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Movimentos sociais e redes digitais: as microresistências dos novos atores políticos e sociais na efetivação da cidadania brasileira

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Curso de Mestrado em Direitos Humanos

ALINE ANTUNES GOMES

MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES DIGITAIS: AS MICRORESISTÊNCIAS DOS NOVOS ATORES POLÍTICOS E SOCIAIS NA EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA

BRASILEIRA

Ijuí 2016

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ALINE ANTUNES GOMES

MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES DIGITAIS: AS MICRORESISTÊNCIAS DOS NOVOS ATORES POLÍTICOS E SOCIAIS NA EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA

BRASILEIRA

Dissertação apresentada ao Curso de mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Profa. Dra. Vera Lucia Spacil Raddatz

Ijuí (RS) 2016

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Catalogação na Publicação

Zeneida Mello Britto CRB10/1374 G633m Gomes, Aline Antunes.

Movimentos sociais e redes digitais: as microresistências dos novos atores políticos e sociais na efetivação da cidadania brasileira / Aline Antunes Gomes. – Ijuí, 2016. –

137 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientadora: Vera Lucia Spacil Raddatz”.

1. Cidadania. 2. Direitos humanos. 3. Internet. 4. Movimentos sociais. 5. Redes digitais. I. Raddatz, Vera Lucia Spacil. II. Título. III. Título: As microresistências dos novos atores políticos e sociais na efetivação da cidadania brasileira.

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UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES DIGITAIS: AS MICRORESISTÊNCIAS DOS NOVOS ATORES POLÍTICOS E SOCIAIS NA EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA

BRASILEIRA

elaborada por

ALINE ANTUNES GOMES

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Vera Lucia Spacil Raddatz ____________________________________

Prof. Dr. Rafael Santos de Oliveira (UFSM): ________________________________

Prof. Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth (UNIJUÍ): _________________________

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Dedico este trabalho aos meus pais, sempre incansáveis na realização dos meus sonhos.

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A concretização desse trabalho não seria possível sem a compreensão e a ajuda das pessoas que são indispensáveis em nossas vidas. Por isso, agradeço a Deus por poder concluir essa etapa profissional e pela convivência com pessoas tão especiais. Aos meus pais dedico não apenas este trabalho, mas também todo o meu amor, pois não existem palavras suficientes para agradecer os esforços que vocês sempre dedicaram em prol dos meus sonhos, objetivos e felicidade. Com certeza, sem o apoio e carinho de vocês esse trabalho não seria possível.

Aos meus irmãos, Rodrigo e Laura, a minha cunhada Marilda, ao meu namorado Yuri, ao sobrinho Murilo, a afilhada Clara, a comadre Elenita, a tia Vitória e aos demais familiares e amigos, agradeço o companheirismo que fizeram com que esses dois anos não fossem voltados somente para a pesquisa, assim como o apoio para trilhar o caminho da docência.

A minha orientadora professora Vera, agradeço todos os conselhos, contribuições, indicações e conversas que tivemos ao longo desse tempo. Admiro a professora e pessoa incrível que a senhora é, sempre disposta a me ouvir e ajudar.

Agradeço a oportunidade concedida pelo Programa de Pós-graduação em Direito da UNIJUÍ de cursar o Mestrado em Direitos Humanos, tão importante para a reflexão acerca do contexto atual em que vivemos, assim como a bolsa parcial concedida que foi indispensável para a realização do curso.

Aos professores do programa, agradeço pelas contribuições e conhecimentos transmitidos ao longo desses dois anos. O comprometimento, a responsabilidade e o amor que vocês demonstram pela docência são exemplos a serem seguidos por todos os mestrandos.

Agradeço também a parceria e o companheirismo dos colegas e amigos do curso, que não compartilharam apenas bons momentos, mas também as angústias e as inúmeras horas de pesquisa. Em especial, ao Luciano que sempre esteve comigo nessa jornada; a Daniela que se mostrou uma ótima amiga e a Luana, minha companheira de sempre e uma amiga incrível.

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“Quando alguma coisa nos indigna, como fiquei indignado com o nazismo, nos transformamos em militantes; fortes e engajados, nos unimos à corrente da história, e a grande corrente da história prossegue graças a cada um de nós. Essa corrente vai em direção de mais justiça, de mais liberdade, mas não da liberdade descontrolada da raposa no galinheiro. Esses direitos, cujo programa a Declaração Universal redigiu em 1948, são universais. Se você encontrar alguém que não é beneficiado por eles, compadeça-se, ajude-o a conquista-los”.

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A cidadania, cuja origem remonta ao período da Antiguidade Clássica, assumiu na Idade Moderna uma concepção universal e igualitária, inspirada, principalmente, pelos ideais revolucionários americanos e franceses. Representa uma luta evolutiva constante, que teve o pontapé inicial no século XVIII, na conquista dos direitos civis, passando pelos direitos políticos, sociais, de solidariedade e de busca pela paz. Porém, foi a partir da segunda metade do século XX, no período posterior aos horrores vividos nas duas grandes guerras mundiais, que a discussão em torno dessa temática ganhou maior espaço nas agendas políticas nacionais e internacionais, tendo em vista a necessidade de contenção das violências aos direitos humanos e fundamentais. Contudo, a pauta de discussão somente se tornou aberta para a população com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, em especial após o desenvolvimento da segunda geração da Web, que impulsionou a formação de microesferas públicas abertas de discussão, tornando visível muitos conflitos até então ocultos e levando os sujeitos a refletirem sobre os problemas enfrentados pelas sociedades atuais. Com isso, a formação de grupos sociais organizados e de ativistas

online foi crescendo gradativamente, engajando um número cada vez maior de

sujeitos, no qual o objetivo não é apenas sair às ruas para reivindicar respostas para as demandas sociais, mas também opor resistência aos poderes institucionalizados e hegemônicos. Eclodiram, assim, os movimentos da Primavera Árabe, o movimento dos indignados na Espanha, a Revolução das panelas na Islândia, o Occupy Street nos Estados Unidos, e os movimentos de junho de 2013 e março de 2015 no Brasil. Em razão disso, a pesquisa que é qualitativa e utiliza como método de abordagem o hipotético-dedutivo e como método de procedimento o histórico, possui o objetivo de analisar a contribuição desses movimentos que se originam a partir das redes digitais e o papel dos novos atores políticos e sociais na efetivação da cidadania brasileira. Para isso, apresenta-se na segunda seção uma evolução histórica acerca da cidadania, da formação do espaço público e dos movimentos sociais no Brasil, assim como dos principais movimentos sociais em rede. Na terceira seção, é analisado o desenvolvimento das redes de computadores, da internet e das novas formas comunicacionais, das microesferas públicas de discussão e das conexões identitárias que servem de elo para o engajamento dos indivíduos. E na quarta seção, discute-se o ativismo praticado nas redes digitais, as limitações trazidas pelo controle e vigilância dos dados e os desafios que o direito precisa enfrentar nesse contexto, para que, a partir disso, seja possível delimitar a formação de uma nova classe social que abarca toda a diversidade de sujeitos da sociedade atual e se movimenta em prol da garantia dos direitos humanos e fundamentais.

Palavras-Chave: Cidadania; Direitos humanos; Internet; Movimentos sociais; Redes

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Citizenship, which dates back to the period of antiquity, took the Modern Age universal and egalitarian conception, inspired mainly by American and French revolutionary ideals. Is a constant evolutionary struggle that took the kickoff in the eighteenth century, the conquest of civil rights, through the political, social rights, solidarity and the search for peace. However, it was from the second half of the twentieth century, in the period after the horrors experienced in the two world wars, the discussion on this theme has gained more space in national and international political agendas, in view of the need to contain the violence human and fundamental rights. However, the discussion agenda only became open to the public with the advent of new technologies of information and communication, especially after the development of the second generation of the Web, which boosted the formation of open public microsphere discussion, making visible many conflicts hitherto hidden and leading the subjects to reflect on the problems faced by today's societies. Thus, the formation of organized social groups and online activists was growing gradually, engaging a growing number of subjects in which the goal is not only to the streets to demand answers to social demands, but also to resist the powers institutionalized and hegemonic. Hatched thus the movements of the Arab Spring, the movement of the indignados in Spain, the Revolution of the pots in Iceland, the Occupy Street in the United States, and the movement of June 2013 and March 2015 in Brazil. As a result, the research is qualitative and uses as a method of approach the hypothetical-deductive and as the historical method of procedure, has the objective to analyze the contribution of these movements that originate from digital networks and the role of new actors political and social effectiveness in the Brazilian citizenship. For this, it is presented in the second section a historical evolution about citizenship, the formation of public space and social movements in Brazil, as well as major social movements in the network. The third section analyzes the development of computer networks, the Internet and new forms of communication, public microsphere discussion and identity connections that serve as the link to the engagement of individuals. And the fourth section discusses activism practiced in digital networks, the limitations brought about by the control and monitoring of the data and the challenges that the right needs to face in this context, that from this it is possible to identify the formation of a new social class that embraces the diversity of subjects of contemporary society and move towards the guarantee of human and fundamental rights.

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1 INTRODUÇÃO ... 10

2 CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ... 14

2.1 Origens e concepções sobre cidadania ... 14

2.2 A formação da esfera pública como base para a cidadania brasileira ... 33

2.3 Contextualização dos movimentos sociais pela cidadania no Brasil... 39

2.4 Movimentos sociais em rede: uma perspectiva dos principais protestos que se originaram a partir da internet ... 47

3 SOCIEDADE DIGITAL: INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM REDE ... 53

3.1 Era computacional: o desenvolvimento das redes de computadores e a construção da internet ... 53

3.2 As formas de comunicação desenvolvidas com o advento da Web 2.0 e da mídia participativa ... 60

3.3 A formação de uma nova esfera pública a partir da internet ... 67

3.4 As conexões identitárias como mecanismo de potencialização das relações formadas na rede ... 77

4 O CIDADÃO NA REDE: SER POLÍTICO, SOCIAL E CULTURAL ... 84

4.1 Ativismo em rede e participação social: em busca de motivações políticas para o engajamento dos indivíduos ... 84

4.2 Limites ao acesso nas redes: vigilância, disciplina e controle em uma sociedade hiperpanótica ... 93

4.3 A multidão nas redes digitais: em busca de atores locais ou globais ... 104

4.4 Os desafios do direito frente às redes digitais e os novos atores sociais ... 111

5 CONCLUSÃO ... 119

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A sociedade da informação representa hoje uma realidade com alcance global, especialmente em razão das proporções assumidas pelas tecnologias de informação e comunicação, que cresceram gradativamente na última década, aumentando o número de pessoas que se mantêm conectadas às redes digitais. A internet passou a representar o principal meio de comunicação social, em que os usuários informam e se informam acerca de todos os acontecimentos. Não há limites geográficos para o acesso, que já é considerado pela Organização das Nações Unidas um direito humano básico e uma garantia para o exercício dos direitos civis, políticos e sociais.

O aumento das interconexões em rede possibilitou também uma alteração no processo de comunicação entre os indivíduos, que passou de unidimensional, caracterizada pela relação entre um emissor e um ou vários receptores, para multidimensional, em que vários emissores e receptores podem interagir ao mesmo tempo. Isso propiciou o surgimento de uma mídia participativa, destinada não apenas para a disseminação de informações, mas também para a produção, emissão e compartilhamento de conteúdos; e incitou a formação de microesferas públicas híbridas de discussão, capaz de mobilizar os usuários em prol de diferentes causas.

Em razão dessa revolução da informação e dos novos contornos que a esfera pública aderiu na internet, a cidadania, cuja origem remonta ao período da Antiguidade Clássica, passou a conceber uma forma diferente de ser exercida: por meio dos movimentos sociais em rede. As redes sociais e os blogs passaram a ser protagonistas do ativismo online e da organização dos movimentos e protestos levados para as ruas, cuja finalidade principal é lutar pela garantia dos direitos humanos e fundamentais, pelo exercício da cidadania e por melhores condições de vida.

Eclodiram, assim, os movimentos da Primavera Árabe, o movimento dos indignados na Espanha, a revolução das panelas na Islândia, o Occupy Street nos Estados Unidos e os movimentos de junho de 2013 e março de 2015 no Brasil. Todos eles marcados pela organização e cobertura a partir das redes digitais, assim como pelo engajamento dos cidadãos em prol de modificações econômicas, políticas e culturais, pela

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indignação frente às constantes violências sofridas e pela esperança de que o empoderamento coletivo pode servir de base às revoluções democráticas.

Com isso, denota-se a formação de novos atores políticos e sociais, que nascem a partir das interações públicas online e tem o objetivo de opor resistência aos poderes institucionais, de forma a potencializar a vida e utilizá-la como instrumento de transformação social. E o diferencial desses atores não está apenas nas lutas organizadas a partir das redes, mas também na possibilidade de gerar mudanças para além dos espaços nacionais, pois o fio impulsionador dos protestos está na identificação dos indivíduos com os conflitos e violências vividas por outras localidades ou Estados.

Nesse contexto, o problema de pesquisa aponta para os seguintes questionamentos: Qual a contribuição dos movimentos sociais organizados a partir das redes digitais para a efetivação da cidadania brasileira e como a resistência dos novos atores políticos e sociais se desenvolve nas microesferas públicas formadas a partir da internet.

Em razão disso, a pesquisa tem como objetivo geral analisar a contribuição dos movimentos sociais em rede para a cidadania brasileira e (re)pensar o papel dos novos atores políticos e sociais que estão emergindo dessas lutas. Se há possibilidade de que uma nova classe social, definida por Hardt e Negri (2004) como multidão, seja formada para representar esses atores e os diversos grupos sociais que caracterizam a sociedade atual.

Assim, na segunda seção, cujo objetivo é delimitar o desenvolvimento da cidadania, do espaço público, dos movimentos sociais tradicionais e dos movimentos sociais em rede, será apresentada uma evolução histórica geral e do Brasil acerca da cidadania, assim como o desenvolvimento do espaço público no cenário brasileiro, dos movimentos sociais tradicionais que contribuíram para a formação democrática do Estado e dos movimentos que se originaram a partir das redes digitais, em especial os movimentos da primavera árabe, da Espanha, Islândia, Estados Unidos e Brasil. Para isso, utiliza-se como referência base as obras de Pinsky (2003), Carvalho (2010), Bedin (2002), Bobbio (1992), Gohn (2001) e Castells (2013).

A terceira seção busca construir uma perspectiva acerca do surgimento da internet e de como ela possibilitou a formação de uma nova esfera pública e novas formas de comunicação e participação. Dessa forma, o primeiro tópico faz uma abordagem sobre o desenvolvimento das redes de computadores e da internet, a partir de Carvalho (2006),

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para que com isso seja possível trabalhar com as formas de comunicação desenvolvidas a partir da segunda geração da Web e da mídia participativa, e com a formação de microesferas públicas de discussão online, objetos de estudo do segundo e terceiro tópico, respectivamente, e trabalhadas por Lemos e Lévy (2010), Martino (2014), Habermas (1997) e Primo (2007). Por fim, são apresentadas, conforme o Comitê Gestor da Internet no Brasil (2015), Hall (2006) e Giddens (1991 e 2002) as limitações que o país possui na garantia do acesso às redes para toda a população, bem como a importância das conexões identitárias para a potencialização das relações formadas na internet, tendo em vista que o engajamento dos indivíduos só ocorre por meio de suas identificações com as causas que estão nas pautas de discussão.

Já a quarta seção discute o papel dos atores que se originam a partir dos movimentos sociais em rede e os limites e potencialidades que eles enfrentam no exercício dos seus direitos. Em razão disso, a abordagem inicial tem como foco o ativismo que o cidadão pratica na rede enquanto ser político social e cultural, para que em seguida possa ser analisado, conforme Foucault (1979), Bauman (2014) e Bruno (2006 e 2008) os limites que a vigilância, a disciplina e o controle podem exercer em uma sociedade digital pós-pan-ótica. Com isso, questiona-se a construção, segundo Hardt e Negri (2004) e Pelbart (2011) de uma nova classe social capaz de opor resistência aos poderes institucionalizados e ao poder sobre a vida, assim como o alcance local e/ou global dos novos atores políticos e sociais, para, enfim, ser apresentado os desafios do direito brasileiro frente as redes digitais e esses novos atores, especialmente a partir do disposto do Marco Civil da Internet, que entrou em vigor em 2014, da Constituição Federal de 1988 e do posicionamento de Boaventura de Sousa Santos (2014).

Em razão da estrutura apresentada, a pesquisa é classificada como qualitativa, com método de abordagem hipotético-dedutivo e método de procedimento histórico. Justifica-se como pesquisa qualitativa porque busca, a partir da análise dos processos sociais, políticos e culturais, descrever, compreender e interpretar um problema determinado: se a resistência dos novos atores políticos e sociais que se constituíram pelos movimentos sociais organizados a partir das redes digitais contribui para o exercício da cidadania brasileira.

Já o método de abordagem hipotético-dedutivo é utilizado na pesquisa em razão da apresentação de inferências dedutivas como forma de testar a hipótese em discussão: a internet representa uma nova configuração da esfera pública e potencializa o exercício

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da cidadania a partir da resistência oposta pelos movimentos sociais em rede. Hipótese essa que se confirma como verdadeira no decorrer da conclusão do trabalho, apesar de ainda sofrer limitações, tanto pelos desafios que o direito precisa enfrentar na efetivação dos direitos de cidadania, quanto pela falta de um acesso universal às redes digitais, que facilita a criação de grupos que permanecem à margem das informações e discussões que ocorrem no espaço online, e acaba priorizando os interesses das oligarquias virtuais. Em relação ao método de procedimento histórico, justifica-se sua utilização na pesquisa em razão da necessidade que o texto possui em apresentar uma perspectiva histórica tanto da cidadania, quanto dos movimentos sociais e do desenvolvimento da internet, para que, com isso, seja possível um acompanhamento evolutivo dos objetos mencionados, bem como a contribuição deles para a construção dos processos socioculturais atuais.

Por fim, ressalta-se que a pesquisa, cuja área de concentração é voltada para os direitos humanos, se enquadra na linha de pesquisa Direitos humanos, relações internacionais e equidade do Programa de pós-graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), tendo em vista que busca discutir e (re)pensar a efetivação da cidadania brasileira a partir da resistência que os novos atores políticos e sociais que se originam dos movimentos sociais em rede tem oposto no contexto atual de constantes violações aos direitos humanos e fundamentais.

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1 CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL 1.1 Origens e concepções sobre cidadania

A cidadania tem assumido, ao longo da história, diferentes formas de manifestação, em razão dos diversos contextos culturais e sociais vividos pela sociedade. O monoteísmo ético, que é a base das grandes religiões ocidentais (cristianismo, islamismo e judaísmo) e encontrou sua expressão no período de decadência da monarquia hebraica com a separação nos reinos de Judá, ao sul, e Israel, ao norte, foi provavelmente a “primeira expressão documentada e politicamente relevante” da cidadania (PINSKY, 2003, p.17).

O povo hebreu, segundo Cotrim (2010), tem origem no clã de Abraão, que nasceu no século XX a.C. e vivia em Ur, no sul da Mesopotâmia. Até meados do século X a.C., o povo organizava-se por meio de um sistema tribal (12 tribos), sem um poder central e sem a hierarquização da sociedade. A liderança ficava nas mãos dos juízes, que exerciam papel tanto nas desavenças ocorridas nas tribos quanto nas questões ligadas as guerras. A unificação desse sistema ocorreu apenas no reinado de Davi, quando foi instituída a monarquia e criado o Estado hebreu da Palestina, tendo como capital Jerusalém. O apogeu monárquico, no entanto, foi desenvolvido no reinado de Salomão, filho de Davi. Porém, a aceitação deste sistema de governo pelo povo não durou muito tempo, tendo em vista que impulsionou o surgimento de grandes desigualdades sociais; situação que só piorou com a divisão dos reinos, já que houve o enfraquecimento político e econômico do poder e restou uma alta conta de taxas e impostos a ser sanada pelo povo (CORRÊA, 2010).

Amós e Isaías foram os dois profetas sociais de grande importância nesse período, pois desenvolveram suas doutrinas a partir das desigualdades e injustiças vividas pela população. Para Pinsky (2003, p. 27), foi a primeira vez, “desde que o mundo era mundo”, que o “grito dos oprimidos e injustiçados” foi ouvido. Amós teve a coragem de dizer “quais os caminhos que a sociedade deveria tomar para superar a injustiça e criar uma sociedade de pessoas com direitos individuais e sociais”. Foi um rompimento com o ritualismo tradicional e as bases da monarquia hebraica, que culminou em uma longa caminhada em prol da cidadania.

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Em um sentido clássico, os primórdios da cidadania estão associados à formação das cidades-estados1 e à concepção política desenvolvida no período da Antiguidade, na

Grécia e em Roma, no espaço temporal que compreende os séculos VIII a.C. até o século V d.C. Na Grécia, em que predominava um sistema basicamente rural, com domínio da aristocracia sobre os demais segmentos da população, a primeira tentativa de desenvolver uma teoria sistemática acerca do assunto foi de Aristóteles (1985, p. 1253a), na obra Política, que traz uma definição de cidadão integral aliada ao direito de administração da justiça, ao exercício das funções públicas e aos privilégios da cidade, especialmente em razão da máxima afirmada pelo autor de que o homem é um “animal social”.

A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto de uma autossuficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo que já tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhes proporcionar uma vida melhor (…). Essas considerações deixam claro que a cidade é uma criação natural e que o homem é por natureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade, (…) e se poderia compará-lo a uma peça isolada do jogo de gamão (ARISTÓTELES, 1985, p. 1253a).

Isso demonstra que a realização plena do homem, para Aristóteles (1985), está na própria Pólis, pois se caracteriza como o espaço em que o cidadão é capaz de dar vazão às suas potencialidades e associar-se aos seus semelhantes, não só para a satisfação dos seus desejos imediatos, como alimentação, reprodução e proteção, mas também para a prática das ações voltadas para a cidadania.

Em Atenas2, a cidadania era o grande objetivo a ser alcançado, pois era por meio

dela que os direitos eram garantidos e a participação na vida pública poderia ocorrer de maneira efetiva (ZEIFERT, 2004, p. 73). “Pertencer à comunidade era participar de todo um ciclo próprio da vida cotidiana, com seus ritos, costumes, regras, festividades, crenças e relações pessoais” (GUARINELLO, 2003, p. 35).

Contudo, tratava-se de uma cidadania limitada, que foi criada em meio a um processo de exclusão, pois somente uma parcela da população poderia participar do

1 “Território agrícola composto por uma ou mais planícies de variada extensão, ocupado e explorado por

populações essencialmente camponesas, que assim permaneceram mesmo nos períodos de mais intensa urbanização do mundo antigo” (GUARINELLO, 2003, p.32).

2 A partir do século VIII a.C., formaram-se diversas cidades-estados independentes na Grécia Antiga, como

Messênia, Tebas, Mégaria e Erétria. Contudo, as que mais se destacaram, especialmente pela liderança que apresentavam na época, foram Atenas e Esparta (COTRIM, 2010).

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governo. As mulheres, os escravos e os estrangeiros não detinham esse direito (KARNAL, 2003).

Fustel de Coulanges (1981, p. 204) na sua obra A cidade antiga, escrita no século XIX, ressalta a conexão existente entre a cidadania e a participação no culto da cidade.

(…) se quisermos definir o cidadão dos tempos antigos pelos seus atributos mais essenciais, devemos dizer ser cidadão todo homem que segue a religião da cidade, que honra os mesmos deuses da cidade, aquele para quem o arconte ou prítane oferece, em cada dia, o sacrifício, o que tem o direito de aproximar-se dos altares e, podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias, assiste às festas, segue as procissões e participa dos panagíricos, participa nas refeições sagradas e recebe uma parte das vítimas. Também esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadãos, jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater.

Assim, é a partir dessa conexão entre cidadania e participação no culto da cidade que era possível definir, na Grécia, quais as pessoas que seriam incluídas e excluídas dos direitos civis e políticos. Renunciar ao culto implicava uma renúncia de direitos e a ausência da caracterização como cidadão, como no caso dos estrangeiros, que não eram reconhecidos como cidadãos, principalmente, pela diferença de religião (ZEIFERT, 2004). Norberto Guarinello (2003) afirma que a cidadania antiga inicialmente era transmitida por vínculos sanguíneos, de geração em geração. Porém, com a expansão dos territórios, a composição se tornou mais mista, pois algumas cidades-estados passaram a ser habitadas por indivíduos de diferentes localidades. É o caso das cidades-estados do norte da África, da Sicília e de algumas nas costas da Itália. Porém, nem todos os lugares aceitavam essa integração. Atenas, por exemplo, durante o século V a.C., fechou quase completamente o acesso a sua comunidade. Somente os filhos de pai e mãe ateniense eram aceitos como cidadãos.

Já em Roma, durante quase todo o período histórico da antiguidade3, a cidadania

era mais aberta, tanto externamente quanto internamente. Segundo Funari (2003, p. 52-53), ela foi fundada em 753 a.C. e caracterizava-se pela diversificação de povos e costumes. No início, os proprietários rurais – mais especificamente os patrícios4 - eram os

3 A história política de Roma é dividida em três períodos: Monarquia, que vai de 753 a 509 a.C.; República,

que abrande de 509 a 27 a.C. e Império, que vai de 27 a.C. a 476 d.C. (COTRIM, 2010, p.121).

4 Grupos de famílias conhecidas como gentes, que descendiam de antepassados comuns. “Formavam uma

oligarquia de proprietários rurais e mantinham o monopólio dos cargos públicos e mesmo dos religiosos”. Eram considerados os cidadãos de pleno direito (FUNARI, 2003, p.50).

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únicos detentores dos direitos de cidadania, com exclusão dos plebeus5, dos clientes6 e

dos escravos. Contudo, com a ascensão da República, os plebeus passaram a reivindicar seus direitos e o reconhecimento da cidadania. A luta desenvolvida por eles – que se arrastou por séculos – trouxe grandes transformações para Roma. Em 494 a.C., foi instituído o Tribunato da Plebe, que era uma magistratura que detinha o poder de vetar as decisões dos patrícios, além da criação de reuniões próprias e “concílios da plebe”, que possuíam o intuito de elaborar e adotar resoluções. As tribos passaram a ser divididas por meio de critério geográfico e não mais hereditário. Houve a publicação da lei das doze tábuas, que trouxe mais segurança jurídica para os plebeus, e a classificação das pessoas pelas posses, que possibilitou a ascensão social dos plebeus ricos.

A partir do final do século V a.C., novas mudanças impactaram a sociedade romana, especialmente em razão da aprovação de leis que asseguravam mais direitos políticos para os plebeus com maior poder aquisitivo e também alguns benefícios sociais para a população economicamente menos favorecida. Foi estabelecida uma reforma agrária, que limitava o recebimento de terras públicas em 500 jeiras (equivalente a 125 hectares) por cidadão, bem como a lei Ogúlnia que possibilitava o acesso dos plebeus a todos os cargos políticos e religiosos, a lei Poetélia Papíria, que aboliu a servidão por dívidas, e a lei Hortênsia, que garantia força de lei aos plebiscitos mesmo sem a aprovação do Senado (FUNARI, 2003).

Com a expansão territorial pela Península Itálica a partir do século III a.C., as disputas pela cidadania deixaram de ter como foco principal a dicotomia patrícios e plebeus e passaram a ser reivindicadas pelos povos dominados, que queriam ser reconhecidos como cidadãos romanos. Com a morte de César em 31 a.C. e a ascensão de Otávio Augusto, dando início ao período conhecido como Principado, a cidadania começou aos poucos a se expandir, alcançando um número cada vez maior de pessoas. Mas foi somente no ano 212, que foi universalizada dentro do território romano, por meio da concessão do imperador Caracalla. Porém, não perdurou por muito tempo, tendo em vista o declínio das estruturas políticas e sociais em face da guerra civil que ocorreu entre 235 e 275, bem como da formação do Império Romano Cristão, no século IV, que

5 Termo utilizado para englobar os camponeses livres de poucas posses, os artesão urbanos, os

comerciantes e os estrangeiros residentes em Roma. Em síntese, abrange todos aqueles que não detinham os direitos dos membros da oligarquia (FUNARI, 2003).

6 Eram os indivíduos que mantinham uma relação de fidelidade com os patrícios, a quem prestavam serviços

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prenunciou a queda “acentuada das prerrogativas da cidadania clássica” (FUNARI, 2003, p.65-75).

No final do século IV e início do século V, o Império Ocidental começou a desaparecer, tendo em vista o aumento das invasões bárbaras, a crise do sistema predominantemente escravo, a decadência econômica que se acentuou nos séculos III e IV e a influência da religião, que levou a perda do interesse dos homens pelas “realizações terrenas”. Assim, em 476, tem fim o Império Romano do Ocidente7, dando início ao período

da Idade Média, que vai do século V até o século XV (CORRÊA, 2010, p. 222-223). A Idade Média é um período marcado pela transição entre o mundo antigo e o mundo moderno, em que predominavam formas de sociabilidade agrárias ou rurais. Pode ser dividido em quatro momentos distintos: a Primeira Idade Média, que inicia com a queda do Império Romano e vai até o século VIII; a Alta Idade Média, que abrange do século VIII até as primeiras décadas do século X, a Idade Média Central, que vai do início do século X até a segunda metade do século XIII, e a Baixa Idade Média, que abrange o final do século XIII até o século XIV, quando a sociedade feudal entra em crise, abrindo espaço para a formação da sociedade Moderna (BEDIN, 2013).

As características mais marcantes desse período estabeleceram-se após a queda da dinastia Carolíngia, quando iniciou o feudalismo propriamente dito, que fragmentou o território e o poder, e possuía “a vassalagem como sistema político e o senhorio rural como sistema econômico”. Em termos de estratificação, a sociedade dividia-se em três ordens: clérigos, nobres e não livres, sendo todos “governados por uma lei divina, mas tratados de forma não idêntica pela lei humana” (CORRÊA, 2010, p.249).

Rezende Filho e Câmara Neto (2001, p. 3) resumem a sociedade desse período como uma “sociedade de ordens”, tanto politicamente quanto juridicamente, em que o saber e o poder estavam nas mãos do clero e da nobreza, ficando os servos alheios aos direitos de cidadania e ao acesso ao poder público sem a mediação de um dos estamentos superiores.

Para Gilmar Bedin (2002), tanto no período da Antiguidade quanto da Idade Média, o modelo que predominava na sociedade era o organicista, aquele que passa a ideia de que a sociedade é o ponto central de partida. Bobbio (1992, p. 59) conceitua essa ideia de centralidade a partir da concepção de que o “todo está acima das partes”, motivo

7 O Império Romano do Oriente, no entanto, sobreviveu até 1453, quando os turcos conquistaram

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pelo qual os homens são dotados muito mais de deveres do que de direitos. Exemplo disso são os monumentos legislativos do mundo antigo, como o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos e a Lei das Doze Tábuas, que estabeleciam deveres a serem seguidos pelos indivíduos.

Contudo, com a instituição do modelo individualista de sociedade, no período de formação do Estado Moderno, por volta do século XV, o centro da articulação política passou a ser o próprio homem, “o indivíduo que se emancipa das estruturas coletivas e se afirma enquanto individualidade diante do mundo” (BEDIN, 2002, p. 126). Formou-se a ideia de que o homem “possui direito a ter direitos8”, pois é ele que deve vir em primeiro

lugar e ser o elemento central, e não o Estado (BOBBIO, 1992, p. 60). O humanismo foi uma das correntes intelectuais desse período que passou a desenvolver essa ideia de individualismo, com a concepção de que o “ser humano é criatura e criador do mundo em que vive”, não podendo, com isso, ser negligenciado pelo todo (COTRIM, 2010, p. 229). Assim, a “era dos deveres abre espaço para uma promissora era dos direitos” (MONDAINI, 2003, p.116).

Um dos autores importantes desse período de transição entre o modelo organicista e o individualista foi Thomas Hobbes que na obra Leviatã, publicada em 1651, apontou uma concepção moderna da relação entre Estado e indivíduo, tendo em vista que aquele seria “fruto da vontade racional” deste (MONDAINI, 2003, p.129). Para o autor, os indivíduos viviam em uma situação de conflito generalizado, de “guerra de todos os homens contra todos os homens”, caracterizando um “estado de natureza”, em que havia igual liberdade e igualdade entre os homens, mas nenhum tipo de segurança. Assim, para que fosse possível controlar essa situação e garantir a proteção da liberdade, seria necessário firmar um contrato social entre os indivíduos, em que o Estado Leviatã teria a obrigação de estabelecer essa proteção e controle (HOBBES, 2003).

Com isso, o terreno estava limpo para a afirmação de uma nova concepção, que não apenas indicasse no indivíduo o início de tudo, mas que também pusesse no indivíduo a prevalência das relações pós-contratuais, protegendo-o das próprias ações despóticas do Estado. Estavam abertas as portas para a ofensiva de uma tradição que se pautasse pela defesa da liberdade do indivíduo, limitando politicamente os poderes estatais (MONDAINI, 2003, p. 129).

8 Hannah Arendt também utilizou a expressão na sua obra Origens do totalitarismo, afirmando que a

humanidade no século XVIII assumiu um papel que antes era atribuído à natureza ou à história e que é a própria humanidade quem deve garantir o direito que cada indivíduo tem de pertencer à humanidade, ou seja, o “direito a ter direitos” (ARENDT, 1989, p. 332).

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Entretanto, foi a partir da teoria desenvolvida por John Locke, na obra Segundo

tratado sobre o governo civil e outros escritos, escrita em 1689, que se romperam mais

fortemente as concepções desenvolvidas na Idade Média, assim como o próprio contratualismo de Hobbes e o “pacto de submissão” que ele estabelecia entre o homem e o Estado (MONDAINI, 2003, p. 129-130). Para Locke, a base do contrato social estabelecida entre Estado e indivíduos era a propriedade. A função do poder político nada mais era do que regular e preservar a propriedade, entendida nesse contexto como a vida, a liberdade e os bens. Além disso, diferenciava-se de Hobbes ao visualizar o homem não como um ser egoísta, com tendência para conflitos, que vive em um “estado de guerra”, mas sim como um indivíduo dotado de razão, que almeja um “estado de paz, boa vontade, assistência mútua e preservação”, concepção que deu margem para o desenvolvimento de uma ideia de tolerância, especialmente pela opinião religiosa diversa, em razão do período vivido anteriormente (LOCKE, 2001, p. 92).

Ambos os autores – Hobbes e Locke – foram fortemente influenciados pelo contexto da Revolução Inglesa9, que entre seus principais aspectos, buscava um

rompimento com “a percepção teológica das coisas”, alimentada pela Igreja Católica Romana no período da Idade Média, e a expansão do racionalismo, que tinha a razão como embasamento teórico e serviu de fundamento para a formação do jusnaturalismo moderno10 (MONDAINI, 2003, p. 115).

Contudo, apesar da Revolução Inglesa ter sido o pontapé inicial para a formação do capitalismo e da luta pelos direitos individuais, houve outras duas revoluções de suma importância para esse contexto: a Revolução Americana e a Revolução Francesa, que tiveram como ápice – na luta pelos direitos – a elaboração da Declaração dos povos da Virgínia, em 1776, e na Declaração Universal do Homem e do Cidadão, em 1789.

Ressalta-se, ainda, como um dos principais legados da Revolução Francesa, a formação da ideia de nação como fundamento para o poder soberano. A vontade popular e não mais a vontade divina ou a vontade do monarca (poder constituído) seria a detentora do poder. Emmanuel Sièyes (1997) foi o autor que introduziu essa ideia de poder fundamentado na vontade popular, tendo influenciado na constituição da Assembleia

9 A Revolução Inglesa foi a primeira revolução burguesa da história, tendo iniciado em 1640 e perdurado até

1688.

10 “(...) o jusnaturalismo moderno, representa a afirmação dos limites do poder estatal, considerados não

mais do ponto de vista do exclusivo dever dos governantes, mas também do ponto de vista dos direitos dos governados” (BOBBIO, 2009, p. 87).

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Nacional que elaborou os artigos da Declaração Universal dos direitos do homem e do cidadão.

Outro importante impacto na seara dos direitos de cidadania foi a Revolução Industrial, que possibilitou, principalmente, uma extensão dos direitos para grupos minoritários. Para Odalia,

Quando falamos, escrevemos ou pensamos sobre a cidadania, jamais podemos olvidar que ela é uma lenta construção que se vem fazendo a partir da Revolução Americana e Francesa e, muito especialmente, pela Revolução Industrial, por ter sido esta que trouxe uma nova classe social, o proletariado, à cena histórica. Herdeiro da burguesia, o proletariado não apenas dela herdou a consciência histórica do papel de força revolucionária como também buscou ampliar, nos séculos XIX e XX, os direitos civis que ajudou a burguesia a conquistar por meio da Revolução Francesa. E com isso abre-se o leque de possibilidades para que as chamadas minorias possam ser abrangidas pelos direitos civis (ODALIA, 2003, p. 168).

Diante desse contexto, pode-se observar que as principais consequências advindas da transição do modelo organicista para o modelo individualista foram: a emergência da origem contratual do Estado, que deixou de ser visto como um desdobramento natural da sociedade, para ser concebido a partir de um acordo político ou de um acordo de vontades entre os indivíduos; a formação da ideia de igualdade entre os homens, e a concepção do poder fundamentado na ideia de nação, que possibilitou uma transitoriedade do espaço do poder. Para Bedin (2002), essas alterações foram de crucial importância na ascensão da cidadania moderna.

(…) esses fatores – sociedade centrada no indivíduo, crença na igualdade entre os homens, origem contratual do Estado e fundamento popular do poder –, quando vistos em conjunto, constituem-se nas condições políticas da emergência da ideia de cidadania moderna, que concretizam-se na supremacia da figura deôntica dos direitos e na ideia central de que o homem no mundo moderno tem direito a ter direito (BEDIN, 2002, p. 127).

A cidadania moderna é “ao mesmo tempo o princípio da legitimidade política e a fonte do vínculo social. Viver em conjunto é ser-se conjuntamente cidadão” (SCHNAPPER, 1998, p. 92). Isso porque a sociedade democrática visa a um projeto de inclusão universal de todos os cidadãos.

Porém, essa universalidade também não foi alcançada imediatamente ou rapidamente na Idade Moderna. Ela se construiu por meio de um lento percurso de lutas sociais, que tiveram início com as revoluções anteriormente referidas e se alastraram até

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os dias atuais. Passaram da ideia de direitos de cidadania “fundidos num só”, para um processo de separação em direitos civis, políticos e sociais (MARSHALL, 1967, p. 64), servindo de base para a formação e evolução das gerações de direitos. Há uma “evolução expansiva da cidadania moderna, como se fosse uma história sem fim, em que sempre é possível, de tempo em tempo, acrescentar-se um conjunto novo de direitos” (BEDIN, 2002, p. 128)

A primeira geração11 de direitos, denominada de direitos civis, surgiu no século

XVIII, especialmente após a Declaração de Virgínia e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Dentre esses direitos, constam as liberdades físicas, as liberdades de expressão, as liberdades de consciência, o direito de propriedade privada, os direitos da pessoa acusada e as garantias dos direitos (BEDIN, 2002). Para Bobbio (1992, p. 32), são todos os direitos que “tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado”.

Já a segunda, conhecida como geração de direitos políticos, surgiu durante o século XIX e compreende a capacidade que o indivíduo tem de participar do Estado, por exemplo, por meio do sufrágio universal, do plesbicito, do referendo e da iniciativa popular e na constituição de partidos políticos (BEDIN, 2002). São os direitos que “conferem legitimidade à organização política da sociedade”, tendo como essência a concepção de “autogoverno” (CARVALHO, 2010, p. 10).

A terceira geração, que é a dos direitos econômicos e sociais, teve ascensão no início do século XX, sob influência da Revolução Russa, da Constituição Mexicana e da Constituição de Weimar. Abrange os direitos relativos ao homem trabalhador e os direitos relativos ao homem consumidor, motivo pelo qual é conhecida como a geração de direitos que são garantidos “através ou por meio do Estado” (BEDIN, 2002, p. 130-131). São esses direitos que possibilitam que as sociedades politicamente organizadas reduzam os “excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo”, garantindo, assim, um mínimo de bem-estar para todos os indivíduos, por meio da ideia de justiça social (CARVALHO,

11 O autor Gilmar Antonio Bedin, na obra Os direitos do homem e o neoliberalismo, utiliza a expressão

“gerações de direitos” para fazer referência a divisão dos direitos. Entretanto, a doutrina discute se não seria mais adequado utilizar a expressão dimensões de direitos ao invés de gerações de direitos, tendo em vista que a primeira traz uma ideia de continuidade dos direitos, em que há complementação das dimensões, ao passo que a segunda engloba um sentido gestacional, que uma vez gestado, não teria um sentido contínuo, formando uma ideia de substituição de uma geração pela outra. Willis Santiago Guerra Filho (2007, p. 79) afirma que as gerações de direitos imprimem “uma noção histórico-evolutiva, diacrônica”, enquanto que a dimensão, “correlatamente, é de se ter como cumulativa, sincrônica, estando cada dimensão em relação de mutua dependência e condicionamento recíproco umas com as outras”.

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2010, p. 10).

A quarta geração de direitos aborda os direitos de solidariedade, emergindo no contexto global após 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em essência, tem como destinatário “o gênero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta” (BONAVIDES, 1993, p. 481). Dentre esses direitos, destaca-se o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente equilibrado e sadio e à autodeterminação dos povos. A quinta geração de direitos trata do direito à paz, proclamado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) na Declaração do Direito dos povos à paz (resolução n° 39), datada de 1984. É um direito que visa a proteger os povos e que deve ser garantido por todos os Estados. Possui também como base de fundamento jurídico a Declaração das Nações Unidas sobre a preparação das sociedades para viver em paz (resolução 33/73) de 1978 e a resolução n° 128, de 1979 da Organização para proscrição das armas nucleares na América Latina (OPANAL) (BONAVIDES, 2008).

Para Bobbio (1992), a partir da metade do século XX, o plano teórico do direito e o plano da efetividade passaram a ter um maior desenvolvimento, caminhando em direção à universalização e a multiplicação. Em síntese, o autor afirma que a sociedade passou dos direitos de liberdade, que eram destinados ao homem de forma genérica, ao homem em abstrato, para os direitos políticos e sociais, em que o titular não era mais o homem em si, mas a família, as minorias étnicas e religiosas, a humanidade como um todo. Além disso, houve uma passagem do homem genérico para o homem específico, em razão da diferença existente entre homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos, sadios e doentes, e tantas outras especificidades que necessitam de uma atenção e proteção diferenciada. Exemplos disso são os constantes documentos internacionais elaborados para proteger essas categorias específicas, como a Convenção sobre os direitos políticos da mulher, de 1952; a Declaração da Criança, de 1959; a Declaração dos direitos do deficiente mental, de 1971; a Declaração dos direitos do deficiente físico, de 1975; e a Assembleia Mundial sobre os direitos dos anciãos.

Pode-se considerar que a concretização da ideia de universalização e multiplicação só veio de fato ocorrer após as duas grandes guerras mundiais, quando foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como mecanismo capaz de refrear as intensas violações aos direitos sofridas até então e expandir o alcance desses direitos a um nível

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global. Os direitos humanos passaram a ocupar um espaço prioritário nas agendas políticas atuais.

No entanto, proteger esses direitos de forma universal ou global é ainda bastante difícil. Bobbio (2009, p. 115-116) afirma que os direitos somente serão verdadeiramente efetivados “quando forem criados os instrumentos adequados para garanti-los não somente no interior do Estado, mas também contra o Estado ao qual o indivíduo pertence”. Porém, a falta de reconhecimento pelos Estados, especialmente os autoritários, de um poder deliberativo que está acima deles e que pode soberanamente atuar dentro do âmbito nacional, é o maior entrave para a efetivação dos direitos.

Carvalho (2010, p. 8-9) aponta que a ideia de cidadania plena, com garantia dos direitos humanos e fundamentais a todos os seres humanos indistintamente, é talvez uma concepção inatingível, especialmente em alguns contextos sociais. Contudo, é o que tem servido de “parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico”.

Tendo em vista que a história brasileira não passou pelo período da Antiguidade e da Idade Média, tendo inclusive a Modernidade encontrado espaço somente muito mais tarde no nosso território, é preciso traçar uma linha histórica evolutiva do Brasil, que vai desde a colonização até os dias atuais, para que seja possível a compreensão do processo de formação da cidadania brasileira.

No período colonial não havia uma concepção cidadã formal, tendo em vista as desigualdades sociais e a concentração do poder na mão de poucos, marcadas, principalmente, por uma população analfabeta, devido a falta de investimento em educação – em 1822, na independência do país, somente 16% da população era alfabetizada-, por uma sociedade escravocrata – característica mais negativa do período para a cidadania -, por uma economia que tinha por base a monocultura e os latifúndios, e por um Estado absolutista (CARVALHO, 2010).

A sociedade era composta basicamente por escravos, que começaram a ser importados no século XVI, tendo alcançado durante o período colonial, aproximadamente três milhões, por índios, que foram sendo dizimados ao longo do período, por homens livres, que dependiam dos proprietários de terras para viver, e não tinham nem mesmo os direitos civis garantidos, e por senhores, que também não possuíam direitos de cidadania.

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votavam e eram votados nas eleições municipais. Eram os 'homens bons' do período colonial. Faltava-lhes, no entanto, o próprio sentido da cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei. Eram simples potentados que absorviam parte das funções do Estado, sobretudo as funções judiciárias (CARVALHO, 2010, p. 21).

No âmbito político e territorial, em razão da falta de recursos para investir na colonização, o governo português dividiu o país em quinze capitanias hereditárias, entregando-as para donatários, que exerciam o cultivo da terra, bem como o pagamento de impostos. Esse sistema foi o que acabou gerando a formação dos grandes latifúndios brasileiros, em que apenas uma pequena parcela da população tinha acesso as terras e os demais precisavam desenvolver uma relação de submissão com o proprietário para que pudessem sobreviver (PAIVA, 2001).

Contudo, mesmo com a proclamação da independência, em 1822, a situação não sofreu muitas alterações radicais. Segundo Angela Paiva (2001, p. 20),

(…) o controle do espaço público permanecia inalterado. O Brasil, com suas dimensões continentais, continuava essencialmente agrário e o campo ainda era o grande gerador de desigualdades. A elite agrária mantinha a mesma autonomia de antes, exercendo grande controle sobre toda a população agrícola, o que era facilitado pela monocultura e pela chegada de um número cada vez maior de escravos.

Os direitos políticos foram os que ganharam maiores transformações, já que o Brasil adotou como regime político a monarquia constitucional, e outorgou a primeira Constituição em 1824, que estabelecia a divisão dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), com adesão de um quarto poder, denominado moderador, que concedia livre nomeação de ministros ao imperador. Além disso, regulamentou o direito de votar, especificando como qualificados todos os homens maiores de 25 anos, com renda anual superior a 100 mil-réis, inclusive se fossem analfabetos, excluindo, porém, as mulheres e os escravos (CARVALHO, 2010).

Entretanto, esses avanços no campo dos direitos políticos não duraram muito tempo, pois em 1881 a Câmara de Deputados aprovou uma lei que introduziu o voto direto, mas que impossibilitou o direito de votar aos analfabetos e àqueles que recebiam renda anual inferior a 200 mil-réis, o que acabou diminuindo drasticamente o número de eleitores, tendo em vista o grande número de pessoas analfabetas no país nesse período. E nem mesmo com a proclamação da República, em 1889, e com a Constituição Republicana de 1891 a situação se alterou. A única modificação foi a extinção do requisito

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da renda, que não representou transformação significativa do número de eleitores (CARVALHO, 2010).

E não foram somente os direitos políticos que permaneceram estagnados. Os direitos civis praticamente eram nulos na fase colonial e na imperial. No período da Primeira República, eles foram consagrados na Constituição de 1891, porém permaneceram apenas no papel, especialmente pelo contexto vivido, que incluía a escravidão, que só foi abolida em 1888, mas que deixou consequências sociais por um longo período12; a grande propriedade rural, que possibilitou a instauração de oligarquias

e do coronelismo, aumentando as desigualdades existentes, em que somente um pequeno grupo detinha o poder; e um Estado comprometido basicamente com o poder privado, em que a ação da lei era destinada aos grandes proprietários de terras (CARVALHO, 2010).

Para Tânia de Luca (2003, p. 469-470),

A distância entre a letra da lei e sua efetivação prática esteve longe de ser pequena. A esmagadora maioria da população vivia nas áreas rurais e estava submetida aos desígnios dos grandes proprietários. Em 1920, apenas 16,6% dos brasileiros residiam em cidades com vinte mil habitantes ou mais, enquanto a taxa de analfabetismo girava em torno dos 70%. Nesse contexto, não surpreende que os direitos civis e políticos fossem uma ficção jurídica.

No campo dos direitos sociais, as conquistas também não representaram grandes avanços, uma vez que a Constituição de 1891 proibiu a intervenção do Estado no âmbito do trabalho e retirou dele a obrigação de garantir a educação primária. Foi somente a partir do contexto pós primeira guerra mundial e do ingresso do Brasil na Organização Internacional do Trabalho, em 1919, que o governo passou a enfrentar a questão, que veio a ser alterada com a reforma constitucional de 1926 (CARVALHO, 2010). A primeira legislação foi em 1919 e tratava do direito de indenização por acidente de trabalho. Após, houve a criação da lei de férias, em 1925, do código de menores, em 1927, da Caixa de Aposentadoria e Pensão para os ferroviários, em 1923, e da criação de um Instituto de previdência para os funcionários da União, em 1926, situação que se manteve em ascensão no período posterior, quando Getúlio Vargas assumiu o poder (LUCA, 2003).

O período conhecido como Era Vargas, compreendido entre 1930 e 1945, se

12 Após a abolição da escravidão, os escravos, que possuíam condições miseráveis de vida e mantinham

um percentual de analfabetismo em 99,8%, não receberam qualquer assistência por parte do Estado, permanecendo à margem da sociedade (PAIVA, 2001).

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formou a partir da Revolução de 193013, que culminou na deposição do então presidente

da República Washington Luís e na tomada do poder pelo chefe do movimento Aliança Liberal, partido da oposição ao governo e que havia incitado a revolta após a morte de João Pessoa, na época governador da Paraíba. Para Carvalho (2010, p. 87-89), o ano de 1930 foi um “divisor de águas na história do país”, pois impulsionou as mudanças sociais e políticas, especialmente as sociais, tendo em vista a criação, já nos primeiros anos seguintes, de um Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, bem como de uma extensa legislação trabalhista e previdenciária, que serviu de base para a elaboração da Consolidação das leis do trabalho (CLT) em 1943.

Em termos de divisão política, os anos de 1930 a 1934 ficaram conhecidos como a fase revolucionária, com um governo provisório liderado por Getúlio Vargas. Em 1934, Vargas foi eleito presidente e em 1937 instaurou a ditadura no país por meio de um golpe que contou com o apoio dos militares e durou até 1945. Após esse período, iniciou-se a “primeira experiência que se poderia chamar com alguma propriedade de democrática em toda a história do país”, se mantendo até 1964, quando um novo golpe militar estabeleceu a ditadura (CARVALHO, 2010, p. 87-88).

Ressalta-se, contudo, alguns avanços políticos importantes neste período, como a conquista do voto feminino em 193214; a introdução da representação classista; a

extensão do direito ao voto – obrigatório, secreto e direto – a todos os homens e mulheres maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos em 1946; e a criação da justiça eleitoral e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com sede na capital federal (CARVALHO, 2010).

Os direitos civis, no entanto, apesar de permanecerem vigentes nas Constituições de 1934, 1937 e 1946, não possuíam uma real efetividade, beneficiando apenas uma pequena parcela da sociedade, sendo, inclusive em parte, suspensos durante o período

13 Em 3 de outubro de 1930 o Rio Grande do Sul iniciou uma luta armada, que se alastrou até Minas Gerais,

Paraíba e Pernambuco, tendo como finalidade impedir a posse de Julio Prestes como presidente da República, candidato paulista – lançado após o desentendimento entre os partidários do PRP e do PRM - que derrotou Getúlio Vargas nas eleições de 1° de março de 1930 (COTRIM, 2013). Porém, tendo em vista que não houve grande participação das massas populares, nem uma ruptura radical com o sistema vigente, já que os proprietários rurais permaneciam dominando o poder, o termo revolução deve ser visto com ressalvas (PAIVA, 2001).

14 As lutas para a conquista do voto feminino tiveram início no século XIX, sendo a Nova Zelândia o país

pioneiro na concessão desse direito em 1893. Na América Latina, o primeiro país foi o Equador, em 1929. No Brasil, as lutas começaram no final do século XIX, mas só ganharam visibilidade a partir de 1910, quando foi criado o Partido Republicano Feminino. A conquista pelo voto, no entanto, só ocorreu em 1932, por meio do Código Eleitoral Provisório. Porém ainda não era um direito que alcançava a totalidade das mulheres, pois continha algumas limitações. Foi somente com a Constituição de 1946 que houve a extensão a todas as mulheres (DUARTE, 2003).

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ditatorial (CARVALHO, 2010).

Para José Murilo de Carvalho (2010, p. 157-158), o período de 1964 a 1985, em que a ditadura militar estava no poder, representou um “passo atrás” no que diz respeito aos direitos civis e políticos, especialmente na segunda fase da ditadura, que compreende os anos de 1968 a 1974, que foi extremamente violenta; mas um “passo adiante” quanto aos direitos sociais.

Na seara legal, as repressões aos direitos civis e políticos vieram dispostas nos atos institucionais. O primeiro, introduzido já em 1964, pelo general Castelo Branco, cassava por dez anos os direitos políticos de líderes políticos, sindicais e intelectuais e de militares; estabelecia aposentadorias forçadas, bem como intervenções em sindicatos e em órgãos de cúpula do movimento operário. O segundo ato é de 1965 e teve como finalidade a abolição da eleição direta para presidente da república e a dissolução dos partidos políticos, permanecendo um sistema bipartidário15, além de uma reforma no

judiciário e a restrição do direito de opinião (CARVALHO, 2010). Os atos institucionais n° 3 e n° 4 foram estabelecidos em 1966, o n° 3 dispondo sobre as eleições indiretas nacionais, estaduais e municipais, e o n° 4 convocando o Congresso para discutir o projeto da nova Constituição.16

Contudo, a maior repressão ocorreu com o Ato Institucional n° 5, em 1968, que fechou o Congresso e suspendeu o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional. Em 1969, o general Garrastazu Médici tomou posse da presidência e promulgou nova Constituição, que incorporou os atos institucionais. No mesmo ano, foi introduzida uma lei de segurança nacional que incluía a pena de morte por fuzilamento, que havia sido abolida com a Proclamação da República. E em 1970, ficou estabelecida a censura prévia em jornais, livros e outros meios de comunicação. Carvalho, ao resumir a inviolabilidade de direitos sofrida nesse período, afirma que:

A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião; não havia liberdade de reunião; os partidos eram regulados e controlados pelo governo; os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção; era proibido fazer greves; o direito de defesa era cerceado pelas prisões arbitrárias; a justiça militar julgava crimes civis; a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia; a integridade física era violada pela tortura dos cárceres do governo; o próprio direito à vida era

15 O sistema bipartidário, que durou até 1979, foi reorganizado em 1966, com a criação da Aliança

Renovadora Nacional (ARENA), que era o partido do governo, e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que era o partido da oposição.

16 Informações retiradas do Portal da legislação do governo federal. Disponível em

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desrespeitado. As famílias de muitas das vítimas até hoje não tiveram esclarecidas as circunstâncias das mortes e os locais de sepultamento. Foram anos de sobressalto e medo, em que os órgãos de informação e segurança agiam sem nenhum controle (CARVALHO, 2010, p. 164).

Porém, se a represália foi violenta para os direitos civis e políticos, para os direitos sociais não foi assim, já que houve muitas conquistas nessa fase. Dentre elas, destaca-se: a criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), em 1966, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), também em 1966 e do Fundo de Assistência Rural (FUNRURAL), em 1971; a incorporação das empregadas domésticas e dos trabalhadores autônomos à previdência, em 1972 e 1973, respectivamente; e a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), que buscava facilitar o acesso dos trabalhadores de baixa renda à casa própria; e a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, em 1974 (CARVALHO, 2010).

Foi apenas em 1974, com o início do processo de abertura democrática, impulsionada por Ernesto Geisel, que ocorreu a volta parcial dos direitos civis e políticos, especialmente, após a oposição obter um número de assentos considerável no Senado e na Câmara. Com liderança no Congresso, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conseguiu derrubar algumas medidas repressivas, como o AI-5 e a censura prévia dos meios de comunicação, além de reestabelecer o habeas corpus para crimes políticos, atenuar a lei de segurança nacional, permitir a volta de cento e vinte exilados políticos e votar a lei de anistia (CARVALHO, 2010).

O governo posterior ao de Geisel, liderado pelo general Figueiredo, que assumiu em 1979, manteve o processo de abertura democrática; porém foi marcado pelo aprofundamento da crise econômica da década de 80, em face da crise do petróleo e do crescimento dos juros da dívida econômica, que na época estava em US$ 70 bilhões. As principais consequências foram a elevação da inflação, desvalorização dos salários, recessão e desemprego, que aumentaram ainda mais a desigualdade social (PAIVA, 2001).

Mas foi somente a partir de 1985, com o fim da ditadura militar, quando Sarney assumiu o poder após a morte de Tancredo Neves que houve a retomada efetiva do processo democrático, tendo o ápice ocorrido em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que ampliou consideravelmente os direitos políticos e os direitos sociais e trouxe maior proteção para os direitos civis, com um extenso rol de direitos fundamentais no artigo 5° e algumas inovações como a criação do habeas data e do

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mandado de injunção; da proteção do consumidor; e da tipificação do crime de racismo como inafiançável e imprescritível e do crime de tortura como inafiançável e não anistiável (LUCA, 2003).

Entretanto, apesar do avanço democrático e da expansão dos direitos de cidadania, o grande problema da desigualdade e da pobreza que se arrastaram por anos no país – e continuam a se arrastar - não obtiveram resultados efetivos. Para Tânia de Luca (2003, p. 488-489),

A garantia de direitos nos textos legislativos, ainda que essencial, não basta para torná-los efetivos na prática. As desigualdades sociais deitam raízes profundas na ordem social brasileira e manifestam-se na exclusão de amplos setores, que seguem submetidos a formas variadas de violência e alijados da Previdência Social, do acesso à justiça, moradia, educação, saúde. A conjuntura internacional dos anos 90, marcada pela reestruturação do processo produtivo, abertura das economias para a competição global, internacionalização dos mercados financeiros, cujos ativos passaram a mover-se com enorme agilidade em busca do maior lucro possível, redução do poder de barganha e controle das instituições nacionais, teve profundas consequências em países dependentes de financiamento internacional. As determinações constitucionais, que caminhavam na direção de uma noção ampliada de cidadania, logo passaram a ser alvo de críticas pelos defensores da livre atuação do mercado. Os limites à entrada de investimentos estrangeiros e a proteção ao trabalhador foram vistos como limitações à integração da economia nacional ao mercado mundial.

E os resquícios dessa estruturação são sentidos ainda hoje. A instabilidade econômica, que se arrasta desde a crise de 2008 e tem se alastrado globalmente, levando abaixo economias desenvolvidas sólidas, acaba influenciando nosso setor monetário, que já se encontra em uma situação precária em razão dos altos custos da dívida interna. Aliado a isso, há uma crise de representatividade que assola o país, em face da zona corruptiva formada por diferentes partidos que controlam o poder. E, claro, o grande abismo existente no âmbito social, em que não há políticas públicas suficientes capazes de atenderem as demandas básicas e fundamentais de todos os cidadãos brasileiros.

Não se pode deixar de mencionar, ainda, outros impactos advindos da globalização17 e da emergência do direito internacional que acabam influenciando na

17 Para Ianni (1994, p. 155), “As noções de espaço e tempo, fundamentais para todas as ciências sociais,

estão sendo revolucionadas pelos desenvolvimentos científicos e tecnológicos incorporados e dinamizados pelos movimentos da sociedade global. As realidades e os imaginários lançam-se em outros horizontes, mais amplos que a província e a nação, a ilha e o arquipélago, a região e o continente, o mar e o oceano. As redes de articulações e as alianças estratégicas de empresas, corporações, conglomerados, fundações, centros e institutos de pesquisas, universidades, igrejas, partidos, sindicatos, governos, meios de comunicação impressa e eletrônica, tudo isso constitui e desenvolve tecidos que agilizam relações, processos e estruturas, espaços e tempos, geografias e histórias. O local e o global estão distantes e

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