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Horácio Kauan (2)

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Academic year: 2021

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Horácio Kauan

O amplo auditório do departamento de História da Universidade Multicultural de Gaia estava lotado.

Como aconteciam todos os anos, os alunos recém-ingressos no curso de História Planetária se preparavam para assistir à aula magna proferida pelo mais respeitado catedrático da Universidade, o professor emérito Horácio Kauan.

O silêncio era respeitoso, mas a ansiedade era palpável. Muitos dos alunos presentes só voltariam a ter contato com o iminente professor em cursos avançados ou se assistissem novamente à aula magna no ano seguinte.

Alguns minutos antes do horário convencionado para o início da apresentação, muito calma e sorridentemente, o grande catedrático entrou no recinto se dirigindo ao púlpito especialmente preparado para ele.

A satisfação em falar àqueles jovens alunos era notória. Ano-após-ano o professor Kauan fazia questão de proferir a aula inicial do ano letivo, dando sua cota de motivação às novas gerações.

Já sobre o púlpito, o velho professor arrumou a posição dos microfones, perpassou o alhar prazerosamente pela plateia e se concentrou por alguns minutos mais.

Tão logo os novos alunos perceberam que a palestra já iria começar, todas as atenções se voltaram para o professor, que não se fez de rogado e iniciou sua apresentação.

– O ano de 2394 se inicia e o mundo do final deste século 24 é um mundo bem diferente do que era há quatro séculos.

As catástrofes que assolaram o planeta na primeira metade do século 21 modificaram sensivelmente as relações sociais e econômicas de nosso planeta.

Nos primeiros anos do século 21 três grandes tsunamis e mais uma centena de terremotos de média e grande escala, causados pelo aumento da atividade tectônica do planeta cobraram um alto preço em vidas e forçaram os governos a se unirem para evitar a total ruptura de nossa sociedade.

O grande tsunami das ilhas Canárias, na costa oeste da África, gerou ondas de 150 metros de altura, que se propagaram a mais de 1000 Km/h, devastando completamente a costa leste das Américas, as regiões costeiras da Europa e da África, boa parte dos países banhados pelo oceano Índico, toda a região Mediterrânea e as costas dos países banhados pelo Mar Negro.

Mais de 700 milhões de pessoas perderam suas vidas somente neste tsunami, que ocorreu quando toda a costa oeste da maior das ilhas deslizou dentro do Atlântico. Quase 10% da população

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daquela época. Talvez a maior tragédia da história recente da humanidade!

Mas este não foi o único tsunami daquele período, antes dois outros já haviam ocorrido, o de Sumatra e o do Japão, de menor escala de destruição.

Naqueles anos da primeira metade do século 21, a Terra parecia tremer por todos os lados. Centenas de terremotos e vários vulcões entraram em erupção, dentre eles Yellowstone...

Muito se comenta até os dias de hoje o que poderia ter ocorrido ao planeta se Yellowstone tivesse explodido com toda sua fúria, mas sua explosão, ainda que limitada, foi emblemática.

A América do Norte foi lançada na escuridão por meses, a maior potência econômica da época, os EUA, quase foram totalmente arrasados, as cinzas na atmosfera impediram o tráfego aéreo no hemisfério norte por anos, inúmeras cidades desapareceram cobertas por mais de 100 metros de cinzas do super vulcão.

A causa de todas essas tragédias que ocorreram nas primeiras décadas do século 21 foi o aumento da atividade solar que ocorreu por causa do trânsito de uma estrela anã marrom nas proximidades do sistema solar interior.

No total, 2 bilhões de pessoas pereceram naquele período. Mas de todas essas catástrofes, algo de bom ocorreu.

As pessoas precisaram se unir para evitar o completo colapso de nossa civilização.

Passada a histeria, pessoas sóbrias assumiram para si a missão de recolocar a humanidade nos eixos.

A reorganização da sociedade levou quase uma centena de anos, e na metade do século 22, a humanidade celebrou a consolidação da federação Terrena, que passou a adotar o esperanto como língua unificadora, o sistema de créditos em substituição às moedas locais, a abolição dos países, passando apenas a existir estados federativos, e outras medidas que nos conduziram à sociedade equilibrada que temos hoje.

Para celebrar a unificação do planeta, Gaia foi projetada e posteriormente construída no antigo deserto do Saara, hoje um imenso celeiro de produção agrícola.

Construída na parte noroeste dos campos saarianos, na antiga divisa entre Argélia, Mauritânia e Marrocos, a capital da federação terrena, Gaia, passou a ser o centro político, financeiro e cultural da nova ordem planetária.

Por todo o planeta, centros de desenvolvimento do bem estar público surgiram, levando as conquista da ciência para todos os cantos da Terra. Centros de bem estar psicossocial, melhorias nas condições de saúde, universidades abertas, pólos de cultura, são algumas das conquistas que se espalharam pelo planeta.

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Com toda essa onda de prosperidade, a humanidade voltou novamente seus olhos para o espaço, e no final do século 23, as primeiras naves para a lua foram lançadas.

Do espaçoporto em Gaia, vôos regulares partiam para a base lunar de Selene.

Selene rapidamente se tornou uma colônia terrestre. Uma colônia científica é verdade, mas a primeira colônia.

E foi em Selene que pela primeira vez fizemos contato com uma civilização alienígena.

Os ataurilos, povo proveniente de vários planetas no sistema triplo de Sirius na constelação do Cão Maior, chegaram há quase um século, no dia 24 de maio de 2305, com uma mensagem de paz, dizendo que nos observavam desde os primórdios de nossa história.

Segundo eles, todas as nossas guerras e tragédias foram assistidas e sentidas, mas estavam impedidos de interferir em nossa história planetária por causa do acordo entre as civilizações galácticas, do qual são signatários.

Quando finalmente encerramos nossas querelas internas passando a nos dedicar ao bem comum e fomos capazes de efetivamente colonizar nosso satélite natural, nos tornamos aptos a participar do acordo galáctico, e como eles, os ataurilos nos observavam há mais tempo, coube a eles a importante missão de nos dar as boas vindas galácticas.

Hoje, quase um século depois do primeiro contato com os ataurilos, já temos seis colônias fora da Terra, sendo elas:

– Selene – A colônia lunar se encontra do lado claro da Lua e possui um sistema muito engenhoso de gravidade artificial. A população de Selene hoje está em pouco mais de 100 mil habitantes.

– Marine – A colônia de Marte é a maior de todas, com quase 2 milhões de colonos. O dia em Marine possui 24h36min e a duração do ano em é de 687 dias terrenos.

– Gliese – Colônia localizada no quarto planeta da estrela Gliese 851 na constelação de Libra, distante 20,4 anos-luz de nós. O ano em Gliese é de 67 dias terrenos em torno de sua anã vermelha, enquanto seu dia é de 119h55min. A população da colônia Gliese já está em 300 mil habitantes.

– Cetos – Colônia localizada no quarto planeta da estrela HD1461 na constelação da Baleia, distante 76 anos-luz de nós, possui o ano de 131 dias terrenos e seu dia tem 25h11min. A população de Cetos já supera os 100 mil habitantes

– Escorpio – Colônia localizada no terceiro planeta da estrela GJ 667C na constelação do Escorpião, distante 22 anos-luz de nós possui o ano mais curto, 28 dias terrenos, enquanto seu dia possui duração de 18h32min. Escorpio já conta com mais de 250 mil colonos.

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– Toris – A mais recente das colônias, localizada no terceiro planeta da estrela Ípsilon de Andrômeda na constelação de Andrômeda, possui o ano de 211 dias terrenos e dia de 32h23min. É a menor das colônias, com pouco mais de 5 mil pessoas.

Hoje, o processo de colonização está muito acelerado e em quase todas as colônias a indústria prospera rapidamente, provendo todos os colonos em suas necessidades básicas, o nível de autossuficiência já está quase sendo atingido. O transporte da Terra para as colônias e entre elas é constante, e o excedente de produção pode ser trocado a créditos justos.

Portanto, nos últimos quatro séculos de nossa História, a sociedade mudou radicalmente. Saímos de uma fase em que as guerras imperavam por todos os cantos do planeta e chegamos ao período de nossa expansão pela Galáxia.

Saímos de um período de miopia, em que acreditávamos sermos os únicos seres inteligentes do Universo e chegamos ao período da integração galáctica, nos tornando signatários do pacto galáctico.

Somos hoje um povo pacífico em que nossa criatividade é toda direcionada para o crescimento técnico/social e bem comum da sociedade.

Espero que, conhecendo um pouco mais sobre nossas conquistas e o estado atual de nossas colônias extraterrenas, vocês tenham aprendido que não podemos esquecer nossa

história, ainda que hoje todos pensem para frente, olhando para o Universo, nossa trajetória até aqui foi muito árdua e dolorosa.

E assim, o professor Horácio encerrara sua última palestra na Universidade de Gaia para os alunos recém-ingresso no curso de História Planetária.

Não que o professor fosse se aposentar, mas em sua ânsia de aprender mais e mais, ele estava sempre disposto a visitar as colônias, e em todas elas já estivera várias vezes, chegando até a ter residência particular em todas elas.

Como acadêmico, o professor Kauan era mundialmente reconhecido, sendo até cotado para assumir o cargo de chanceler da federação em futuro breve.

Horácio fez sua carreira como historiador de campo e sempre gostou de conviver com as pessoas simples, ouvir suas histórias, sentar a suas mesas em longas noites de bate papo. Era um sujeito franco e carismático, de sorriso fácil, mas muito compenetrado quando no trabalho.

Sua esposa morrera pouco depois de terem completado 30 anos de casados, tinha um casal de filhos, todos crescidos. A moça, mais nova, era o xodó do pai. Música se especializara em canto lírico e corria o mundo todo em suas apresentações magistrais. O mais novo seguira carreira na frota espacial como

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comandante e em algumas oportunidades chegou a viajar com o pai para uma das colônias.

Assim naquela tarde, tão logo encerrara a palestra, o professor Horácio pegou sua pouca bagagem e tomou o maglev de superfície que o conduziria para o espaçoporto de Gaia. Dentro daquele prodígio da engenharia, o trem magnético que alcançava velocidade de até 600 Km/h, o professor abriu sua carteira e pegou o retrato de sua falecida esposa como se estivesse manuseando uma jóia rara.

– Mais uma vez meu amor estamos saindo para estudar, e você está indo comigo novamente, como prometi que faria... Ainda hoje embarcaremos para Toris na capitania chamada Guarânea. Pena que nosso Altino não seja o capitão desta viagem... No final da semana passada, quando fui me despedir da Aurora, achei-a muito preocupada comigo, ela ficou dizendo que eu estava muito velho para essas viagens espaciais, que não deveria ir, e que estava com um mau pressentimento... Minha querida, você sabe que nunca dei muita bola para isso, mas cheguei a sentir um arrepio na coluna... Se eu não tivesse você comigo, talvez eu não tivesse mais coragem de ir...

E assim prossegui o professor com seu solilóquio enquanto o maglev deslizava velozmente sobre campos magnéticos alternados.

Referências

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