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A hipervulnerabilidade dos idosos nas relações de consumo: análise do empréstimo consignado e pessoal e o superendividamento

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MARTINA BESCHORNER BASSO

A HIPERVULNERABILIDADE DOS IDOSOS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: ANÁLISE DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E PESSOAL E O

SUPERENDIVIDAMENTO

Ijuí (RS) 2020

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MARTINA BESCHORNER BASSO

A HIPERVULNERABILIDADE DOS IDOSOS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: ANÁLISE DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E PESSOAL E O

SUPERENDIVIDAMENTO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Fabiana Fachinetto

Ijuí (RS) 2020

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Dedico este estudo à todas as pessoas que de alguma forma contribuíram e me ampararam ao longo da jornada acadêmica, em especial aos meus pais, por todo apoio, esforço, suporte e amor entregues em todos os momentos da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é lembrar que nada nessa vida se conquista sozinho. Por isso, faço estes singelos agradecimentos, primeiramente à Deus, pela força, proteção e amparo em todos os momentos da vida, em especial, na minha trajetória acadêmica, por fazer com que os meus objetivos fossem alcançados com sucesso.

Aos meus pais, Nélci e Vilson, pelo apoio incondicional em todas as minhas escolhas, por nunca medirem esforços para ver a minha felicidade, por todo incentivo nos momentos de desânimo, pelo carinho, amor, atenção e pela confiança depositada em mim nesta jornada. Vocês são os meus exemplos de vida, amo-os infinitamente. Esta conquista é nossa!

Aos meus irmãos, Diego e Lucas, por todo apoio, incentivo, atenção e companheirismo. Ao meu namorado e parceiro Andrey, por dividir a vida comigo, especialmente este momento tão importante para mim, obrigada por toda compreensão, paciência, amor, carinho, confiança, força e apoio durante esta árdua caminhada. Amo vocês!

À minha orientadora, Fabiana Fachinetto, por todos os ensinamentos, pela paciência, atenção, dedicação, contribuição e pela disponibilidade para me auxiliar em todo o processo de desenvolvimento desta monografia. Aos demais professores do curso de Direito da Unijuí, do Campus de Ijuí/RS, minha eterna gratidão por me ensinarem tanto nesta trajetória acadêmica e por terem sido figuras essenciais na formação da pessoa que sou hoje.

Aos meus amigos, companheiros de trabalho, colegas e às amizades que construí ao longo do curso e que de alguma forma contribuíram comigo durante esta jornada, deixo registrado o meu agradecimento. Obrigada a todos que estiveram e permaneceram comigo nesta etapa tão importante.

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“Queremos ter certezas e não dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através das experiências.” (Carl Jung)

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise da hipervulnerabilidade do consumidor idoso frente ao mercado consumerista, considerando as suas fragilidades decorrentes da idade avançada e a insuficiência de rendimentos para garantir o mínimo existencial, afetando sua dignidade. Aborda acerca das publicidades direcionadas a este público, divulgadas no mais das vezes, de forma abusiva e enganosa, valendo-se da capacidade reduzida de discernimento do idoso para convencê-los a realizar a contratação do serviço ou produto, especialmente quando envolve o acesso ao crédito, democratizado nas últimas décadas, trazendo tanto benefícios quanto prejuízos. Faz uma análise das principais características do empréstimo consignado e do empréstimo pessoal, ponderando as diferenças entre eles e as abusividades existentes em cada um, percebidas a partir do Balcão do Consumidor do Curso de Graduação em Direito da Unijuí. Por fim, investiga as principais causas do superendividamento brasileiro, analisando seu conceito e sua importância e traz propostas de tratamento e prevenção a este fenômeno, analisando especialmente o Projeto de Lei nº 3.515/2015, que disciplina o superendividamento de forma específica.

Palavras-Chave: Hipervulnerabilidade do consumidor idoso. Empréstimo consignado e pessoal. Superendividamento. Projeto lei. Propostas de tratamento e prevenção.

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ABSTRACT

The present graduation work analyzes the hypervulnerability of elderly consumers in the consumer market, considering their weaknesses resulting from advanced age and insufficient income to guarantee the existential minimum, affecting their dignity. It addresses the advertising directed to this public, disclosed more often in an abusive and misleading way, using the reduced capacity of discernment of the elderly to convince them to perform the contracting of the service or product, especially when it involves access to credit, democratized in recent decades, bringing both benefits and losses. It analyzes the main characteristics of the payroll loan and the personal loan, considering the differences between them and the existing abuses in each one, perceived from the Consumer Desk of the Unijuí Law Undergraduate Course. Finally, it investigates the main causes of Brazilian over-indebtedness, analyzing its concept and its importance and brings proposals for treatment and prevention to this phenomenon, especially analyzing Bill nº 3.515/2015, which disciplines over-indebtedness in a specific way.

Keywords: Hypervulnerability of the elderly consumer; Payroll and personal loan; Over-indebtedness; Bill; Treatment and prevention proposals.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 RELAÇÕES DE CONSUMO E A HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO ... 11

1.1 Relações jurídicas de consumo ... 12

1.2 Princípios da relação de consumo ... 18

1.3 Hipervulnerabilidade do idoso ... 26

1.4 Publicidade direcionada ao idoso ... 32

2 CONCESSÃO DO CRÉDITO E O SUPERENDIVIDAMENTO ... 40

2.1 Acesso ao crédito e a realidade brasileira ... 41

2.2 Empréstimo consignado e empréstimo pessoal ... 48

2.3 Das abusividades nos empréstimos ... 55

2.4 Como superar esta realidade? ... 65

CONCLUSÃO ... 77

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INTRODUÇÃO

Atualmente, a matéria acerca do superendividamento vem sendo bastante discutida por se tratar de um fenômeno contemporâneo e que afeta cada vez mais a sociedade. Dentre as causas que contribuem para esta situação, está a ausência de uma educação financeira adequada e, especialmente, o crédito bancário que, em função de sua facilidade e agilidade de concessão, bem como de suas publicidades persuasivas, têm conquistado gradativamente a população, principalmente os idosos.

Diante disso, compreender o superendividamento vai além de proteger o consumidor, uma vez que tal fenômeno atinge todos os participantes da relação financeira e a sociedade como um todo. Frente a ausência de um tratamento eficaz no Brasil, pois ainda não há uma legislação específica que regulamente o direito do consumidor atingido por esta situação, o problema se torna ainda mais grave e crescente.

Neste viés, torna-se imprescindível uma proteção especial ao consumidor brasileiro superendividado, através da atualização do Código de Defesa do Consumidor, que o torne um mecanismo eficaz no combate a este fenômeno. Com a aprovação do Projeto de Lei nº 3.515 de 2015, que visa a reforma do CDC quanto ao tratamento do consumidor de crédito, se torna possível superar esta obscuridade legal e garantir o mínimo existencial e a dignidade humana.

Diante desse contexto, o presente trabalho realiza um estudo acerca da ausência de tratamento pela legislação consumerista do Brasil no que concerne a prevenção e recuperação do fenômeno do superendividamento, a fim de enfatizar possíveis soluções para este problema.

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Para a realização deste trabalho foram efetuadas diversas pesquisas através de livros físicos e também por meio eletrônico, com o objetivo de refletir sobre a atual situação do superendividamento brasileiro, especialmente entre o público idoso, a fim de enriquecer a coleta de informações e aprofundar os estudos e os aspectos importantes a serem desenvolvidos ao longo da pesquisa.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foram abordadas as relações jurídicas de consumo, conceituando a figura do consumidor, do fornecedor e do objeto da relação (produto/serviço). Ademais, também foram estudados os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé, da transparência e da interferência do Estado, os quais regem a relação consumerista. Por fim, foi realizada uma análise sobre a hipervulnerabilidade do idoso e as publicidades a ele direcionadas.

No segundo capítulo, são analisadas a concessão e o acesso ao crédito, bem como a situação brasileira neste âmbito. Também são estudadas as características e peculiaridades do empréstimo pessoal e do empréstimo consignado, considerando as fraudes e abusividades que os envolvem. Por fim, é ponderado sobre a importância de um tratamento eficiente ao consumidor superendividado no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o crescimento acelerado desta problemática, sendo abordadas as principais alterações legislativas propostas pelo Projeto Lei nº 3.515/2015, que surge como um importante avanço na solução do superendividamento, garantindo que sejam prestigiados os princípios de nossa Constituição no que concerne aos consumidores.

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1 RELAÇÕES DE CONSUMO E A HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO

As atividades bancárias atuam como importante base para a economia, influenciando de maneira direta e fundamental no desenvolvimento do país, pois são as responsáveis por realizarem títulos bancários, contratos e circulação de capital, sendo institutos que movimentam a economia. Tais serviços bancários caracterizam-se como relações de consumo, sendo aplicáveis as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), bem como os princípios consumeristas.

Os contratos de concessão de crédito bancário são a modalidade mais realizada pelas instituições financeiras, tendo em vista a necessidade dos consumidores de obterem recursos imediatos para cumprir com suas obrigações. Todos os tipos de contratos de créditos são de adesão, pelos quais as instituições financeiras impõem as cláusulas do negócio e, ao consumidor resta aceitá-las, de forma integral e sem discussões. Ocorre que, muitas vezes, as consequências são negativas ao consumidor, tendo em vista que o fornecedor, ao exercer o poder de impor suas condições, assegura para si vantagens que são extremamente onerosas para o consumidor, como, por exemplo, a fixação de altas taxas de juros remuneratórios, tornando o contrato abusivo.

Neste viés, destacam-se os consumidores idosos, que fazem parte dos consumidores hipervulneráveis em razão da idade avançada e da capacidade de discernimento reduzida, sendo alvos fáceis de publicidades e práticas comerciais enganosas e abusivas, que instigam à contratação de serviços. Assim, as instituições financeiras facilitam a contratação de empréstimos para o consumidor idoso que, visando atender as necessidades dos familiares, acaba cedendo a contratação sem ter um planejamento econômico adequado, resultando no superendividamento. Tais contratações revelam-se como abusivas ao se utilizarem da inferioridade técnica, debilidade psíquica e baixa capacidade de entendimento do idoso que se depara com cláusulas contratuais de difícil compreensão para sua realidade.

Neste contexto, o presente capítulo da pesquisa monográfica tem como objetivo abordar as relações jurídicas de consumo a partir da definição de seus elementos estruturantes, quais sejam, o consumidor, o fornecedor e objeto da relação consumerista. Também serão trabalhados

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os princípios considerados essenciais para garantir a proteção dos consumidores frente às relações contratuais, e, na sequência, analisa-se a situação de hipervulnerabilidade do consumidor idoso em decorrência da sua idade e de seu discernimento mental reduzido, bem como as publicidades existentes no mercado de consumo direcionadas a eles.

1.1 Relações jurídicas de consumo

Para justificar a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é necessário estudar a estrutura da relação jurídica de consumo. Conforme Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 63), “[...] o Código de Defesa do Consumidor é uma Lei especial em razão dos seus destinatários (ratione personae), porque só é aplicável aos consumidores e fornecedores em suas relações [...]”, voltando sua atenção para o sujeito mais fraco que dela participa.

A norma jurídica estabelece um vínculo, um liame ou ligação entre aqueles que participam da relação social, atribuindo a um dos sujeitos poder e a outro dever ou subordinação. Neste sentido, Cavalieri Filho (2014, p. 64) conceitua a relação jurídica como sendo:

[...] toda relação social disciplinada pelo Direito. Preferem outros defini-la como toda relação da vida social que produz consequências jurídicas. Logo, toda relação jurídica é social, mas nem toda relação social é jurídica, somente aquela que, por sua relevância, é disciplinada pelo Direito.

As normas jurídicas de proteção do consumidor, incluindo os princípios, incidem sempre que ocorrer atos de consumo, tais como, o fornecimento de produtos, a prestação de serviços ou, quando em decorrência da insegurança destes, ocorrer um acidente de consumo, fazendo operar os efeitos jurídicos nela previstos. O que particulariza essa relação jurídica é que os sujeitos serão sempre o consumidor e o fornecedor, e terá por objeto produtos e/ou serviços.

A identificação da relação de consumo e seus elementos é o critério básico para determinar o âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Seus elementos podem ser classificados em subjetivos, que se referem aos sujeitos da relação jurídica, quais sejam os consumidores e fornecedores; os objetivos, que se relacionam com os objetos sugeridos na prestação, sendo os produtos e os serviços; e, ainda, um teleológico, que se refere a

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caracterização do consumidor como “destinatário final”. Como não há uma definição específica do que é relação de consumo, o legislador optou por conceituar os sujeitos e o objeto da relação de consumo, e é importante ressaltar que tais definições são dependentes umas das outras, devendo estar presentes para ensejar a aplicação do CDC.

O caput do artigo 2º do CDC nos traz o conceito de consumidor standard ou stricto sensu, estabelecendo que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. (BRASIL, 2020). Assim, o principal qualificador da condição de consumidor é que ele deve ser o destinatário final do produto ou serviço. Tal elemento desperta as maiores dúvidas acerca da matéria, surgindo teorias divergentes no tocante à esta qualificação.

Para a teoria finalista, a destinação final deve ser fática, quando o consumidor é o último da cadeia de consumo, ou seja, depois dele não há ninguém para a transmissão do produto ou do serviço; e econômica, quando o consumidor não utiliza o produto ou o serviço para o lucro, repasse ou transmissão onerosa. Como a lei consumerista visa reequilibrar uma relação desigual, ela não pode ser aplicada extensivamente, sob pena de produzir desigualdades protegendo quem não tem necessidade. Neste sentido, Bruno Miragem (2016, p. 169) afirma que:

[...] a interpretação finalista admitirá apenas, considerando a qualidade de destinatário final fático e econômico exigido do consumidor, sua natureza não profissional, excluindo qualquer utilização do produto ou serviço a título de insumo da atividade econômica do adquirente ou usuário.

Assim, o consumidor é aquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço para satisfação de interesse próprio ou de sua família, retirando-o do mercado de consumo, não havendo finalidade de obtenção de lucro. Seria, portanto, o não profissional, a quem o direito deve proteger na relação consumerista.

A corrente maximalista, por sua vez, sustenta que a definição deve ser interpretada extensivamente, considerando consumidor o destinatário fático do produto ou serviço, ainda que não seja seu destinatário econômico. Neste viés, Miragem (2016, p. 170) afirma que, para os maximalistas, qualifica-se como consumidor aquele que adquire ou utiliza o produto ou

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serviço, não sendo necessário que a partir do ato de consumo sejam retirados do mercado ou que não sejam reempregados na atividade econômica.

Há ainda a teoria finalista mitigada ou aprofundada, que parte do pressuposto de que, mesmo nas situações em que o adquirente de um produto ou serviço não se encaixe no conceito de consumidor padrão, pode ser assim considerado, por exceção, devido a sua situação peculiar de vulnerabilidade naquele determinado caso concreto. Assim, o reconhecimento da vulnerabilidade passa a servir tanto para situações normais, como para aquele consumidor que adquire ou utiliza o produto/serviço como destinatário final fático e econômico, quanto para aquele que passa a ter a proteção do Código de Defesa do Consumidor porque está numa situação real de vulnerabilidade, mesmo não sendo o destinatário final econômico do bem. É o caso, por exemplo, do profissional liberal, como um advogado, que adquire um computador para o seu trabalho, e este produto apresenta um vício de qualidade. Atualmente, a teoria finalista mitigada é a majoritária e tem se consolidado na jurisprudência brasileira, com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestando entendimento por esta corrente.

Ao lado do conceito de consumidor standard, o Código de Defesa do Consumidor também nos traz definições de consumidor equiparado. Conforme Cavalieri Filho (2014, p. 77) “estão igualmente amparados todos aqueles que, muito embora não se amoldem ao conceito jurídico de consumidor padrão, estão expostos aos efeitos decorrentes das atividades dos fornecedores no mercado, podendo ser por elas atingidos ou prejudicados”.

O primeiro caso se encontra no parágrafo único do art. 2º do CDC, que dispõe “esquipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” (BRASIL, 2020). É possível perceber que esta definição estabelece como consumidor aquele que tenha intervindo nas relações consumeristas mesmo que não seja determinado, exigindo-se, assim, a realização de um ato de consumo com a aquisição ou utilização de produto ou serviço. Neste sentido, a equiparação é a mera situação do consumidor como membro de uma coletividade cuja intervenção no mercado de consumo não seja necessariamente ativa, se configurando pela subordinação aos efeitos da ação dos fornecedores no mercado. Miragem (2016, p. 160) complementa:

[...] enquanto membro de uma coletividade de pessoas, sofrerá como os demais membros os efeitos desta intervenção, razão pela qual poderá ter seus interesses reconhecidos e protegidos por intermédio das regras relativas à tutela coletiva de

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direitos prevista no CDC. Daí porque se deve considerar como coletividade de pessoas que haja intervindo nas relações de consumo, não apenas os que tenham realizado atos de consumo (adquirido ou utilizado produto ou serviço), mas sim a todos que estejam expostos às práticas dos fornecedores no mercado de consumo.

Outra situação de consumidor equiparado está no artigo 17 do CDC, in verbis: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” (BRASIL, 2020). Deste modo, consideram-se consumidores equiparados todas as vítimas de um acidente de consumo advindos da utilização ou aquisição de um produto ou serviço, sendo responsabilizados os fornecedores por danos à saúde, à integridade ou ao patrimônio em casos de acidentes de consumo. Assim, prescinde de contrato, de modo que o consumidor equiparado apenas realize prova de que o dano sofrido decorre de um defeito do produto.

Para Cavalieri Filho (2014, p. 78), não faz sentido exigir que o fornecedor disponibilize no mercado de consumo produtos ou serviços seguros apenas para os consumidores, não se importando com terceiros que possam sofrer danos pelo produto ou serviço. Por isso, deu-se a estas vítimas um tratamento diferenciado, que se justifica pela relevância social da prevenção e reparação de tais danos.

O último conceito de consumidor equiparado está previsto no artigo 29 do CDC, ao estabelecer que “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. (BRASIL, 2020). Neste sentido, abrange as fases pré-contratual, de execução, e pós-contratual, pertinentes ao contrato de consumo e estende-se a qualquer contratante a aplicação das normas previstas do artigo 30 a 54 da legislação consumerista, incluindo quem não seja qualificado como consumidor em sentido estrito, destinatário final de produto ou serviço. Assim sendo, prescinde da efetiva participação da pessoa na relação de consumo (art. 2º CDC) ou ter sido atingido pelo evento danoso (art. 17 CDC).

Conforme Miragem (2016, p. 163), a forma correta de aplicação do conceito deve se dar de acordo com o princípio da vulnerabilidade, presente na lei consumerista, ou conforme os riscos que determinadas práticas comerciais oferecem à coletividade. Assim, é possível concluir que, equipara-se a consumidor e, portanto, aplica-se as regras sobre contratos e práticas comerciais do CDC, quando estiver presente a vulnerabilidade do contratante, justificando a equiparação por conta da finalidade de assegurar o equilíbrio.

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Importante destacar que a vulnerabilidade não é atribuição exclusiva do consumidor pessoa física, mas também atinge pessoas jurídicas, de acordo com Fabrício Bolzan (2014, p. 68), “[...] nas oportunidades em que uma empresa for exposta a uma prática comercial ou contratual abusiva e desde que demonstrada sua hipossuficiência no caso concreto, será considerada consumidora por equiparação [...]”. Nesta situação, por exemplo, é possível a proteção dos consumidores nos mais diferentes tipos de contratos de empréstimos concedidos pelas instituições financeiras, possibilitando a aplicação do CDC para coibir práticas e cláusulas contratuais abusivas, tanto em relação ao consumidor pessoa física quanto ao consumidor pessoa jurídica.

Outro sujeito da relação jurídica de consumo é o fornecedor, que está definido no artigo 3º, caput, do Código De Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 2020).

Nota-se que o conceito de fornecedor é bem mais amplo que o de consumidor, permitindo considerar como fornecedores todos aqueles que, mesmo sem personalidade jurídica, atuam nas diversas etapas do processo produtivo, antes da chegada do produto ou serviço a seu destinatário final. Assim, abrange-se tanto empresas estrangeiras ou multinacionais, quanto o próprio Estado, diretamente ou por meio de seus órgãos e entidades, quando realiza fornecimento de produto ou serviço no mercado de consumo.

Neste sentido, Cavalieri Filho (2014, p. 80) afirma que “não apenas o fabricante ou o produtor originário, mas também todos os intermediários (intervenientes, transformadores, distribuidores) e, ainda, o comerciante – desde que façam disso as suas atividades principais ou profissões, serão tratados pela lei como fornecedores”. Dessa forma, não se caracterizam relações de consumo as relações jurídicas estabelecidas entre os não profissionais, pois a atividade do fornecedor deve ser habitual, remuneratória e profissional, o que a caracteriza como atividade econômica.

A relação jurídica de consumo também é composta por elementos objetivos, quais sejam, o produto e o serviço. Para Cavalieri Filho (2014, p. 82), o objeto é a prestação na qual

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tem direito o consumidor e a qual está obrigado o fornecedor, em razão do vínculo jurídico que as une. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §1, conceitua que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” (BRASIL, 2020). Assim, podemos concluir que qualquer bem pode ser considerado produto, desde que resulte do processo de produção ou fabricação.

Ao englobar bens móveis e imóveis no conceito de produto, o legislador reconhece a aplicação do CDC aos contratos imobiliários, bem como àqueles conexos a este, tais quais, contratos de empréstimo, financiamento e seguro, sobretudo, ao direito das coisas. Assim, ao Código Consumerista cabe regular a contratação, assegurando o equilíbrio das prestações, o direito à informação do consumidor e a repressão às práticas e cláusulas abusivas.

Quanto a definição de serviço, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º, nos diz que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (BRASIL, 2020). Para fins de proteção do consumidor, os serviços devem possuir profissionalidade, habitualidade e a contraprestação em dinheiro (de maneira direta ou indireta).

Dentre os serviços integrantes exemplificado no §2º do art. 3º do CDC, destacam-se os serviços bancários, que se caracterizam como relações de consumo por serem remunerados, despersonalizados, pelos tomadores de tais serviços serem vulneráveis e pela habitualidade e profissionalismo na sua prestação. Estas relações se manifestam por meio dos contratos, em que figuram como partes uma instituição financeira e um particular que pode ser pessoa física ou jurídica. No entanto, o mais importante para o tema em estudo são os contratos firmados pela pessoa física, pois o desconto em folha de pagamento atinge somente este grupo. Para Cavalieri Filho (2014, p. 95):

[...] as instituições financeiras e equiparadas assumem papel de relevo para o atendimento das necessidades dos consumidores, fato que se sobressai em uma sociedade desigual como a brasileira, onde o fornecimento de crédito revela-se indispensável até mesmo para a satisfação de necessidades primárias para a larga maioria da população, representando o meio de acesso à aquisição de bens ou à contratação de serviços.

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Atualmente, não resta dúvida quanto à aplicação do CDC aos contratos bancários, pois conforme entendimento da súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), in verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” (BRASIL, 2019). De maneira geral, nas atividades bancárias, securitárias, de financiamento e de crédito, ocorrem abusos de toda ordem, trazendo grandes consequências aos consumidores, decorrentes, principalmente, da desigualdade de poder entres eles e as instituições financeiras. Assim, tendo em vista que a proteção do consumidor pauta-se na sua situação de vulnerabilidade, não se justificaria a exclusão de seus produtos e serviços às leis do Código de Defesa do Consumidor.

As atividades bancárias são classificadas como atividades econômicas, tendo como operações principais a concessão de crédito, onde o produto é o dinheiro ou o próprio crédito, sendo bens juridicamente consumíveis, e a prestação de serviços aos consumidores, tanto pelo recolhimento de pagamentos, quanto ao exercício de sua atividade principal. É muito comum que as instituições financeiras utilizem contratos de adesão, não conferindo negociações, cobrando taxas de juros exorbitantes, de modo a afrontar a função social do contrato. Assim, a aplicação das regras protetivas do código consumerista é fundamental para a defesa do cidadão diante das instituições financeiras.

1.2 Princípios da relação de consumo

O estudo dos princípios presentes no Código de Defesa do Consumidor é um dos pontos de partida para compreender o sistema adotado pela Lei Consumerista, sob égide dos vulneráveis nas relações negociais. Os princípios são regramentos basilares advindos das normas, costumes, doutrinas, jurisprudências, bem como dos aspectos políticos, sociais e econômicos, sendo aplicáveis subsidiariamente em casos de lacunas da lei e também de forma imediata na correção de normas em determinadas situações.

É por meio dos princípios que se inicia a análise do ordenamento jurídico e se confere para onde ele norteia-se. Possuem a função estruturante de harmonizar o sistema jurídico, integrando suas diferentes partes e condicionando a atividade do intérprete, funcionando como diretrizes no sistema jurídico. Neste sentido, Miragem (2016, p. 127) afirma que os princípios:

[...] revelam-se como normas com alto grau de generalidade que atuam como mandatos de otimização, uma vez que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as condições fáticas e jurídicas existentes. Da mesma

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forma, o significado do que se considere princípio jurídico abrange igualmente as diretrizes ou o sentido a serem conferidos para uma determinada disciplina jurídica.

Os princípios previstos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) visam a proteção do consumidor mais vulnerável nas relações contratuais, dos quais serão avaliados no presente trabalho àqueles considerados imprescindíveis na análise e interpretação dos contratos de empréstimos bancários, sendo eles: o princípio da vulnerabilidade, o princípio da boa-fé, o princípio da transparência e o princípio da interferência do Estado.

O princípio da vulnerabilidade é considerado o norteador de todas as relações jurídicas de consumo e está previsto no artigo 4º, inciso I da Lei nº 8.078/1990, que dispõe:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. (BRASIL, 2020).

A vulnerabilidade significa a qualidade ou o estado de vulnerável, tendo a fragilidade como uma das bases para este conceito. É a situação daquele que foi ou pode ser atingido por alguém mais forte e influente em uma relação. Todos os consumidores possuem referida condição decorrente de uma presunção que não aceita discussão ou prova em contrário, pois são considerados a parte mais frágil das relações jurídicas de consumo, necessitando de tratamento diferenciado para conseguir se relacionar com o mínimo de independência no mercado consumerista. De acordo com Miragem (2016, p. 128):

A vulnerabilidade do consumidor constitui presunção legal absoluta, que informa se as normas do direito do consumidor devem ser aplicadas e como devem ser aplicadas. Há na sociedade atual o desequilíbrio entre dois agentes econômicos, consumidor e fornecedor, nas relações jurídicas que estabelecem entre si. O reconhecimento desta situação pelo direito é que fundamenta a existência de regras especiais, uma lei ratione personae de proteção do sujeito mais fraco da relação de consumo. (grifos do autor).

Por vulnerabilidade entende-se como a fragilidade dos consumidores em face dos fornecedores no que diz respeito às informações disponibilizadas, tendo em vista que tais afirmações podem ser verdadeiras ou falsas, ou o produto/serviço pode não atender às expectativas dos consumidores mediante a publicidade ofertada. Assim, para ser reconhecida,

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a vulnerabilidade independe da situação política, social, econômica ou financeira da pessoa, bastando a condição de consumidor enquadrado nos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990.

A vulnerabilidade pode ser analisada a partir de diferentes acepções, podendo caracterizar-se como técnica, jurídica/científica, fática/socioeconômica ou informacional. Na vulnerabilidade técnica o consumidor é frágil quanto aos conhecimentos técnicos do produto ou serviço, conforme Miragem (2016, p. 129) “o que determina a vulnerabilidade, neste caso, é a falta de conhecimentos específicos pelo consumidor e, por outro lado, a presunção ou exigência destes conhecimentos pelo fornecedor.” Bolzan (2014, p. 166) complementa que, o fornecedor, sendo presumidamente o expert da relação, resta para o consumidor a qualidade de vulnerável nas questões técnicas.

Já a vulnerabilidade jurídica/científica envolve a fragilidade do consumidor não profissional e pessoa física, em relação à falta de conhecimento sobre a matéria jurídica ou a respeito das áreas econômicas e contábeis. Neste sentido, Miragem (2016, p. 130) afirma que:

A vulnerabilidade jurídica é presumida com relação ao consumidor não especialista, pessoa natural, não profissional, a quem não se pode exigir a posse especifica destes conhecimentos. Todavia, com relação ao consumidor pessoa jurídica, ou o consumidor profissional, é razoável exigir-lhe o conhecimento da legislação e das consequências econômicas dos seus atos, daí porque a presunção neste caso, ainda que se trate de presunção relativa (iuris tantum) é de que deva possuir tais informações. (grifos do autor).

Assim sendo, tal vulnerabilidade pode ser evidenciada em situações de fraqueza do consumidor, na análise das cláusulas contratuais que são, em sua maioria, de adesão, cuja elaboração é realizada exclusivamente pelo fornecedor e tal impossibilidade de discussão dos termos maximiza a vulnerabilidade jurídica do comprador. É o caso da contratação de crédito bancário, através da dificuldade de compreensão dos juros remuneratórios, por exemplo.

Em relação à vulnerabilidade fática/socioeconômica, constata-se a fragilidade do comprador no aspecto econômico, quando o fornecedor se encontra em posição de monopólio, impondo sua superioridade a todos que contrataram seu serviço ou produto.

Conforme Miragem (2016, p. 130), a fraqueza do consumidor está na falta dos mesmos meios ou mesmo porte econômico do fornecedor. Também pode classificar-se como vulnerável

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faticamente o consumidor idoso, em razão de seu discernimento reduzido, sendo mais suscetível ao apelo dos fornecedores. Para Bolzan (2014, p. 167):

Trata-se de modalidade aberta de vulnerabilidade capaz de albergar situações outras que no caso concreto identificam a fragilidade de uma das partes, como no caso do consumidor crédulo, o mais humilde, que se deixa levar pela conversa enganosa de um vendedor que afirma ser o melhor presente a joia mais cara daquele estabelecimento.

Por fim, há ainda a vulnerabilidade informacional, que, conforme Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 26), se caracteriza pela falta ou manipulação de informações prestadas ao consumidor, que muitas vezes é persuadido pelas técnicas de ofertas e propagandas. Conforme Miragem (2016, p. 138), a vulnerabilidade informacional é característica da sociedade atual:

[...] conhecida como sociedade da informação, em que o acesso às informações do produto, e a confiança despertada em razão da comunicação e da publicidade, colocam o consumidor em uma posição passiva e sem condições, a priori, de atestar a veracidade dos dados, bem como suscetível aos apelos do marketing dos fornecedores. (grifo do autor).

Tal vulnerabilidade pode ser agravada, denominando-se hipervulnerabilidade, quando estiver manifestado o desequilíbrio entre as partes, como é o caso dos consumidores idosos, em que prevalece sua fraqueza e ignorância por conta de sua idade, saúde e discernimento. Neste sentido, Bolzan (2014, p. 168) afirma que:

[...] o importante é deixar bem clara a sua relevância no mundo contemporâneo, em que o consumidor é constantemente persuadido em sua liberdade de opinião pelas técnicas agressivas da oferta e por ser o fornecedor o manipulador e conhecedor dessas informações, evidenciando uma relação completamente díspar e merecedora da proteção do mais frágil também no aspecto da informação.

As jurisprudências atuais têm entendido como essencial o dever de informação, pois é um desdobramento do princípio da boa-fé objetiva que rege todos os negócios jurídicos. A apelação cível abaixo, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, representa um caso concreto em que se aplica o princípio da vulnerabilidade informacional. A autora, sendo pessoa idosa, enquadrou-se em todas as espécies de vulnerabilidade, inclusive sendo considerada hipervulnerável, pois não recebeu todas as informações necessárias para realizar o contrato com a instituição financeira, o que é um dever e um direito do consumidor para esclarecer sobre os riscos do crédito e o reflexo futuro em sua renda. Não sendo respeitados os princípios básicos do negócio jurídico e, sendo o banco réu o gerador da situação de

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inadimplência da autora, não se pode incluí-la nos cadastros de maus pagadores, em razão de atrasos no pagamento do acordo.

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INSCRIÇÃO DO NOME DA PARTE AUTORA NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO.

SUPERENDIVIDAMENTO. HIPERVULNERABILIDADE. DEVER DE

INFORMAÇÃO. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1. A presença de qualquer uma das facetas

da vulnerabilidade na situação de fato (vulnerabilidade informacional,

vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica ou científica e vulnerabilidade fática ou socioeconômica) caracteriza o consumidor como hipossuficiente e merecedor

da proteção jurídica especial da legislação consumerista. Caso dos autos em que a autora preenche os requisitos de todas as espécies, pois trata-se de pessoa idosa que não recebeu as informações necessárias para realização do contrato com a instituição financeira, de sabidamente grande poderio econômico, configurando-a como hipervulnerável e merecedorconfigurando-a de configurando-atenção jurídicconfigurando-a específicconfigurando-a. 2. Restconfigurando-a

caracterizado o superendividamento quando a parte autora possui inúmeros empréstimos bancários que somados minam seus vencimentos ao ponto de não conseguir mais honrar com todas as dívidas e manter o necessário para a mantença do seu mínimo existencial. 3. O dever de informação, consubstanciado no

esclarecimento do leigo sobre os riscos do crédito e o comprometimento futuro de sua renda, além de um direito do consumidor, é também um dever de cautela do fornecedor de crédito. Em razão do dever de mitigar a própria perda (duty to

mitigate the loss), desdobramento do princípio fundamental da boa-fé objetiva, que rege todo e qualquer negócio jurídico, é obrigação da parte mutuante evitar a causação ou agravação do próprio prejuízo 4. Uma vez que a formação do contrato não

respeitou as diretrizes fundamentais de todo e qualquer negócio jurídico, e que, em verdade, o grande causador do estado de inadimplência em que vive a autora é o próprio banco réu, não se poderia admitir que viesse a incluí-la nos cadastros de maus pagadores, justamente, em razão de atrasos no pagamento do acordo.

Configura-se, assim, ilícita a inscrição do nome da autora em razão do negócio jurídico entabulado entre as partes. 5. Verificada, entretanto, a existência de outras inscrições em nome da parte autora, realizadas em momento anterior ao registro que deu causa ao ajuizamento da presente demanda, configura-se hipótese fática prevista na súmula 385 do STJ. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70068248798, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 08-03-2016) (RIO GRANDE DO SUL, 2019). (grifos nosso).

As relações negociais consumeristas devem estar em equilíbrio e harmonia entre as partes em todos os momentos relacionados com a prestação e o fornecimento. Neste contexto, surge o princípio da boa-fé, que está expresso no artigo 4º, inciso III da Lei nº 8.078/1990, in verbis:

Art. 4º [...]

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (BRASIL, 2020).

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Importante ressaltar que a boa-fé presente no Código de Defesa do Consumidor é a objetiva, pois, conforme afirmam Anna Taddei eSheyla Cristina Ferreira dos Santos Queiroz (2020, p. 03):

[...] as partes devem agir dentro de parâmetros de honestidade e lealdade o que garante o equilíbrio contratual, diferentemente da boa-fé subjetiva que pressupõe ter o detentor do direito uma falsa crença acerca da situação do negócio. Pode-se identificar como subproduto do princípio da boa-fé o dever de cooperação e o dever de cuidado, este sendo a obrigação de segurança que a parte deverá ter para não causar danos morais ou materiais a outra.

Assim sendo, tal princípio é considerado o regramento vital do Código de Defesa do Consumidor, pois, conforme lecionam Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves (2014, p. 37) a boa-fé tem relação direta com os deveres de conduta que são inerentes a qualquer negócio, entre eles o dever de cuidado, de respeito, de lealdade, de informar, de transparência e de agir honestamente. Para Theodoro Júnior (2017, p. 271) “a boa-fé faz-se presente dentro da estrutura obrigacional, ocupando posto de dever contratual e, assim, oferece condições de contribuir para a determinação do conteúdo do contrato e de seu funcionamento.”

Com isso, cumpre destacar que este princípio exige o máximo de respeito e colaboração entre as partes do contrato, proporcionando o equilíbrio negocial que deve ser mantido em todos os momentos do negócio jurídico, devendo aquele que atuar com má-fé ser penalizado pelas sanções previstas na Lei Consumerista. Neste sentido, Theodoro Júnior (2017, p. 285) complementa:

Sem dúvida, a utilidade do contrato, para a ordem jurídica, reside especificamente na sua força obrigatória. O direito moderno, é verdade, em nome da boa-fé objetiva, contempla o juiz com poderes de revisão e dissolução do contrato, quando se torne veículo de abuso de direito ou se verifique a inexequibilidade de seu escopo.

É possível perceber a valorização do princípio da boa-fé nos artigos 12, 14 e 18 do Código de Defesa do Consumidor, que apontam a responsabilidade pré-contratual decorrente da má informação e da publicidade enganosa e abusiva pelos danos causados aos consumidores. Theodoro Júnior (2017, p. 195) complementa dispondo que “[...] um dos principais aspectos da boa-fé objetiva é seu efeito vinculante em relação à oferta e à publicidade que se veicula, de modo a proteger a legítima expectativa criada pela informação, quanto ao fornecimento de produtos ou serviços.”

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Outro princípio que cumpre destacar é o da transparência. Previsto no art. 4º, caput, bem como no art. 6º, inciso III da Lei nº 8.078/90, prescreve o seguinte:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. (BRASIL, 2020).

Assim, não basta oportunizar ao consumidor o acesso formal ao contrato, pois tal princípio exige o acesso material e efetivo do objeto contratual, devendo este ser redigido de forma com que o consumidor consiga compreender o conteúdo disposto após a leitura, necessitando ter uma linguagem de fácil entendimento e sem excesso de expressões técnicas. Conforme afirmam Tartuce e Neves (2014, p. 40) “a informação, no âmbito jurídico, tem dupla face: o dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o seu produto ou serviço ao mercado, e o segundo, com o consumidor vulnerável.”

Como em diversas vezes a intenção de formar um negócio jurídico tem por influência uma publicidade, este princípio é de grande relevância, pois o produto ou serviço deverá estar exatamente como divulgado na oferta, sob pena de o fornecedor ou prestador responder pelos vícios ou danos causados e, se for o caso, realizar a substituição do produto ou executar novamente o serviço. Cabe também o cumprimento forçado por meio da oferta, nos termos dos arts. 35 e 84 da Lei Consumerista.

Por fim, o princípio da interferência estatal, definido no art. 4º, inciso II da Lei nº 8.078/90, impõe os seguintes termos:

Art. 4º [...]

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. (BRASIL, 2020).

Conforme Theodoro Júnior (2017, p. 22) “[...] tendo em vista que o mercado não consegue, por si mesmo, superar esse desequilíbrio, tornou-se imprescindível a intervenção estatal, consubstanciada na edição de um Código de Defesa do Consumidor [...].” Assim, este princípio trouxe a edição de leis específicas para disciplinar o direito do consumidor, em razão

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da ineficácia do direito civil na tutela destas relações jurídicas, devendo o Estado intervir no mercado de consumo a fim de proteger a parte mais vulnerável. Para Miragem (2016, p. 151):

O princípio da intervenção do Estado se apresenta, por outro lado, pela função determinada a Instituições Públicas, como Ministério Público e Órgãos Administrativos de defesa dos interesses dos consumidores, de atuar na proteção, implementação e efetividade dos direitos deste sujeito vulnerável, caracterizando-se como efeito do dever fundamental do Estado, estabelecido na Constituição da República.

De acordo com Bolzan (2014, p. 171), a intervenção do Estado por iniciativa direta é o que ocorre, por exemplo, com o PROCON, que demonstra efetiva preocupação estatal na defesa direta dos consumidores de todo o país. Por meio de incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas, há como exemplo a ADECON (Associação de Defesa do Consumidor), do Rio Grande do Sul. A presença do Estado no mercado de consumo se evidencia pelo importante papel das Agências Reguladoras que fiscalizam a prestação de serviços públicos delegados à execução de particular, como ocorre com a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), por exemplo.

Quanto a garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, conforme Bolzan (2014, p. 172), cria-se uma expectativa no consumidor por meio de uma oferta veiculada, de o produto atender às finalidades anunciadas. Assim, destacam-se o SINMETRO (Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), o CONMETRO (Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) e o INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). Por fim, no estudo constante das modificações do mercado de consumo, ressalta-se que o Estado deve ficar atento às alterações ocorridas no comércio, bem como emitir respostas imediatas a tais modificações para preservar a tutela das políticas de defesa do consumidor.

A criação de varas judiciais especializadas no Direito do Consumidor exige dos Magistrados o conhecimento específico dessa sistemática diferenciada que envolve a tutela do vulnerável da relação jurídica de consumo. O CDC limita a declaração de vontade do consumidor visando evitar seu comprometimento com disposições contratuais que lhe sejam prejudiciais, a exemplo das cláusulas abusivas, ou que ainda não tenham sido suficientemente informadas.

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Para Miragem (2016, p. 133), o envelhecimento da população e as características atuais do mercado fizeram com que os Estados se ocupem da proteção do idoso, devendo prevenir fraudes, abusos e práticas nocivas que atentam contra esta categoria de consumidor. O idoso é considerado hipervulnerável por ter suas aptidões intelectuais reduzidas, o que o torna mais suscetível frente às relações negociais, pois a publicidade se aproveita da sua deficiência de compreensão para empurrar produtos e serviços em condições lesivas. O autor diz ainda que, nas contratações de empréstimos financeiros com pagamento consignado em folha, a vulnerabilidade do idoso se faz presente, especialmente, pela realidade dos baixos valores pagos pela Previdência Social e pela falta de informação eficiente e compreensível das instituições financeiras que, em muitos casos, acarretam o superendividamento. Assim, é evidente que a vulnerabilidade do idoso merece uma proteção maior e mais efetiva, de forma a coibir as práticas abusivas e enganosas que são direcionadas a estes consumidores.

Neste sentido, a participação do Estado é indispensável para que haja equilíbrio entre o fornecedor e o consumidor, devendo atuar na elaboração de normas que atendam ao interesse coletivo bem como na entrega da efetiva prestação jurisdicional. Objetivando efetivar os direitos dos consumidores, o Estado pode atuar diretamente, através do seu poder de polícia, ou indiretamente, por intermédio de políticas governamentais, que se dão em virtude de o consumidor ser reconhecido como a parte mais fraca da relação de consumo. Importante mencionar que o Estado não intervém para inviabilizar a relação entre as partes, mas para impor condições de respeito e consideração contratual, buscando equilíbrio ao negócio jurídico, para que este não afronte os demais princípios existentes, tendo em vista que o atuar do Estado não é ilimitado e não deve cometer abusos na busca de proteção.

1.3 Hipervulnerabilidade do idoso

A massificação do mercado adveio por volta de 1880, onde as interações entre fornecedores e consumidores ocorriam em âmbito estritamente local, pelo mercado e comércio regional. Com a evolução do transporte e da comunicação, o mercado passou a produzir em massa, proporcionando o crescimento econômico e, consequentemente, aumentando a produção e o consumo. É fato inegável que o desenvolvimento acelerado dos produtos e serviços passou a suprir as necessidades humanas e diversificou as pretensões de consumo, mas,

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em contrapartida, o consumidor se colocou em posição de fragilidade, estando cada vez mais vulnerável e menos consciente ante as pressões e tentações do mercado.

O progresso é demonstrado pelas novas tecnologias, mas também por novas formas de agressão ao meio ambiente, afetando, consequentemente, o ser humano. Dessa forma, a vulnerabilidade é uma realidade a ser combatida, de forma a limitar os efeitos prejudiciais à população, havendo, assim, melhores condições de enfrentamento da hipervulnerabilidade do consumidor idoso. Cristiano Heineck Schmitt (2014, p. 147) leciona que “o mercado de consumo gera desafios constantes e intensos aos consumidores, em geral, deles exigindo, cada vez mais, níveis de adaptações para a compreensão das novas tecnologias, bem como dos novos produtos e serviços negociados”.

Cabe ressaltar que a fragilidade é uma condição natural do consumidor, tendo em vista que a vulnerabilidade o coloca automaticamente em desvantagem frente ao fornecedor, devendo ser oferecidos instrumentos para equilibrar as relações consumeristas, em cumprimento ao princípio da igualdade. O consumidor é vulnerável pois não possui conhecimentos fáticos, científicos ou econômicos sobre os produtos ou serviços disponibilizados no mercado, não detendo outras informações específicas acerca das mercadorias além daquelas disponibilizadas pelo agente de produção, estando, assim, dependente de uma conduta de boa-fé dos fornecedores em repassar informações verdadeiras. Neste sentido, Schmitt (2014, p. 167) afirma que:

A vulnerabilidade é uma característica intimamente ligada à figura do consumidor, que indica sua fragilidade no mercado de consumo e que acaba justificando a necessidade de sua proteção por meio de uma tutela diferenciada, em especial, através da intervenção estatal nas relações de consumo. Logo, a vulnerabilidade é uma circunstância inseparável da noção jurídica de consumidor.

A compreensão de que o consumidor é sujeito vulnerável passou a ser desenvolvida no início do século XX, ao considerar os abusos do mercado que evidenciavam sua fragilidade, como, por exemplo, nos contratos de adesão. Tal desigualdade entre fornecedor e consumidor, bem como o desequilíbrio contratual desta relação, justifica a intervenção estatal no mercado de consumo, pois em uma relação que surge naturalmente desvantajosa para o consumidor é oportuno gerar normas, políticas públicas e órgãos fiscalizadores para corrigir desvios em tais práticas que prejudicam os adquirentes, visando restabelecer o equilíbrio contratual. Deste modo, a Constituição Federal de 1988 incluiu no rol de direitos fundamentais, em seu art. 5º,

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XXXII, a proteção do consumidor, tendo em vista referida desigualdade entre os sujeitos da relação de consumo, e também incluiu como um princípio de ordem econômica, conforme art. 170, V da CF/88.

Diante da existência de diferentes graus de vulnerabilidade e das diversas classes de consumidores, ao serem analisadas as contratações das quais participam, estes podem receber um tratamento distinto, visando formalizar o princípio da igualdade. Assim, as jurisprudências brasileiras vêm pacificando que alguns grupos de consumidores devem receber maiores cuidados em relação ao demais, em razão de seu alto nível de fragilidade nas relações consumeristas, tendo em vista que podem sofrer danos mais graves do que os vulneráveis.

Apesar de já existir a presunção legal de que os consumidores são a parte vulnerável da relação jurídica de consumo, há também a categoria de pessoas que são hipervulneráveis, pois apresentam nível de fraqueza agravado, como é o caso dos consumidores idosos, crianças, portadores de necessidades especiais, enfermos, analfabetos, entre outros. A hipervulnerabilidade encontra respaldo no respeito à diferença ao sujeito que faz parte de uma minoria, que também deve ser acolhida em suas singularidades. De acordo com Adrianna de Alencar Setubal Santos e Fernando Antônio de Vasconcelos (2019, p. 31):

Os requisitos teóricos de responsabilização seguem os mesmos (conduta juridicamente qualificada, nexo de causalidade, nexo de imputação e dano), no entanto, o grau de exigência de uma conduta adequada é maior quando presente situação de hipervulnerabilidade. Quanto mais patente a hipervulnerabilidade, mais extenso é o cuidado que se deve exigir do fornecedor ou mesmo maior é o risco do fornecedor de sofrer o desfazimento do negócio ou ter que indenizar pelos danos causados ao consumidor.

Nesse sentido, Cavalieri Filho (2014, p. 53) afirma que “hipervulnerabilidade é espécie qualificada de vulnerabilidade para indicar consumidores portadores de deficiências físicas, doenças específicas, precária situação econômica e que, por isso, merecem atendimento e informações especiais”. Adolfo Mamoru Nishiyama e Roberta Densa (2019, p. 16) complementam: “O prefixo hiper (do grego hypér), designativo de alto grau ou aquilo que excede a medida normal, acrescido da palavra vulnerável, quer significar que alguns consumidores possuem vulnerabilidade maior do que a medida normal, em razão de certas características pessoais [...]”. Assim, de acordo com Schmitt (2014, p. 169), a hipervulnerabilidade é a soma da vulnerabilidade inerente à pessoa do consumidor com a

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fragilidade que atinge determinados indivíduos, como no caso do idoso, que possui tal característica em decorrência da sua idade avançada.

No Brasil, a partir do século XXI, o idoso passou a ser visto pelo mercado consumerista como uma alternativa lucrativa, integrando uma nova classe de consumidores, pois através dos apelos midiáticos que promovem a ideia de satisfação imediata, incentivavam os idosos a adquirir bens e serviços. Assim, diante da hipervulnerabilidade do idoso e de seu crescimento populacional significativo no país, os fornecedores passaram a enxergá-los como um novo grupo adquirente de produtos e serviços presentes no mercado, sendo incentivados ao consumo de crédito que nem sempre é realmente necessário.

A partir de tais premissas, deve ser ainda maior a proteção do consumidor idoso, pois o fato de ser consumidor já lhe torna vulnerável e, considerando sua idade avançada e sua debilidade, configura-se um sujeito hipervulnerável. Assim, reconhecer a hipervulnerabilidade do idoso é compreender que sua idade potencializa sua fragilidade como consumidor, o que lhe impede de ingressar no mercado consumerista no mesmo ponto de partida dos demais consumidores, exigindo um tratamento especial, devendo ter como premissa para uma interpretação individualizada dos contratos celebrados por tais sujeitos, em busca da justiça e do equilíbrio contratual.

Ainda que esteja assegurado em nossa Carta Magna a proteção ao idoso, em seu artigo 230, in verbis: “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida” (BRASIL, 2020), o reconhecimento deste deve ser assimilado pela sociedade e não apenas pela Lei, manifestando respeito a este indivíduo, especialmente na seara consumerista, em razão da fragilidade que ele assume frente ao mercado contemporâneo. Assim sendo, o Estado deve se importar não apenas com os vulneráveis, mas, especialmente, com os hipervulneráveis, por serem o grupo minoritário, discriminado e também os que mais sofrem com a popularização do mercado de consumo. Nesta perspectiva, Cavalieri Filho (2014, p. 54) leciona que:

Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador. O fornecedor tem o dever de informar que o produto ou serviço pode causar malefícios a um grupo de pessoas, embora não seja

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prejudicial à generalidade de população, pois o que o ordenamento pretende resguardar não somente a vida de muitos, mas também a vida de poucos.

Importante ressaltar que, conforme art. 1º da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), consideram-se idosas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Com relação à esta categoria de consumidores, cabe destacar que são hipervulneráveis porque possuem limitações em diversos aspectos, tais como a vulnerabilidade técnica, acentuada em relação às novas tecnologias, especialmente a utilização da internet; vulnerabilidade fática, frente à agilidade das contratações; vulnerabilidade econômica, em razão do valor do teto da aposentadoria; e também porque possui, muitas vezes, a saúde debilitada. Conforme Nishiyama e Densa (2019, p. 20) a vulnerabilidade do consumidor idoso também pode ser evidenciada pela perda ou redução de discernimento mental/físico, o deixando mais suscetível às práticas enganosas e abusivas presentes no mercado, além da sua maior necessidade de determinados produtos e serviços do mercado (como remédios e planos de saúde, por exemplo), que o torna dependente dos seus fornecedores.

Em decorrência de tais dificuldades, é corriqueira a celebração de contratos de consumo em que os idosos não compreendem o teor do documento, limitando-se a firmar o instrumento, confiando no que lhe foi assegurado pelo fornecedor ou seu representante. As contratações de empréstimos financeiros com pagamento consignado em folha também devem levar em consideração a hipervulnerabilidade do idoso, especialmente pela realidade dos baixos valores pagos pela Previdência Social, que tornam tal empréstimo uma necessidade do consumidor para pagamento de despesas pessoais e, muitas vezes, como recurso para adimplir obrigações de familiares e amigos. Nesses casos, devem ser reforçados os deveres de colaboração e informação eficiente e compreensível entre o idoso e a instituição financeira, para que haja condições de cumprimento do contrato de forma que não comprometa suas necessidades básicas, evitando o superendividamento a longo prazo.

Sem dúvida, o crédito é um estímulo ao consumo. Conforme afirma Miragem (2016, p. 439), a facilitação do crédito agravou a vulnerabilidade do consumidor enquanto tomador de crédito, pois a obtenção de recursos financeiros o torna submisso a condições negociais extremamente onerosas. Nestas situações, a vulnerabilidade decorre da urgente necessidade de obter o crédito para adimplir dívidas que, no caso dos idosos, acontece, na maioria das vezes, por conta de sua baixa renda, que impossibilita o pagamento das despesas indispensáveis para a sua sobrevivência (como aluguel, água, luz e alimentação) e dos medicamentos que muitos

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utilizam em decorrência da idade e que o Estado não disponibiliza. Além disso, o acesso ao crédito também estimula o superendividamento por ser de acesso fácil e rápido, mas, não havendo um planejamento financeiro adequado ou ocorrendo algumas situações imprevisíveis, pode acabar impossibilitando o pagamento das demais dívidas contraídas pelo consumidor.

Atualmente, as relações sociais regem-se pela supremacia do sistema econômico, em que a presença na sociedade se comprova por meio do consumo de bens e serviços, estimulado por apelos midiáticos através da publicidade e do marketing. Daí surge o fenômeno do superendividamento, decorrente da facilidade de acesso ao crédito, que muitas vezes acarreta na dificuldade de adimplemento das dívidas firmadas, excluindo da sociedade o cidadão que não tem condições de participar das relações consumeristas.

Na sociedade contemporânea, de acordo com Schmitt (2014, p. 142) “o significado das coisas é substituído por símbolos de relações sociais, que denotam a posição social do indivíduo, bem como seus valores desejáveis e o estilo de quem as adquire”. Assim, o idoso, ao recorrer para o empréstimo consignado, pensa estar adquirindo maior grau de aproximação e aceitação dos outros indivíduos. Neste sentido, impõe-se a necessidade de um tratamento diferenciado ao atender esta categoria especial, tendo em vista eventuais dificuldades de compreensão acerca do funcionamento de novas formas de contratação de produtos e serviços que, anteriormente, eram inexistentes. O autor ainda leciona que:

[...] há que se exigir deveres de informação de cunho estritamente cooperativo, que supram, com eficiência, o déficit informacional que recai sobre determinados idosos. Uma parcela considerável desses idosos, em países como o Brasil, detém uma vulnerabilidade extrema pelo fato de serem analfabetos. (SCHMITT, 2014, p. 164).

Assim sendo, a busca pela qualidade de vida e de melhor atendimento ao idoso deve ser uma preocupação social, de forma que o modo com que a informação é prestada, a acessibilidade aos locais, a adaptação de produtos, etc., enfoquem na facilitação da vida à terceira idade, traduzindo a inclusão social, tendo em vista a ausência de conhecimentos específicos deste grupo de consumidores. O idoso deve ser tratado com respeito e dignidade, considerando-o como pessoa que faz parte da sociedade mesmo com suas debilidades provocadas pelo passar dos anos, pois naturalmente é um sujeito mais frágil e vulnerável.

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A proteção vigente no Código de Defesa do Consumidor trouxe um novo padrão de igualdade, de respeito às diferenças e às particularidades. As especificidades da personalidade encontram amparo em nossa Constituição, tendo sido tuteladas com a edição de normas infraconstitucionais, a exemplo do CDC. Assim, conforme lecionam Santos e Vasconcelos (2019, p. 33), ao ser reconhecida a vulnerabilidade do consumidor e o seu novo perfil, o desenvolvimento do mercado de consumo, a inovação e tecnologia dos produtos e serviços disponibilizados, voltou-se a debater a vulnerabilidade, surgindo, assim, o fenômeno da hipervulnerabilidade como uma nova forma de abrangência da fragilidade.

Por todo o exposto, as doutrinas e as jurisprudência atuais passaram a diferenciar os consumidores vulneráveis dos hipervulneráveis, pois esta última categoria deve receber um olhar distinto e especial, haja visto que necessitam de novos padrões de proteção. Assim, a hipervulnerabilidade passou a ser caracterizada como uma nova categoria jurídica que reconhece, especificamente, as fragilidades que o consumidor idoso possui, sugerindo a redução de abusos advindos desta hipervulnerabilidade, preservando a dignidade desse sujeito e propagando um ideal de virtude, tendo em vista que todos pretendem viver mais e receber os cuidados adequados ao longo do tempo diante da consequente debilidade.

Nesse mister, é necessário propor formas de intervenção que equilibram as situações de hipervulnerabilidade sofridas pelo consumidor idoso, com o escopo de fornecer maior segurança e proteção nas relações contratuais, como prevê o Projeto de Lei nº 3515/15, que visa normatizar as relações de consumos relacionadas aos créditos, criando mecanismos de prevenção e repressão ao endividamento do consumidor, com o objetivo de lhe garantir o mínimo existencial.

1.4 Publicidade direcionada ao idoso

Na sociedade de consumo o crescimento exponencial de ações de marketing agressivas é o recurso utilizado pelosfornecedores para atraírem os consumidores a adquirir seus produtos e serviços. Assim, visando proteger a parte vulnerável da relação de consumo exposta à tais práticas, o Código de Defesa do Consumidor elencou, dentre os direitos básicos do consumidor, o direito à informação, em que o fornecedor tem o dever de informar, em observância ao princípio da boa-fé objetiva, que se manifesta através da cooperação, lealdade, transparência e confiança. Para Cavalieri Filho (2014, p. 104), tal dever de informar é cumprido quando a

Referências

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