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A influência dos jogos eletrônicos no desenvolvimento infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL-UNIJUÍ

DHE-Departamento de Humanidades e Educação

Curso de Psicologia

CARILEI ISABEL LEWANDOVSKI

A INFLUÊNCIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

SANTA ROSA

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CARILEI ISABEL LEWANDOVSKI

A INFLUÊNCIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

ORIENTADORA: FLÁVIA FLACH

SANTA ROSA 2015

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AGRADECIMENTOS

Dedico esta conquista primeiramente a Deus, graças a sua benção, hoje estou aqui concluindo minha faculdade. Também dedico esta conquista aos meus pais, Inês Dolores Müller Lewandovski e Darci Antônio Lewandovski, a minha madrinha Lourdes Maria Lewandovski e ao meu namorado Gabriel Rodrigues, que sempre estiveram a par de todas as minhas angústias decorrentes deste período, me incentivando, me apoiando e tendo paciência nesta fase importante da minha vida; a minha orientadora Flávia Flach, por me ajudar neste momento, esclarecendo minhas dúvidas. Aos mesmos meu muito Obrigado de coração, sem a ajuda de vocês eu não estaria completando esta etapa decisiva da minha vida.

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A influência dos jogos eletrônicos no desenvolvimento infantil

Carilei Isabel Lewandovski Orientadora: Flávia Flach

RESUMO

O brincar é de extrema importância para a constituição do sujeito, pois além de contribuir para o desenvolvimento psíquico da criança, ou seja, os afetos, emoções, angústias, experiências de vida, trabalha também com a motricidade e o cognitivo, possibilitando que a criança desenvolva também sua linguagem, se inserindo na cultura. O mesmo está presente desde os primórdios e mostra-se uma evolução ao passar dos anos. Hoje o brincar está sendo diferente, no sentido de estar predominantemente mecanizado e eletrônico. Os meios eletrônicos são o preferível da maioria das crianças, dispensando as brincadeiras tradicionais para ficar diante da tela e isso pode influenciar no desenvolvimento da criança que está em uma fase importante de estruturação da sua subjetividade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...5

1.HISTÓRIA DO BRINCAR...6

2.O BRINCAR E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO...13

3.A INFLUÊNCIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL...25

CONSIDERAÇÕES FINAIS...36

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INTRODUÇÃO

O interesse em pesquisar sobre a possível influência dos brinquedos eletrônicos no desenvolvimento das crianças, se deu por experiências de convívio social, onde percebia crianças preferindo brincar com meios eletrônicos, do que com outras formas, o que dificulta o convívio social. Durante o estágio em processos clínicos, quando realizei atendimento com crianças me questionei acerca do brincar, por isso resolvi pesquisar sobre este assunto, enfatizando o brincar na contemporaneidade.

O brincar sempre existiu. Primeiramente com objetos fabricados pelas crianças, usando a imaginação. Aos poucos eles foram sendo fabricados pelas indústrias e as crianças foram os adquirindo e os utilizando. Principalmente com a chegada do plástico o brincar foi evoluindo.

Percebe-se que no brincar a criança trabalha seus afetos, emoções e angústias, ou seja, seu psíquico, mas também este ato contribui para a motricidade da mesma e a inserção da linguagem. Portanto, o brincar é constitutivo, através dele a criança expõe o que está vivenciando na sua vida, as experiências pelas quais está passando.

Com o passar do tempo foram sendo criados brinquedos mais modernos, mecanizados e tecnológicos, o ato de criar, inventar, foi se perdendo, pois hoje os brinquedos apresentam-se prontos. A criança então que antes era ativa sobre seu brinquedo, hoje se torna passiva. Um exemplo são alguns jogos eletrônicos, nos quais a criança fica paralisada diante a tela e se prende somente ao que o jogo propõe o que pode prejudicar a sua imaginação, motricidade e seu cognitivo. Para pensar sobre de que maneira alguns jogos e meios eletrônicos interferem na vida das crianças, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, tendo como base teórica a psicanálise.

No presente trabalho, será abordado no primeiro capítulo a história do brincar e a sua evolução. No segundo será mostrado como o brincar contribui para o desenvolvimento da criança, qual a sua importância. Por fim, o terceiro capítulo irá refletir sobre a influência dos jogos eletrônicos no desenvolvimento infantil.

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1. HISTÓRIA DO BRINCAR

Para aprofundarmos o tema sobre o brincar, faz-se necessário desenvolvermos um breve histórico sobre o mesmo, destacando como este surgiu e as suas transformações ao longo dos anos. Com este histórico, percebemos que todas as crianças brincam, seja com materiais encontrados no meio ou com objetos fabricados pelas pessoas. Assim pode-se dizer que, as brincadeiras atravessam gerações e são inerentes a infância. Portanto, serão apresentadas neste capítulo algumas brincadeiras características de cada época, o que elas utilizavam/criavam nesta atividade, e a evolução da mesma.

Ao falar de como se brincava na história Altmann (2000) sugere que os primeiros brinquedos das crianças eram seus próprios movimentos e daqueles que as rodeiam, como os da sua mãe. Além disso, por muito tempo, e ainda hoje, muitas crianças brincavam com objetos da natureza como pedras, folhas, terra, sendo esses elementos muito utilizados pela rica imaginação infantil. Relacionada com a natureza também está a imitação dos movimentos dos animais e as danças, mais frequentes nas culturas indígenas.

Segundo Ariès (1981), no início do século XVII, percebia-se nas pinturas da época as imitações, ou seja, as crianças reproduziam a vida dos adultos e dos próprios animais. Apareciam também crianças brincando com objetos como o cavalo-de-pau, cata-vento, pássaro preso por um cordão e as bonecas. O exemplo dessas imitações era o uso de pás que giravam na ponta de uma vareta com as quais as crianças se divertiam, reprodução dos moinhos de vento da Idade Média. Já outro exemplo, eram as bonecas, que nesta época serviam de instrumentos de feiticeiros e bruxas, as crianças vendo ou ouvindo sobre isso também imitavam usando esses brinquedos. A maioria destes objetos que as crianças utilizavam no seu brincar eram miniaturas, um exemplo são os bibelôs que existem até hoje. Em relação às bonecas, elas não eram destinadas somente às meninas, os meninos também brincavam com as mesmas, sobre isso percebe-se que, nesta época, a discriminação entre gêneros era menos nítida, pois ambos brincavam da mesma forma e também usavam a mesma roupa. A mais comum era um vestido simples que homens, mulheres e crianças vestiam. Uma mudança foi ocorrer em torno dos

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sete anos de idade, particularmente para o menino, que abandonou o vestido comprido e passou a usar calças curtas e um gibão1. Foi proibido pelos pais de brincar com bonecas. O menino nobre aprendia caçar, atirar, montar cavalos e jogar jogos de azar.

A semelhança também se encontrava nos jogos, porém desta vez com a participação dos adultos. Por volta de 1600, dos três aos quatro anos de idade, a criança participava dos mesmos jogos e das mesmas brincadeiras dos adultos. Não se tinha nenhum impedimento em deixar as crianças envolverem-se com isso, assim que se tornavam capazes, jogavam jogos de cartas, de azar e de dinheiro. Isto era representado nas ilustrações da época. Estas atividades formavam um dos principais meios que disponha a sociedade para estreitar os laços coletivos, e de união, porém haviam muitas contradições. De um lado eram admitidos pela sociedade em geral, sem reservas e discriminações. Por outro lado, uma minoria poderosa e culta de moralistas rigorosos condenava estes jogos e denunciavam sua imoralidade, sem exceções. Em razão disso, ao longo do século XVII e XVIII, estabeleceu-se um compromisso que anunciava uma atitude moderna com relação a estes, diferente da atitude antiga. Seria uma preocupação de preservar a moralidade e também de educar as crianças, proibindo os jogos considerados “maus” e aconselhando os considerados “bons” (ARIÈS 1981, p. 92-104). Portanto, devido a recriminação de alguns jogos, foi tomada a atitude de torná-los educativos, ajudando na construção da moralidade.

Ainda em relação aos jogos, uma pintura de Epinal (pinturas da França) do século XIX representa os” jogos de outrora”, a cabra-cega, do assobio, a faca na bacia com água, o esconde-esconde, o passarinho voa, o cavaleiro gentil, o homem que não ri, o pote de amor, o rabugento, a berlinda, o beijo embaixo do castiçal, o berço do amor. Alguns desses se tornaram brincadeiras de criança, enquanto outros conservariam o caráter ambíguo e pouco inocente que outrora fizera com que fossem condenados pelos moralistas (ARIÈS 1981, p. 115).

1Uma espécie de camisa acolchoada fechada por abotoaduras (com ou sem mangas), ajustada para

salientar o peito e moldar a cintura, que foi usada na Europa da Idade Média até meados do século XVII. Originalmente, era apenas um camisete costurado de forro acolchoado, usado sob a armadura para evitar contusões e escoriações. Depois, como muitos outros itens originalmente práticos na história da moda masculina, a partir do século XV, tornou-se suficientemente elaborado para ser visto por conta própria. Disponível em : https://tudorbrasil.wordpress.com/tag/gibao/. Acesso em:22/11/15.

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Ariès (1981), cita Sorel, o qual dizia que os jogos infantis se agrupavam em jogos de exercício que eram o hóquei, pião, as escadas, a bola, peteca com raquetes e as brincadeiras de pegar, seja com olhos abertos ou vendados, porém estes eram os mesmos dos adultos de condição social elevada. Percebe-se que ao mesmo tempo que há uma interação nas brincadeiras e jogos entre adultos e crianças, também ocorre uma divisão dos mesmos, seja por classe ou idade.

Em relação a isso, no século XVII, houve uma distinção entre os jogos dos adultos e dos fidalgos, e os das crianças e dos vilões. O acesso aos torneios era proibido aos plebeus e as crianças, porém logo as crianças começaram a imitar os jogos dos adultos, fazendo seus próprios torneios, cavalgavam em barris ao invés de cavalos (ARIÈS, 1981). Com isso as crianças eram proibidas de alguns jogos, mas não deixavam de brincar. Elas mesmas os construíam baseados nas imitações dos adultos.

Segundo Altmann, (2000) já na cultura dos indígenas, nesta mesma época, se brincava com chocalhos formados por cascas de frutas, pedras, seixos de madeira, ossinhos de animais, conchas e terra. Folhas e cascas de árvores serviam de fôrma para o barro. Penas e aves de asas se transformavam em objetos para rica imaginação infantil, feixes de folhas tinham a aparência de bonecas. As bonecas indígenas não foram transmitidas à cultura brasileira, mas os índios Carajás, mantiveram a tradição, fazendo as próprias meninas de barro, com grandes nádegas e seios, numa imitação da mulher adulta e talvez grávida.

Ainda para esta autora, enquanto os meninos saíam com os pais para a pesca, as meninas acompanhavam as mães nos afazeres domésticos, cuidando das plantações, colhendo e trazendo legumes, cozendo a mandioca, fazendo farinha. Ao entardecer sentavam-se com as mães, junto a outras crianças, tecendo com o fuso e trocando ideias, numa atividade que era um verdadeiro faz-de-conta.

Com a convivência entre índios e crianças portuguesas, muitas delas órfãs vindas de Lisboa, a vida nos colégios jesuítas promove o encontro das raças e com ele o intercâmbio das tradições e das brincadeiras. O bodoque, a gaita de canudo de mamão, o pião, o papagaio, a bola, as danças, as superstições, os contos, os jogos de origem indígena ou portuguesa são atividades comuns e o amálgama das relações infantis nos patos dos colégios. As tradições são transmitidas, modificadas, perpetuadas numa

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continuidade sociocultural. O folclore é um pouco da terra que se deixou e os recém-chegados procuram recriar o que ficou pra trás, transplantando árvores frutíferas, flores, resgatando os jogos folclóricos da infância (Altman 2000, p. 242).

Também em relação a isso Benjamin (2002, p. 92), traz:

Madeiras, ossos, tecidos, argilas representam nesse microssomo os materiais mais importantes e todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais, quando o brinquedo era ainda peça do processo de produção que ligava pais e filhos. Mais tarde vieram os metais, vidro, papel e até mesmo o alabastro.

Para Benjamin (2002), na segunda metade do século XIX, os brinquedos se tornam maiores, perdendo aos poucos o elemento discreto, minúsculo e sonhador. Uma expansão do brinquedo vai acontecendo, pois com o capitalismo o mesmo começou a ser comercializado, perdendo o propósito lúdico para então gerar lucro. Sendo assim, quanto mais a industrialização avança, o brinquedo torna-se estranho à criança e aos pais.

O que ocorria também nesta época eram as viagens das famílias mais ricas para a Europa, as quais traziam brinquedos confeccionados em indústrias manufatureiras. No século XVIII, fabricavam-se miniaturas reproduzindo objetos utilizados pelos adultos e a eles dirigidos, mas as crianças também usufruem deles (ALTMANN, 2000).

Então, no final do século XIX, pequenas indústrias começam a se estabelecer também no Brasil e o objeto-brinquedo-mercadoria passa a fazer parte do universo infantil. Surgem carrinhos de madeiras, brinquedos de plásticos, as bonecas de materiais cada vez mais sofisticadas, os trenzinhos de metal, objetos de consumo que despertam na criança o sentimento de posse, o desejo de ter, dificultando o prazer de inventar, construir (ALTMANN, 2000).

Para Arnais (2012), o plástico significou o barateamento da matéria prima adaptando-se de forma prática e rentável à era das máquinas. Para os pais, certos brinquedos deste material trouxeram funcionalidade, pois eram inquebráveis e laváveis e resistiam muito mais que outros à manipulação infantil. Para as crianças, o aproveitamento do plástico na confecção de diversos tipos de brinquedos veio

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artificializar as brincadeiras, pois não havia mais a relação criança-brinquedo, a criança não inventava/criava o mesmo que já vinha pronto, se artificializando também as relações sociais, já que antes na construção dos brinquedos havia interação, porém com a chegada destes novos brinquedos, percebeu-se que as ruas foram deixando de serem espaços de convívio social e entretenimento lúdico para dar lugar ao brinquedo industrializado que se localizava mais no âmbito doméstico. Assim, como toda sociedade capitalista organiza sua produção de mercadorias, levando em consideração o lucro, por consequência, ela induz todos ao consumo

Portanto, percebe-se que o brinquedo sofreu uma transformação devido a industrialização, antes era a criança que o produzia, agora as fábricas e indústrias estudavam o comportamento das crianças e produziam os brinquedos conforme os resultados destas.

Segundo Levin (2007), a produção industrial em série ganha impulso inusitado, mudando a relação entre a oferta de brinquedos e a demanda infantil. O mundo industrial, em constante transformação, modifica o mundo da criança e oferece-lhe a possibilidade de reproduzir fielmente, em miniatura, o mundo dos adultos. O plástico facilita a produção e imitação de modelos em pouco tempo, com custo muito baixo.

Nesta relação, Altmann (2000, p, 256) cita:

Brinquedos sofisticados, engenhos nunca antes imaginados, atraem as crianças, sempre ávidas pela descoberta. A tela da TV, o monitor do computador, passam a fazer parte do mundo infantil. Mas na memória de quem foi criança e viveu de brincar, estão bem arquivados os momentos de uma infância feliz e as brincadeiras e os brinquedos tradicionais renascem a cada dia, dando novas oportunidades aqueles que começam a descobrir o mundo.

Outra questão de destaque foi à entrada do computador, televisão e celulares no mundo e no cotidiano familiar. Na década de 50, surge a televisão no Brasil, inaugurando uma nova Era na comunicação nacional. De acordo com Hamburger (2000), o país foi o primeiro da América Latina e o quarto do mundo a adotar a TV. Nesta década foram inauguradas as primeiras emissoras de televisão. Assim, as

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crianças foram se aproximando e sendo atraídas por este mundo de imagens e telas, tornando-se passivas a estas tecnologias. A televisão virou um dos principais canais de comunicação. Sousa et al (2005, p. 3) cita que:

A televisão permite atingir praticamente cada pessoa, em toda a parte e a toda a hora, mas também o número de aparelhos multiplicou-se a tal ponto que, em muitos países, chegou ao ponto de saturação. Por conseguinte, é cada vez mais o contato TV ou pela televisão que jaz na origem de nossa informação, de nossos conhecimentos, mais amplamente ainda, de nossa comunicação social. Em última análise, pode-se dizer que a mensagem televisiva modela nossas expectativas, nossas maneiras de sentir e até as formas mais íntimas de nossa adesão. Com isto, tendem progressivamente a confundir-se, no mesmo processo de persuasão generalizada, poder, autoridade, influência.

Segundo o autor Lévy (1999), outra inovação, foi o surgimento dos primeiros computadores, ocorrido na Inglaterra e nos Estados Unidos em 1945. A informática servia, primeiramente para fins de cálculos científicos, para fornecer estatísticas ao Estado e das grandes empresas ou a tarefas de gerenciamento, mas esta realidade começa a se modificar a partir dos anos 70, quando o desenvolvimento e a comercialização do microprocessador disparam e possibilitam a redução do tamanho e preços dos computadores, acarretando transformações nos processos econômicos e sociais, tais como a automação da produção industrial. Desde então, a busca sistemática de ganhos de produtividade por meio do uso de aparelhos eletrônicos, computadores e redes de comunicação, os quais vêm se disseminando cada vez mais no conjunto das atividades econômicas.

As descobertas tecnológicas não foram uma ocorrência isolada, pois reflete em um determinado estágio de conhecimento, um ambiente institucional e industrial específico; uma disponibilidade de talentos para definir um problema técnico e resolvê-lo, uma determinada mentalidade econômica para uma boa relação entre custo e benefício, a capacidade de comunicação de experiências, de modo cumulativo pelos fabricantes e usuários, os quais aprendem ‘usando e fazendo’. Portanto, a inovação tecnológica dependeu de ambientes propícios para trocas de ideias, problemas e soluções (CASTELLS, 1999).

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Percebe-se então que com a chegada do computador, entrou também a internet, e isso aos poucos foi fazendo parte do cotidiano das pessoas, inclusive do trabalho, sendo assim, as crianças também foram entrando neste universo da tecnologia da informação (CASTELLS, 1999).

Esse breve histórico referente à evolução do brincar, possibilitou situarmos de modo mais claro o desenvolvimento das tecnologias neste contexto, compreendendo a existência de fatores que podem impulsioná-lo ou atravancá-lo, bem como adentrar, desse modo, toda a trajetória necessária para se chegar à atual difusão das tecnologias da informação na sociedade.

Percebe-se então que o brincar foi se modificando ao longo dos anos. Primeiramente as crianças brincavam com os objetos encontrados ao meio, porém aos poucos, com a industrialização, chegada do plástico e dos meios de comunicação, as crianças foram sendo atraídas por eles, assim mudanças sociais e subjetivas começaram a ser observadas. Passam a brincar menos com os materiais disponíveis no meio, na natureza, para brincarem com as tecnologias que surgem. O que antes elas construíam, sendo ativas sobre seus brinquedos, agora se tornam passivas, assunto que será abordado posteriormente, bem como sobre a possibilidade dos brinquedos modernos interferirem na constituição psíquica da criança, mas para isso precisamos refletir sobre a importância do brincar para a organização da criança, assunto do próximo capítulo.

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2. O BRINCAR E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

Vimos então, no capítulo anterior, que o brincar existe desde os primórdios. As crianças construíam seus brinquedos e aos poucos as indústrias começaram a produzi-los e as mesmas foram adquirindo estes produtos. Mas afinal, para que serve o brincar? Este capítulo irá trabalhar a importância do brincar para a constituição do sujeito.

O brincar é um ato que produz significações, nele a criança pode trabalhar o que está vivenciando na sua vida, por exemplo, a falta, as angústias e os medos. Irá desenvolver seu cognitivo, motricidade, e se inserir no universo da linguagem e na cultura. É importante para a socialização e vivências de experiências que serão significativas para o resto da vida.

Segundo Aberastury (1992, p. 15):

Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e problemas internos, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo todas as situações excessivas para seu ego fraco e isto lhe permite, devido ao domínio sobre os objetos externos a seu alcance, tornar ativo aquilo que sofreu passivamente, modificar um final que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real tanto interna como externamente e também repetir à vontade situações prazerosas.

Para Rudolfo (1990), não há nenhuma atividade significativa no desenvolvimento da simbolização da criança que não passe pelo brincar. A criança tem a necessidade de extrair materiais do corpo, explorar o mesmo, estes materiais também são arrancados do corpo do Outro, portanto, a partir do brincar a criança constrói seu corpo, apoiado no meio. De início o jogo do fort-da (aparecimento e desaparecimento - presença-ausência), foi demarcado como o primeiro brincar da criança, porém segundo este autor, há funções mais arcaicas a ele que serão explicadas ao longo deste capítulo.

O Fort-Da é situado no texto de Freud (1920) Além do Princípio do Prazer, a partir da célebre cena em que Freud lê como um jogo a produção de seu neto Ernest, de 18 meses, ao lançar um carretel para trás da borda da varanda com acortinado de seu berço, de modo que ele ali desaparecesse, e depois produzisse

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seu retorno, puxando o carretel pela cordinha nele amarrada. Quando sua mãe se ausentava, o pequeno menininho se punha a brincar com esse objeto, estabelecendo uma série articulada de ausência e presença, na medida em que, ao lançar e recuperar o carretel, nessa borda da cortina, produzia ativamente uma descontinuidade do seu olhar sobre esse objeto. Além disso, ele acompanhava tal produção não só por uma intensa expressão de interesse e satisfação, mas também por uma produção sonora de "ooo", "aaa", que Freud lê não como uma simples interjeição, mas como as palavras alemãs fort (foi, vai embora) e da (cá, aqui está), respectivamente (RUDOLFO, 1990, p. 206.).

Rudolfo (1990, p. 128), em relação ao exemplo do carretel comenta:

Subsiste, no que concerne ao fort/da, um aspecto fundamental, sobre o qual é boa e válida a insistência, a repetição, a fim de que a complexidade das funções desta operação fique esclarecida: é que, ao jogar o carretel, a criança cria um espaço que antes não existia. Não é que o objeto se veja lançado fora, senão que ao lançar o objeto se produz um fora; depois sim, poderiam se atirar coisas para esse fora, mas há um ato inaugural a ser localizado, teoricamente, que é a fabricação desse fora. Este aparelhinho que o pequeno inventa para si tem, antes do que outra coisa, essa função, e lhe permite simbolizar o que antes lhe era impensável: a saída da mãe. Não havia modo de concebê-lo, salvo como desaparecimento perigoso e insuportável; a partir da produção deste espaço, inaugura uma maneira de pensá-lo, torna-se imaginarizável, representável, e, portanto, origina uma regulação diferente da angústia, o que é outro fruto absolutamente capital.

Para dar conta da não presença deste Outro que seria a mãe, a criança vai criando algumas situações através do brincar. Através do mesmo ela vai trabalhando com a angústia de separação, percebendo que a mãe não está sempre ao lado dela e é no jogo do fort-da que isso irá acontecer. Em relação a isso, Rudolfo (1990, p.205), traz que “o fort-da apresenta as características para situá-lo como marco inicial do brincar simbólico. Ele representa um salto estrutural, um divisor de águas na posição da criança perante o seu Outro”.

A partir disso, podemos pensar então, que a criança, para lidar com a ausência da mãe, cria suas defesas através do jogo. Assim, ela irá simbolizar e trabalhar a sua angústia, enquanto a mãe não está presente fisicamente, ela utiliza este brincar para dar conta desta ausência e assim estar próxima dela, por isso que este ato é de extrema importância para a estruturação da criança. Como afirma

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Jerusalinsky (2009, p. 202) “a criança já estava produzindo ali uma simbolização – ou seja, em lugar de ficar chorando quando a mãe ia embora, fazia algo que operava uma passagem do gozo ao saber- fazer”.

O carretel pode ser a mãe que ele expulsa e recupera, mas também pode ser ele mesmo na descontinuidade de ser visto ou não por este Outro primordial. Pouco importa. O que está em jogo nesse primórdio do brincar simbólico é menos a atribuição de uma significação que recairia sobre o objeto em si (carretel) e muito mais o jogo de oposição significante a que a criança dá lugar, usando-o como simples pretexto: trata-se de brincar com a articulação de uma série de presenças e ausências a partir da qual a criança começa a poder sustentar-se brevemente na ausência do olhar do Outro primordial sobre si, ao poder nomear por si mesma essa oposição que a acomete (JERUSALINSKY, 2009).

É por isso mesmo que o brincar representa uma função tão essencial, no exercício da qual a criança vai se “curando” por si mesma, em relação a uma série de pontos potencialmente traumáticos. Ali onde as fraturas, interferências do mundo familiar deslocam as simbolizações incipientes, atacando o processo do brincar, o sujeito já não dispõe desse seu único recurso de assimilação, gravidade que supõe um impedimento a tal extremo, que se enuncia em uma relação diretamente proporcional: quanto maior a deterioração patológica, maior também é a impossibilidade no brinquedo (RUDOLFO, 1990).

Ao longo da primeira infância, podemos considerar a incidência de jogos constituintes do sujeito sustentados no laço com o Outro encarnado2. Tais jogos são produzidos em um tempo em que está ainda sendo constituída a borda que permitirá à criança vir a enunciar um aqui e um lá. Mas, mesmo sendo precursores do Fort-Da, já operam em torno da inscrição de um litoral entre gozo e saber (JERUSALINSKY, 2009).

Os primeiros que aparecem então são os jogos de superfícies, ou seja, se lambuzar, no qual a criança arranca objetos, fura, constrói superfícies, delimitando territórios e limites entre ela e o outro. Segundo o autor, quando a criança está se lambuzando com papinhas, está trabalhando como construtor do seu próprio corpo.

2 é a presentificação do Outro em uma pessoa a qual possibilita a organização das operações constituintes de um sujeito.

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O corpo e o espaço se coincidem sem desdobramento. Jerusalinsky (2009), dá o exemplo das ondas na areia, que avançam e recuam permanentemente redesenhando, rearticulando a relação de litoral entre duas substâncias de diferentes ordens. O que está em jogo neste brincar é um intenso trabalho de construir litoral. O bebê não tem como armar tal litoral senão com e a partir do laço com o Outro.

Segundo o mesmo autor, a segunda função do brincar, concernente ao segundo momento de estruturação do corpo, são os jogos de relação de continente e conteúdo. No qual se vê crianças tirando objetos da bolsa da mãe, tentando descobrir o que há no interior de caixas e objetos, brinca de tapar buracos e encher recipientes. Tudo isso de forma intensa e repetitiva. Aqui a criança pode entender a relação pequeno/grande. Também do modo que ela coloca um objeto dentro do outro, pode recolocar estes elementos ao inverso. Este brincar também mostra a separação do corpo do filho com o da mãe, a diferenciação. Portanto, a segunda função do brincar põe de manifesto, em um espaço bidimensional, uma dimensão de volume, contradição. Mostra-se também nesta atividade, a delimitação tradicional imaginária interno/externo, fundamental na construção do corpo (RUDOLFO, 1990).

Em relação a este jogo, Jerusalinsky (2009) diz; assim que o bebê começa a experimentar deslocamentos espaciais, pelo engatinhar ou caminhar, passa a mexer em todos os buracos, fendas, perfurações da casa, a deter-se sobre seus cantos, bordas, degraus. Passa a ter interesse nas relações continente-conteúdo, explorando gavetas, tirando e pondo objetos em caixas, interessando-se pelo transbordamento de líquidos, tais como o da água do banho ou copos, na hora das refeições. Se inicialmente o bebê, ao estar no colo ou ser amamentado, desloca a mão pela superfície do corpo materno e pela do seu próprio corpo, experimentando a continuidade e descontinuidade dessa sensação na pele, em um segundo tempo busca produzir este jogo com a comida, espalhando-a sobre as mãos e sobre a mesa, assim como com água, barro, tinta ou outras substâncias que eventualmente possam ter-lhe sido oferecidas.

Nestes jogos citados, a criança vai se independizando da presença concreta do Outro primordial. Antes quando alguém desaparecia, para a criança não estava incluída a possibilidade do retorno, porém com este brincar a criança vai significando

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isso e percebendo que o Outro que desaparece, retorna em algum momento, desaparecendo somente fisicamente por tempos limitados (RUDOLFO, 1990).

Segundo Jerusalinsky (2009), o brincar é sintoma constituinte do sujeito na infância. Com ele a criança produz resposta ao paradoxo temporal ao qual está confrontada: entre a antecipação simbólica – que situa, desde o inconsciente parental, seu lugar na filiação, sexuação e identificação – e a imaturidade real de seu corpo.

Para Winnicott (1975), o brincar diz respeito a saúde, facilita o crescimento, conduz aos relacionamentos grupais, ou seja, a socialização, pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia, uma forma de se comunicar com si mesmo e com os outros. É uma experiência criativa de espaço-tempo. Uma forma básica de viver que deve ser espontânea e não submissa. A criança traz para seu brincar fenômenos oriundos da realidade externa, usando-os a serviço de alguma amostra derivada da realidade interna ou pessoal. No brincar a criança manipula fenômenos externos escolhidos com significado e sentimentos oníricos. O mesmo implica confiança e pertence ao espaço potencial existente entre bebê e figura materna, com o bebê num estado de dependência quase absoluta e a função adaptativa da figura materna tida como certa pelo bebê. Por isso, o brincar envolve o corpo, devido a manipulação de objetos, alguns relacionados a excitação corporal. Para Winnicott (1975, p.77) “brincar, essencialmente, satisfaz”.

Para o autor, o brincar é algo bastante sério no que diz respeito à subjetividade. Além disso, o brincar faz parte de um conceito maior de grande importância para o desenvolvimento do sujeito: o espaço potencial, que segundo ele, é a inserção entre o mundo interno e a realidade externa. Enfatiza também a importância dos fenômenos e objetos transicionais.

Para Winnicott (1975), as experiências iniciais da vida são de extrema relevância para a vida adulta. Um exemplo se dá no brincar, é a experiência criativa que irá ter para o resto da sua vida, de início com o viver criativo, manifestado na brincadeira. Portanto, as primeiras experiências de um ser humano no mundo, tem uma ligação estreita com sua futura organização subjetiva. Uma das primeiras é a relação entre a mãe e o bebê. Segundo Winnicott, quando o bebê nasce, ele se

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encontra em um estado de dependência máxima. E o espaço potencial irá acontecer somente se o bebê tiver confiança máxima com a mãe.

Se o bebê, neste momento inicial, ainda não tem capacidade de se distinguir da mãe, ele também não se diferencia do mundo. Com isso, não há ainda a constituição do que costumamos chamar de mundo interno e mundo externo. Tudo, neste momento, está misturado (ROMÃO-DIAS, 2007). No momento que acontece a indiferenciação, uma dependência do bebê em relação à mãe, ocorre esta separação, havendo uma melhor diferenciação entre o eu e o mundo para a criança. Assim, diz Winnicott (1975, p. 78), chegará o tempo em que haverá um “mundo interno” e uma “realidade externa”. Antes de este momento chegar, no entanto, o psicanalista postula que o bebê se encontrará em um terceiro espaço, em uma espécie de interseção entre o mundo interno e realidade externa: o espaço potencial, que será constituído a partir do objeto e dos fenômenos transicionais (ROMÃO-DIAS, 2007).

Para a mesma autora, é no momento em que o bebê começa a estabelecer uma relação com algo que não faz parte do corpo dele, ou seja, um não-eu, que se inaugura o espaço potencial. Assim, “o objeto transicional e os fenômenos transicionais iniciam todos os seres humanos com o que sempre será importante para eles, isto é, uma área neutra de experiência que não será contestada” (WINNICOTT, 1975, p. 28-9). A seu ver, o espaço potencial, inaugurado pelos objetos e fenômenos transicionais propicia experiências sobre as quais nunca haverá perguntas do tipo: esse objeto foi criado por mim ou ele já fazia parte da realidade? Essas serão experiências que sempre ficarão entre o que faz parte do sujeito, seu mundo interno, o mundo das suas fantasias, e a realidade externa. Ainda assim, o bebê pode ter a ilusão de que foi ele quem criou esse objeto. Essa ilusão será importante para que, mais tarde, ele desenvolva sua criatividade (ROMÃO-DIAS, 2007).

O espaço potencial permite um certo alívio para o sujeito, que não precisa ver-se entre as exigências da realidade e as exigências de seu mundo interno. Sobre isso, Winnicott (1975, p. 28-29), diz que:

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Presume-se aqui que a tarefa de aceitação da realidade nunca é completada, que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade interna e externa, e que o alívio dessa tensão é proporcionado por uma área intermediária de experiência (...). que não é contestada (artes, religião, etc). Essa área intermediária está em continuidade direta com a área do brincar da criança pequena que se ‘perde’ no brincar.

Winnicott (1975) introduziu os objetos transicionais e os fenômenos transicionais para designar a área intermediária de experiência entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, entre o desconhecimento primário de dívida e o reconhecimento desta. Portanto, aquele objeto que a criança tanto manuseia, põe na boca, morde, acaricia, leva aonde ela for, é chamado de objeto transicional, segundo este autor. Podem não ser objetos, mas palavras, uma música antes de dormir, uma história, O autor traz que o bebê usa estes objetos para lidar com a sua ansiedade. Este objeto transicional vai sendo gradativamente deixado de lado assim que começam a surgir interesses culturais.

É dentre os objetos oferecidos pela mãe nessas circunstâncias que se estabelecerá um objeto transicional – como substitutivo do objeto do desejo que circula entre o bebê e a mãe e que permite uma metáfora de "este é o outro". Mas a transicionalidade, seja em torno de um objeto, seja enquanto um fenômeno transicional, só se instaura para a criança se, por sua vez, a mãe toma a criança como transicional para ela e não como a sua realização fálica definitiva. Somente assim haverá, entre um e outro, espaço para a circulação de objetos substitutivos (JERUSALINSKY,2009).

Para Winnicott (1975, p. 93), “é com base no brincar, que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem”, através deste, se experimenta a vida na área dos fenômenos transicionais, no entrelaçamento da subjetividade e da observação objetiva, e numa área intermediária entre a realidade interna do indivíduo e na realidade compartilhada do mundo externo.

Outro aspecto importante que se explora no brincar, segundo Winnicott (1975, p.79-80) é a criatividade, “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a crianças ou o adulto fruem sua liberdade de criação”, ou seja, podem expressar sua criatividade. Deve-se propiciar espaços para os impulsos criativos se constituem no brincar,

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através deste, impulsos motores e sensórios também irão se constituir. Assim, a criança não se torna introvertida e sim extrovertida. Segundo este autor “é através da percepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida” (WINNICOTT,1975, p. 95).

Em relação a isso Winnicott (1975, p. 100), traz:

O impulso criativo, portanto, é algo que pode ser considerado como uma coisa em si, algo naturalmente necessário a um artista na produção de uma obra de arte, mas também algo que se faz presente quando qualquer pessoa-bebê,criança, adolescente, adulto ou velho-se inclina de maneira saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa, desde uma sujeira com fezes ou o prolongar do ato de chorar como fruição de um som musical. Está presente tanto no viver momento a momento de uma criança retardada que frui o respirar, como na inspiração de um arquiteto ao descobrir subitamente o que deseja construir, e pensa em termos do material a ser utilizado, de modo que seu impulso criativo possa tomar forma e o mundo seja testemunha dele.

Para Jerusalinsky (2009) é por meio da dilatação imaginária3 em que se desenrola o faz-de-conta, que a criança ensaia respostas que a tiram de um lugar de passividade diante do Outro. Tal recurso psíquico torna possível uma esfera protegida para o exercício de uma atividade pela qual não é preciso se responsabilizar, afinal, do que é produzido dentro dessa esfera não se cobra valor de ato, é uma brincadeira. Dentro dela é possível matar, morrer, ser o mais ferrenho inimigo, enfrentar os maiores dilemas morais e depois sentar junto com o amigo para tomar o lanche.

Isso não tira a seriedade do brincar, na medida em que, com ele, a criança liga, elabora, faz série singular dos acontecimentos de sua vida. Brincar é sério porque possibilita articulações significantes diante de acometimentos do real, servindo-se para tanto da uma dilatação imaginária do como se (JERUSALINSKY, 2009).

Ao falar do brincar geralmente é neste período do faz-de-conta, do agora eu era, do como se, que se evoca: o marco do brincar simbólico, tempo em que a criança goza dos deslocamentos a que o significante dá lugar, das metáforas que

3 Segundo a autora Julieta Jerusalinsky (2009) é um recurso psíquico em que se desenrola o faz de conta. É um espaço protegido para o exercício de uma atividade pela qual a criança não precisa se responsabilizar, pois ao que é produzido dentro deste espaço não se cobra valor de ato, é uma brincadeira.

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ele possibilita e por meio das quais uma coisa pode ser tomada por outra – um pano pode virar capa; um pau de vassoura, cavalo; uma panela, a coroa. Na dimensão metafórica do faz-de-conta a criança goza dos jogos em que se projeta enquanto realizadora dos ideais-do-eu, buscando apropriar-se de traços identificatórios que lhe garantiriam encarnar o desejo do Outro. Se o desejo é o desejo do Outro, por meio de tal brincar a criança se joga, se lança a ocupar a posição de senhora do (seu) desejo (JERUSALINSKY, 2009).

O faz-de-conta é o tempo do brincar do vir-a-ser, o tempo de dar consistência à projeção imaginária de um futuro. É central para a constituição que este momento do brincar se produza e que se possa outorgar credibilidade a esta ficção, na medida em que ela é a materialização imaginária que dá ao sujeito a garantia ficcional de que poderá vir a ser. Fica evidente que, na produção do faz-de-conta, articula-se o desejo de ser grande– desejo em torno do qual se produz uma equivalência entre crescer, virar adulto e realizar o ideal-do-eu (JERUSALINSKY, 2009).

A autora Jerusalinsky (2009, p. 197), traz:

Brincar de faz-de-conta é uma produção que pode ser posta em cena de modo solitário ou ser compartilhada com outros parceiros, o que exige uma intensa negociação no estabelecimento dos argumentos e na distribuição de papéis. Para tanto, a criança precisará contar com certa abertura à alteridade, a fim de poder estabelecer de modo coletivo as vicissitudes das personagens, e também com certa mobilidade psíquica para poder mudar de posição no jogo com o parceiro – alternando os lugares filho-pai, filha-mãe, mau-bom, vítima-algoz – em prol de uma trama coletiva que se articula com e além de sua posição na cena. Por isso, brincar com pares, com semelhantes, é constituinte para a criança. Mas, na medida em que tais personagens e seus desenlaces fantasiosos são representantes dos próprios conflitos da criança e de sua tentativa de elaboração, ela precisará também partilhar esses conflitos psíquicos com seus companheiros de jogo, encontrar certo ponto de identificação e certa acolhida para eles na trama coletiva. Daí que as crianças também tenham preferências por certos companheiros de jogo para determinadas brincadeiras. A questão é que, seja com outros parceiros ou articulando solitariamente a trama dos diferentes personagens, no faz-de-conta a criança tece uma ficção de si mesma como possibilidade de vir a ser e enquanto resposta ao seu Outro.

Se, ao falar do brincar, frequentemente se evoca o faz-de-conta, é certo que tal produção não se mantém com a mesma força ao longo de toda a infância. Após certa elaboração, esse modo de brincar cede, pelo menos em parte, dando lugar ao

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interesse pelos jogos de regras, nos quais se estabelece a oposição entre vencedor-perdedor, certo-errado, justo-injusto, bem-mal (JERUSALINSKY, 2009).

Nestes jogos de regras, as normas preestabelecidas vêm lembrar que as realizações do ideal-do-eu exigem que se cumpra um papel em relação à lei. Apesar de que o brincar da criança continue não tendo o valor de um ato, os adultos, e até mesmo os colegas de brincadeira, demandam que ela observe a existência do "modo certo de jogar". Já não é qualquer coisa que vale simplesmente por estar articulada pelo bel-prazer de seus ensaios ficcionais de si (JERUSALINSKY, 2009).

Brincar, portanto, não é simplesmente transitar sem direção no gozo da infância. Brincar é o próprio trabalho de constituição do sujeito na infância, da inscrição da letra na borda entre gozo ao saber. Daí que se intervenha com e a partir do brincar na psicanálise com crianças, inclusive de crianças que ainda não acederam à fala – por serem ainda muito pequenas ou por, mesmo tendo idade para fazê-lo, estarem acometidas por psicopatologias que as impedem de tomar a palavra. Brincar, segundo esta perspectiva, assume não só a dimensão de uma posta em cena do inconsciente, mas a própria possibilidade, o próprio estabelecimento de inscrições constituintes do sujeito na infância. É um jogo no qual a criança joga com o deslocamento de posição entre ator e espectador de seu próprio drama deslocado a um marco ficcional (JERUSALINSKY, 2009).

A mãe, quando presente, durante os cuidados com o bebê, introduz brincadeiras prazerosas que extrapolam a pura satisfação das necessidades, assim como supõe um brincar por parte do bebê quando este realiza produções que levam a uma satisfação além da necessidade. Temos aí um primeiro tempo do brincar: um brincar que é suposto no bebê por parte da mãe. Isso fica evidente quando, diante do bebê já satisfeito que realiza uma sucção dispersa ao seio, a mãe afirma "agora está só de brincadeira!" e permite brevemente tal produção em lugar de interrompê-la bruscamente. Einterrompê-la não achata a pulsão oral sobre a ingestão de alimento nutritivo; ela a extrapola, brinca de morder as mãozinhas e pezinhos do bebê. Este é o bebê que depois se oferece à mãe como objeto apetitoso ao desejo materno, estabelecendo o terceiro tempo do circuito pulsional – de fazer-se comer, fazer-se olhar (JERUSALINSKY, 2009).

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Em relação aos tipos de brincar mencionados, para que os mesmos ocorram, é preciso de um Outro, pois é para este que a criança vai se direcionar. Como afirma Jerusalinsky (2009, p. 221):

É preciso que o Outro suponha, atribua à criança um saber sobre sua produção, para que a própria autoria da criança possa vir a se estabelecer. Por isso, consideramos central sustentar a dimensão equívoca "da criação da criança" para circunscrever o que se opera nos jogos constituintes do sujeito.

Nos cuidados que uma mãe dirige ao bebê, nos jogos que coloca em cena com ele, já está presente a estrutura da linguagem, a alternância presença-ausência, a alteridade, o estabelecimento da demanda e a suposição do bebê como sujeito. O bebê é suposto pela mãe como alguém que sabe e é por isso que ela pode outorgar um estatuto de fala às produções vocálicas e corporais do bebê, tomando-as na linguagem. Portanto, no brincar, a criança também irá se inserir no universo da linguagem (JERUSALINSKY, 2009).

Para Freud (1908), a criança leva muito a sério o brincar, empregando muita emoção. Apesar desta emoção, distingue perfeitamente da realidade, e gosta de ligar seus objetos e situações imaginadas as coisas visíveis e tangíveis do mundo real. O brincar da criança é determinado por desejos, um deles é o desejo de ser adulto, ser grande, por isso também imita os adultos em seus jogos e brincadeiras.

Portanto, entende-se que o brincar permite que a criança construa significações para situações que está vivenciando. Através dele pode-se trabalhar as angústias e emoções, ou seja, as experiências que a criança está vivenciando em sua vida e que não está conseguindo lidar. Deve-se proporcionar espaços de brincar para a criança, assim ela irá delinear a sua subjetividade e se estruturar psiquicamente. Além de desenvolver a sua psicomotricidade e se inserir no universo da linguagem. Com este capítulo percebeu-se que o brincar se inicia desde os primeiros anos de vida da criança, incluindo seus objetos transicionais e estas primeiras experiências iniciais irão marcar também a vida adulta. Logo, o brincar é constitutivo.

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Hoje o brincar está se modificando em consequência da tecnologia, conforme veremos no próximo capítulo. Mas será que essas mudanças afetam de alguma forma a organização psíquica da criança?

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3. A INFLUÊNCIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

No capítulo anterior vimos que o brincar é importante para a constituição do sujeito, através deste a criança pode trabalhar os aspectos psíquicos, motores e cognitivos. Porém, com o tempo este brincar foi se modificando. As crianças da atualidade tem outro jeito de brincar, imaginar, sofrer, pensar e construir a realidade infantil. O mundo mudou, e os brinquedos também. Hoje o fascínio está nos meios eletrônicos, uma realidade computadorizada, informatizada e digitalizada. A respeito disso que modificações ocorrem na constituição da criança que vive neste mundo?

Em relação a esta mudança, o autor Baumann (2003, p.15) traz que “seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da ‘modernidade fluida’ produziu na condição humana.”

O avanço da tecnologia trouxe uma grande mudança de comportamento em pessoas de todas as idades. Facilidades foram encontradas em equipamentos como eletrodomésticos, computador, celular e televisão, onde cada vez mais o homem se aproxima da modernidade e abre mão do trabalho braçal. A cada dia nos deparamos – família e educadores – com desafios e frustrações cada vez maiores na nossa tarefa de educar (FREITAS, 2015).

Silva (2012) alerta o quanto, na sociedade contemporânea o brincar vem se modificando, afastando as crianças das atividades lúdicas e criativas ao ar livre e confinando-as em recintos fechado, ladeadas pelos mais sofisticados equipamentos de diversão tecnológica. Há uma nítida sensação de que o brincar está se transformando em mero fast food, onde o objeto de brincar “plastificado” e robotizado supre momentaneamente o desejo de brincar, mas que, logo em seguida passa a ser substituído por outro desejo. As crianças são afastadas do seu direito de ser partícipe da sua própria história dentro de um ritmo frenético que a modernidade lhe impõe, afastando-as das interações com seu mundo e com a experiência da infância.

As brincadeiras que eram desenvolvidas coletivamente nas ruas, geralmente repassadas de geração para geração, (rodinha, ciranda, amarelinha, pé na garrafa,

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bandeirinha, cabo de guerra, taco, passa anel, pipa, peteca, pique esconde, cai no poço, pira alta etc.) foram aos poucos sendo substituídas pelos aparelhos eletrônicos (FREITAS, 2015).

Desse modo, as brincadeiras tradicionais estão desaparecendo com o avanço tecnológico que estimula nas crianças o consumo de brinquedos industrializados e o individualismo, elementos que comprometem a formação do imaginário infantil. Nesse sentido, a criança perde seu papel de produtora de uma cultura própria, a qual deveria se manifestar na brincadeira, com criatividade e ludicidade, para tornar-se um adulto que reproduzirá os valores dominantes da sociedade, tornar-sem refletir a realidade que está inserida, visto que, desde a infância, os sujeitos são preparados para a compreensão imediata e perdem o exercício da reflexão crítica com a banalização da cultura trazida pela robotização da vida humana (SILVA, 2012).

Os brinquedos industrializados retiram da criança o prazer da descoberta, criatividade, imaginação, coletividade e ludicidade. Estes produtos comprometem a autonomia social, pois levam a perda da capacidade de reflexão desde a mais tenra idade (SILVA, 2012). Conforme Benjamin (2002, p. 93), “quanto mais atraentes, no sentido corrente, são os brinquedos, mais se distanciam dos instrumentos de brincar; quanto mais ilimitadamente a imitação se manifesta neles, tanto mais se desviam da brincadeira viva”.

De acordo com Levin, (2007, p. 14):

A infância vive em nosso tempo, na atual civilização tecnológica, cercada por um fluxo incessante e multiforme de estímulos de muito diversa índole, imersa em um universo de imagens ao mesmo tempo sedutor e perturbador. As distintas expressões dos meios de comunicação invadem todos os aspectos e momentos da vida das pessoas, ocupando grande parte dos interesses e do tempo da população adulta e infantil.

Ao mesmo tempo em que as imagens são rápidas, estão em constante movimento, segundo Levin (2007), as crianças acreditam que elas dominam e comandam as imagens, quando na verdade estas é a que as dominam numa experiência individual e solitária. Nessas imagens a criança não precisa do outro, pois já tem algo pronto, que faz tudo.

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Segundo o mesmo autor, a tendência atual faz com que o conhecimento como um todo fique na dependência do objeto, de modo que não mais será necessário que a criança descubra e encontre aleatoriamente o mundo que a circunda, pois bastará a ela brincar com o objeto-brinquedo para conhecer e aprender, reagindo a todos os estímulos ali contidos. A partir desse momento, sem dúvida, o objeto banaliza a busca, o acaso e a ventura infantil (LEVIN, 2007).

A maioria dos brinquedos de hoje fazem tudo, as crianças compram pronto, os quais se movimentam, falam, não dando o prazer as crianças de montar, desmontar, enfim de criar seu próprio brinquedo de acordo com a subjetividade de cada um.

Os brinquedos industrializados não permitem às crianças majoritariamente, manipulá-los, explorá-los, criar e imaginar. As instruções e regras já vêm prontas, cabe à criança apenas executar as ações e não experimentar diferentes situações. A criatividade, imaginação é substituída no brinquedo que já vem pronto, que faz todo o processo imaginativo com a tecnologia. As experiências infantis com os brinquedos industrializados se resumem, sobretudo, à lógica do consumo em que a criança não exerce sua imaginação e criatividade (SILVA, 2012).

Com relação aos objetos de hoje que se movimentam sozinhos sem que o outro intervenha, Levin (2007, p. 25) afirma que “a criança é privada do prazer de brincar inventando, de criar encenando ao acaso, ficando então fixa, imóvel, estática, enquanto o objeto é que se movimenta, age, canta, brinca e faz por ela”.

Em consequência disso, o brinquedo passa a ocupar o lugar de sujeito da brincadeira e a criança torna-se objeto passivo/estático, diferente do que se via há tempos atrás na qual o brincar era um ato, portanto ativo, pois a criança criava seus brinquedos, os inventava. Hoje isso não acontece, não permite descobrir, criar e exercitar, paralisando assim o impulso da imaginação (LEVIN, 2007).

Diante das telas, a criança fica paralisada, sem ação, se tornando passiva ao que vê, ligando a mesma com uma rede de ideias, sentidos e imagens e sensações afetivas rápidas, não conseguindo instituir-se na historicidade infantil que a nomeia como sujeito (LEVIN, 2007).

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Diante desta “paralisação”, a curiosidade infantil deixa de passar pela encenação do corpo, descobrindo e inventando novas vivencias e experiências corporais-espaciais-temporais para ficar imobilizada, fixa nas telas que tendem a aplacar a criança, apaziguando-a e o pacificando-a em uma imagem sem afeto libidinal (LEVIN, 2007).

Para Silva (2012, p. 21), em relação a esta rapidez dos jogos virtuais percebe-se que:

A prerrogativa destes brinquedos tecnológicos é a habilidade manual que leva a rapidez de apertar botões para que a brincadeira se faça por si só. Só pelo toque dos dedos nos levam para determinadas escolhas ou níveis mais avançados de normas pré-estabelecidas num ciclo metonímico sem história a não ser uma sequência de ações e reações repetitivas.

Para a mesma autora, os brinquedos industrializados vão criando vida própria. Têm em si todas as possibilidades e controle sobre sua manipulação. A facilidade com que as crianças operam os objetos de brincar modernos alimenta o véu de imagens artificiais que hoje povoam a contemporaneidade com a mesma velocidade que ocorre o desinteresse da criança pelo brinquedo, afinal é o brinquedo quem manipula a criança e não mais a criança quem manipula seu brinquedo. Portanto, isso pode trazer consequências para a constituição da criança, comprometendo a produção do imaginário, da fantasia e a possibilidade de inventar da criança (SILVA, 2012).

Em relação a isso, Bach (2014, p. 38), comenta:

Na interação com o videogame, por exemplo, percebe-se que a imaginação da criança fica limitada pela reprodução dos circuitos já programados no jogo, ficando em contato com um universo imaginário sem historicidade e sem dramaticidade. Além disso, a evolução tecnológica possibilita a criação de uma realidade que não precisa referenciar-se no mundo externo: as representações dependem somente do código que as produz, sustentando-se, portanto, na nova realidade digitalizada. Desse modo, trata-se da criação de uma realidade abstrata, inexistente, que pode confundir as crianças.

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Pular de uma imagem para outra, dispor imagens simultaneamente, evitando qualquer tipo de pausa, tudo isso ocasiona nas crianças um modo de apropriação fragmentária, passageira, uma memória e um pensamento sem conteúdo, nem fundamento para além da própria realidade fractal (LEVIN, 2007).

Esta velocidade das imagens pode atordoar a memória infantil futuramente, num circuito exacerbado e ilusório do imediato (LEVIN,2007). Em relação a isso, Bach (2014) comenta que os entretenimentos lúdicos oferecidos às crianças (como a televisão, o computador e o videogame) também reproduzem o pensamento rápido de conexão, em detrimento da ressignificação e do pensamento de associação.

Outra questão apontada por Levin (2007, p. 142) é em relação a linguagem verbal:

Nós que trabalhamos com crianças achamos preocupante a diminuição de profundidade e volume da linguagem. A redução, a codificação, a síntese e a perda de sentido evidenciam a sua paulatina degradação. A linguagem visual compete agressivamente com a expressão linguística e está vencendo a disputa, em detrimento da riqueza verbal, corporal, gestual e escrita.

As novas tecnologias, a informática e as redes digitais causam, a alienação da criança que se apega a tela, que cria, recria uma realidade virtual pela qual a criança acaba sendo afetada (LEVIN, 2007).

A euforia das crianças é motivada pelo objeto-produto e não pelo vínculo, que por meio dele, elas possam estabelecer com o outro. Os adultos sentem-se bem porque compram produtos e brinquedos, mas não tem tempo de brincar com as crianças. Se dá então a solidão material da coisa-brinquedo (LEVIN, 2007).

A lógica da exclusão pela tecnologia digital-informática inutiliza a entrada em cena do corpo e a sensibilidade das descobertas da criança, que abrem, ampliam e geram o universo infantil. O ato de brincar como apropriação subjetiva fica questionada por essa lógica. A criança acaba pensando e sentindo através de

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imagens que são mostradas a elas na tela. As crianças constroem pensamentos e experiências em solidão e imobilidade impostas pelas imagens (LEVIN, 2007).

Nesta realidade, as crianças brincam cada vez menos e os brinquedos se constituem em objetos de valor, de posse e hierarquia. São brinquedos para possuir e não para brincar, pois não despertam a diversidade encantada da ficção e os mundos imaginários da infância em cena (LEVIN, 2007).

Tudo isso deixa marcas que descaracteriza a curiosidade infantil, pois a criança não pode inovar e nem construir sua própria história, ficando limitada a se repetir no caminho que a imagem lhe propõe. A criança sente prazer em fabricar e ver que aquilo que ela fez com suas próprias mãos, isso produz um sentido. Um pedaço de pau pode virar um cavalo que pode falar, voar, comer e lutar. Um pedaço de papel pode virar um avião, e quando ela vê seu funcionamento, sente prazer nisso, criando fantasias e imaginações com aquele real. É uma verdadeira imaginação ficcional viva, ao criar esses brinquedos a criança é ativa sobre eles (LEVIN, 2007).

Já nos videogames a criança não coloca o corpo em cena, não cria os objetos, já vem prontos na tela, se movem sozinhos, falam sozinhos, podendo esterilizar o desejo infantil sobre a imagem, não que não exista uma representação, mas algo sem afeto (LEVIN, 2007).

A criança coloca nos brinquedos todo o seu amor, localizando neles a ânsia irrefreável de ser amada, e toda a fantasia se concentra em torno dessa verdade que ela deseja conquistar. Para isso, incessantemente, ela atravessa os domínios da imaginação e passa para o outro lado, onde, de maneira engenhosa, procura achar o que, sem perceber, ela própria inventa. (LEVIN, 2007, p. 55).

A subjetividade da criança e de todos os que a rodeiam pode ser influenciada pelos apelos publicitários e reconfiguradas pela indústria do brinquedo digital. O conteúdo imaginário do jogo já está dado: como usar um Ipod, o que faz um MP3, quais as fases de um game, seus personagens e cenários. A brincadeira da criança passa a estar determinada pelo brinquedo e agora, talvez, sem a possibilidade de

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transcendê-lo (MARTINS, 2007). Sendo assim, a criança não consegue criar seu modo de jogar, descobrir o funcionamento dos jogos, pois tudo está ali explicado.

Segundo a autora, as relações estabelecidas nos jogos virtuais, diferentemente das formas que delineiam o jogo numa relação pessoal, possibilitam maior capacidade de se projetar de forma ideal, formando uma personalidade altamente narcísica, que poderá acarretar num sofrimento frente ao inatingível nível de exigência que o indivíduo terá em suas atividades.

Também em relação aos jogos, Silva (2012) defende que os games e os jogos virtuais não tem a mesma dimensão simbólica que a brincadeira com carrinho, boneca ou cacarecos que atraem tanto as crianças, pois não exigem a presença do outro ou mesmo a materialidade do objeto de brincar. É como se houvesse um processo de apagamento do elemento presencial da relação do brincar e brinquedo.

As fábricas de brinquedos acompanham os efeitos tecnológicos especiais, filmes, roupas, músicas, cosméticos, alimentos, artigos de papelaria, entre outros, para assim produzirem mercadorias que estão demandando deste universo infantil consumista.

O segredo do produto consiste em fazer com que a criança se reconheça nos objetos oferecidos e que se fale deles, isto é, que funcionem como espelhos de uma só face, induzindo novamente a consumir, compartilhando o sucesso (LEVIN, 2007).

Em relação a este consumo, Silva (2012) afirma que os princípios mercantis da lógica do consumo e os condicionamentos sociais não se limitam ao mundo adulto, atingem o imaginário infantil naturalizando, assim, o modelo social dominante. Desta maneira, as experiências e o cotidiano das crianças vêm se alterando na sociedade contemporânea, com a cultura do consumo adquirindo centralidade nas atividades das crianças.

Segundo a mesma autora, a sociedade capitalista está organizada para a produção e geração de lucro, a indústria do brinquedo e produtos voltados para o universo infantil não fogem à regra. Todavia, não se trata de negar os brinquedos industrializados, mas compreender como os mesmos retiram das crianças a dimensão da criatividade, coletividade, do lúdico e da educação, predispondo a um adestramento do seu imaginário à constituição de subjetividades adaptadas à

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reprodução deste modelo de organização social. Diante das propagandas pela mídia, as crianças ganham o brinquedo desejado que logo em seguida é substituído por outro que veem na propaganda, como vimos anteriormente. Desta forma, são seduzidos para querer sempre a novidade e para o consumo imediato, o que compromete a autonomia humana (SILVA, 2012).

A transformação do brinquedo industrializado é marcada pelo seu efeito colateral: o distanciamento entre as crianças e adultos. Se antes os brinquedos eram peças construídas artesanalmente em um processo que ligava pais e filhos, agora não há mais necessidade da participação de qualquer deles na produção do objeto de brincar, a indústria faz este papel de forma mais contundente e atrativa (SILVA, 2012).

Para Benjamin (2002, p.93) “quanto mais atraentes no sentido corrente, são os brinquedos, mais se distanciam dos instrumentos de brincar; quanto mais ilimitadamente a imitação se manifesta neles, tanto mais se desviam da brincadeira viva”.

Uma das coisas que mais chamam nossa atenção hoje em dia é a escassa e às vezes nula a possibilidade de fantasiar das crianças que passam horas grudadas nas telas. Levin (2007) cita Roland Barthes, o qual diz que a fantasia é o reino do símbolo. A incapacidade de fantasiar resulta da dificuldade em simbolizar, em representar; cria-se assim um paradoxo: longe de dar lugar a sentidos multívocos, a imagem enclausura o sentido ocasionado uma “surdez” e uma “cegueira” que impedem a criação simbólica.

Portanto, a cultura contemporânea não destrói o elemento infantil, mas afeta-o e afeta-o cafeta-ondiciafeta-ona pafeta-or que cria um afeta-outrafeta-o universafeta-o imagináriafeta-o, tendafeta-o a cafeta-omunicaçãafeta-o digital como meio, a imagem como causa e a velocidade elétrica como efeito.

A realidade virtual-digital sem tempo altera a legalidade espacial e corporal; nessa simulação, a criança pode confundir sujeito e objeto, vida e morte, realidade e fantasia, verdade e mentira. Em tais casos, a ficção desaparece, ganha status e estrutura de verdade, não ilustra nem substitui, é verdadeira e plena e apaga o desejo (LEVIN, 2007, p. 149).

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As crianças representam seus problemas, quando lhes é permitido, dramatizando sua angústia num espaço de ficção. Por isso encenam, brincam, representam o nascimento, a morte, a violência, a paz, a guerra, querem ser “gente grande” (pais) e voltar a ser bebês (filhos), entre outras brincadeiras (LEVIN, 2007).

Quando a criança não pode simbolizar no brincar estas representações, ela utiliza o corpo em forma disso, daí então, muitas vezes se originam sintomas (LEVIN, 2007).

A imagem do corpo é sempre algo diferente do que aparece na tela, não é algo real e sim fictício e sabemos que a criança necessita do outro para se constituir, para se identificar, para construir uma realidade. Vimos muitas brincadeiras nas quais as crianças imaginam ser o outro, o pai, a mãe, o amigo.

A vida da imagem corporal sustenta-se na ficção cênica do ato de brincar. As crianças fazem o esforço de pôr em cena o que lhes espanta, seus temores e medos, fazendo de conta que são monstros, bichos, bruxas, tentando assustar o Outro. Ela entra e sai deste cenário para lidar com seus medos. Por isso a criança não brinca só por brincar. Ela brinca para inventar, se divertir e também pelo que lhe causa horror, o que não compreende e lhe assusta, assim a mesma pode trabalhar com seus medos através do brincar. E também usa o Outro nisso, segurando a mão, pedindo um abraço como recurso (LEVIN, 2007).

Mas e quando ela não tem esse Outro? Será que nas telas, nos meios eletrônicos ela tem este recurso. Hoje existem muitos jogos assustadores que muitas vezes as crianças brincam por ser algo perigoso e proibido e acabam não trabalhando seus medos diante disto.

Em relação ao não ter este Outro a criança perde suas coordenadas seus limites, desabitando a imagem corporal e esquema corporal. A criança fica sujeita a mobilidade imóvel da tela, sem legalidade simbólica, a imagem passa a agir (LEVIN, 2007).

Perde-se então a volátil identidade do corpo, desligando a imagem corporal, identificadas como imagens da tela, se separam do corpo carnal, do esquema corporal, desconectando-se das coordenadas espaciotemporais que organizam e

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