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Ação docente e desenvolvimento local : o papel do Grupo das Meninas na construção das redes de sociabilidade e desenvolvimento de Amargosa/BA

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Academic year: 2021

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DENISE MESQUITA DE MELO ALMEIDA

“AÇÃO DOCENTE E DESENVOLVIMENTO LOCAL:

O PAPEL DO GRUPO DAS MENINAS NA CONSTRUÇÃO DAS

REDES DE SOCIABILIDADE E DESENVOLVIMENTO DE

AMARGOSA/BA”

CAMPINAS

2014

(2)

z

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DENISE MESQUITA DE MELO ALMEIDA

“AÇÃO DOCENTE E DESENVOLVIMENTO LOCAL:

O PAPEL DO GRUPO DAS MENINAS NA CONSTRUÇÃO DAS REDES

DE SOCIABILIDADE E

DESENVOLVIMENTO DE AMARGOSA/BA”

Orientadora: Profa. Dra. Maria da Glória Marcondes Gohn

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação

da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação na área de concentração de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA DENISE MESQUITA DE MELO ALMEIDA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARIA DA GLÓRIA GOHN

CAMPINAS 2014

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Almeida, Denise Mesquita de Melo, 1973-

AL64a Ação docente e desenvolvimento local o papel do Grupo das Meninas na construção das redes de sociabilidade e desenvolvimento de

Amargosa/BA I Denise Mesquita de Melo Almeida. — Campinas, SP: [s.n.], 2014.

Orientador: Maria da Gloria Marcondes Gohn.

Tese (doutorado) — Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

1. Formação Docente. 2. Sociabilidade. 3. Gênero. 4. Educação. I. Gohn, Maria da Gloria Marcondes,1947-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Ill. Título.

Informacões para Biblioteca Digital

Título em outro Idioma: Teacher’sactions and local development : the role of the GirIs’Group in constructing the social and developmental networks in Amargosa, Bahia

Palavras-chave em Inglês: Teacher Training

SociabilIity Gender Education

Área de concentração: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Maria da Gloria Marcondes Gohn [Orientador] Vera Lucia Sabongi de Rossi

Izabel Cristina Petraglia

Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo Edna Maria Querido de Oliveira Chamon Data da defesa: 28-02-2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

AÇÃO DOCENTE E DESENVOLVIMENTO LOCAL: O PAPEL DO GRUPO DAS MENINAS NA CONSTRUÇÃO DAS REDES DE SOCIABILIDADE E

DESENVOLVIMENTO DE AMARGOSA/BA.

Autor : DENISE MESQUITA DE MELO ALMEIDA Orientador: Profa. Dra. Maria da Glória Marcondes Gohn

Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida por Denise Mesquita de Melo Almeida e aprovada pela Comissão Julgadora.

Data:28/02/2014 Assinatura:... Orientador COMISSÃO JULGADORA: 2014

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RESUMO:

Investigação sobre o papel de um grupo constituído pelas primeiras normalistas formadas em Amargosa/BA na construção das redes de sociabilidade e desenvolvimento da região. Sob a ótica da subjetividade, observa fragmentos de trajetórias de vida enfocando processos identitários vivenciados por mulheres que desempenharam funções de liderança e gestão de escolas públicas municipais e estaduais. Compreende-se que a ação docente extrapola o âmbito das salas de aula e das escolas, assim pesquisa a influência exercida por elas para além do sistema de ensino amargosense, mas em outros ambientes de sociabilidade locais a partir da década de 1950. O cenário é Amargosa/BA, ao sul do território de identidade do Recôncavo Sul da Bahia, fronteira com o Vale do Jiquiriçá – região que abriga o Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Palavras-chave:

Formação Docente; Redes de Sociabilidade; Gênero; Educação Sacramentina.

ABSTRACT:

Research about the role of a group constituted by the first normalists formed in Amargosa/BA in construction of sociability groups and the region development. From the perspective of subjectivity, it observes fragments of life trajectories focusing on identity processes experienced by women who do roles of leadership and management of public schools. It is understood that the teacher's action goes beyond the scope of classrooms and schools, so it researches the influence exerted by them beyond the Amargosense education system, but in other environments of local sociability from the 1950s. The setting is Amargosa/ BA, in the south identity of the Reconcavo of Bahia, bordering with Jiquiriçá Valley - a region that houses the Center for Teacher Education, Federal University of Reconcavo of Bahia.

Keywords:

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SUMÁRIO

Introdução ... 17

Parte I: Percurso Epistemológico... 33

1. Subjetividade e Gênero: referências para a observação do Grupo das Meninas e suas redes de sociabilidade... 35 1.1. Subjetividade como categoria significativa para o estudo... 40

1.2. Subjetividade sob o ponto de vista dialético... 43

1.3. Relações sociais de gênero – relações constituintes de subjetividades... 49

1.4. A escola como espaço de reprodução de ideologias... 55

1.5. Reafirmação da subjetividade das mulheres e o estudo da subjetividade das mulheres do ‘Grupo das Meninas’ de Amargosa... 57 2. Pesquisa Autobiográfica: recurso para produção de conhecimento em Educação... 63

2.1. Desafios para a pesquisa dialética em Educação... 66

2.2. Pesquisa com histórias de vida em formação - recurso para o enfrentamento aos entraves na produção de conhecimento em Educação... 69 2.3. Sobre os procedimentos de recolha e análise dos materiais biográficos... 79

2.3.1. Sobre o desenvolvimento do trabalho... 79

2.3.2. O reconhecimento do contexto... 79

2.3.3 Recolha do material biográfico... 81

2.3.4. Sobre os procedimentos para a análise... 88

Parte II: Exploração do Campo... 93

3. Os Recôncavos da Bahia e o Vale do Jiquiriçá: elementos para compreender o lugar... 95

3.1. O Território do Vale do Jiquiriçá, BA, como fonte de referências sobre a identidade de Amargosa...

101

3.2. O Território Recondino como referência de identidade histórica e econômica para Amargosa...

(7)

4. Amargosa, a Diocese e as Irmãs Sacramentinas: o percurso histórico da formação das professoras no Ginásio Santa Bernadete...

139

4.1. Século XIX: a formação da ‘Terra das Amargosas’... 143

4.2. A estrada que dá acesso ao Século XX... 149

4.3. A criação da Diocese de Amargosa e a propagação da fé católica através da Educação... 166

4.4. As Irmãs Sacramentinas em Amargosa e a organização de sua obra... 171

5. O Grupo das Meninas e suas redes de sociabilidade... 189

5.1. Sobre a Formação do Grupo das Meninas... 194

5.1.1. As Dezessete Rosas... 195

Profa. Maria Conceição da Cunha Rezende... 197

Profa. Terezinha da Cunha Rezende... 203

Profa. Regina Maria Vaz de Almeida... 205

Profa. Noélia Raimunda Passos Andrade... 209

Profa. Maria de Lourdes Pinheiro Barbosa... 213

Profa. Maria Belarmina dos Santos... 215

Suzete Rebouças Sampaio... 219

Profa. Joseny Moraes Cajado Rezende... 223

Profa. Mariza Helena Borges Sales... 227

Profa. Maria Eunice Figueiredo Andrade... 231

Profa. Iza Maria Almeida Souza... 233

Profa. Silvandira Chaves... 235

Profa. Marinalva Rodrigues Barreto... 239

Profa. Marina Izabel Borges Sales... 245

(8)

Profa. Josenita Souza Santos... 251

Profa. Maria Conceição Andrade Ribeiro... 251

5.2. Os fios que se destacam no tecido das redes de sociabilidade do Grupo das Meninas... 253

5.2.1. Educação e a constituição do sujeito feminino no Ginásio Santa Bernadete...

253

5.2.2. Etiqueta social e controle da disciplina como organizadores das normas de conduta...

259

5.2.3. As reminiscências dos ritos religiosos e da cultura francesa sobre o desenvolvimento de valores...

264

5.2.4. A verve missionária como inspiração para o exercício da docência, a gestão escolar e do voluntariado...

270

5.2.5. A aprendizagem da política no intercruzamento dos saberes proporcionados pela escola e pela família...

275

Considerações finais ou “O Grupo das Meninas e o legado cultural das Irmãs Sacramentinas para Amargosa-BA”...

283

Referências ... 297

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A Iraci, minha mãe, com gratidão. A Camila, minha filha, com um amor que não cabe no peito. E a todas as minhas alunas, com o coração repleto de esperanças.

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AGRADECIMENTOS

Quando encerramos um trabalho como este que representa uma fase de nossas vidas, não podemos fazê-lo sem expressar nossa gratidão a muitas pessoas que nos ofereceram suporte ao longo do percurso. E é isto que faço agora, apresento o meu “Muito Obrigada!” :

À Maria da Glória Gohn, minha orientadora, pelo carinho e a seriedade com que sempre acolheu a mim e às minhas propostas de trabalho.

Aos Docentes e Servidores(as) da Faculdade de Educação da Unicamp por todos os préstimos e contribuições que oferecem sempre a todos(as) nós sem esperar gratidão.

Aos colegas do Programa com quem compartilhei tantas expectativas. Em especial à Cândida Alves, que com seu companheirismo mudou minha vida!

Ao Fábio Josué, Luiz Paulo e Raul Lomanto Neto que dedicaram seu tempo e disposição para me apresentarem à Amargosa e a sua história.

A Karina Silva, D. João Nilton e às Irmãs Sacramentinas que abriram as portas de suas vidas para mim e minha família tanto para a realização deste trabalho, quanto para a organização de nossa vida em Amargosa.

Ao Grupo das Meninas de Amargosa, em especial à Profa. Conceição Rezende e Profa. Regina Vaz de Almeida pela confiança, disponibilidade e tudo o mais que ofereceram para que este trabalho se realizasse.

À Elen Linch, Leandro Rodrigues e Ryane Nascimento pelo companheirismo no desenvolvimento dos projetos relacionados ao Grupo das Meninas.

Ao Paulo Henrique Santos e Gilmara Ferreira pelo suporte na transcrição das entrevistas.

À Ana Paula Pascarelli e Mônica Leiva Luca pela amizade, cumplicidade e dedicação além da medida, sem as quais este trabalho não teria existido.

Ao Neuti, meu pai tão querido! Ao Enoch e à Irene, meus sogros que sempre cuidam de mim, mesmo à distância. E aos meus irmãos, cunhadas, sobrinho e sobrinhas pelo amor e pela torcida!

À Maria Betânia Evangelista pelo cuidado e pelo suporte na organização da minha vida diária. Aos Unatianos da Unesp de Marília pelo exemplo de entusiasmo pela vida.

Acima de tudo, agradeço ao Rodrigo, meu marido pelo amor, pela dedicação e disponibilidade sem limites para me ajudar a realizar meus sonhos!

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“Ação docente e desenvolvimento local” é uma investigação que objetiva compreender

qual o papel desempenhado por um grupo constituído por mulheres que figuram entre as primeiras normalistas formadas em Amargosa/BA na construção das redes de sociabilidade e desenvolvimento da região. Desenvolvido priorizando, entre outros aspectos, a ótica da subjetividade, este estudo observa fragmentos de trajetórias de vida enfocando processos identitários vivenciados por estas mulheres que atuaram na Educação Básica, desempenhando funções de liderança e gestão de unidades escolares públicas nas esferas municipal e estadual. A força propulsora que impulsiona a investigação é a compreensão de que os efeitos da ação docente extrapolam o âmbito das salas de aula e das escolas, por esta razão neste exercício buscamos identificar a possível influência exercida por estas professoras não apenas no processo de constituição e organização do sistema de ensino amargosense, mas também de outros ambientes de sociabilidade locais a partir da década de 1950. O cenário em que a pesquisa acontece é Amargosa/BA, município situado ao sul do território de identidade do Recôncavo Sul1 da Bahia, fazendo fronteira com o Vale do Jiquiriçá – região que abriga o Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

São enfocadas, portanto, as trajetórias de vida de um grupo de dezessete professoras. Em sua maioria formadas entre 1955 e 1966, nas primeiras turmas do Curso Normal do Ginásio Santa Bernadete de Amargosa – a primeira instituição de ensino a oferecer a formação pedagógica no Recôncavo Sul e no Vale do Jiquiriçá/BA. Essa instituição foi fundada e mantida por mais de trinta anos pela Congregação Religiosa das Irmãs Sacramentinas, de origem francesa, até ter sido incorporada ao sistema estadual de ensino da Bahia na gestão de Antônio Carlos Magalhães, na década de 1970.

Este grupo no qual concentramos nosso foco de investigação e análise autodenomina-se, de acordo com informações fornecidas por suas integrantes durante entrevistas realizadas, como

1 Para situar quem nos lê, informamos que neste trabalho tomamos como principais referências para a definição do conceito de Recôncavo as reflexões de Barickman (2003) e Brandão (2007) que apontam que tal conceito, ao longo de sua história, foi (e segue) submetido a muitas transformações. Ambos apontam o Recôncavo como uma faixa de terra surgida desde o período colonial circundando a Baía de Todos os Santos que assumiu diferentes configurações ao longo da história. Embora tenhamos pela frente os capítulos 3 e 4 que objetivam dar a conhecer a localização e a história de formação de Amargosa, adiantamos aqui brevemente que de acordo com Brandão (2007, p. 25-28), os órgãos administrativos estaduais distribuem municípios do território do Recôncavo em quatro áreas: Metropolitana de Salvador, Litoral Norte, Paraguaçu e Recôncavo Sul (acrescido de extensa área fora da Zona da Mata). Ainda segundo a autora, o território qualificado como Recôncavo Sul é constituído por municípios situados ao sul da Região Metropolitana de Salvador, à margem direita do Médio Paraguaçu e em parte do vale do Médio Jiquiriçá, sendo que alguns localizam-se já em pleno semiárido. Amargosa/BA com outros municípios integra o Território de

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O Grupo das Meninas ou A Nata das Freiras em referência afetiva à aderência do grupo à

cultura escolar e ao legado educacional que consideram ter herdado das Irmãs Sacramentinas durante sua formação docente. Desde o início de sua constituição, em 1976, O Grupo das

Meninas é composto por mulheres, normalistas egressas da mesma instituição de ensino que

tendo sido formadas à mesma época, atuaram juntas como professoras na implantação e gestão do sistema público de ensino de Amargosa exercendo funções de direção, vice-direção e coordenação pedagógica de escolas municipais e estaduais da região.

Inicialmente, e durante décadas, a finalidade do Grupo das Meninas esteve relacionada ao planejamento pedagógico e à gestão escolar, portanto, contava com reuniões semanais sistemáticas voltadas para discussões e ações direcionadas a este fim. Tais encontros aos poucos extrapolaram o âmbito das relações profissionais, expandindo o espaço para as relações pessoais, para a afetividade, para o cuidado em conjunto da espiritualidade, para o trabalho voluntário em prol da sociedade amargosense e, para compartilhar e/ou confrontar os anseios e as ações políticas vividas dentro e fora do sistema público educacional do município.

Trinta e oito anos após sua criação, o Grupo das Meninas - hoje com idades que variam entre 65 e 80 anos -, se reúne mensalmente, a título de manutenção da memória, da amizade, do lazer e do cuidado com a espiritualidade.

Contudo, o que desperta nossa atenção e nos conduz a voltar o olhar investigativo para sua direção são a consistência e a coesão deste coletivo, bem como a penetrância de seus posicionamentos na conformação dos valores e prioridades organizadoras do modo de vida da sociedade amargosense. O ir e vir e os intercruzamentos entre trajetórias individuais, do grupo e do conjunto social na divulgação e reconstrução cotidiana dos princípios políticos e morais constituintes da cultura da região através das redes de sociabilidade que as Meninas constituíram ou se engajaram ao longo da vida.

Registrar e refletir sobre a formação deste Grupo das Meninas de Amargosa é também observar a participação de professoras no processo de desenvolvimento deste território, daí também a importância deste estudo. Assim, em face dos argumentos sinalizados destacamos que neste grupo quase todas as Meninas são filhas de famílias com razoável poder aquisitivo, vinculadas parentalmente a políticos influentes tanto em nível municipal como estadual, e/ou a membros do clero da Igreja Católica. Egressas do Curso Normal do Ginásio Santa Bernadete de Amargosa/BA, desenvolveram toda sua trajetória de vida e de trabalho neste município e no seu

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entorno, ajudando a conferir corpo e substância ao sistema de ensino público da região e à conformação do modo de vida e visões de mundo que permeiam a cultura neste ‘pedacinho’ 2 do país que vem vivendo grandes mudanças nos últimos tempos.

Embora seja difícil estabelecer um limite claro entre o rural e o urbano, é possível afirmar que o cenário atual em Amargosa é eminentemente rural e empobrecido – a população recondina é muito empobrecida. A economia de Amargosa – município com aproximadamente 35 mil habitantes – baseia-se na agricultura de subsistência. A região é inteiramente entrecortada por pequenas propriedades rurais onde os produtores investem no cultivo de banana, cacau, cana-de-açúcar, café, mandioca etc. Também criam gado e, na feira livre que acontece uma vez por semana, apresentam seus produtos para comercialização.

No que se convencionou chamar de zona urbana, a ausência de empregos formais pode ser observada a olhos vistos, e os homens parecem ser mais atingidos do que as mulheres pelo fenômeno devido ao próprio processo atual de precarização das relações de trabalho 3. As mulheres prestam serviços domésticos, trabalham no comércio, mas os homens, especialmente os jovens, ficam longos períodos desocupados aguardando contatos para pontuais prestações de serviços. A preocupação com a desocupação profissional/produtiva dos jovens se agrava aos olhos da população e do poder público em razão do aumento do consumo de drogas e de atividades ligadas ao tráfico em algumas regiões do município, onde o desemprego é observado mais claramente.

Sobre o comércio pode-se observar que é bastante restrito e concentrado entre poucos comerciantes. Além disto, fragilizando ainda mais o setor percebe-se a conduta dos consumidores que mesmo para o abastecimento do dia a dia, significativa parcela da população com acesso ao consumo opta por realizar seus investimentos em Salvador e/ou em Santo Antônio de Jesus/BA – um município-polo comercial da região, com aproximadamente 100 mil habitantes, e distante 45 km de Amargosa.

Ainda delicada também é a organização do setor de serviços, que é fortemente marcado pela informalidade nas relações de trabalho e pela fragilidade da qualificação profissional nos serviços prestados. Pela insuficiência e/ou ausência de políticas de formação disponíveis à

2 Alusão ao slogan utilizado pela última gestão petista na administração municipal (2009-2012) para se referir ao município: “Amargosa, meu pedacinho de Brasil!”.

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população, verifica-se que os prestadores de serviços, em sua maioria, aprendem seu ofício no próprio processo de exercício do trabalho, na tentativa e erro, sem o preparo formal e técnico-científico para suas profissões.

De outro lado, a presença do Estado tem sido contraditória neste território. Embora Amargosa abrigue sedes regionais de agências destinadas à implantação e regulação de políticas públicas como a 29ª Diretoria Regional de Educação/BA, a 29ª Diretoria Regional de Saúde/BA, Fórum, Tribunal Eleitoral, entre outras, percebe-se a ausência de cuidados à população no que se refere à atenção básica em todos os sentidos – educação, saúde, esporte, lazer, transportes. A quantidade e a qualidade do atendimento ainda são bastante precárias, em especial no que se refere à saúde e ao saneamento básico. Água encanada e energia elétrica ainda não estão disponíveis em boa parte das residências na zona rural, e até mesmo nas residências situadas no centro da cidade os dejetos do cotidiano são descartados em fossas higiênicas particulares em lugar de serem recolhidos e tratados por uma rede pública de tratamento de esgoto.

Um estado de estagnação que desperta atenção quando tomamos em consideração a história de desenvolvimento deste lugar, que já teve tanta importância para o Estado da Bahia que chegou a ter moeda própria (!)4. Um município que até 1930-1940 teve a função de ser o elo entre a costa e o sertão, entre a capital e o interior. Nesse período uma única estrada de ferro era utilizada para escoar a produção agrícola para a capital e tinha Amargosa como sua última parada. Este fato lhe conferia muita importância política e econômica no cenário estadual. O comércio do café produzido na região, por exemplo, era estabelecido diretamente com a França, Amargosa o produzia com o objetivo de para lá exportar sua produção. Vale observar ainda, que no âmbito cultural, a cidade não deixava nada a desejar: na década de 1930 teve cinema e teatro bastante respeitados.

A promessa de continuidade na construção da referida ferrovia em direção ao sertão animava o desenvolvimento socioeconômico da região. Entretanto, alguns estudiosos 5 apontam que algumas escolhas realizadas pelo governo federal ao longo da década de 1940 terminaram

não apenas por interromper tal construção, mas também por desativar a utilização da via. Em substituição, assistiu-se à construção de duas rodovias federais, as BR’s 101 e 116, distantes o

suficiente de Amargosa para a tornarem ilhada e proporcionarem a transferência do eixo de

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relevância política e econômica regional para o município de Santo Antônio de Jesus. Amargosa faliu e o sertão ficou ainda mais distante da capital do que já era.

Mas a história recente aponta entre as principais alternativas percebidas pelos gestores locais das últimas décadas para a retomada de seu desenvolvimento o investimento na Festa do São João e (mais recente ainda) a instalação do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia no município.

Tradicionais como em todo o Recôncavo, os festejos juninos de Amargosa inicialmente apresentavam características de festas familiares significativamente assinaladas por contornos religiosos, e não pelos atributos que marcam as festas de largo. Contudo, desde a década de 1990, houve uma excepcional dedicação do governo local, desde a primeira gestão de um governo de partido de esquerda – sob o comando da Prefeita Iracy Silva, na direção da construção do que hoje se apresenta: uma Festa de São João, com duração variando de quatro a dez dias consecutivos, levada para as praças públicas, animada por artistas de renome e inscrita no cenário das festas de largo populares mais famosas do Estado da Bahia. Posteriormente, aliado a este movimento que imprimiu feições relacionadas ao turismo e ao desenvolvimento econômico regional, os gestores municipais – então representados pelo Partido dos Trabalhadores, na figura do Prefeito Valmir Sampaio – com o apoio da população, desempenharam esforços e conquistaram a instalação do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia em Amargosa em meados de 2005.

Mesmo que, sob o ponto de vista econômico, em 2013 já se tenha percebido desgaste nas comemorações juninas e certa decepção da população em relação ao potencial mobilizador do recém-inaugurado campus universitário, é inegável a movimentação da condição econômica da população em geral nestas últimas duas décadas. Nesse período verificou-se em especial o aquecimento do comércio, da construção civil e do mercado imobiliário.

Ao longo desse processo histórico, as Meninas do Grupo viveram sua formação e foram marcadas também subjetivamente pelo declínio do prestígio econômico e político de Amargosa, e sob estas marcas desenvolveram sua trajetória profissional no período da estagnação seguido pelos embates que resultaram na retomada do desenvolvimento do município.

Frente às peculiaridades desta região que urge por um desenvolvimento social através da construção de relações democráticas, neste estudo nos interessa conhecer o ir e vir, a dinâmica da relação entre os processos individuais e coletivos vivenciados por estas professoras no

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movimento de constituição de suas identidades. Sobretudo, em termos de efeitos ou consequências destes deslocamentos identitários – frutos das diferentes experiências formativas vivenciadas por estas mulheres –, para a orientação de suas ações nas redes de sociabilidade que constituíram, para a organização de suas intervenções no conjunto social que conforma o cenário apresentado.

Nesse sentido, cabe mencionar que esta proposta de investigação surge em nosso horizonte como fruto de uma trajetória de sensibilização para o estudo da subjetividade de mulheres, mas também como efeito da necessidade de produzir conhecimentos sobre a realidade local que possam ser convertidos em subsídios para a formação de novos docentes nesta região – um olhar para o passado que permita compreender o presente planejando o futuro. Observamos que há algum tempo nos relacionamos com trajetórias de vida, e, particularmente com trajetórias de mulheres. Militando no movimento de mulheres, exercendo a clínica psicológica, desenvolvendo pesquisas acadêmicas, e, até mesmo em sala de aula, no exercício da docência formando novos docentes nos interessamos por conhecer trajetórias de vida de mulheres em desenvolvimento. Sensibilizamo-nos à observação das trajetórias pelo convívio com as discussões sobre desigualdade entre os sexos, a violência e a discriminação praticada contra as mulheres, sobre as transformações econômicas e nos modos de vida, entre outras bandeiras de luta dos movimentos de mulheres em nosso país. Movemo-nos em direção às trajetórias também através da escuta psicológica, que nos colocaram frente aos discursos de professoras, gestoras de ensino e de outras trabalhadoras da Educação em relação aos seus dramas cotidianos, aos conflitos vivenciados por elas em seus deslocamentos identitários no trabalho, na luta política, na vivência familiar, afetiva, amorosa etc.

Foi a partir destas referências que fomos impulsionadas tanto a observar os caminhos percorridos por mulheres na escolha pela docência como recurso para a satisfação de suas necessidades objetivas e subjetivas no contexto de um processo avançado de desvalorização da escola pública e do magistério de um modo geral, quanto a questionar sobre os efeitos produzidos por esta escolha e os caminhos percorridos individualmente para sua realização sobre o universo social em que exerceram suas ações docentes.

Mas foi um conjunto de oportunidades de reflexão aliado à necessidade de planejar futuros processos de formação docente que resultem em contribuições para o desenvolvimento social nesta região do Recôncavo da Bahia que nos sensibilizou a olhar para trajetória deste

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grupo de mulheres, seu processo formativo individual e suas intervenções na coletividade – para as redes de sociabilidade que constituíram, renovando, reproduzindo e divulgando princípios que nortearam sua própria formação. A inspiração a esta reflexão provém da dialética marxiana que nos propõe que os homens são “o quê” e “o como” produzem os meios para sua própria sobrevivência, indicando que

o modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, política e social. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência e o seu próprio modo de agir sobre o mundo (MARX, 1999, p.52).

Imbuído desta proposição, o questionamento sobre os processos pelos quais se dá a singularização, em trajetórias de vida individuais, das diversas e plurais experiências educativas, sociais e profissionais vividas por todas estas mulheres nos caminhos que trilharam vem orientando nosso percurso de investigação. Desse modo, nos unimos a outros pesquisadores que se preocupam com o processo de formação docente, buscando aprender a perceber as experiências concretas e as representações simbólicas que são paulatinamente internalizadas ao longo da construção das identidades docentes. Neste contexto de tomada das trajetórias de vida como instrumento de investigação e de formação é que olhamos para o Grupo das Meninas e nos perguntamos: Quais foram as experiências educativas vividas por estas mulheres? Quais foram os grupos sociais com quem dialogaram durante estas experiências? Quais foram os universos de identidade com os quais interagiram? Que sentidos para docência foram construídos a partir destas experiências? Estes sentidos ainda estão presentes na organização do sistema de ensino de Amargosa/BA? Que marcas elas deixaram na organização da sociabilidade amargosense? O que a vivência delas ensina para Amargosa e para novos(as) educadores(as)?

Nesse contexto tratamos, portanto, de um estudo sobre mulheres que se constituíram como professoras tendo assumido a função de gestoras de unidades escolares por longos períodos de suas vidas, e deste lugar interagiram com Amargosa, compuseram redes de sociabilidade através das quais, entre outras intervenções, implantaram o sistema público de Educação Básica no município. As redes de sociabilidade neste trabalho são pensadas como lugares sociais – ambientes geográficos e afetivos em qualquer nível de institucionalização – onde sujeitos interagem produzindo e organizando formas de conviver entre si. A ideia de rede, tal como sugere Gomes (1993, p.64-65) remete às vinculações que permitem aos sujeitos se aproximarem, conviverem e se agruparem permanentemente ou não,

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remete às estruturas organizacionais da sociabilidade através de múltiplas e diferentes formas que se alteram com o tempo, mas que têm como ponto nodal o fato de se constituírem nos loci de aprendizagem e trocas intelectuais (GOMES, 1993, p.65).

Como loci de aprendizagem e trocas intelectuais, as redes de sociabilidade constituem contextos onde modos de vida são criados e transformados objetiva e subjetivamente. As redes são contextos onde subjetividades são produzidas e transformadas. Portanto, procedemos neste estudo tomando o conceito de subjetividade inscrito num marco referencial que estabelece o diálogo entre a psicologia histórico-cultural e a psicologia social de matriz dialética, através do

qual é possível tomar “o desenvolvimento de nossas reações [como] a história de nossa vida” (VIGOTSKI, 2001, p.33). Uma perspectiva, portanto, que toma o ser humano como um ser que se diferencia dos outros animais pela capacidade de produzir sua própria condição de existência, além de perceber que o fator decisivo do comportamento humano, na produção de sua vida material e intelectual, é o fator social, cultural. Alexis Leontiev (1977, p. 279) afirma que “o homem é um ser de natureza social, [e] que tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade”. Com isso, o modo como o ser humano produz sua existência determina tanto seu modo de vida e das relações que estabelece na organização de sua sociabilidade, como também a constituição de sua consciência.

Em Lev S. Vigotski (1998) as relações sociais vividas concretamente pelo indivíduo são “internalizadas”, convertendo-se em funções psicológicas através do processo de “reconstrução interna das operações externas” (VIGOTSKI, 1998, p.74). Sob esta perspectiva, trata-se de afirmar que a constituição da subjetividade humana “é um processo interpessoal transformado num processo intrapessoal. E que todas as funções psicológicas superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos” (VIGOTSKI, 1998, p.75). Deste modo, pensar trajetórias de vida pressupõe um ir e vir continuo entre indivíduo e coletividade, posto que a subjetividade humana é tomada enquanto a síntese, ou a expressão da própria realidade de cada sujeito. Expressão de sua realidade singular e expressão da realidade social em que vivem entrelaçadas, misturadas.

Portanto, as relações de classe, gênero, etnia, vivência religiosa, categorias profissionais, modo de vida, valores, práticas cotidianas constituem a singularidade de cada sujeito. Embora haja que se destacar o alerta oferecido por K. Kosik (1976, p.249) quando este afirma que

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o homem não está emparedado na subjetividade da raça, da sociabilidade e dos projetos subjetivos nos quais, de diversas maneiras, sempre definiu a si mesmo; mas com sua existência [...], tem a capacidade de superar a própria subjetividade (KOSIK, 1976, p.249).

Para a compreensão do tema relativo à subjetividade, das matrizes histórico-sociais do psiquismo humano e da personalidade, e da relação indivíduo-coletividade, além de recorrermos aos estudos dos psicólogos soviéticos Lev. S. Vigotski (1998, 2001, e 2003) e Alexis Leontiev (1977), buscamos também as análises e as contribuições do médico psiquiatra francês Bernard Doray (1989), do filósofo francês Lucien Sève (1989a, 1989b, 2001), dos psicólogos brasileiros Sílvia Lane (1992, 2000) e Antônio Ciampa (1992, 1999) e, do psicólogo cubano Gonzáles-Rey (2000), entre outros. O diálogo com os estudos de Françóis Dubet (2001, 2003) e Anne Marie Wautier (2004) também são importantes neste estudo para a reflexão acerca da dimensão intersubjetiva presente no processo de constituição da subjetividade.

Na busca de respostas para os questionamentos relacionados à dimensão do gênero, que também perpassam transversalmente este trabalho, percorremos estudos inscritos no universo das produções teóricas feministas. Consideramos desde os estudos das pesquisadoras norte-americanas, Tilly (1994), Scott (1994, 2005), Judith Butler (1998, 2007), Nancy Fraser (2002, 2007, 2009), das(os) francesas(es) M. Perrot (1995, 1996), E. Badinter (1985) e, de Alain Touraine (1998, 2007), entre outros – que como estes, abordam a questão das mulheres e do gênero na história sob pontos de vista epistemológicos distintos, e até mesmo divergentes em alguns casos. Mas, estes estudos nos ajudaram a compreender os debates sobre a produção de conhecimentos relativos à História, à História das Mulheres, ao feminismo, à produção do conceito de gênero e às reviravoltas que esta produção engendrou no próprio modo de produzir conhecimentos e de organizar as relações sociais.

Contudo, destacamos que nosso estudo é um estudo sobre mulheres e seus modos de vida, e nossa análise respalda-se na perspectiva de pesquisadoras inspiradas nas teorias feministas que alicerçam suas considerações no universo referencial dialético e compartilham da ideia de que “o problema das relações entre os sexos, em suas modalidades sociológica, econômica e psicológica, é fruto de uma estrutura única”, como nos informa Bérengère Marques-Pereira (2009, p. 35). Estrutura esta que não “é tributária de uma realidade ontológica natural, mas sim, trata-se de uma realidade culturalmente construída” e, portanto, passível de ser transformada. Deste modo, o nosso olhar para mulheres e a concepção de gênero que norteia esta reflexão

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coaduna com a percepção de Danièle Kergoat (2009, p.67), segundo a qual “as condições em que vivem homens e mulheres não são produtos de um destino biológico, mas, sobretudo, construções sociais”. Para a autora, “homens e mulheres não são uma coleção – ou duas – de indivíduos biologicamente diferentes”. Ela os define como constituintes de “dois grupos sociais

envolvidos numa relação social específica: as relações sociais de sexo”. E, destaca que

estas, como todas as relações sociais, possuem uma base material, no caso o trabalho, e se exprimem por meio da divisão sexual do trabalho entre os sexos, chamada, concisamente, divisão sexual do trabalho (KERGOAT, 2009, p.67).

Deste modo, figuram entre as autoras que nos ajudam a balizar nosso olhar, Helena Hirata (2007, 2009, 2011), D. Kèrgoat (2009, 2010), Chauí (1984), N. Aguiar (1997), Souza-Lobo (1987, 1991), e outras. E, para conhecer a história das mulheres, as relações entre as mulheres e o mundo do trabalho, a política, a educação, e a história dos movimentos de mulheres no Brasil, dialogamos também com Gohn (2007, 2010), Brabo (2005, 2009), Segnini (1998), Gebara (2000), Soihet (1997, 2000), entre outras autoras que vêm produzindo significativas produções em nosso país.

Em linhas gerais, este estudo, ao reconstruir a trajetória do Grupo das Meninas enfocando as redes de sociabilidade constituídas por elas, discute a relação entre as mulheres amargosenses e o mundo do trabalho; a importância do trabalho de mulheres na constituição de redes de sociabilidade, na organização do sistema de ensino municipal e o efeito destas interações no conjunto societário local; abre-se à observação do modelo de gestão da escola e da relação entre escola-comunidade, escola-política-governo praticado em Amargosa/BA; a relação entre mulheres, política, igreja e educação, entre outros temas que a própria trajetória do grupo nos indicou. Todavia, em todos estes aprofundamentos, este estudo toma o trabalho como elemento fundante da subjetividade humana, investigando processos de deslocamentos identitários vivenciados por estas professoras em decorrência de sua atuação profissional e das redes de sociabilidade que constituíram, e identifica através de seus próprios discursos as transformações ocorridas no universo onde realizaram suas intervenções.

Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa configura-se como um estudo sobre trajetórias de vida. Identifica entre as mulheres, professoras formadas pelas Irmãs Sacramentinas, no Curso Normal do Ginásio Santa Bernadete no período transcorrido entre 1955

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abstrai informações sobre sua formação pessoal, profissional e acadêmica. Investiga sua trajetória de formação e participação política, busca perceber os significados que elas construíram para a docência e a gestão escolar, persegue indícios das noções que elaboraram para representar o impacto de sua identidade, de sua singularidade, tanto sobre o exercício de sua profissão, quanto sobre a formação da cultura, da política, e da estética da comunidade em que atuaram – enfoca, portanto, as redes de sociabilidade mais significativas constituídas pelo grupo. O estudo observa os conflitos de gênero vivenciados por elas no exercício da profissão; nota os efeitos conferidos pelo exercício do trabalho, na relação com o outro e consigo mesmas; identifica os reflexos da condição de professoras e gestoras na construção de suas autoimagens e destaca dimensões, subjetivas e afetivas, que permearam o exercício de sua profissão no contexto sulrecondino.

Enquanto estudo sobre trajetórias de sujeitos, constituídas e constituintes das tramas das relações sociais mais amplas que tocam a escola e a comunidade, articula conhecimentos da Psicologia e dos processos educacionais à produção de conhecimento sobre o universo subjetivo e simbólico constituintes das relações culturais que permeiam a organização dos sistemas de ensino desta importante região do estado da Bahia. Ao mesmo tempo, esforça-se no sentido de que estudos calcados na tradição dialética materialista norteiem a opção metodológica, permitindo referenciar desde a própria noção de sujeito e de subjetividade e das relações sociais de gênero, até a compreensão do processo do desenrolar de suas histórias de vida.

Portanto, para o desenvolvimento metodológico desta pesquisa, considerando as orientações de Nosella e Buffa (2005, 2009), de Saviani (2004, 2006), e outros, sobre o processo de produção de pesquisa dialética em Educação, colocamos em diálogo a concepção dialética que fundamenta nossa visão de mundo, de homem e de processo de constituição da subjetividade, com as reflexões de autores como Queiróz (1988, 2007), Bueno (2002), Catani (1993, 1996, 2006), Ferrarotti (2010), Finger (2010), Nóvoa (2010), Passeggi (2010), Souza (2008, 2010), Thompson (1998), que desde a década de 1970 vêm defendendo a utilização do método biográfico na produção de conhecimento nas Ciências Sociais e nas Ciências da Educação. Para estes autores o método (auto)biográfico permite a produção de conhecimentos com e a partir de histórias de vida e, as histórias de vida neste processo são tomadas como instrumento de investigação e de formação.

De acordo com Ferrarotti (2010, p. 44), o método biográfico remete à descrição de percursos vividos durante a formação dos sujeitos, portanto, para ele, “todas as autobiografias

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relatam uma práxis humana”, razão pela qual a análise destes caminhos deve converter-se num processo formativo. Finger & Nóvoa (2010, p. 21) apontam que a formação deve ser entendida como “uma tomada de consciência reflexiva de toda uma trajetória de vida percorrida no passado” com vistas ao presente e ao futuro. Assim, com o método biográfico é possível tomar dada história de vida como ponto de partida para a análise do processo de formação dos sujeitos. O método biográfico permite conhecer não apenas os percursos e as trajetórias individuais de formação, mas, sobretudo, torna possível a apreciação do movimento de articulação entre os conteúdos da formação e o trajeto concreto vivido, a continuidade entre os diversos conteúdos, a coerência entre o plano de formação e o processo biográfico construído. Concordando com a afirmação de que “é fundamental que a abordagem biográfica não deslize no sentido de favorecer uma atitude intimista (e não participada), à medida que tal poderia dificultar a meta teórica a atingir” (FINGER & NÓVOA, 2010, p.28), respaldamos nossas investigações na argumentação de Ferrarotti (2010) segundo a qual “as autobiografias permitem o trânsito de verdades gerais para as verdades individuais e, o contrário também” (FERRAROTTI, 2010, p.44).

Com isto, este estudo das trajetórias de vida e de formação destas professoras que constituem o “Grupo das Meninas” e são refletidas nas redes de sociabilidade que estabeleceram considera que suas narrativas (auto)biográficas contém toda a realidade objetiva que elas viveram, e percebe que a relação entre a história social e a de suas vidas singulares é estreita, embora não se trate de nenhum determinismo. Este estudo considera que o movimento de internalização do social promove processos de ressignificação que o desestrutura e o reestrutura, conferindo-lhe nova forma subjetiva e objetiva. Nesta perspectiva, portanto, o estudo das trajetórias de vida e formação das professoras que constituem o Grupo das Meninas e das redes de sociabilidade que elas constituíram neste percurso, além de nos dar a conhecer sobre o percurso individual de cada uma delas, e do próprio grupo, nos permite uma maneira de conhecer os processos de transformação da história dos modos de vida das mulheres de classe média, classe média alta e classe alta de Amargosa durante o período abrangido pela pesquisa. Mas, sobretudo, nos oferece outra maneira de conhecer a história das mulheres amargosenses, a história da Educação de Amargosa/BA, a história do município de Amargosa/BA.

Desta forma, entendemos ser possível construir respostas ou indícios reflexivos acerca dos questionamentos que deram origem a esta proposta de pesquisa. Indícios que nos ajudem a conhecer e compreender as experiências educativas vividas por estas mulheres. Reconhecer quais

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foram os grupos sociais com quem dialogaram durante estas experiências, quais foram os universos de identidade com os quais interagiram durante o percurso de suas trajetórias. Perceber quais foram os sentidos relacionados à docência que foram construídos a partir destas experiências educativas, bem como observar se estes sentidos ainda estão presentes na organização do sistema de ensino de Amargosa/BA. Ansiamos, sobretudo, que este caminho de investigação nos permita ver e compreender através da observação das redes de sociabilidade constituídas pelo grupo as marcas que estas Meninas, professoras, deixaram na organização da sociabilidade, na cultura, na estética e na política de Amargosa/BA. E, por fim, que nos ajude captar o que a vivência delas ensina para Amargosa e para novas(os) educadoras(es).

Sendo assim, objetivando mostrar o caminho pelo qual desenvolvemos esta investigação organizamos a exposição deste texto em duas partes. Na primeira delas apresentamos o percurso epistemológico que nos orientou. Discutimos os conceitos de subjetividade e gênero como referências significativas para a observação do Grupo das Meninas e suas redes de sociabilidade propondo a referência materialista dialética como balize para nossos movimentos investigativos. Nesta parte ainda apresentamos a pesquisa autobiográfica como recurso para produção de conhecimento em Educação, refletindo sobre os desafios para a pesquisa dialética neste campo e propondo a pesquisa com histórias de vida em formação como recurso para o enfrentamento aos entraves na produção deste tipo de conhecimento. Neste ponto apresentamos também a dimensão prática da pesquisa, descrevendo os procedimentos desempenhados para sua realização.

Na segunda parte do texto conduzimos à exploração do campo propriamente dito, onde a investigação efetivamente tomou corpo. Percorremos os Recôncavos da Bahia e o Vale do Jiquiriçá em busca de elementos para compreender o lugar onde as trajetórias de vida das

Meninas do Grupo se desenvolveram. Localizamos o território do Vale do Jiquiriçá, BA, como

fonte de referências sobre a identidade de Amargosa e o território Recondino como referência de identidade histórica e econômica deste município que recebeu a Congregação das Irmãs do Santíssimo Sacramento que ofereceram os primeiros recursos para a formação pedagógica de professoras nesta região. Exploramos historicamente a trajetória de Amargosa, de sua Diocese e a trajetória das Irmãs Sacramentinas no município como forma de conhecer o percurso dos processos de formação vivenciados pelas professoras no Ginásio Santa Bernadete. Dedicamo-nos propriamente a apresentar o Grupo das Meninas e a analisar os fios que se destacaram na tessitura de suas redes de sociabilidade. A saber, a concepção de Educação e os processos de

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constituição do sujeito feminino no Ginásio Santa Bernadete; a etiqueta social e o controle da disciplina como organizadores de suas normas de conduta; as reminiscências dos ritos religiosos e da cultura francesa sobre o desenvolvimento de seus valores morais; a verve missionária como inspiração para o exercício da docência, da gestão escolar e do voluntariado; e, a aprendizagem da política vivida pelas Meninas do Grupo no intercruzamento dos saberes proporcionado pela escola e por suas famílias. E, por fim, tecemos nossas considerações finais concluindo que o papel desempenhado pelo Grupo das Meninas na construção das redes de sociabilidade e desenvolvimento de Amargosa não poderia ter sido outro que não o da comunicação e da tentativa de continuidade ao projeto pedagógico e civilizatório iniciado pelas Irmãs Sacramentinas neste município.

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PARTE

I

P

ERCURSO

(27)

CAPÍTULO

1

S

UBJETIVIDADE

E

G

ÊNERO

:

REFERÊNCIAS

PARA

A

OBSERVAÇÃO DO

G

RUPO DAS

M

ENINAS E SUAS REDES DE

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Neste estudo, direcionamos a atenção para o processo de construção da subjetividade de professoras que desempenharam funções diretamente relacionadas à gestão da escola e através das redes de sociabilidade que estabeleceram ao longo da vida, por meio das quais interagiram com o município, e entre outras ações, se empenharam na tarefa de planejar e implantar o sistema de ensino público em Amargosa. Entendemos que todos os estudos sobre trajetórias de vida ensinam sobre sujeitos e suas singularidades e podem converter-se em instrumento para construção de mecanismos emancipatórios. Por isso, dedicamo-nos a conhecer através das trajetórias e das redes de sociabilidade por elas constituídas como veio se organizando ao longo do tempo e das experiências vividas o universo subjetivo destas mulheres do Grupo das Meninas que se fizeram professoras, autoridades de referência nas comunidades em que atuaram, Supervisoras de Ensino, Diretoras de Unidades Escolares e Coordenadoras Pedagógicas, vinculadas à rede pública de ensino (tanto em nível municipal como estadual) neste município, no Vale do Jiquiriçá/BA.

Para tanto, temos como elemento de fundamental importância nesta reflexão o fato de este grupo de gestoras, o Grupo das Meninas, ser aqui percebido como um sujeito social

coletivo.

A ideia central que nos mobiliza é a que nos conduz à percepção deste sujeito social

coletivo como um “educador social” tal como definido por Gohn (2010a, p.17). Para a autora, o

“educador social” é aquele sujeito que objetivamente influencia/interfere na conformação da cultura política, estética, moral, não apenas na vida da comunidade onde inscreve sua atuação, mas no conjunto societário como um todo. Consideramos ser apropriado relacionar este conceito à atuação docente, uma vez que o fazer pedagógico de professores(as) não se encerra na transmissão vertical de conhecimentos. Ao contrário, a ação docente implica necessariamente o diálogo entre diferentes atores e reverbera através da múltipla e complexa trama de relacionamentos, de redes de sociabilidade que se intercruzam, tocando-se convergentemente em algum momento na escola. A palavra pronunciada, em especial por professores(as), pode viajar (de maneira planejada ou não) até lugares improváveis através do conjunto incontrolável de redes de sociabilidade que se conectam à sua ação docente. Há ainda a força da identidade docente que pesa sobre a palavra pronunciada, conferindo-lhe um pressuposto estatuto de credibilidade que a impulsiona com ainda mais intensidade a transitar pelos filamentos destas redes, fazendo com que possa chegar ainda mais longe. Existe, portanto, um fluxo corrente de informações e

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conhecimentos produzidos que tanto partem da escola, quanto a atravessam, extrapolam seus muros e através destas redes de sociabilidade são comunicados a outros atores conectando-os e criando oportunidades para que a ação docente interfira de maneira abrangente e significativa no

modus operandi do conjunto societário mais amplo.

Então aqui tomamos o Grupo das Meninas como um sujeito social coletivo, educador social, que através de sua atuação docente e status social foi capaz de interferir de diferentes formas no cenário amargosense, contribuindo a sua maneira para a promoção do desenvolvimento desta região. Por esta razão, analisamos aspectos da organização de suas trajetórias de formação pessoal e profissional que definiram seu modo de ser ao longo da vida em seu próprio mundo social. Direcionamos nosso olhar para as redes de sociabilidade através das quais as mulheres do Grupo das Meninas interagiram na cena política, social e cultural deste município em que se desenvolveram enquanto sujeitos e realizaram sua atuação político-profissional. Observamos em seus discursos os seus valores, sua práxis social e política – sua participação em associações, em processos eleitorais, em ações de solidariedade, em sua formação religiosa, na constituição e organização de sua dinâmica familiar, entre outros elementos/meios que dispuseram para a realização da influência exercida.

Cabe ressaltar que nosso estudo desenha-se num cenário amplo. Um cenário marcado, por um lado, pelo avanço das políticas delineadas no arcabouço teórico e prático que caracteriza o neoliberalismo, onde entre outras diretrizes, a minimização das possibilidades de intervenção do Estado na organização da vida pública é frequentemente acenada. Por outro lado, este cenário é marcado por processos de democratização social e política, engendrados pela intensificação da participação da sociedade civil organizada, através de suas lutas sociais. Lutas que, visando mudanças na ordem política do país, vêm promovendo significativa transformação no próprio modelo de exercício da cidadania – que transmuta de um modelo de cidadania assistida, para o modelo de cidadania política. De onde decorre, entre outras, a intensificação da demanda por participação da sociedade civil na agenda das políticas públicas. Participação que só pode acontecer na medida em que os sujeitos vivenciam a oportunidade de conhecer sobre si mesmos, de identificar seu lugar e papel nas relações sociais que estabelece, de pensar, de escolher, de decidir. Aprendizagens que só são possíveis através da experiência compartilhada com a coletividade, através das redes de sociabilidade que constituímos no percurso de nossa constituição enquanto sujeitos.

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As políticas educacionais não permanecem isentas neste processo. Os conceitos referentes à representação de poder, ao lugar e ao papel dos(as) gestores(as), professores(as) e de toda a comunidade escolar convertem-se em elementos que engendram uma nova percepção social acerca do papel destes(as) atores(atrizes). Assim, quando percebemos em nosso país todo um corpo de educadores(as) invisibilizado, fragilizado em suas convicções relativas à construção de uma educação que configure efetivas oportunidades emancipatórias, colocamo-nos em estado de alerta: estamos diante de um desafio a ser investigado. As consequências da “descatexização” das funções pedagógicas podem acarretar profundos e duradouros danos à construção de qualquer projeto educacional de cunho democrático em nossa sociedade.

Entretanto, se nutrimos a esperança de que os anseios coletivos na Educação sejam reavivados, através da construção da gestão democrática da escola, por exemplo, e com ela pensar na possibilidade da construção da emancipação humana, precisamos refletir tanto acerca dos processos e das relações que constituem a esfera da vida cotidiana, quanto sobre as formas de exploração e de dominação social que nela se configuram. Neste contexto, a noção de subjetividade se coloca, para nós, como objeto de reflexão e análise quando buscamos compreender como os valores projetados por determinado modelo de organização da vida social e produtiva são vivenciados na sua construção prática. A questão que se impõe refere-se ao modo como as práticas educativas - capazes de construir e desconstruir mecanismos emancipatórios - e as relações decorrentes deste processo vinculam-se à constituição da subjetividade de cada homem e de cada mulher, singularmente, no seu cotidiano. As perguntas que emergem, portanto, se relacionam (1) à necessidade de compreender o modo como cada sujeito se constitui como tal, e (2) o que decorre desta constituição para sua intervenção no mundo social onde vivencia sua sociabilidade.

Sem perder de vistas que esperávamos, com este estudo, compreender quais foram as experiências educativas que as mulheres do Grupo das Meninas viveram, os diálogos sociais que estabeleceram, seus interlocutores, os significados construídos para a docência e as marcas deixadas por elas e suas aprendizagens em Amargosa. Sem perder de vistas que desejamos ver

como a vida delas se entrelaça com a vida do lugar, com a organização da sociabilidade, sua cultura, estética e a política; se ansiamos captar o que a vivência destas mulheres ensina para Amargosa e para os novos educadores, então a dimensão da subjetividade desponta diante de nossos olhos como elemento bastante significativo a ser considerado.

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Quando tomamos a Educação e os processos de formação docente entre as mais importantes estratégias para a realização de intervenções sociais com poder de transformar longitudinalmente o modo de vida de uma sociedade, então a preocupação com a compreensão dos processos de constituição da subjetividade insurge como questão importante. Transformações sociais perenes apenas são possíveis desde que seu planejamento e implementação considerem a articulação entre suas dimensões objetivas e subjetivas. O olhar para a dimensão da subjetividade permite compreender os processos pelos quais sujeitos concretos internalizam e produzem significados singulares para referências culturais constituídas socialmente ao longo da história.

Assim, na produção de conhecimentos que possam impactar sobre o processo de formação docente, apresentando elementos que subsidiem a promoção de tais transformações, os temas da subjetividade, e das relações sociais de gênero - como integrantes da primeira –, não podem ser deixados de lado, nem ser tratados de modo abstrato, alienado de lutas sociais mais abrangentes. Por isso apresentamos aqui a subjetividade, vista sob o ponto de vista dialético, como uma categoria significativa para o estudo sobre o papel do Grupo das Meninas na construção das redes de sociabilidade e desenvolvimento de Amargosa/BA e situamos nos marcos do processo de sua constituição a discussão sobre as relações de gênero como tema que atravessa transversalmente esta investigação que tem como foco a trajetória de mulheres.

1.1 Subjetividade como categoria significativa para o estudo

Temos procurado defender a subjetividade como uma categoria significativa para o estudo de processos que subsidiem planejamento de transformações sociais com vistas à promoção da emancipação humana em qualquer que seja nossa área de atuação. Para isto, iniciamos nosso estudo sobre a subjetividade buscando a própria origem da palavra6. Esta investigação permitiu perceber que inicialmente a noção de subjetividade foi tomada como sinônimo de uma qualidade daquilo que é subjetivo, referente à experiência individual, àquilo que está relacionado ao sujeito e, posteriormente, mudou de sentido, tendo passado a significar uma característica inalienável ao sujeito. Portanto, de adjetivo, passou à essência. Como tal, se relacionou à ideia de que parte da experiência humana é íntima e inacessível aos outros, assim

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sendo, ligada às ideias de privacidade, de liberdade, solidão, originalidade e, exclusividade na experiência vivida. Por esta razão, por sua relação intrínseca ao conceito cartesiano de sujeito – aquele capaz de pensar, decidir e agir individualmente, desde que regido por leis racionais e universais – foi intensamente discutida e contradita ao longo de toda a modernidade (HABERMAS, 1990).

Compreendendo que as condições objetivas da existência humana imprimiram suas características também sobre o desenvolvimento do conceito de subjetividade ao longo de sua história, julgamos importante nos apropriar dos conflitos estabelecidos entre a noção de subjetividade e o conceito moderno de sujeito. Para isto, procuramos entender a gênese do problema conceitual apontado como intrínseco à ideia de sujeito produzida na e pela modernidade. Deste modo, observamos que o problema central com o qual a sociedade moderna veio se confrontando foi engendrado pelo próprio fato de a ideia moderna de sujeito conter, em si, a noção de que cada sujeito pode interferir, concreta e objetivamente, no desenho de seu próprio destino e no destino da coletividade onde vivencia sua sociabilidade. Com a proposição da noção de consciência de si, a modernidade apresentou a possibilidade de desnaturalizar tanto o sentido da ordem social quanto o princípio do juízo moral, bem como criou condições para o surgimento de reivindicações relativas à igualdade dos direitos civis a todos os sujeitos (TOURAINE, 1998). A organização da vida social, tanto pública quanto privada, foi profundamente afetada por este novo modo de pensar sobre si mesmo e sobre a coletividade. A ordem das relações de mando e submissão sofreu mudanças significativas quando servos passaram a ser tomados como homens, trabalhadores, com posse e propriedade sobre sua própria força de trabalho, livres para vender sua força de trabalho, concorrer, ascender socialmente por mérito próprio, prosperar sempre que suas capacidades individuais assim lhes permitissem. Servos foram convertidos em cidadãos.

Contudo, rapidamente a materialidade da vida cotidiana tratou de demonstrar a fragilidade e o embuste do novo estatuto. O confronto entre a promessa de liberdade absoluta do sujeito e suas possibilidades objetivas de realização gerou discursos críticos, pronunciados de diferentes lugares, no seio da própria modernidade, confrontando a noção de sujeito e de subjetividade criados por ela (HABERMAS, 1990; TOURAINE, 1998). Ao longo do século XX, nos países do Ocidente, o debate emergido desta contradição gerou diferentes posicionamentos concorrentes entre si que se direcionaram desde propostas de manutenção e reafirmação daquela

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ideia de sujeito, propostas de continuidade e/ou renovação do projeto moderno, até a sugestão de que o esgotamento do mesmo já teria nos conduzido a uma condição de pós-modernidade, de fim daquele sujeito e daquela subjetividade.

Tendo em vista que o debate sobre a subjetividade continua central no âmbito das produções acadêmicas, é possível observar que alguns questionamentos (HABERMAS, 1990) que têm perpassado as discussões que ocorrem na contemporaneidade têm seguido na direção de apontar para a desconstrução das noções de sujeito e subjetividade enquanto princípios apriorísticos ou leis universais. Acena-se a outro modo de perceber estas noções no qual elas passam a ser tomadas como conceitos históricos, processuais, portanto, em contínua construção e transformação. Com isto, deixa-se de perceber o sujeito como o movimento pelo qual o ser se faz naturalmente livre e autônomo para agir e pensar, e passa-se a vê-lo em referência ao movimento pelo qual se estabelecem posicionamentos humanos historicamente situados em função de determinadas relações sociais. Portanto, a noção de sujeito atrela-se ao movimento humano que se faz sujeito na medida em que se posiciona nas relações que estabelece no mundo, de acordo com cada relação que estabelece. O conceito de sujeito desconfigura-se enquanto uma função estável e passa a se constituir enquanto um sujeito de relações sociais.

Esta concepção nos sensibiliza e ajuda a fundamentar a defesa que fazemos a respeito da importância da discussão sobre a questão da subjetividade ainda nos dias de hoje, especialmente quando nos referimos ao universo de formação docente e ansiamos que esta se transforme num instrumento para a construção de mecanismos promotores da emancipação humana. Como nos ensina Sève (1989a, p.151), “não é possível mudar a vida sem transformar as relações sociais, e por isto mesmo [...] não implica renunciar à preocupação com a individualidade, mas pelo contrário, levá-la verdadeiramente a sério”.

Assim, em consonância com esta perspectiva, encontramos nas elaborações dos autores

soviéticos, Vigotski e Leontiev, na primeira metade do século XX, e na dos franceses Sève e Doray, entre outros da segunda metade do mesmo século, valiosas contribuições para compreender melhor como é este sujeito de relações sociais, como ele se organiza e se constitui, quais os mecanismos e quais os instrumentos que utiliza para converter seu mundo social e a si mesmo.

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1.2. Subjetividade sob o ponto de vista dialético

Por desejarmos olhar para a questão da subjetividade sob um ponto de vista dialético, especialmente respaldados na abordagem de Vigotski (1998, 2000, 2001, 2003) Leontiev (1977) e Sève (1989a, 1989b, 2001), é importante mencionar que estes autores inscreveram seus esforços reflexivos, ao longo do século XX, num cenário de busca pela construção de uma ciência psicológica referenciada no arcabouço teórico de orientação filosófica materialista e histórica. Sob esta perspectiva, a vida não é percebida como um processo linear e contínuo:

O modo de ser do indivíduo humano não é um invariante natural, mas uma variável histórica: não se é um indivíduo da mesma forma numa comunidade primitiva, numa sociedade, de ordens ou de classes, numa civilização sem classes. Em cada um de seus momentos, as relações evolutivas dos homens com a natureza e dos próprios homens entre si se desenvolvem, ao mesmo tempo, numa formação social específica e numa formação individual que se unifica com ela (SÈVE, 1989a, p. 149).

A vida é, portanto, fruto de um movimento tecido por contradições, é síntese de conflito entre opostos e não uma decorrência direta de uma somatória de causas e efeitos. Neste contexto, a subjetividade humana é a síntese ou a expressão da própria realidade de cada sujeito. O homem é o que resulta de sua ação sobre o mundo, e não o reflexo, mas o próprio desempenho sobre o mundo na produção dos meios para sua própria sobrevivência:

O trabalho é primeiramente um ato que se passa entre o homem e a natureza. O homem desempenha aí para com a natureza o papel de uma potência natural. As forças de que o seu corpo é dotado, braços, pernas, cabeça e, mãos, ele as põe em movimento sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica a sua própria natureza também e desenvolve as faculdades que nele estão adormecidas (MARX, 1998, p.180).

Com isso, o modo de produção da vida material implica o seu modo de vida e a forma das relações que estabelece no mundo. Implica o modo de organizar sua vida social e, em consequência, determina a forma de sua consciência. De acordo com Vigotski (2000, p.27), “a natureza psicológica da pessoa é o conjunto das relações sociais, transferidas para dentro e que se tornaram funções da personalidade e formas de sua estrutura”.

Vigotski (1989, 1998, 2000) e Leontiev (1977) se dedicaram ao estudo da consciência enquanto aspecto fundamental das funções psíquicas humanas. Mas com o objetivo de estabelecer contornos ao arcabouço conceitual que estamos construindo para nortear esta reflexão, cabe mencionar que estes autores em seus trabalhos não se referiram especificamente ao

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