do sistema prisional é um problema social.

1.1 Breve Histórico da Pena Privativa de Liberdade

Aury Lopes Jr. (2014, p. 24), leciona que a privação da liberdade dos sujeitos não existia nas antigas comunidades como maneira de castigo ou condenação, tal como é utilizada nos dias de hoje, ou seja, como uma sanção penal. O encarceramento existe há muito tempo, mas não tinha este caráter de pena. Até final do século XVIII, a prisão era utilizada como maneira de contenção do acusado até a sentença e execução da sua pena, ou seja, era uma maneira de custódia, haja vista que nessa época não existia uma definição de pena, todas as sanções se resumiam à pena de morte ou penas corporais, como exemplo a tortura.

Conforme Luis Garrido Guzman (apud BITENCOURT, 2011, p. 28), na antiguidade era desconhecida a privação de liberdade especificamente considerada como sanção penal, ou seja, não existia, nos tempos mais remotos. Entretanto, não é possível falar que a prisão de sujeitos delinquentes não existia, pois sim, existia, somente não possuía natureza de pena ou sanção penal, pois possuía outras finalidades

Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 28), sobre o assunto, aborda que:

Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.

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Os autores Julio Mirabete e Renato Fabrini (2012, p. 235), abordam que a privação de liberdade tem como marco de origem a época da Idade Média, como uma forma de punição para sacerdotes e monges quando cometiam atos gravosos, estes deveriam recolher-se em suas celas para pedir perdão, para que se dedicassem à meditação e se arrependessem por seus atos faltosos, e por consequência buscar a reconciliação com Deus.

Leciona Lopes Jr. (2014, p. 24) que a prisão canônica foi um importante antecedente da prisão moderna, haja vista que aquela tinha como função levar o delinquente ao arrependimento. A prisão não servia como método de dar fim a vida do sujeito ou tortura-lo, ela era vista como uma maneira de recuperá-lo.

De acordo com o referido autor, até os séculos XVI e XVII, a pena de morte era o método mais utilizado, a forca era a execução mais recorrente, sendo seguida de açoites, deportações e os atos causadores de vergonha pública. Acontece que, apesar destas penas serem impostas com objetivo de causar medo na sociedade, a criminalidade teve um significativo aumento, deixando evidente que o método utilizado não estava sendo eficaz. A partir dessa época surge o questionamento de um novo modelo de punição, qual seja a prisão como pena privativa de liberdade.

Cessare Beccaria publicou a obra Dos Delitos e Das Penas, com uma nova filosofia humanitária, baseado em princípios pregados por Rosseau e Montesquieu (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p. 236). Em seu livro, Beccaria corrobora a necessidade de reforma da legislação penal, uma vez que a lei penal vigente na época era desumana frente aos cidadãos:

Quais são, em geral, as penas adequadas para crimes? É a pena de morte realmente útil ou necessário para a segurança ou boa ordem da sociedade? São as torturas e tormentos consistentes com a justiça ou elas respondem ao fim proposto pelas leis? Qual a melhor maneira de prevenir os crimes? São as mesmas penas igualmente úteis em todos os casos? Qual influência elas exercem sobre os costumes? (BECCARIA, 2012, p. 36).

Tendo como base essas considerações, Beccaria apresenta em seu livro que o objetivo das penas não seria trazer tormento ao sujeito, como também era incapaz de desfazer um crime já cometido. O objetivo da pena seria evitar que o delinquente cometesse mais crimes, ou seja, viesse reincidir, bem como objetivava impedir que outras pessoas cometessem o mesmo delito, vez que as torturas e crueldades não iriam reverter os crimes já cometidos.

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Assim, as penas e o modo de aplicá-las deveriam ser escolhidas e impostas de modo a causar o mais forte impacto na mente de outros sujeitos, mas preservando-a ao corpo do criminoso. (BECCARIA, 2012, p. 37).

Ademais, durante o século XVI, tendo a pobreza se alastrado por toda a Europa as pessoas começaram a delinquir frequentemente em busca de sustento para si próprios. Em face à tantas transgressões, foram usados os mais diversos tipos de punições e todas foram inexitosas. Era fato que a pena de morte não poderia ser a maneira mais adequada de solucionar os crimes, visto que não poderia ser aplicada a um número cada vez maior de pessoas. Por conseguinte, criaram-se prisões para a correção dos delinquentes, nas quais a finalidade das instituições era “corrigir” quem cometia crimes através do trabalho e da disciplina. (BITENCOURT, 2013, p. 495).

Lopes Jr. (2014, p. 25), afirma que:

A principal causa da transformação da prisão-custódia em prisão-pena foi a necessidade de que não se desperdiçaria “mão de obra”, e também para controlar sua utilização conforme as necessidades de valorização do capital. Existe uma forte influência do modelo capitalista implantado nessa época. É o controle da força de trabalho, da educação e da “domesticação” do trabalhador.

Os autores Melossi e Pavarini (apud BITENOCURT, 2013, p. 497) destacam que as primeiras casas de reclusão ou correção surgiram na Inglaterra e Holanda, e que a prisão surgiu como pena a partir da instalação dessas casas de correção “pela necessidade que existia de possuir um instrumento que permitisse não tanto a reforma ou reabilitação do delinquente, mas a sua submissão ao regime dominante (capitalismo).”.

Tal pensamento parte de uma visão marxista acerca das casas de correção e trabalho inglesas e holandesas:

[...] Melossi e Pavarini [...] recusam a ideia de que estas procuram a reforma ou emenda do delinquente; ao contrário — afirmam —, servem como instrumento de dominação, tanto no aspecto político como no econômico e ideológico. Servem para impor a hegemonia de uma classe sobre outra, eliminando toda possibilidade de surgir uma ação que ponha em perigo a homogeneidade do bloco de dominação socioeconômica. (BITENCOURT, 2013, p. 498-499)

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Elucida Bitencourt (2013, p. 502) que em face da crise da pena de morte originou-se a pena privativa de liberdade, uma nova modalidade que demonstrava ser um método melhor e mais eficaz. Contudo, somente a partir do século XIX é que a pena de prisão se tornou a principal forma de recuperação de delinquentes, substituindo as demais.

Surge então um sistema no qual a pena é vista como pública, ou seja, dever do Estado de proteger a comunidade e também o criminoso. Neste momento interrompe-se a vingança privada e se estabelecem critérios de justiça, fortalecendo o Estado enquanto responsável pela manutenção da ordem e da justiça. (LOPES JR, 2014, p. 25). Todavia, Bitencourt (2013, p. 502) elucida que não pode se iludir de que a prisão surgiu “sob impulso de um ato humanitário com a finalidade de fomentar a reforma do delinquente”, uma vez que a função da prisão tinha bases capitalistas, razões socioeconômicas e a necessidade de dominação da comunidade, circunstâncias que ensejaram a mudança da custódia” para a “prisão-pena”.

Conforme Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 70), no Brasil, quando do seu descobrimento, os habitantes nativos eram os índios e estes aplicavam penas baseadas na vingança. Os registros acerca das penas no país só foram possíveis após a colonização. Porém, a criação de um sistema prisional mais humanizado somente ocorreu durante o período imperial. Antes disso, as penas eram severas e procuravam gerar temor através de castigos. Sobre a pena de prisão no Brasil, seu surgimento e desdobramentos até os dias atuais, será aprofundado o estudo no tópico seguinte. (NUCCI, 2009, p. 70).

1.2 A Pena de Prisão no Brasil

Antes do descobrimento do Brasil, o país era habitado por povos indígenas, que não possuíam uma civilização organizada e nem mesmo um “direito penal”. As práticas punitivas impostas por essa civilização eram penas aleatórias, que se baseavam na vingança privada. As penas utilizadas eram baseadas na crueldade, como a tortura, pena de morte e banimento. (NUCCI, 2009, p. 70).

Nos ensinamentos de Sergio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior (2002, p. 38) o direito penal foi trazido de Portugal na época do descobrimento e por consequência instalou-se no país a legislação que vigorava lá. Na época, a pena privativa de liberdade era usada de

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forma diversa, sendo que apenas tinha o intuito de garantir o julgamento da pessoa acusada ou ainda como maneira coercitiva para o pagamento de pena com caráter pecuniário.

Leciona Rogério Sanches Cunha (2015, p. 50), que o regime que vigorava em Portugal era as Ordenações Afonsinas, que tinha cunho religioso e eram influenciadas pelo direito romano. Em 1514 foram revogadas pelas Ordenações Manuelinas, que se sustentaram naquelas ordenações antecessoras, não tendo definição a quantidade ou tipificação da pena, deixando como opcional ao juiz. Estas foram substituídas pelo Código de D. Sebastião ou ainda Código Sebastiânico, no qual eram reunidas leis até então separas e de difícil compreensão e conhecimento por parte da população.

As Ordenações Filipinas, que perduraram de 1603 a 1830, foi a legislação que mais teve notoriedade no direito brasileiro na época. As penas eram cruéis e desproporcionais, sem haver qualquer ordenação ou regularização. (NUCCI, 2009, p. 70). O Código Filipino era fundado em preceitos religiosos e o direito era confundido com moral e religião. As penas eram cruéis e desumanas, pois tinham como objetivo principal provocar temor através do castigo. (CUNHA, 2015, p. 50).

Cunha (2015, p. 50) descreve que após a proclamação da independência e a promulgação da Constituição de 1824 fora elaborado o Código Criminal do Império que alcançava uma legislação penal mais humanizada e protetiva, no qual era possível a individualização das penas, considerando circunstancias agravantes e atenuantes, determinava também um julgamento especial para menores de 14 anos. Ainda era utilizada a pena de morte, entretanto era utilizada basicamente para coibir crimes praticados por escravos. Nesse Código era tipificado como crime ofender a crença oficial do Estado, ou seja, o direito era misturado com a religião que prevalecia na época.

Após a proclamação da República, ocorrida em 1890, fora aprovado o Código Criminal da República, que se limitava as restrições que tinham sido impostas pela Constituição de 1891, como a proibição da pena de morte a prisão perpétua. O Código Penal da Era Republicana permitia as penas de prisão, banimentos de caráter temporário e suspensão dos direitos dos cidadãos, nesse período também se instituiu o regime penitenciário de caráter correcional. (CUNHA, 2015, p. 50).

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Em 1932, o Desembargador Vicente Piragibe, diante do aparecimento de diversas leis modificadoras e extravagantes, percebeu que era necessário realizar uma compilação das normas penais, dando assim origem a Consolidação das Leis Penais. Em 1942, entrou em vigência o atual Código Penal, que teve sua parte geral reformada pela Lei 7.209/84. (CUNHA, 2015, p. 50).

Com a reforma realizada pela Lei 7.209/84 as penas foram separadas em três e de acordo com o artigo 32 do Código, as penas são: privativas de liberdade, restritivas de direitos e pena de multa. Manteve-se a pena privativa de liberdade como forma de pena, contudo, como forma a minimizar os efeitos negativos da prisão, fora criado o regime progressivo de pena, com base no comportamento do condenado no cumprimento de sua pena. (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 46).

Dotti (1998, p. 93 apud SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR 2002, p. 46), ao analisar o anteprojeto de revisão da Parte Geral do Código Penal, afirma que houveram pontos fundamentais para a evolução da pena, como o repúdio à pena de morte, a manutenção da prisão, a criação de penas patrimoniais, a extinção de penas acessórias e a revisão das medidas de segurança. Contudo, apesar da reforma ter sido muito próspera, o autor ressalta a falta de uma “pena-reparatória”, que responsabilizasse o causador do dano a reparar o que causou à vítima.

Cunha (2015, p. 50) ressalta que os sistemas de punição muito evoluíram na busca em tornar mais humanizada a execução da pena, procurando que os delinquentes não sejam submetidos a punições que excedam as reais finalidades das penas. Contudo, não se pode dizer que o atual ordenamento jurídico esteja protegido das influencias das disposições anteriores, mas o que foi conquistado durante todos esses anos é essencial, ou seja, de que o direito é o responsável em manter a ordem na sociedade, responsabilizando o ofensor pelo dano causado

De acordo com o referido autor, para garantia do cidadão, não pode haver pena sem que haja prévia cominação legal, devendo o legislador quando da sua criação, observar a proporcionalidade da resposta estatal em relação ao bem jurídico protegido. Nesse sentido, a pena individualizada deve ser de acordo com a gravidade do delito, observadas as condições

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pessoais do acusado. Dentre as penas previstas na lei penal são as penas privativas de liberdade, as quais passarão a ser analisadas a seguir.

1.3 Penas Privativas de Liberdade

As penas privativas de liberdade contribuíram imensamente para banir as penas que mantinham os castigos corporais, as mutilações e demais torturas em geral, entretanto a pena de prisão não atende a expectativa de recuperar o sujeito infrator. Nesse sentido, Mirabete e Fabbrini (2012), dizem que:

O sistema de penas privativas de liberdade e seu fim constituem verdadeira contradição. É praticamente impossível a ressocialização do homem que se encontra preso, quando vive em uma comunidade cujos valores são totalmente distintos daqueles a que, em liberdade, deverá obedecer. Isso sem falar nas deficiências intrínsecas ou eventuais do encarceramento, como “a superlotação, os atentados sexuais, a falta de ensino e de profissionalização e carência de funcionários especializados”. (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p. 238).

Com isso, apesar da pena privativa de liberdade apresentar pontos negativos, atualmente ela permanece sendo um mal necessário. Conforme Michel Focault (2007, p. 196) “Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E, entretanto, não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.”. De acordo com Pimentel [s.d] (apud MIRABETE; FABBRINI 2012, p. 238). “A prisão precisa ser mantida, para servir como recolhimento inicial dos condenados que não tenham condições de serem tratados em liberdade.”.

Sobre as espécies das penas privativas de liberdade, estas são divididas em três: reclusão, detenção e prisão simples. A pena de prisão simples é aquela destinada às contravenções penais, ou seja, ela não pode ser cumprida em regime fechado, comporta somente os regimes semiaberto e aberto.

Com fulcro no artigo 33, do Código Penal Brasileiro, a pena de reclusão será cumprida no regime fechado, semiaberto ou aberto, enquanto que a pena de detenção será cumprida no regime semiaberto ou aberto, ou seja, regimes menos severos. Entretanto, poderá o condenado a pena de detenção cumpri-la em regime fechado no caso de regressão, conforme o disposto no artigo 118 da Lei de Execuções Penais. (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p. 239).

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Em relação às diferenças entre a pena de reclusão e a pena de detenção, Nucci (2009) elenca basicamente cinco, da seguinte forma:

a) a reclusão é cumprida inicialmente nos regimes fechado, semiaberto ou aberto; a detenção somente pode ter início no regime semiaberto ou aberto (art. 33, caput, CP); b) a reclusão pode acarretar como efeito da condenação a incapacidade para o exercício do pátrio poder (atualmente, denominado, pelo Código Civil, poder familiar), tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a esse tipo de pena, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado (art. 92, II, CP); c) a reclusão propicia a internação nos casos de medida de segurança; a detenção permite a aplicação do regime de tratamento ambulatorial (art. 97, CP); d) a reclusão é cumprida em primeiro lugar (art. 69, caput, CP); e) a reclusão é prevista para crimes mais graves; a detenção é reservada para os mais leves, motivo pelo qual, no instante de criação do tipo penal incriminador, o legislador sinaliza à sociedade a gravidade do delito. (NUCCI, 2009, p. 380).

A reclusão, para crimes mais gravosos, de pena máxima de 30 anos, o condenado é sujeito a isolamento diurno por até três meses, podendo, após esse período, exercer trabalho dentro do presídio no qual se encontrava cumprindo a pena, ou ainda fora deste, em obras públicas. Por outro lado, a detenção, de pena máxima de três anos, fora criada para crimes menos gravosos, neste viés os detentos deveriam ficar separados dos reclusos e também poderiam optar pelo próprio trabalho, contudo em caráter educativo. Infelizmente, esta separação jamais foi levada em conta pelas autoridades, sendo que as diferenças práticas entre as penas de reclusão e detenção se desvaneceram com o tempo, mantendo-se válidas somente as de caráter processual. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 43 apud NUCCI, 2009, p. 381).

A pena privativa de liberdade, portanto, tem caráter de castigo, com a finalidade de fazer justiça pelo mal causado, buscando que o delinquente não venha cometer novos delitos, ou seja, prevenindo possíveis reincidências. NoBrasil é adotada a teoria mista da pena, a qual reconhece que a finalidade desta deve ser uma retribuição pela prática do crime, mas também uma forma de reeducar o preso, para que haja sua reintegração na sociedade e a não reincidência. Sendo assim, necessário o estudo acerca das teorias sobre a função da pena.

1.4 Teorias sobre a função da pena

A partir deste ponto, passar-se-á à uma análise das teorias que explicam qual a função, o sentido e a finalidade das penas. Sendo as três mais importantes, a Teoria Retributiva, a

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Teoria Preventiva e a Teoria Mista. Segundo Nery (2011), o estudo do Direito Penal, vem buscando e encontrando respostas diversas em relação à criminalidade e as Teorias das Penas são, portanto, construções científicas sobre a pena enquanto solução àquela.

Faz-se necessária a distinção da função do conceito de pena. Uma vez que o conceito

de pena não se confunde com a função que esta exerce na sociedade. Para Mir Puig (1986, p.

61) segundo seu ‘conceito’ a pena é um ‘mal’ que se impõe ‘pela prática de um delito’, conceitualmente a pena é um castigo. Todavia isto não implica como consequência que a

função da pena seja a retribuição. (apud BITENCOURT, 2013, p. 120).

Ocorre que essa diferença entre conceito e função nem sempre foi entendida pela doutrina, o que causou confusão durante muito tempo acerca dessas duas perspectivas, por esta razão para análise da função da pena, passa-se a examinar as teorias da pena, acima mencionadas.

A Teoria Retributiva considera que a pena deve se fundar na ideia de legítima retribuição. Segundo essa teoria a pena tem como objetivo a reação punitiva, ou seja, a pena tem a função, exclusiva, de fazer justiça, no sentido que o ato nocivo causado pela conduta do agente deve ser compensado com a imposição do mal, que constitui a pena. A fundamentação acerca da imposição de uma pena está baseada simplesmente no livre-arbítrio, sendo um sujeito que decidirá pelo que é justo ou injusto. (BITENCOURT, 2013, p. 121).

Segundo Bitencourt (2013) os maiores defensores das teses retribucionistas da pena, eram Kant e Hegel, entretanto, os dois pensadores possuíam uma diferença entre suas formulações. Para Kant, a Teoria Retribucionista era baseada na ordem ética, enquanto Hegel considerava que essa teoria era de ordem jurídica.

De acordo com as reflexões kantianas, quem não cumpre com as disposições legais não é digno do direto da cidadania. Nesses termos, é obrigação do soberano castigar “impiedosamente” aquele que transgrediu a lei. Kant entendia a lei como um imperativo categórico, isto é, como aquele mandamento que “representasse uma ação em si mesma, sem referência a nenhum outro fim, como objetivamente necessária”. (BITENCOURT, 2013, p. 122).

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Portanto, para o autor a pena deve ser aplicada somente por ter violado a lei, pois o objetivo da pena é realizar justiça. Assim, Kant considera que o delinquente deve ser condenado simplesmente pelo fato de ter cometido o delito. (BITENCOURT, 2013, p. 123).

Bitencourt (2013) faz uma análise acerca da Teoria Retributiva da pena na visão de Hegel, qual seja ela:

A tese de Hegel resume-se em sua conhecida frase: “a pena é a negação da negação do Direito”. A fundamentação hegeliana da pena é — ao contrário da kantiana — essencialmente jurídica, na medida em que para Hegel a pena encontra sua justificação na necessidade de restabelecer a vigência da “vontade geral”, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinquente. Isso significa, na afirmação de Mir Puig, que, “se a ‘vontade geral’ é negada pela vontade do delinquente, ter-se-á de negar esta negação através do castigo penal para que surja de novo a afirmação da vontade geral” A pena vem, assim, retribuir ao delinquente pelo fato praticado, e de acordo com o quantum ou intensidade da negação do direito, será também o quantum ou intensidade da nova negação que é a pena. (BITENCOURT, 2013, p. 124).

Enfim, a tese acerca da pena retributiva demonstra que ela é totalmente negativa, vez que ela parte do pressuposto de compensação ao mal causado, ou seja, será retribuída ao agente o mal que ele causou através do cumprimento da pena.

Em relação à Teoria Preventiva, esta defende que a pena não tem o intuito de retribuir o ato delitivo causado pelo agente, nem tem embasamento na busca por justiça, mas sim na função de prevenir que sejam praticados novos fatos delitivos no futuro. A função preventiva subdivide-se em duas, quais sejam a prevenção geral e a prevenção especial.

Conforme ensina Déa Carla Pereira Nery (2011, p. 80), pela Teoria Preventiva Geral a pena pode ser interpretada como uma forma de ameaça quando da sua imposição e execução, pois tem o intuito de intimidar os delinquentes, (concepção negativa da prevenção geral) bem como de reforçar a consciência dos cidadãos e enaltecer a confiança na legislação (concepção positiva da prevenção geral).

Por outro lado, a pena pode ser entendida como uma forma de intimidação dos outros sujeitos frente ao sofrimento trazido pelo delinquente, de tal forma que induzirá a estas

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pessoas não agir de acordo com o criminoso, ou seja, cometendo atos criminosos (prevenção geral negativa). (NERY, 2011, p. 80).

Nesse viés, a pena pode ser interpretada também, como uma maneira de respeito da comunidade frente ao Estado, dado que a pena serve para manter a sociedade em segurança, reforçando a confiança dos cidadãos frente às normas do ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva). (NERY, 2011, p. 80).

Outrossim, segundo Bitencourt (2013, p. 134) a Teoria Preventiva Especial visa evitar a ocorrência de um delito, contudo está totalmente voltada ao criminoso que fora castigado com uma pena, com intuito de que este não cometa novos delitos. Nesse caso, tem por objetivo a prevenção da reincidência do agente. Ademais, a prevenção especial não tem o intuito de retribuir o fato praticado, muito menos intimidar as pessoas por conta disso, seu objetivo está voltado apenas para o agente causador do delito, visando que ele não volte a cometer delitos, ou seja, não infrinja novamente as normas penais.

A Teoria Mista tem o propósito de agrupar em um único conceito os fins da pena. Ela visa reunir os pontos mais importantes da Teoria Absoluta e Teoria Relativa. De acordo com Mir Puig (Apud BITENCOURT, 2013, p.136) “entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo complexo fenômeno que é a pena”.

As teorias unificadoras partem da crítica às soluções monistas, ou seja, às teses sustentadas pelas teorias absolutas ou relativas da pena. Sustentam que essa “unidimensionalidade, em um ou outro sentido, mostra-se formalista e incapaz de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, com consequências graves para a segurança e os direitos fundamentais do Homem”. (BITENCOURT, 2013, p. 136).

Acerca disso, se visualiza a importância de adotar uma teoria que englobe a pluralidade funcional da pena. Deste modo, essa argumentação demonstra uma notável diferença entre fundamento e fim da pena. (BITENCOURT, 2013, p. 136-137).

Diante do exposto, pode-se perceber que ao longo do tempo as pesquisas sobre as finalidades das penas foram evoluindo conjuntamente com estas, sendo as três teorias essenciais para a evolução da pena. A teoria mista foi incorporada junto ao ordenamento

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jurídico brasileiro, sendo um exemplo disso a vedação de qualquer espécie de pena que possuía como objetivo a tortura (artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal), haja vista que o objetivo da pena é recuperar o delinquente e prevenir futuros delitos, como pode-se constatar com o disposto do artigo 1º e artigo 10 da Lei de Execuções Penais, a qual passar-se-á a análise no tópico seguinte.

1.5 A Lei De Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984

A Lei n.º 7.210/1984 dispõe em seu artigo 1º acera do seu objeto, “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”. Portanto, tem a finalidade de que sejam cumpridas as sanções impostas na sentença criminal, visando à reintegração do agente que fora condenado.

Stéfano Jander Machado (2008, p. 51) destaca a importância que tem essa legislação frente à reintegração do condenado, isto por que proporciona a ele um conjunto de possibilidades de reeducação, através da garantia de seus direitos, deveres, trabalho, tratamento de saúde física e mental, integridade moral, entre outros, que auxiliam que o sujeito possa realizar em alguma atividade enquanto permanece no estabelecimento prisional.

Neste viés, a promulgação da Lei de Execuções Penais torna juridicamente possível o retorno do apenado à sociedade, para que ele possa retomar a vida e ser capaz de conviver em sociedade após o cumprimento de sua pena. O artigo 10 da referida lei dispõe que:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Segundo Maria Cristina Vidal Cardoso (2006, p. 57), a expressão “assistência” sugere a prestação de serviços, atenção, apoio contínuo, bem como uma oferta de profissionais qualificados para atender as demandas dos apenados por parte do Estado. O disposto no artigo 10 da LEP ainda indica que para possibilitar que o apenado tenha um desenvolvimento positivo dentro do sistema, deveria existir serviços sociais que trabalhassem para alcançar tal objetivo, observando o contexto histórico da vida de cada indivíduo privado de sua liberdade.

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No artigo 11, da Lei de Execuções Penais, ainda estão dispostas medidas de assistência material, à saúde, jurídica, à educação, à religião, psicológica e ao trabalho como mecanismos de promover o retorno do apenado à convivência em sociedade, porém esses mecanismos devem ser efetivamente cumpridos pelo Estado.

Ademais, é sabido que o objetivo da execução penal é promover e obter a recuperação do condenado, para que isso ocorra se faz necessário que o tratamento dado a ele possibilite que retorne a vida social e tenha a capacidade de viver dentro dos limites impostos pelas normas penais. Da mesma forma, procura-se desenvolver no delinquente o senso de responsabilidade, tanto individual quanto social, para que ele saiba respeitar os demais integrantes da sociedade (MIRABETE, 2006, p. 62 apud MACHADO, 2008, p. 51-52).

Portanto, percebe-se que o principal objetivo da execução penal é a reeducação e a reinserção do apendo na sociedade, com propósito de evitar a reincidência do mesmo. Contudo, é sabido que é precária a situação em que se encontra o sistema carcerário brasileiro, e, portanto, a lei de execuções penais nem sempre é aplicada da maneira integral.

1.5.1 Da classificação do preso e a individualização da pena

Quanto à classificação do preso e individualização de sua pena, cumpre destacar a importância desses dois institutos pois ligados à questão da reintegração social do condenado.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 determina em seu artigo 5º, inciso XLVI que “a lei regulará a individualização da pena [...]”. Renato Marcão (2015, p. 42) destaca que a individualização da pena deve ocorrer em três momentos distintos, sejam eles: o primeiro, na cominação que é elaborada pelo legislador, o segundo momento é feito pelo julgador, quando da aplicação da pena diante do fato concreto, e por último, na execução da pena, de responsabilidade do juiz da execução criminal, ou seja, temos a individualização formal, a individualização do caso concreto e a individualização executória.

Conforme destaca Leonardo Castro (2015), para que isso ocorra, faz-se necessário que o preso seja identificando e distinguido do restante da população carcerária, de acordo com as suas características e necessidades para que então seja dado o melhor encaminhamento ao

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sujeito dentro do sistema prisional, buscando o melhor meio para sua recuperação e reintegração à sociedade.

Acerca da individualização da pena, esclarece Carmem Barros (apud MARCÃO, 2015, p. 42) que

A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado.

Já a classificação dos condenados tem como objetivo assegurar e garantir os princípios da proporcionalidade da pena e da personalidade, ambos elencados como direitos e garantias constitucionais. Partindo dessa classificação cada apenado terá um tratamento adequado levando em conta as suas características tanto quanto sua personalidade. (MARCÃO, 2015, p. 43).

Quando se fala em personalidade, cumpre destacar o conceito e os elementos que correspondem aos direitos da personalidade, para Luiz Edson Fachin (2014, p. 39) “os direitos da personalidade se estruturam a partir da ideia de essencialidade e inerência à própria condição humana.”. O direito à personalidade está ligado aos direitos mais essenciais do sujeito, entende por personalidade o conjunto de características físicas, psíquicas e morais que compõe o ser humano, ou seja, o direito à personalidade tem como base a evolução do sujeito.

Nesta senda, o ser humano é um sujeito de direitos, obrigações e titular de personalidade, direito este que é fundamental e necessário para o desenvolvimento da pessoa. O direito à personalidade surge a partir do momento em que surge o ser humano, antes mesmo de seu nascimento já há proteção jurídica de seu direito, ou seja, é um direito próprio da pessoa. Conforme Borges (2007, p. 21) apud Silva (2008, p. 32) não se trata de um direito à personalidade, mas sim de direitos que decorrem da personalidade humana, da condição de ser humano. Os direitos da personalidade protegem o que é próprio do ser humano, como o direito à vida, à integridade física e psíquica, direito à integridade intelectual, direito ao próprio corpo, ao nome, entre outros direitos próprios do ser.

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Considerando o disposto e a respeito da classificação do condenado, Nucci (2018, p. 32) expõe que a palavra classificar, significa distribuir em grupos ou classes, de acordo com determinados critérios. Quanto à execução penal, é necessário que haja uma separação dos apenados, não misturando em um mesmo espaço apenados com características diferenciadas, deve haver uma determinação quanto ao melhor local que cada condenado cumprirá sua pena, buscando evitar, também, que haja contato entre apenados primários e reincidentes ou ainda apenados com altas penas e outros com penas inferiores.

O artigo 5º da Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais, destaca que “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução pena.”, e nos termos do artigo 6º da referida lei, esta será feita por uma Comissão Técnica de Classificação, responsável pela elaboração de um programa no qual será individualizada a pena privativa de liberdade adequada ao preso condenado ou provisório.

O artigo 84 e seus parágrafos da Lei de Execuções Penais estabelece critérios de separação dos apenados, de acordo com a sentença, pena ou situação. A classificação, de acordo com o artigo supracitado se dá seguinte maneira: os presos provisórios devem ficar separados dos presos condenados por sentença transitada em julgado, bem como deverão ser separados de acordo com o crime cometido, ou seja, os acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados devem ficar separados daqueles acusados pela prática de crimes com violência ou grave ameaça, e dos acusados de outros crimes ou contravenções penais. Os presos condenados também deverão ficar separados sendo que os presos reincidentes devem ficar separados dos presos primários, os condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados deverão ser separados dos demais condenados por outros crimes ou contravenções penais.

O parágrafo 4º do artigo supramencionado estabelece que, para os apenados que estiverem em situação de ameaça à sua integridade física, moral ou psicológica pela convivência com os demais presos, ficará segregado em local próprio. A análise referente a esta disposição abrange também os direitos relacionados à questão de gênero e à orientação sexual dos presos, porquanto as pessoas que pertencem ao grupo LGBT+ possuem mais probabilidade de sofrerem abusos no cárcere que apenados heterossexuais. Cumpre destacar que tais abusos representam um total desrespeito aos direitos humanos, posto que a proteção

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sobre a integridade física do apenado é dever do Estado, e este quando aplica a pena privativa de liberdade, assume a responsabilidade de manter a integridade física, psíquica e moral do preso. Não importando o crime que o sujeito cometeu, pois, a violação sexual não faz parte da penalidade que lhe foi imposta.

Outrossim, pelo fato da individualização da pena ser um direito do infrator, é obrigatório a realização de exame de classificação no início da execução penal. Através deste, serão avaliados os antecedentes do condenado, sua personalidade, a vida particular nos âmbitos familiar e social, bem como sua capacidade em exercer determinadas funções ou trabalho. Entretanto, o exame de classificação é diferente do exame criminológico previsto no artigo 8º da LEP. No exame de classificação a análise é feita de maneira mais genérica, enquanto que no exame criminológico busca-se uma análise psicológica e psiquiátrica do condenado. (CASTRO, 2015).

A título de esclarecimento, o exame criminológico é utilizado como método de resguardo da defesa social, para Almeida e Santos (apud MARCÃO, 2015, p. 43) o exame criminológico busca sanar questões que envolvem o criminoso na sua conduta antijurídica e antissocial e qual a possibilidade desse sujeito retornar à sociedade.

Acerca do Exame Criminológico, Mirabete e Fabrini (2012, p. 240) esclarecem que:

Segundo a exposição de motivos da Lei de Execução Penal, a gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinantes da execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará a fim de conhecer a inteligência, a fida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá, evitando-se também a transferência para o regime de semiliberdade ou se prisão albergue, bem como a concessão do livramento condicional, sem que os sentenciados estejam para tanto preparados, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social. (MIRABETE; FABRINI, 2012, p. 240).

Cumpre ressalvar, de acordo com as disposições da Lei n.º 7.210/84, que o exame criminológico é obrigatório para condenados que cumprem pena no regime fechado, ou seja, não é obrigatório para condenados do regime semiaberto, porém facultativo, ficando a critério do juiz da execução penal determinar quando achar necessário, todavia na prática, mesmo não sendo obrigatório, é recomendável que sejam avaliados todos os casos para aplicação ou não do exame.

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Ademais, o exame criminológico é realizado pela Comissão Técnica de Classificação de cada casa prisional, que atuará em de acordo com a ética profissional e terá sempre presente as peças ou informações do processo, de acordo com o elencado no artigo 9º da Lei de Execuções Penais.

Em síntese, o exame criminológico não pode ser confundido com o exame de classificação, dado que o exame criminológico é mais especifico e envolve aspectos psicológicos e psiquiátricos do condenado, atestando sua maturidade, disciplina e capacidade de suportar frustações com finalidade de construir um prognóstico de periculosidade, enquanto o exame de classificação é mais amplo e genérico, envolvendo aspectos relacionados à personalidade do condenado, seus antecedentes, vida familiar e social que irá orientar o modo de cumprimento da pena.

Por fim, o exame criminológico e o exame de classificação, ambos previstos na lei, devem ser realizados em busca de uma individualização da pena menos dessocializadora, para que haja maior possibilidade de reintegração do apenado na sociedade. Da mesma forma, a realização desses exames tem como finalidade também a obtenção de benefícios no decorrer da execução penal, como por exemplo a progressão de regime.

Passar-se-á no tópico seguinte à uma análise mais aprofundada sobre os deveres e direitos dos presos, pois o recluso apesar de privado de sua liberdade, ainda é titular de todos os demais direitos do ser humano.

1.5.2 Deveres e direitos do preso

O artigo 38 do Código Penal prevê que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”, ou seja, o recluso não possui somente obrigações, pois é também titular de todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade.

Nesta regulamentação, a Lei de Execuções Penais, em seu art. 38 estabelece que o condenado, além das obrigações legais inerentes ao seu estado, também deve submeter-se às

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normas de execução da pena, enquanto o art. 39 elenca um conjunto de deveres específicos atribuídos aos condenados e estritamente vinculados ao cumprimento da pena.

É nesse sentido que Mirabete e Fabrini (2012, p. 248-249) corroboram que a prisão não deve impor restrições que não estejam vinculadas à própria natureza da pena privativa de liberdade, vez que tal condição está elencada no artigo 5º, inciso XLIX da Carta Magna, dispondo que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

Vale ressaltar que o legislador também se preocupou em humanizar a pena, garantindo ao apenado assistência básica, que está elencada nos incisos do artigo 11 da LEP, com vistas a atender as finalidades legais da pena, tal como explica Mirabete e Fabrini (2012):

Prevê-se na Lei de Execução penal o direito à assistência material (fornecimento de alimentação, vestuário, instalações higiênicas e serviços que atendam a suas necessidades pessoais), de saúde (de caráter preventivo e curativo, incluindo atendimento médico, farmacêutico e odontológico); jurídica (assistência jurídica nos estabelecimentos penais); educacional (instrução escolar e formação profissional do preso e do internado); social (amparo do preso para prepara-lo ao retorno a liberdade); religiosa (liberdade de culto e participação dos serviços organizados no estabelecimento penal, além de posse de livros de instrução religiosa etc.), não se descuidando da assistência ao egresso (orientação e apoio para a reintegração à vida em liberdade, concessão de alojamento e alimentação pelo prazo de dois meses etc.) (MIRABETE; FABRINI, 2012, p. 249).

Não obstante tais considerações, os direitos do preso assegurados na LEP e garantidos pela Constituição Federal que vêm ao encontro desta pesquisa, pois nos termos do art. 41 aos detentos devem ser garantidos:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

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XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI - atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

Dentre estes, se destaca a questão da igualdade de tratamento, ressaltando-se que os direitos supramencionados não são taxativos, pois existem outros direitos garantidos aos presos na própria Lei de Execuções Penais, bem como na Constituição Federal e em demais legislações que não podem ser olvidados.

Os direitos aqui elencados são garantidos legalmente aos apenados e tem como objetivo assegurar-lhes sua dignidade durante a execução da pena, bem como para prepará-los moral, educacional e psicologicamente para que, ao deixarem o sistema prisional, possam ser reintegrados na sociedade. Entretanto, na situação que se encontra o sistema prisional brasileiro, aquele que for condenado à uma pena privativa de liberdade sairá da prisão terrivelmente pior em face da atual crise do sistema penitenciário brasileiro.

1.6 A crise do sistema penitenciário brasileiro

Quando a prisão se tornou o principal meio de repressão à criminalidade por volta do século XIX, acreditou-se por muito tempo que esse seria o meio mais eficaz para atingir o objetivo da pena que era a reabilitação do delinquente. Todavia, no cenário atual do sistema carcerário é quase, senão impossível alcançar a reabilitação ou ressocialização do apenado tendo em vista a atual crise da prisão. (BITENCOURT, 2011, p. 162)

De acordo com os autores Ueliton Santos de Andrade e Fábio Félix Ferreira (2015, p. 117), o sistema prisional brasileiro nos últimos anos vem apresentando diversos problemas e nos dias atuais está em uma situação precária, em face de um número exorbitante de presos em relação ao número de vagas. Não há no Brasil, nenhuma casa prisional, sob a direção do Estado, que possua um número de presos inferior ou igual ao número de vagas, ou seja, o sistema carcerário brasileiro está superlotado.

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Andrade e Ferreira (2015, p. 117) lecionam que

O sistema não tem conseguido alcançar sua meta que é o de recuperar e reintegrar o detento à sociedade, os índices de reincidência estão entre os maiores do mundo. Acontece que há ainda uma ampla despreocupação e intolerância, tanto do Estado como da sociedade em âmbito global, quanto ao problema carcerário e à incumbência de fazer valer a reintegração social do preso como função da pena. A falha estatal em concretizar as leis contidas na sua Constituição Federal, na LEP e em respeitáveis tratados internacionais que o país é signatário, acrescido ao fato da indiferença predominante na população, se demonstram, assim, como fatores igualmente cruciais para a gravidade da crise.

Em análise a respeito dos principais problemas que afetam os estabelecimentos carcerários no país, Vitor Gonçalves Machado (2013, p. 06), aborda que, além da superlotação carcerária e dos elevadíssimos índices de reincidência, tem-se fatores que surgem em consequência dessas condições precárias dentro dos presídios, pode-se elencar os mais significativos e recorrentes como a falta de higiene, condições degradantes a respeito da alimentação, falta de atendimento médico, odontológico, falta de acesso à assistência jurídica e um ambiente propício à ocorrência de violência sexual, ainda há efeitos psicológicos negativos que esse espaço produz na vida dos encarcerados.

Como citado nos tópicos anteriores, o objetivo almejado pelo sistema prisional é de recuperar e reintegrar os apenados perante a sociedade, entretanto esses desejos são utópicos vez que os índices de reincidência só aumentam e não há soluções apontadas para interromper o aumento dos crimes. Segundo Andrade e Ferreira (2015, p. 117), a crise que o sistema prisional enfrenta está ligada à falta de educação, saúde e lazer, gerando assim um desequilíbrio social que somente faz crescer a marginalidade, os assaltos, a violência e o tráfico.

Andrade e Ferreira (2015) ainda dão destaque para a situação atual dos presídios no Brasil, segundo os autores

O sistema prisional não está passando por uma crise, ele é uma crise, porque permanentemente é uma crise, e não se fala apenas do caso brasileiro, pois o sistema penitenciário tem se mostrado como ineficiente no mundo inteiro, uma vez que a pena prisional não faz sentido, é ilógica, desequilibrada, contraditória, não pode por consequência serem atendidas as finalidades, os objetivos que se pregam não podem ser alcançados pela pena prisional. (ANDRADE; FERREIRA, 2015, p. 118).

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De acordo com dados extraídos do levantamento nacional de informações penitenciária – INFOPEN, através do Relatório do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, de junho de 2016, o total de presos no Brasil chega a 726.712, sendo 689.510 pessoas presas no Sistema Penitenciário, 36.765 presas em Secretarias de Segurança/Carceragens de Delegacias e 437 pessoas presas no Sistema Penitenciário Federal. Andrade e Ferreira (2015, p. 118) fazem a reflexão com base nas estatísticas, questionando sobre as prioridades de um sistema prisional, se o país segrega tantas pessoas com intuito de garantir a paz social, então o objetivo já teria sido alcançado ou se estaria muito próximo disto.

Igualmente, a Lei de execuções penais tem o propósito de punir para depois reintegrar, ocorre que isso não acontece e a cada dia a população carcerária aumenta e as condições de vida são cada vez mais precárias nessas unidades prisionais. Para Zaffaroni (2010) conforme citado por Andrade e Ferreira (2015, p. 118) “colocar uma pessoa numa prisão e esperar que ela aprenda a viver em sociedade, é como ensinar alguém a jogar futebol dentro de um elevador”.

Machado (2013, p. 7) destaca que

De início, aparece o crônico problema da superlotação carcerária, presença inegável na maioria dos estabelecimentos prisionais do Brasil, atingindo, inclusive, escala de ordem global. Para muitos, a superlotação é tão grave que é reconhecida como uma forma de tortura, talvez a pior de todas as deficiências do sistema penitenciário do Brasil.

Como citado, o sistema carcerário enfrenta inúmeros problemas, como a superlotação, com número de presos maior que o dobro da capacidade, além da frágil estrutura física dos espaços, a disseminação de drogas e aparelhos celulares, sem falar nas precárias condições de saúde e higiene, que muitas vezes acabam acarretando em doenças que se propagam entre os apenados. A tuberculose e o vírus da AIDS são as doenças mais constantes e recorrentes dentro dos presídios brasileiros, sem ter uma política de prevenção e controle adequada essas doenças se disseminam com muita facilidade entre os detentos. (MACHADO, 2013, p. 7).

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Outro problema são os atos violentos que ocorrem no interior dos presídios, tais como torturas e assassinatos entre os presos, quando não se obedece às normas internas criadas pelos próprios presos.

Além disso, outro assunto merece destaque, que é acerca da violência sexual que ocorre no interior dos presídios. Conforme explica Machado (2013, p. 8):

[...] isto porque muito se ignora em tratar a atividade sexual como condição elementar e benéfica à saúde do ser humano, não existindo atenção e cuidado maior para com a mesma. Ocorre que, antes de se pensar em qualquer propósito ressocializador do condenado, deve-se, indubitavelmente, atentar para a repressão do instinto sexual nas penitenciárias, pois esta deforma e desnatura esse instinto considerado fundamental do homem. (MACHADO, 2013, p. 8)

Sobre o problema da violência sexual, Bitencourt (2011, p. 204) explana que quando privado de sua liberdade o instinto sexual do sujeito é praticamente ignorado, “a repressão do instinto sexual propicia a perversão da esfera sexual e da personalidade do indivíduo.”. De fato, não se tem políticas de prevenção ou solução para o problema sexual que ocorre nas prisões. Cumpre destacar que para que haja a reintegração dos apenados em sociedade, não se pode ter um sistema carcerário que deforma e denega tais direitos.

Ainda, de acordo com o referido autor, a motivação da violência sexual nas prisões se dá pelo sentimento que o agressor tem em conseguir a afirmação violenta da própria masculinidade, impondo a própria força sobre a fragilidade alheia. Todavia, dificilmente é possível que se obtenha a reintegração de um sujeito a sociedade, quando o meio carcerário estimula expressões de violência tão degradantes. A vítima, acaba sofrendo desequilíbrio emocional e físico distintos em sua personalidade, que não corresponde ao objetivo reabilitador da pena privativa de liberdade.

Outro problema que assola o sistema prisional, são elevados os índices de reincidência de sujeitos que cumprem pena privativa de liberdade e não é exagerado afirmar que a prisão é uma “escola” de delinquentes, pois o que mais se vê são pessoas saindo do sistema e retornando, considerando que o Estado não tem capacidade de dar assistência necessária aos presos quando inseridos no sistema prisional e a sociedade acaba por repudiar ex-detentos quando estes voltam ao meio social.

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A respeito da assistência que deveria ser dispensada para os apenados durante o período de cumprimento de pena, Rafael Damaceno de Assis (2007, p. 78) aborda que se houvessem medidas efetivas no tratamento do preso muito minimizaria os efeitos negativos que este sofreu enquanto estava privado de sua liberdade, e com isso seria mais fácil sua reinserção no meio social após o cumprimento da pena.

“Esse sujeito que é isolado da sociedade já está vulnerável muitas vezes antes mesmo de ser preso. Pesquisas mostram que 65% deles são, sobretudo, jovens, negros e de baixa renda”. Andrade e Ferreira (2015, p. 119) nesse sentido citam que

Esses seres humanos são vistos pela sociedade como sub-humanos, porque em geral eles já eram alvo de preconceito de classe, de cor e, quando comete um crime a justiça os define como criminosos recebendo, portanto, o último selo, o último estigma do criminoso, aquele que se associa aos demais.

Nessa perspectiva Alessandro Baratta (2002, p. 168-169), em sua obra, descreve que

O elemento realista é dado pela consciência de que, na maior parte dos casos, o problema que se coloca em relação ao detido não é, propriamente, o de uma ressocialização ou de uma reeducação. Na base do atual movimento de reforma penitenciária se encontra, antes, a representação realista de que a população carcerária provém, na maior parte, de zonas de marginalização social, caracterizadas por defeitos que incidem já sobre a socialização primária na idade pré-escolar. Observando-se bem, o que parecia uma simples matriz filológico na definição do fim do tratamento (“socialização” ou “ressocialização”) revela ser uma mudança decisiva do seu conceito. Isto muda a relação entre a instituição carcerária e o complexo de instituições, privadas e públicas, prepostas para realizar a socialização e a instrução. O cárcere vem a fazer parte de um continuum que compreende família, escola, assistência social, organização cultural do tempo livre, preparação profissional, universidade e instrução dos adultos. O tratamento penitenciário e a assistência pós-penitenciária prevista pelas novas legislações são um setor altamente especializado deste continuum, dirigido a recuperar atrasos de socialização que prejudicam indivíduos marginalizados, assim como as escolas especiais tendem a recuperar os menores que se revelaram inadaptados à escola normal. Ambas são instituições especializadas para integração de uma minoria de sujeitos desviantes.

A partir dessa análise acerca da crise do sistema penitenciário, resta claro que a causa dessa condição é a falta de assistência e manutenção por parte do Estado, pois ele deve ser o garantidor dos direitos dos cidadãos, especialmente aqueles que lhes são mais fundamentais, como o direito à identidade e à personalidade. Além disso, é preciso que a comunidade

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também atenda às necessidades de seu grupo social, para garantir um desenvolvimento positivo para as pessoas evitando que tenham vivências negativas e sejam conduzidas pelo caminho da criminalidade.

As penas e as prisões existem por diversos motivos que foram sendo estudados ao longo do tempo e no decorrer deste trabalho, entende-se que a prisão buscar proteger a sociedade daquelas pessoas que representam perigos à sociedade, e juntamente, busca reeducar os presos para que esses possam ser reintegrados ao meio social assim que terminarem de cumprir a pena. O sujeito, quando preso, perde somente direito à liberdade, todavia, direitos como a identidade, dignidade e segurança devem ser mantidos e respeitados apesar do sujeito encontrar-se privado da sua liberdade.

Neste cenário, pessoas pertencentes ao grupo LGBT+, quando privadas de sua liberdade, acabam perdendo o direito à sua identidade sexual e à sua dignidade, principalmente os presos homossexuais e transexuais. Assim, importa destacar que os presos LGBT+, necessitam de atendimento e tratamentos adequados dentro do sistema prisional, haja vista que na sociedade já são alvos de marginalização e discriminação social, situações que se repetem dentro das prisões. Para tanto há de buscar mecanismos para enfrentamento desta questão inerente aos apenados LGBT+, para que eles possam cumprir suas penas com dignidade em busca de uma devida reinserção no meio social após seu cumprimento.

Assim sendo, diante do presente estudo acerca da crise do sistema prisional, em que se percebe que o ambiente é propício à violências e violações de direitos, pela falta de estrutura adequada, superlotação e a ineficácia por parte do Estado, o sistema prisional tem demonstrado um desgaste com o passar do tempo e atualmente se encontra em estado muito precário. Nesse sentido, cumpre destacar que no próximo capítulo será analisado como se dá o tratamento aos apenados LGBT+ em um sistema prisional tão caótico, que nem mesmo possui estrutura adequada para atender suas necessidades, porquanto os presídios diferenciam suas massas carcerárias entre homens e mulheres, não tendo espaços específicos a esses sujeitos. A pesquisa é relevante, pois a condição do apenado LGBT+ no sistema prisional é reconhecidamente complicada, muito embora exista iniciativas políticas voltadas à proteção destes apenados, as quais ainda não são suficientes para a garantia de seus direitos fundamentais de personalidade e identidade, como será visto a seguir.

Referências

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