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A crise do sistema prisional brasileiro e as políticas públicas para o cárcere como condição de possibilidade para a sua superação

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

GABRIELA ALINE PINTO WALKER

A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CÁRCERE COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA A SUA

SUPERAÇÃO

Ijuí/RS 2017

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A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CÁRCERE COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA A SUA

SUPERAÇÃO

Monografia de Curso da Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito para a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso. Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí/RS 2017

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Dedico este trabalho à minha família, que desde sempre foi alicerce para concretização dos meus sonhos e que sempre esteve ao meu lado nos momentos de angústias e aflições durante todo o período acadêmico vivenciado.

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À minha família, em primeiro lugar, pois sempre sonharam esse sonho junto comigo e por isso são parte dele. A vocês que sempre foram minha fonte de equilíbrio, onde busquei colo e calmaria nos momentos em que me deparei com o desespero e lugar onde encontrei palavras de apoio e alento.

Ao meu orientador, que ao longo da caminhada me ajudou, me acolheu como orientanda e designou parte de seus afazeres para, junto comigo, realizar um trabalho de qualidade, mostrando-me a melhor forma de desdobrar os assuntos abordados, apontando melhorias e críticas construtivas.

Por último e não menos importante, ao Pai celestial por toda oração em que me escutou e por todos os momentos que também foi fonte de equilíbrio e encontro, acalmando as minhas ansiedades.

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“O grande objetivo da justiça é substituir a ideia de violência pelo direito”. Charles Tocqueville.

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O presente trabalho de conclusão de curso, inicialmente, faz uma análise histórica da pena privativa de liberdade no Brasil até a atualidade, abordando a sua trajetória a partir de uma perspectiva crítica, de modo a evidenciar a crise vivenciada pelo sistema carcerário brasileiro na contemporaneidade. Em consequência do problema enfrentado pelo país, em momento seguinte, são trazidas para estudo as questões de violação dos direitos humanos dentro do ambiente carcerário, realizando uma análise reflexiva do problema enfrentado há décadas no Brasil, como a superlotação de presídios, mínimas condições de saúde e alimentação e a falta de assistência do poder público e da sociedade. Em um segundo momento, é abordada a questão das políticas públicas voltadas ao cárcere, como condição de possibilidade para a superação dos problemas, realizando uma análise conceitual do que são as políticas públicas e do que se tratam, como e quando podem ser desenvolvidas e implementadas e, ainda, a importância da participação cidadã nos projetos e programas sociais, que visam à recuperação do apenado e seu acolhimento na sociedade após longo período privado de liberdade. Enfatiza-se, então, a possibilidade de superação do problema pela via da implementação de políticas públicas comprometidas com a efetivação dos direitos humanos. O método de pesquisa empregado foi o exploratório, com apresentação de pesquisa bibliográfica, análise crítica dos materiais selecionados e exposição dos resultados obtidos.

Palavras-chave: Pena Privativa de liberdade. Sistema Penitenciário. Crise. Direitos Humanos. Políticas Públicas.

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El presente trabajo de conclusión de curso, inicialmente, hace un análisis histórico de la pena privativa de libertad en Brasil hasta la actualidad, abordando su trayectoria desde una perspectiva crítica, a fin de evidenciar la crisis vivenciada por el sistema carcelário brasileño en la contemporaneidad. A consecuencia del problema enfrentado por el país, en momento seguiente, serán traídas para el estúdio las cuestiones de violación de los derechos humanos dentro del ambiente carcelario, haciendo una revisión reflejiva del del problema enfrentado hace décadas en Brasil, como el hacinamiento de las cárceles, condiciones mínimas de salud y alimentácion, e la falta de ayuda del poder público y de la sociedadad. En la segunda fase del estúdio, se aborda la cuestión de las políticas públicas orientadas a los cárceles, como la condición de posibilidad para la superación de problemas, por medio de un análisis conceptual de lo que son las políticas públicas y do que se tratán, como y cuando se pueden desarrollar y implementar, y, también, la importância de la participación ciudadana en los proyectos y programas sociales, que tienen como objetivo la recuperación del apenado y su acogida en la sociedade después de mucho tiempo privado de su liberdad. Se enfatiza, por fin, la posibilidad de superación del problema a través de la implementación de políticas públicas comprometidas con el cumplimiento de los derechos humanos. El método de investigación empleado es el exploratório, con la presentación de la investigácion bibliográfica, del análisis crítico de los materiales seleccionados y la exposición de los resultados obtenidos.

Palabras Claves: pena privativa de liberdad. Sistema Carcelario. Crisis. Derechos Humanos. Politicas Publicas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 A CRISE DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO ... 10

1.1 O marco legal da pena privativa de liberdade no Brasil... 12

1.2 A pena privativa de liberdade no Brasil e a seletividade punitiva ... 18

1.3 A violação sistemática de Direitos Humanos no cárcere brasileiro ... 23

2 AS POLIÍTICAS PÚBLICAS NO CÁRCERE COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA A SUPERAÇÃO DA CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO ... 30

2.1 Políticas Públicas: delineando um conceito ... 30

2.2 Políticas Públicas voltadas ao cárcere no Brasil ... 35

2.3 A proteção dos Direito Humanos pela via das políticas públicas para o cárcere ... 45

CONCLUSÃO ... 53

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INTRODUÇÃO

A crise do sistema penitenciário brasileiro tem sua origem na história do país há muitos anos, aproximadamente desde a época do Brasil Colônia, onde a punição por meio da prisão e consequente tortura do homem era o meio mais adequado para mostrar aos cidadãos que, aquele que cometesse algum tipo de crime, teria a mesma reposta, o mesmo fim. Desde então, ainda que com alguns pontos de evolução na questão do processo penal, a prisão se tornou a resposta mais rápida no combate ao crime e, consequentemente, passou a segregar uma sociedade desenhada na democracia. Neste sentido, o presente trabalho, analisa a crise do sistema prisional brasileiro e as políticas públicas para o cárcere como condição de possibilidade para a superação do quadro crítico observado.

As políticas carcerárias de natureza públicas são vigentes no Brasil há anos, com reconhecimento na Constituição Federal de 1988, sendo caracterizadas como meta central do Texto Constitucional, garantindo o mínimo existencial a todos os seres humanos, independentemente de raça, cor, sexo, credo e situação jurídica. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que entra no cenário do sistema penal em 1980, afirma a necessidade de aplicação e manutenção das políticas públicas carcerárias do país, a fim de demonstrar que um sistema apenas e severamente punitivo em nada colabora com a segurança da sociedade, mas faz com que o sentimento de insegurança se torne cada vez maior.

Deste modo, a presente pesquisa orienta-se pelas seguintes indagações: a) a forma atual pela qual se dá a gestão do sistema penitenciário e as políticas públicas carcerárias a ela subjacentes estão sendo exercidas de modo eficaz para a redução da insegurança da sociedade? b) a humanização no tratamento dos encarcerados é uma forma eficaz de redução de violência e reintegração na sociedade? c) é possível a construção de melhores condições carcerárias, pela via das políticas públicas voltadas para a humanização do cárcere?

A presente pesquisa, além de analisar as políticas públicas existentes voltadas para o cárcere, demonstra ser necessário a implementação de novas diretrizes, como forma de reforço para se chegar a efetividade. O Brasil, dispõe de meios para amenizar ou até mesmo, de cessar a crise existente, porém, é preciso que gestores, poderes do Estado e sociedade ajam de forma positivada, a fim de almejar a segurança desejada e garantindo também aos detentos os seus

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direitos e o reconhecimento como cidadãos que, independente de situação penal, também gozam de defesa, respeito e segurança.

Assim, buscou-se analisar a forma como o sistema carcerário é compreendido na sociedade atual, bem como a sua ação na manutenção da segurança da população e, consequentemente, identificar a falha das políticas públicas carcerárias para, a partir dessas análises, encontrar a melhor forma de solução dos conflitos atuais, buscando a reorganização e reestruturação do sistema penitenciário brasileiro. A partir do problema abordado, buscou-se verificar as falhas na aplicabilidade das Políticas Públicas Carcerárias no Sistema Penal Brasileiro e, a partir de aí demonstrar que a efetiva aplicabilidade das políticas públicas carcerárias e o desmantelamento de um sistema penal apenas punitivo e repressivo, são as melhores formas de diminuir a insegurança da sociedade.

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1 A CRISE DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

O Estado Brasileiro atualmente ocupa a quarta posição no ranking dos países com maior população carcerária, totalizando 622.202 presos no ano de 2014. Este aumento da população carcerária nos remete à(s) falha(s) da(s) política(s) criminal(is) adotada(s) em nosso país, como por exemplo a educação, o trabalho, programas sociais tenham foco na ressocialização do apenado (INFOPEN, 2014, p 14).

A lógica do sistema penal brasileiro versa sob a égide de prender e punir, ficando clara a situação quando observadas as condições às quais são submetidos os detentos dentro das casas prisionais espalhadas pelo Brasil. Ao observar a situação caótica, torna-se clara a percepção de que muitos dos indivíduos que ali se encontram, rotulados como “delinquentes”, tem, em sua maioria, os seus direitos violados e sua dignidade dilacerada.

A crise hoje vivenciada é o reflexo da história da pena no Estado Brasileiro, que ao longo da sua trajetória punitiva, herdou traços dos povos colonizadores. Com efeito, as práticas punitivas no Brasil foram profundamente influenciadas pela colonização portuguesa, que perdurou por muitos anos, desde o “descobrimento” até a outorga da primeira Constituição Brasileira no ano de 1824.

A necessidade de humanização no sistema penal não é algo novo; tampouco modismo, como muitos dos cidadãos brasileiros julgam. É um objetivo presente desde a promulgação do Código Penal, após a proclamação da República, em que foi dada como condição a melhora do sistema prisional e a humanização dentro das prisões, com a adoção, posteriormente, dos regimes progressivos de cumprimento da pena.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a legislação penal brasileira evoluiu desde a sua criação, visando à punição dos indivíduos, mas também buscando, ainda que timidamente, preservar os direitos humanos. A Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984), também traz em seu corpo uma vasta carga de direitos e deveres aos indivíduos encarcerados e também aos governantes e diretores das casas prisionais. Esta lei surgiu com o intuito de melhorar as condições no cárcere brasileiro.

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No entanto, o que se presencia hoje no país é uma afronta à Constituição Federal, à Lei Penal e à Lei de Execução Penal. Os presídios brasileiros estão superlotados, com a capacidade permitida extrapolando quase em 100%. As condições de vida oferecidas aos detentos são deploráveis: não há o mínimo de humanização, as celas destinadas a quatro detentos são utilizadas na grande maioria por mais de dez indivíduos, o alimento oferecido é escasso fazendo com que, em muitas vezes, aconteçam disputas pela comida para que possam seguir na luta da sobrevivência.

As condições de educação, trabalho e assistência aos indivíduos em condição de privação de liberdade, também são bastante negativas, tendo em vista que essas deveriam ser tratadas com a seriedade devida, pois, permitem ao indivíduo uma melhora na sua vida, nos aspectos gerais e íntimos. A questão da saúde é outro ponto extremamente frágil em termos gerais. Os indivíduos encarcerados adquirem doenças dentro dos próprios presídios, entre elas a mais comum é a tuberculose, e o tratamento destinado a estes, também pacientes, é mísero, colaborando para a contaminação de outros presos.

O descaso com as casas prisionais de hoje, é um mal herdado de longa data no país, presente já nos tempos coloniais, quando surgiram as primeiras prisões, “modernizadas” para a época. Na obra “Histórias das Prisões no Brasil”, Maia, Sá Neto, Costa e Breta (2009) trazem relatos históricos das situações das principais cadeias da época colonial no Brasil e, no relato sobre a Casa Correcional de Pelotas é possível fazer uma analogia com a atualidade, conforme segue:

sequer havia camas para os detentos, que provavelmente dormiam no chão, em contato direto com a umidade que era e ainda é muito alta em Pelotas. Em ata da Câmara Municipal de 1849, observa-se a reclamação do delegado de polícia em relação às péssimas condições da cadeia, bem como a miséria dos presos (MAIA; SÁ NETO; COSTA e BRETA, 2009, p. 57).

Neste sentido, nota-se que apenas punir e fazer das prisões um depósito humano não é o caminho mais adequado para uma solução ao problema da criminalidade. O sistema penal brasileiro precisa avançar nas questões relativas à prevenção da criminalidade, fortalecer e edificar as leis existentes para tal fim, consolidar as políticas públicas existentes, atentar para o respeito à dignidade da pessoa humana, pois os detentos, antes de qualquer situação jurídico-penal, são pessoas, são humanos, dotados de direitos, os quais devem ser respeitados. Privá-los

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a qualquer custo da vida em sociedade e não oferecer meios para sua reinserção, são fatos que desenham a realidade vivida no país: aumento no número presos e aumento nos números de violência.

Feitos esses primeiros apontamentos, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar: a) o marco legal da a pena privativa de liberdade no Brasil; b) se a função ressocializadora da pena efetivamente possui eficácia, diante da seletividade punitiva; c) a violação sistemática de Direitos Humanos no cárcere brasileiro.

1.1 O marco legal da pena privativa de liberdade no Brasil

O que se pretende apresentar neste tópico é o marco legal da pena privativa de liberdade no Brasil. Para alcançar este objetivo, se faz necessária uma abordagem, ainda que singela, dos caminhos percorridos até a contemporaneidade, apresentando principalmente as mudanças no Brasil e a legalidade deste instituto.

Neste sentido, convém salientar que a pena é instituto presente na vida dos indivíduos há séculos, surgindo na era dos primitivos, quando se acreditava que os deuses das tribos eram quem a determinava por meio de castigos coletivos ou individuais, perpassando por quase toda a história até adentrar no colonialismo, momento onde também a aplicação da pena para o cometimento de algum crime era designada por quem detinha o poder, sempre em face daquele cidadão em situação desfavorável, como exemplo os escravos da época, pessoas de pouca ou nenhuma renda, destinados a trabalhar para os senhores de engenho, negros e ditos “marginalizados” (RUSSO, 2015, p. 10).

As penas corporais, desde o seu surgimento nas sociedades, antecederam a prisão, caracterizando-se de forma vingativa, com o uso de violência extrema contra aquele que cometeu o crime. Em grande medida era utilizado o castigo diretamente ao homem, com a mutilação de seu corpo ou com a própria morte. A barbárie da pena desenvolvida no início das sociedades, é tratada de forma muito expressiva, na obra “Vigiar e Punir: nascimento da prisão” do filósofo francês Michel Foucault. Nas páginas iniciais do livro, é possível perceber por meio das cenas de suplício descritas pelo autor, o sofrimento, a dor e a forma cruel de mutilação que o indivíduo condenado a pagar pelo crime cometido, era submetido, conforme se lê no trecho abaixo:

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Após várias tentativas, foi necessário fazer os cavalos puxar da seguinte forma: os do braço direito à cabeça, os das coxas voltando para o lado dos braços, fazendo-lhe romper os braços nas juntas. Esses arrancos foram repetidos várias vezes, sem resultado. Ele levantava a cabeça e se olhava. Foi necessário colocar dois cavalos, diante das atrelados às coxas, totalizando seis cavalos. (FOUCAULT, 1987, p. 09). O que Foucault (1987), evidencia em sua obra é a demonstração de como o indivíduo condenado a algum crime era tratado na sociedade. A pena não atingia o bem material do sujeito, ela deveria estar diretamente ligada ao seu corpo, como forma de opressão aos demais cidadãos das sociedades imperiais, como forma de “alerta” dizendo, ainda que indiretamente, que aquele que cometesse algum delito, seria punido de tal modo ou ainda com mais crueldade, dependendo do caso analisado. Trata-se, obviamente, de uma manifestação da chamada prevenção geral propalada pelas teorias de legitimação da pena.

A pena utilizada na época descrita por Foucault (1987) era preponderantemente o castigo, este suportado pelo próprio corpo do indivíduo. Muitas vezes, a população não detinha conhecimento dos crimes cometidos, mas mesmo assim reuniam-se todos em praça pública para ouvir as imposições e ameaças dos senhores, dos guardas e daqueles que executavam o castigo. Essa era, na época, uma forma de dizer aos cidadãos que caso viessem a cometer algum delito, o seu fim poderia ser pior do que aquele visto pelos olhos de todos e, dessa forma, a população atuava como apoiadora dessas barbáries, uma vez que permanecia em multidão para ver o último resquício de vida do supliciado, atenta às sentenças, como se depreende do trecho a seguir:

[...] em cumprimento da sentença, tudo foi reduzido a cinzas. O último pedaço encontrado nas brasas só acabou de se consumir às dez e meia da noite. Os pedaços de carne e o tronco permaneceram cerca de quatro horas ardendo. Os oficiais, entre os quais me encontrava eu e meu filho, com alguns arqueiros formados em destacamento, permanecemos no local até mais ou menos onze horas (FOUCALT, 1997, p. 10).

A “festa” das punições, como era chamado o espetáculo do suplício, foi se extinguindo das sociedades imperiais ao final do século XVIII e início do XIX, remodelando a forma de punir. A partir de então, ainda se utiliza o corpo como alvo do castigo. Porém, isso se dá de forma mais discreta, seleta e rápida, evitando o longo sofrimento do condenado, olhando discretamente para a humanização (FOUCAULT, 1987). Começa, então, a história das prisões.

Ao falar sobre a pena de prisão ao longo da história, automaticamente se pensa na sua evolução, que deixou traços fortes de militarismo e autoritarismo para trás no final do século

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XVII e início do século XIX, ponderando após esse período uma pena voltada à humanização e ao reparo do patrimônio. Conforme Russo (2015), nesta fase da história penal, houve o início do clamor por meio de manifestações públicas, para uma reforma na modalidade das penas. Os cidadãos clamavam para que houvesse uma moderação e proporcionalidade na forma de aplicação das penas e, este manifesto não ocorreu apenas e somente pela população com menor conhecimento jurídico, mas também por juristas, magistrados, parlamentares, filósofos, técnicos e legisladores do Direito. O jurista e filósofo, Cesare Beccaria, na obra “Dos Delitos e das Penas” (2000, p. 65), evidencia que as penas aplicadas, devem ser proporcionais ao crime, uma vez que “a distribuição desigual das penas fará nascer a contradição, tanto notória, quanto frequente, de que as leis terão que castigar os delitos que fizerem nascer”.

Ainda, continua o autor a dizer que, a proporcionalidade das penas com os delitos cometidos, deve ser de tal forma harmônica, não podendo, por exemplo, ser igual para crimes de natureza completamente desconectas:

se for estabelecido um mesmo castigo, a pena de morte, por exemplo, para aquele que mata um faisão e para quem mata um homem ou falsifica um documento importante, em pouco tempo não se procederá a mais nenhuma diferença entre esses crimes; serão destruídos no coração do homem os sentimentos de moral, obra de muitos séculos, cimentada em ondas de sangue, firmada muito lentamente através de mil obstáculos, edifício que apenas se pôde erguer com o auxílio das mais excelsas razões e o aparato das mais solenes formalidades (BECCARIA, 2000, p. 67).

Nesse sentido, Russo (2015, p.17), expõe os motivos que imperavam nas discussões sobre a reforma à época:

A reforma visava não somente a criação de uma teoria da justiça da pena, mas também que ela fosse mais bem distribuída, [...] o novo Direito precisaria deixar de lado a vingança suprema do soberano e objetivar a defesa da sociedade, principalmente deslocar-se do caráter retributivo e caracterizar-se pela intimidação, atenuação da punição, codificação dos crimes e sanções.

Trata-se, até aqui, de uma breve história das penas no contexto europeu. No Brasil, a história se dá de um modo um tanto diferente. Com efeito, o país, como colônia de Portugal, sofreu as consequências desta ligação por um vasto período, presenciando o terror punitivo por quase dois séculos de história. Configuraram como dois momentos importantes do período colonial, as Ordenações Afonsinas fundadas no ano de 1446, as quais contemplavam o Direito Canônico, Romano e Costumeiro e as Ordenações Manuelinas, que perduraram um período

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mais longo, tendo início nos anos de 1514 a 1603, as quais possuíam regras jurídicas como reflexos da imposição do arbítrio dos donatários, que as descumpriam.

As Ordenações Manuelinas, não constituíam base para o Direito Brasileiro, conforme salienta de Russo (2015, p. 18):

houve entendimento de que as Ordenações Manuelinas não constituíam fonte de Direito aplicável no Brasil, considerando que, na prática, as regras jurídicas eram impostas pelo arbítrio dos donatários, que descumpriam com o respectivo ordenamento.

No ano de 1603, assumindo o trono Dom Felipe II, julgou-se necessária a realização de aperfeiçoamento das Ordenações Manuelinas. Tais medidas deram origem às Ordenações Filipinas, que possuíam um caráter exclusivamente punitivo. Havia a forte presença de castigos corporais e infames que repercutiam negativamente no infrator, bem como afrontando a moral e a reputação de várias gerações (RUSSO, 2015, p. 10).

No ano de 1822, o Brasil conquistou a independência, deixando assim, de ser colônia de Portugal e, em 1824, foi outorgada a primeira Constituição. Mais tarde, no ano de 1830, foi criado o Código Criminal do Império do Brasil, ditado pelo Imperador Dom Pedro I, o qual se inspirou nas ideias liberais dos Estados Unidos, Inglaterra e França, edificado na justiça e igualdade, com o objetivo de que o sistema penal brasileiro fosse menos desumano, elaborando assim penas distintas da pena de morte e a eliminação da crueldade na execução das penas (RUSSO, 2015, p. 19).

O novo Código Criminal criado por Dom Pedro I, deu força para a criação de uma modalidade punitiva presente até hoje no direito penal: a pena privativa de liberdade. A sua criação visava ao molde de sanção penal, substituindo as penas corporais por dois outros modelos de punição: a prisão como forma de o indivíduo exercer o labor, pois obrigava os réus a trabalharem diariamente dentro das prisões e naquilo que lhes era obrigado a fazer, em conformidade com as sentenças e regulamentos dos presídios e, a segunda modalidade, que era a prisão simples, ou seja, os réus eram obrigados a permanecer reclusos nas prisões, pelo tempo determinado nas sentenças criminais (RUSSO, 2015, p. 20).

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O trabalho realizado dentro dos estabelecimentos prisionais da época servia como uma forma de correção moral do criminoso, fazendo deste um meio visando ao fim, ou seja, a devolução do indivíduo à sociedade, teoricamente pronto para voltar às atividades sociais. Nesse sentido,

a partir do que ditava o Código Criminal de 1830, iniciou-se no período em tela, a construção, em todo o Império, de estabelecimentos onde pudessem ser aplicadas as penas de prisão simples e, principalmente, de prisão com trabalho, objetivando a correção moral do criminoso e sua consequente devolução ao convívio social, morigerado, disciplinado e acostumado com a rotina de trabalho (MAIA; SÁ NETO; COSTA e BRETA, 2009, p. 76).

A prisão no Brasil, então, passou a ser vista como meio de reformulação da moral, perdida em tempos atrás, dos condenados, e também como regime mais apropriado à nação, com a intenção de novos rumos nas práticas punitivas, conforme salienta Russo (2015, p. 20):

a prisão neste novo tempo passou a ser vista como fonte de reforma moral aos condenados, pois a preocupação não se limitava ao acompanhamento do progresso revelado em outros países, mas também ao mantimento de um regime penitenciário mais apropriado, no escopo de dotar o Brasil de novos rumos neste campo.

Desde a promulgação do Código Criminal por D Pedro I, muito se evoluiu nas questões penais da época. Em 1888, houve a necessidade de reforma deste Código, com a eliminação de algumas figuras típicas. No ano de 1890 foi elaborado o Código Penal republicano, através do Decreto 817, de 11 de outubro de 1890 (RUSSO, 2015, p. 20- 21).

Este Código Penal percorreu longo caminho e enfrentou diversas mudanças, algumas negativas e outras positivas, sempre visando à humanização das penas, num viés mais adequado para um Estado humanizado. A pena de morte foi abolida das penalidades admitidas, como também a prisão perpétua, sendo admitida como pena de maior tempo a privação de liberdade, não ultrapassando até trinta anos de detenção (RUSSO, 2015, p. 21- 22).

O ano de 1940 é marcado por um importante acontecimento para o Direito Penal brasileiro, pois neste ano foi sancionado o novo Código Penal, por meio do Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro. O país, naquela época, sentia a necessidade de uma nova legislação pertinente e condizente à sua realidade, para que pudesse ser aplicada nos casos de crimes mais graves até aos mais brandos, mas que demonstrasse autonomia para dirimir os casos, cada vez mais recorrentes na sociedade. O novo código, mais “moderno” e inteligente, guiou-se pelo

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sistema progressivo Irlandês, por meio do qual os legisladores ofereceram a todos os condenados a possibilidade de progressão de regime, presente até hoje, como forma de “gratificação” pelo bom comportamento, estudos realizados e trabalhos exercidos dentro do cárcere.

O Código Penal, criado no ano de 1940, é o originário do direito penal contemporâneo. No entanto, desde a sua criação, muitas reformas foram realizadas, sendo delineadas para o melhoramento da legislação e da aplicação da pena ao indivíduo condenado.

No ano de 1984, houve a promulgação da Lei nº 7.210, que deu origem à nova redação da Parte Geral do Código Penal Brasileiro, mantendo a pena privativa de liberdade em seus dois meios de execução, quais sejam, a detenção e a reclusão. Essa nova linha adotada pela Parte Geral do Código Penal, exclui o instituto da pena de morte com repúdio, houve a inserção de novas penas para os crimes patrimoniais, a extinção das penas acessórias e, ainda, houve uma revisão profunda das medidas de segurança.

A promulgação da Lei nº 7.201/84 demonstrou um largo passo no que diz respeito à evolução da pena privativa de liberdade no Estado brasileiro e, o que se vislumbrava desde então, seria o crescente progresso, ao menos deveria ser, deste instituto tão importante no sistema penal. Porém, o que se observa é que numa grande margem de efetivação da própria lei, há diversas falhas cometidas e por consequência um retalho na sua natureza que objetiva a não perpetuação do crime, muito diferente do que se acha atualmente, enraizada na cultura do povo brasileiro, que é o castigo, visto como função primordial da pena.

O pensamento de Bizatto (2005) demonstra o sentimento de quem busca a melhoria e efetivação digna da pena privativa de liberdade:

a pena privativa de liberdade não tem cumprido o seu mister, de modo que a busca por penas substitutivas para aqueles crimes de menor potencial ofensivo pode ser a chance de uma melhora no sistema prisional, que há tempos vem mostrando sinal de falência.

A pena privativa de liberdade, desde a sua criação até o momento, tentou da melhor forma considerável, cumprir o seu papel que visa a ressocialização do indivíduo e o cumprimento de sentença penal. No entanto, este é danificado em função das ideias conservadoras da população, de magistrados, do executivo e legislativo, causando um enorme

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desconforto entre quem é punido e quem aponta a punição, resultando desta maneira em uma seletividade punitiva e um enfraquecimento do sistema, conforme se passará a expor no item a seguir.

1.2 A pena privativa de liberdade no Brasil e a seletividade punitiva

A pena privativa de liberdade atualmente vive um descompasso entre a legalidade e a operacionalidade, na medida em que a primeira prima pelas funções manifestas da pena (reeducação, ressocialização, etc) e a segunda é marcada pela violência e pela afronta à dignidade humana.

O fim político e econômico, visado por grande maioria, em relação a pena privativa de liberdade, pode ser compreendido com a passagem reflexiva de Bizatto (2005), conforme se vê:

No âmbito atual, está na pauta do dia a discussão sobre as funções manifestas e latentes (reais) do poder punitivo estatal, no qual aquilo que parece estar se concretizando é um absoluto predomínio da utilização – com fins lucrativos - da pena privativa de liberdade em suas funções não declaradas, portanto latentes, sobre aquelas funções cujos fins estão pretensamente legitimados pela doutrina penal e que estão inseridos no conceito do jus puniendi, as funções manifestas ou reais.

O interesse político, além da ideia conservadora da população, faz da pena privativa de liberdade o meio pelo qual todos projetam os seus interesses, sendo para uns a posição na sociedade e o enquadramento no papel de “quem faz algo pela segurança” e desta forma se enriquece com ela e, para outros, a posição de ameaçados e inseguros. Destas posições na sociedade, surge uma espécie de segregação dela própria, em que os politizados e os ameaçados são colocados em um patamar acima e aqueles que são marginalizados passam a ser enquadrados como ameaçadores, ou seja, são colocados em um patamar extremamente inferior, resultando assim, numa larga seletividade punitiva.

A já referida Lei de Execução Penal (LEP) é reconhecida como meio legal de aplicação da pena privativa de liberdade, bem como forma de fiscalizar o andamento legal das questões inerentes a ela. A LEP possui objetivos claros e definidos de reeducação do preso, tratamento adequado da execução, com base no trabalho e educação, caminhos que levam à cidadania. Além disso, a LEP preconiza o cuidado salubre dos ambientes prisionais para que estejam de acordo com o tratamento despendido aos prisioneiros. Desta forma, pode-se considerar que a LEP é uma lei escrita com o intuito de humanizar o tratamento do detento para que esse possa

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voltar à sociedade assim que almejar a liberdade – em que pese ter sido alvo, nos últimos anos, de influências notadamente punitivistas, como, por exemplo, a criação do regime disciplinar diferenciado por meio da Lei nº 10.792/2003.

O objetivo geral da LEP está desenhado já no seu primeiro artigo, dentre os cento e setenta e nove, que a compõem, conforme se vê:

Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

O Estado exerce na sociedade uma forte seletividade, desde o momento que passa a preocupar-se mais com aqueles que teoricamente possam lhe devolver algum lucro, manter no poder os eleitos e ser ovacionados como bons cidadãos preocupados com os seus; por outro lado, o Estado segrega uma grande parcela, obviamente que não menos importante, que são os chamados “marginalizados”, que não conquistaram, em função da grande disparidade de oportunidades, a posição de “cidadãos” civis, são pessoas enquadradas num rol de inferioridade, criminalizadas, abandonadas e excluídas, que teoricamente não devolvem objetivamente benefícios ao Estado.

O controle social e a seletividade punitiva, fortemente presentes no Brasil, são reflexos de uma produção capitalista em que se destina o máximo ao capital e o mínimo ao social, conforme reflexão de Wermuth e Assis (2016, p. 172):

O controle exercido pelo Estado encontra terreno fértil no modo de produção capitalista neoliberal. O sistema capitalista possui como fator basilar o desenvolvimento econômico em detrimento das garantias sociais. Com o advento do neoliberalismo se propôs um Estado máximo para o capital e mínimo para o social.

A pena privativa de liberdade, em face ao momento atualmente vivenciado pelo capitalismo neoliberal, perdeu algumas características inerentes ao seu modo de operacionalização, pois, como citado anteriormente, seu principal objetivo é a reeducação do preso, para que este dentro dos limites legais, cumpra a pena imposta pelo cometimento de algum crime, mas que após este período possa retornar à sociedade e ter uma vida fundada na normalidade. No entanto, hoje ela serve como um meio forte e marcante, de uma seletividade de cidadãos, punindo e encarcerando os estereótipos impostos pela cultura social, quais sejam:

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os jovens, negros, de classe baixa, com pouca ou nenhuma escolaridade, “órfãos” das oportunidades estendidas aos brancos, marginalizados, que em resumo são considerados a “sujeira da sociedade”.

Loïc Wacquant (2001) analisa a questão das práticas de “tolerância zero” iniciadas nos Estados Unidos, na cidade mais populosa, Nova York e que acabou por se expandir para o mundo, como forma de globalização da imposição policial e jurídica. A prática da “tolerância zero” buscava reprimir parcela da sociedade que se encontrava em situação inferior, ou seja, negros, pobres, mendigos, sem-teto e imigrantes. O Estado, buscou com essas práticas tratar os “distúrbios” que assolavam o país, eximindo-se assim, de sua responsabilidade social e econômica.

A seletividade que as práticas da política de “tolerância zero”, de forma expressiva, eram praticadas contra os habitantes de zonas consideradas e rotuladas de incivilizadas e, buscavam como resultado a exclusão dessas pessoas da cena das cidades popularmente conhecidas pela grandiosidade e riquezas, selecionando os suspeitos pela vestimenta, aparência e forma de agir, conforme se reflete no trecho a seguir:

segundo a National Urban League, em dois anos essa brigada, que roda em carros comuns e opera à paisana, deteve e revistou na rua 45.000 pessoas sob a mera suspeita baseada no vestuário, aparência, comportamento e – acima de qualquer outro indício – a cor da pele (WACQUANT, 2002, p.35).

O autor continua demonstrando que a “tolerância zero” não serviu para oprimir a prática delituosa, independente de quem a cometeu, mas sim para excluir pessoas que viessem a “estragar” a imagem das belas cidades, conforme passagem descrita pelo autor e extraída de um jornal local “Uma investigação levada a cabo pelo jornal New York Daily News sugere que perto e 80% dos jovens homens negros e latinos da cidade foram detidos e revistados pelo menos uma vez pelas forças da ordem” (WACQUANT, 2001, p. 35).

A reflexão de Wermuth e Assis (2016, p. 178), vai nessa mesma linha da seletividade social e punitiva:

O mesmo sistema de produção que inclui, também segrega e estigmatiza alguns setores considerados redundantes e sem utilidade. Isso repercute na configuração do

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sistema prisional brasileiro, composto em sua maioria, por pessoas advindas das camadas hipossuficientes da população.

O que acontece atualmente é um erro de larga escala, em que qualquer indivíduo que cometer alguma espécie de crime, deverá ser punido com uma pena privativa de liberdade e dentro da cadeia deve ter o seu “fim”. Na maioria das vezes, esses indivíduos, os quais o merecimento da pena deve ser a resposta à ação, são cidadãos que veem no crime uma forma de sobreviver em um mundo tão desigual e que não oferece alguma perspectiva de melhoria de vida.

O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, ao ser conduzido a um estabelecimento prisional, já começa a ver o desrespeito à sua dignidade ser alimentado. É submetido a tratamentos, na maioria das vezes, desumanos e precisa dentro desse espaço zelar pela sua própria existência, ainda que as autoridades manifestem o controle das situações.

A pena privativa de liberdade lograria grandes êxitos se utilizada no sistema penal, com sua real função e finalidade, porém, o que se vê é uma forte violação deste instituto, conjuntamente com uma vulnerabilização da LEP no caso da execução penal.

O estudo intitulado “Mapa do Encarceramento – os jovens do Brasil” realizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretaria Nacional da Juventude, no ano de 2015, apresentou em larga escala a forte seletividade punitiva no Estado brasileiro. Os dados para o estudo, foram colhidos durante os anos de 2005 a 2012 e apresentados em números preocupantes.

A taxa de encarceramento durante estes sete anos de colheita de dados, cresceu em 74%, sendo que no ano de 2005 o número total de presos no país somava 296.919 e para o ano de 2012, houve um salto para 515.482 presos. A situação jurídica dos presos é outro ponto que caracteriza em grande escala a seletividade dentro do sistema prisional, dado que 38% da população prisional do país aguarda sentença penal, ou seja, são presos provisórios (MAPA DO ENCARCERAMENTO, 2015, p. 26-27).

No tocante ao gênero da população carcerária, observa-se que a predominância é do sexo masculino, muito embora o número de mulheres encarceradas cresça ano após ano. Durante o período de estudo, o resultado colhido foi de que em sete anos, a população prisional

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masculina cresceu 70% e a população feminina em 146%. A questão da faixa etária dos presos no Brasil, também é preocupante e, mais uma vez, caracteriza a seletividade punitiva, apresentando dentro de sete anos uma população jovem, entre 18 e 24 anos. A escolaridade, ou falta desta, é questão característica de quem se encontra dentro de um estabelecimento prisional, uma vez que a grande maioria dos indivíduos aprisionados não chegou concluir o ensino fundamental (MAPA DO ENCARCERAMENTO, 2015).

Os números do estudo em questão também revelam que a “natureza” do sistema penal brasileiro é aprisionar aqueles indivíduos de raça negra, sendo muito pouco o número de brancos encarcerados na história do país. O estudo apontou que em todo o período de análise, a massa carcerária é predominantemente negra, mais uma característica fortemente marcante da seletividade punitiva, conforme se vê:

Em números absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, considerando-se a parcela da população carcerária para qual havia a informação sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. (MAPA DO ENCARCERAMENTO, 2015, p. 33).

Deste modo, é possível perceber que ao passo que a população carcerária cresce, cresce também o percentual de indivíduos presos de cor negra. Isso revela que há uma dimensão racial na seletividade punitiva no Brasil.

Os índices apresentados no Mapa do Encarceramento (2015, p. 55), demonstram que os crimes que abarrotam as prisões são preponderantemente os cometidos contra o patrimônio e tráfico de drogas, nessa ordem, já os crimes praticados contra a pessoa somam o percentual de 12% em escala nacional, atingindo apenas 12 dos 28 estados da federação. O percentual mínimo de 5%, caracteriza os outros tipos de crimes, com mínima frequência, quais sejam: crime contra os costumes, contra a paz pública, contra a fé pública, contra a administração pública, praticados por particulares contra a administração pública, Estatuto da Criança e Adolescente, genocídio, crimes de tortura, contra o meio ambiente, Lei Maria da Penha e Estatuto do Desarmamento. A análise de dados do estudo realizado, leva a crer que quem é levado ao cárcere é aquela clientela do sistema punitivo no contexto capitalista neoliberal.

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Mais uma vez é nítida a segregação dos indivíduos, uma vez que aqueles delinquentes da alta classe da sociedade não são penalizados, restando apenas aos delinquentes das classes mais baixas a penalização. Nesse sentido é a reflexão de Wermuth e Assis (2016, p. 13), segundo os quais “as prisões brasileiras estão superlotadas de sujeitos jovens, negros, pobres, analfabetos ou semi-analfabetos”.

Da análise dos dados expostos, e das reflexões feitas até o momento, é possível perceber o claro papel seletivo do sistema penal brasileiro, elegendo como clientela sempre a mesma parcela da população, ou seja: o grupo composto por homens negros, jovens, pobres e os analfabetos, constituindo assim, o principal alvo da polícia e o expresso número que abarrota as cadeias brasileiras.

1.3 A violação sistemática de Direitos Humanos no cárcere brasileiro

A abordagem dos direitos humanos nas sociedades civilizadas, passou a ser discutida pelos pensadores políticos dos séculos XVII e XVIII, sendo o momento em que a igualdade entre os homens passou a ser elemento social, caracterizada por uma evolução expansiva, que ano a ano foi crescendo e fortificando.

Os direitos humanos, conforme exposto por Gilmar Antônio Bedin (1998) são construídos a partir da classificação de direitos civis, direitos políticos e sociais. Os historiadores e políticos que trabalhavam para classificar os direitos inerentes ao homem, ao longo dos séculos XVII, XIX e XX, consideravam como civis os direitos de liberdade física, de expressão, de consciência, de propriedade privada, os direitos da pessoa acusada e as garantias de todos esses direitos. Os direitos políticos, por sua vez, constituíam-se em direito ao sufrágio universal, direito de constituir partidos políticos, direito de plebiscito, referendo e iniciativa popular. Já os direitos sociais, fundavam-se em direitos do homem trabalhador e do homem consumidor (BEDIN, p. 43; 57; 99).

Os Direitos Humanos, como instituto de garantia social, são de complexa conceituação, pois, como visto, percorrem séculos e acompanham as evoluções históricas da sociedade. Norberto Bobbio (1992, p. 17) traz algumas conceituações que são comumente utilizadas por qualquer homem da sociedade para descrever quais são os seus direitos, quais

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sejam: “Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado”.

Bobbio (1992) analisa que os direitos do homem vão além de direitos individuais tradicionais, que envolvem a liberdade e o direito de ter, abrangem também os deveres do homem em sociedade, implicando em certas abstenções pontuais em relação aos comportamentos em sociedade, para que se possa exercer o direito de igualdade entre todos, como se vê:

Todas as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que consistem em poderes. [...] São antinômicos no sentido de que o desenvolvimento deles não pode proceder paralelamente: a realização integral de uns impede a realização integral de outros (BOBBIO, 1992, p. 21).

Os direitos humanos, ou direitos do homem, são vistos como instrumentos que buscam por meio das mais diversas áreas civis e sociais, principalmente, concretizar a cidadania e a dignidade. Os direitos, na medida em que inovam com a evolução da sociedade, passam a exigir dos homens novas posturas, colocando-os na visão de protetores de si mesmos e, também, passam a ser desafiados na medida em que novas condutas surgem no ordenamento jurídico-social.

Os Direitos Humanos fazem parte das relações dentro do cárcere em âmbito mundial. Deve-se respeitar esses direitos intrínsecos do ser humano assim como qualquer outro. No entanto, não é o que se percebe em grande parte das casas prisionais espalhadas, tanto em nível mundial, como em nível nacional.

O Brasil é dotado de leis que foram escritas, sendo elas a Constituição e Lei de Execuções Penais, para garantir que o direito da pessoa humana, dentro do cárcere brasileiro não fosse violado, que as condições de vida dentro dos paredões fossem melhores do que hoje se encontram, medidas que proporcionariam ao detento espaço adequado para o cumprimento da pena imposta em sentença judicial, viabilizando, reflexamente, que as funções declaradas da pena (reeducação, ressocialização) efetivamente fossem atingidas.

A Constituição Federal e a LEP, são norteadoras para que o direito desses indivíduos não seja completamente violado. Especificamente no que se refere à Constituição Federal, há

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previsão expressa no sentido de que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, a pena imposta será cumprida em estabelecimento de acordo com o delito, idade e sexo dos apenados, o respeito a integridade física e a moral serão assegurados aos presos, a manutenção em cárcere somente poderá ocorrer quando houver determinação legal e em não sendo, a liberdade provisória deve ser anunciada e o mais importante: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Essas normas existem para dar amparo ao ser humano que dentro de um ambiente conturbado, possa visualizar os seus direitos garantidos. No entanto, as normas positivadas não encontram eco na realidade, pois a violação dos direitos humanos dentro da vida carcerária apresenta uma triste realidade, marcada pela crescente violência e desumanização.

O Estado, por mais que prime pela defesa dos direitos humanos dentro do cárcere, realiza um discurso apenas sensacionalista, procurando deixar evidenciado que apura o problema e busca uma solução para ele. Contudo, esta não é a leitura que se faz a partir da análise da situação real das penitenciárias brasileiras, pois ela demonstra que há punição excessiva e violenta. Em uma posição de superioridade e autoridade que deva atender aos anseios da população, o Estado não se importa verdadeiramente com as vidas que estão escondidas dentro de muros altos e forte repressão, o seu papel pode ser visto como meio de segregar as camadas mais baixas, para estar bem visto e posicionado pelas camadas mais altas, passando a estas, a imagem de segurança.

Sobre o tema, Barilli (2012), desenha essa verdade carcerária nas palavras do seguinte trecho:

A única verdade é que tanto para a sociedade ou para o Estado, as condições ou situações que os apenados passam no cárcere são sem importância, desde que estejam segregados. Na visão repressiva do poder público e da sociedade, os encarcerados representam uma ameaça e como forma de repressão devem ser excluídos da convivência social.

Nesse sentido, Wermuth e Heck (2017, p. 45), ao trazer questões importantes sobre a proteção dos direitos do homem, a partir da união dos estados internacionais e com a correta compreensão da importância desse aparato nas Constituições, com a criação de sistemas

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internacionais de proteção, relacionam a importância desses sistemas para a questão prisional do Estado Brasileiro:

Tal relativização estatal é que dá margem às intervenções internacionais que vem ocorrendo nos presídios brasileiros, nos quais a situação dos apenados se mostra deplorável e insustentável. Toda essa construção e evolução do direito internacional dá maior validade às ações de proteção dos direitos inerentes ao ser humano. Assim, os mecanismos de proteção conseguem impor sua justiça, criando-se um sistema rígido e de alcance universal, ou seja, com capacidade além dos Estados (WERMUTH; HECK, 2017, p. 45).

Os autores analisam a importância de firmar o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, por meio da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Carta da Organização dos Estados Americanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Protocolo relativo aos direitos sociais e econômicos. Estes representam importante ferramenta para a proteção dos direitos do homem, abrangendo desta forma, os indivíduos encarcerados no país, quando o Estado se posiciona de forma omissa frente as questões de alta gravidade (WERMUTH; HECK, 2017, p. 52).

O Estado, como autoridade máxima, não deve apenas construir mecanismos para evitar o desenvolvimento de novos delitos e promover a segurança social. Deve, antes disso, construir condições favoráveis para a concretização da dignidade da pessoa humana, ou seja, agregar meios para a realização de direitos básicos inerentes ao homem, estendidos também aos indivíduos encarcerados, estejam estes em condição de prisão provisória ou definitiva.

A LEP, trata no seu capítulo IV dos deveres, dos direitos e da disciplina dos presos, e em seu art. 41, são delineados os direitos do indivíduo que passa a viver dentro do ambiente carcerário, envolvendo dentre os dezesseis incisos, uma série de direitos que os presos possuem, mas que em maioria das vezes são violados.

O Título IV, capítulo I da LEP, relaciona como devem ser os estabelecimentos prisionais para o cumprimento de pena, devendo se constituir de celas para acomodação dos presos, salas para desenvolvimento educacional e social, áreas de lazer com o intuito de integração social, salas destinadas a oficinas profissionalizantes, dentre outras, que visam a reeducação do preso e a manutenção da sua dignidade humana dentro deste ambiente, fazendo com que o indivíduo se sinta acolhido e não segregado.

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Ainda que haja uma legislação competente para garantir os direitos humanos do detento, é possível perceber uma grande falha na execução desta, pois, bem se sabe que dentro desses ambientes a vida humana toma outro rumo, outra percepção, fazendo do espaço uma espécie de selva, onde humanos lutam diariamente pela sobrevivência e ainda enfrentando o peso de uma condenação.

Na grande maioria das casas prisionais do país, há o problema da superlotação. Celas destinadas a cinco detentos, por exemplo, são utilizadas em dobro da capacidade e, o que muitos esquecem ao considerar esses números, é de que se trata de vidas humanas, que vivem em locais insalubres, sem uma acomodação para dormir, sem um lugar adequado para se alimentar e muito menos para realizar a higiene pessoal. A presença de córregos de esgoto, de água sanitária, entre outros resíduos, é cotidiana em diversos ambientes carcerários, o que torna a proliferação de doenças um fator determinante quando se fala da questão da saúde, fragilizada, desses indivíduos.

Além das questões que envolvem a saúde do detento, sabe-se também que o tratamento que eles recebem dentro desses ambientes, é cruel, desumano, degradante, violando claramente os direitos humanos. Wermuth e Assis (2016, p. 186), explicam a situação vivida por essas pessoas privadas de liberdade:

A pessoa privada de liberdade é um ser banido da sociedade, abandonado às precárias condições em que se encontra o sistema prisional brasileiro, ao tratamento cruel, desumano, e violador dos direitos e garantias fundamentais da pessoa que marcam o cumprimento da pena de prisão no país.

O ambiente do cárcere é destinado para que o apenado cumpra a pena a ele imposta, mas também que ele seja reeducado, para em tempo futuro poder voltar à sociedade e retomar a sua vida, buscando a oportunidade de trabalho e reinserção social. Mas em meio a esses pensamentos humanizados, de um discurso político e econômico, é possível fazer uma indagação bastante reflexiva: como o indivíduo poderá ser reinserido em sociedade se dentro do estabelecimento que deve prepara-lo, há a violação dos seus direitos como pessoa humana?

O indivíduo que aguarda seu livramento, mas que ao mesmo tempo se vê ferido em relação aos seus direitos humanos, não volta à sociedade, na maior parcela, como alguém que

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irá conseguir uma boa oportunidade para ser considerado um cidadão reinserido, pois volta para a sociedade com sentimento de exclusão, ferido no seu íntimo, desolado e muitas vezes revoltado, visto que em momento algum foi respeitado humanamente.

Nessa linha, Barilli (2012) explica a grande dificuldade do indivíduo uma vez encarcerado a voltar para a vida em sociedade, fator resultante da falha no sistema carcerário:

A prisão forma carreiras delitivas e alicia o homem a voltar a delinquir, não insere na sociedade, não tem um fim e nem um meio, mas está ali. A lei de execução penal tentou buscar uma finalidade, mas na prática observamos que é muito pouco provável ressocializar, dada as condições atuais do sistema carcerário brasileiro.

Outro problema, bastante evidenciado, é a violação à individualização do apenado, prevista legalmente no art. 6º da LEP, frisando que os detentos devem ser individualizados, tanto com pessoas como em relação à situação jurídica a cumprir. Portanto, há que se falar aqui em mais um modo de violação dos direitos do homem, que passa a ser jogado num aglomerado de pessoas a cumprir penas, sem ter sua individualidade preservada.

Conforme o entendimento de Barilli (2012) a lei que foi criada para proteger o cidadão comum e o cidadão apenado, não é cumprida em sua integralidade, possibilitando assim direitos mínimos, ou quase isso, para o cumprimento das medidas impostas pela justiça, conforme se reflete do trecho a seguir:

O cumprimento da pena de prisão cada vez mais é degradante. A mesma lei que deveria proteger o cidadão e o apenado, não é cumprida efetivamente, pois a lei que prevê conteúdo punitivo, também prevê os direitos mínimos para cumprimento adequado da pena. Assim, constatou-se uma sonegação de direitos ao invés de proteção.

A violação dos direitos humanos dentro ambiente carcerário no Brasil, é algo que perdura há anos, ainda que existam políticas públicas e assistenciais para que esses direitos sejam preservados e de fato respeitados. No entanto, enquanto houver a transgressão do sistema prisional brasileiro haverá a violação desses direitos inerentes ao homem. A questão vai muito além de cultural, perpassa os setores da política e economia, mal geridas por aqueles que têm o dever de respeitá-las e tornar o ambiente carcerário palco de avanço humanitário e não de retrocesso nacional.

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Nessa perspectiva Barilli (2012), observa que é necessária uma harmonização social, de todos os setores, para que haja mudanças significativas no ambiente prisional:

Para a efetivação dos direitos humanos e melhores condições prisionais é necessário o desenvolvimento de estratégias políticas voltas à redução de danos causados pelas violências dos poderes. Ainda, deve haver uma harmonização das esferas culturais, educacionais, sociais, econômicas e políticas, pois se cada um trabalhar sozinho, sem nenhuma direção, não será possível mudar algo, mas se todos agirem conjuntamente há grandes chances de significativas mudanças no ambiente prisional.

Assim, é possível perceber que para além dos muros altos das casas prisionais, há vidas que necessitam de respeito, que merecem ter seus direitos respeitados, sendo necessário para isso que a sociedade se envolva, impedindo que haja violações cruéis a vidas humanas, pois, o indivíduo apenado, antes de qualquer situação que seja submetido, é cidadão como qualquer outro, não merecendo assim, qualquer represália ou distinção, e muito menos ter os seus direitos vistos como “não direitos”, pois a cultura social, é baseada na ideia de que o apenado não possui qualquer forma de direito, e pela situação que se encontra os seus direitos devem ser reduzidos a nada.

Dessa forma, nascem as políticas públicas como instrumento de proteção aos direitos humanos dos indivíduos que se encontram encarcerados no Brasil. A proteção desses direitos, não deve ser vista apenas e unicamente como problema a ser resolvido pelo Estado, mas também pela sociedade, pois, conforme preceitos constitucionais, todos são iguais perante a lei, sem distinção de raça ou cor. Em virtude disso, as políticas públicas como instrumento de efetivação dos direitos humanos, devem ser desenhadas de modo a atingir as unidades prisionais e também a unidade familiar desses homens e mulheres privados de liberdade, a fim de garantir uma vida digna e o pertencimento a sociedade. É com este tema que se ocupa o próximo capítulo.

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2 AS POLIÍTICAS PÚBLICAS NO CÁRCERE COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA A SUPERAÇÃO DA CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

2.1 Políticas Públicas: delineando um conceito

Delinear um conceito de política pública não é, de forma alguma, algo taxativo, pois se trata de conceito abrangente, atingindo as mais diversas áreas do conhecimento, já que seu principal objetivo de atuação é alcançar o ser humano, o indivíduo da coletividade, o pertencente ao social.

Para que se tenha uma melhor e talvez mais clara compreensão do que são as políticas públicas, se faz necessário, também, conceituar política em sua individualidade. Fácil é visualizar uma política em meio à sociedade. É possível perceber que ela está inserida em grande parte, mas não exclusivamente, nas campanhas eleitorais, nas promessas partidárias, nos projetos políticos e nas ações governamentais.

A política pública, também vista como uma ciência, é de conceituação abrangente, visto que engloba a política para satisfazer as necessidades públicas de uma sociedade, de um Estado. Amplamente voltada para a melhora dos problemas sociais, as políticas públicas podem ser definidas de modo geral como a ciência que busca o aperfeiçoamento das inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade, resultando em um somatório do todo e não uma vinculação em partes (SOUZA, 2006, p. 25).

É possível também fazer uma análise sobre a compreensão de políticas públicas, a partir da reflexão de Diogo Lentz Meller (2015, p. 52-53), quando o autor utiliza as ideias de Jenkis Richard para salientar que,

de uma forma ou de outra, todos reconhecem o que são políticas públicas quando com elas se deparam, e que este fato demonstra que, de certa forma, um conceito mínimo já é averiguado e utilizado nas relações sociais (JENKIS, 2006, p.2). Porém, a afirmação de que todos reconhecem as políticas públicas [...], não possui grande capacidade explicativa, de modo a criar possíveis entraves aos avanços dos estudos que as utilizam como objeto.

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Delinear um conceito prático do que são políticas públicas é algo um tanto quanto difícil pois, assim como os tempos e sociedades vão se modernizando, a concepção destas vai se alterando também de forma natural. No entanto, o que persiste desde o surgimento dessa área de cunho social é que as políticas estão ligadas ao Estado, aos Governos, e às diferentes camadas sociais.

O nascimento das políticas públicas ocorreu a partir do momento em que as sociedades viram-se crescendo e, consequentemente o Estado Social também. Sendo assim, acabaram por buscar meios de amenizar as desigualdades, de amparar setores desprovidos e de unir a sociedade numa só, ou ao menos tentar fazê-lo.

Assim como toda ciência social, as políticas públicas abrangem larga escala de atuação, e num viés sociológico, encontraram seus “pais fundadores”, que viriam a estudar suas estruturas a fim de lançá-las respeitosamente à sociedade, e buscando saber como e por que elas passaram a existir e tornaram-se importantes, sendo eles: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblon e D. Easton, que dentro de suas particularidades trazem a partir dos estudos realizados, formas de conceituação e compreensão da finalidade destas (SOUZA, 2006, p. 23).

Na sociologia, o renomado escritor e pensador Laswell, é quem se destaca e aproxima mais as ideias com as realidades sociais. Para este, segundo Souza (2006), política pública é a forma de harmonizar conhecimentos científicos e acadêmicos, com a produção remota dos governos, a fim de criar uma rede de interação entre cientistas sociais, grupos de interesses e de governo. A definição de política pública apresentada por Laswell é a que mais clara parece ser, pois, como forma de traduzir seu significado, apresenta três perguntas simples e essenciais ao tema: quem ganha o quê, por que e que diferença faz? (SOUZA, 2006, p. 24).

As indagações feitas por este renomado sociólogo, podem ser naturalmente respondidas pela atuação e posição do governo. O Estado é quem, por meio de ações coletivas e sociais, responde a partir do modo como traz próximo de si os cidadãos e a solução dos conflitos entre eles. O Estado é responsável por ditar as leis e as normas, mas os governantes são os responsáveis por, em síntese, colocá-las em prática, haja vista que recursos destinados à implementação de políticas públicas são despendidos, ou seja, o governo é responsável pela aplicação, pela manutenção e também pela observação destas.

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A ideia de que o Estado e governantes são pontos principais para a realização de políticas públicas, pode ser explicada de acordo com a reflexão feito por Meller (2015, p. 53), conforme segue no trecho abaixo:

Há uma certa concordância entre os conceitos, a de que as políticas públicas são ações governamentais que necessitam de impulso político, sendo necessária pelo menos a existência de uma estrutura de poder que possa agir e intervir na sociedade [...] que as vê como um processo vinculado diretamente aos problemas públicos e comuns da sociedade, cujas ações não necessariamente se reduziriam a ações do governo.

João Pedro Schmidt (2008, p. 2311), trazendo os aspectos conceituais do que são as políticas públicas e bem como onde e quando praticá-las e de que forma monitorá-las, as conceitua da seguinte forma:

O conceito de política pública remete para a esfera do público e seus problemas. Ou seja, diz respeito ao plano das questões coletivas, da polis. O público distingue-se do privado, do particular, do indivíduo e de sua intimidade. Por outro lado, o público

distingue-se do estatal: o público é uma dimensão mais ampla, que se desdobra em

estatal e não-estatal.

A citação acima trazida remete à ideia de que as políticas públicas são as ações governamentais exercidas pelos Estados, a fim de amparar os cidadãos fragilizados e solucionar os problemas mais invasivos na sociedade. O Estado é o meio e fim das políticas públicas, muito embora, em grandes momentos, essas sejam realizadas por entidades privadas, mas que buscam exercer a melhora social, ou seja, a melhora pública do sistema.

Ainda, Schmidt (2008) traz em sua obra, algumas conceituações construídas a partir de outras ideias, que ajudam a formar uma melhor compreensão do que é uma política pública, visto que os argumentos construtivos do tema são muitos, ora divergem-se e ora assemelham-se, como se vê:

O termo política pública é utilizado com significados algo distintos, com uma abrangência, maior ou menor: ora indica um campo de atividade, ora um propósito jurídico bem concreto, ou um programa de ação ou os resultados obtidos por um programa (Fernández, 2006 apud SCHMIDT, 2008, p. 2311).

Marli Marlene Moraes da Costa e Josiane Borghetti Antonelo Nunes (2014), também buscam desenhar uma conceituação sobre o que são as políticas públicas existentes hoje no país

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e de que forma se tornam orientação das ações estatais. De forma a clarear a conceituação, as autoras trazem a ideia de Ludmila Cavalcanti, conforme segue:

Entende-se por políticas públicas o conjunto de ações coletivas que garantem direitos sociais, por meio dos quais são distribuídos ou redistribuídos bens e recursos públicos em resposta às diversas demandas da sociedade. As políticas públicas são fundamentadas pelo direito coletivo, são de competência do Estado e envolvem relações de reciprocidade e antagonismo entre o Estado e a sociedade civil (CAVALCANTI apud COSTA; NUNES, 2014, p. 118).

As políticas públicas resumem-se, conforme posição de Souza (2006, p. 26), em uma via de duas mãos, em que de um lado o governo é colocado na posição de condutor das ações invariáveis e independentes, e de outro lado, apresentar as mudanças no rumo do curso das ações, figurando aqui como as variáveis dependentes.

Muito embora se imagine que as políticas públicas estejam ligadas apenas às relações governamentais e estatais, estas estão intimamente entrelaçadas com ciências de outras naturezas, para que seja possível trazê-las para a sociedade e estudá-las nesse meio, como é o caso da sociologia, da ciência política e da economia.

Apenas a ação governamental na aplicabilidade das políticas públicas não enriquece e fortalece suas raízes. É necessário e fundamental que elas estejam ligadas com a economia, pois, para que seja possível desenvolver projetos voltados para políticas públicas sociais é necessário que haja um dispêndio econômico para tal.

A reflexão quanto à conceituação de políticas públicas, traz a esse meio a análise feita por Costa e Nunes (2014, p. 119), expressando-se as autoras da seguinte forma:

é oportuna a compressão de que as políticas públicas, comumente, são distinguidas por políticas sociais e políticas econômicas ou macroeconômicas, todas com o objetivo de proporcionar o desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade. As primeiras são tidas como aquelas responsáveis por garantir os direitos sociais consagrados na Carta Magna, tais como saúde, educação, segurança, assistência social, habitação. Enquanto que as últimas referem-se especificamente as políticas monetárias.

Nas palavras de Souza (2006, p. 26), as políticas públicas não se limitam apenas às suas modelagens, podendo ser objeto de análise de tantas outras áreas, conforme se vê:

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apesar de possuir suas próprias modelagens, teorias e métodos, a política pública, embora seja formalmente um ramo da ciência política, a ela não se resume, podendo também ser objeto analítico de outras áreas do conhecimento, inclusive da econometria, já bastante influente em uma das subáreas da política pública, a da avaliação, que também vem recebendo influência de técnicas quantitativas.

A tarefa de conceituar de modo concreto e expressivo o que são as políticas públicas, é de certa forma atividade que se torna conflituosa, visto que, a definição dessa ciência não se resume em apenas uma palavra ou expressão, não se limita a conceito fechado e imutável. Por se tratar de uma ciência derivada da política, a conceituação se torna ainda mais abrangente, pois, uma vez que envolve as relações sociais a sua dimensão e compreensão transpassa “barreiras”.

As políticas públicas são baseadas por todas aquelas necessidades que a sociedade busca saciar, por meio de outras ciências que estudam o social, empenham-se em resolver os conflitos internos, ou seja, com amparo governamental e econômico. As políticas públicas são meio e fim das relações em sociedade, pois, ao passo que buscam conhecer um problema, buscam também a sua solução, a fim de evitar a germinação nas mais diversas esferas da sociedade.

Das mais diversas conceituações, das mais diversas discussões e interpretações do que são, o que objetivam e onde cabem as políticas públicas, Souza (2006, p. 36), extrai e sintetiza os seus principais elementos:

A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz.

 A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através de governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais também são importantes.

 A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras.

 A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados.  A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo.

 A política pública envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação.

As políticas públicas percorrem todos ou quase todos os campos de uma sociedade, buscando por meio de propostas concretas, a reparação de problemas vividos diariamente e também como forma de consolidar meios de acesso aos seus direitos do homem.

Referências

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