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Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um processo de reconstrução das relações comerciais transnacionais, em que a globalização teve papel essencial para expandir e consolidar a atividade econômica e tais relações mercantis. Neste novo panorama, a globalização passou a influenciar diversos fatores da sociedade, com o objetivo de modificar hábitos de consumo, criando a cultura do consumismo, em que o dinheiro é fundamental para a inclusão social por ser o veículo de acesso aos bens básicos de consumo. Assim, de acordo com Clarissa Costa de Lima (2014, p. 119), a nossa sociedade de consumo passou a ser considerada como “[...] uma sociedade pós-moderna de hiperconsumo, cria quase que diariamente novas necessidades de consumo e formas de crédito para supri-las. [...]”.

Neste contexto, a exclusão social é uma característica, pois grande parte da população não possui condições financeiras para acessar o mercado de consumo, agravando-se ainda mais o desequilíbrio social. Porém, com a estabilização da moeda em decorrência do Plano Real, ocorrido em 1994, as instituições financeiras passaram a facilitar a concessão de crédito, permitindo com isso a inclusão de uma parte significativa da população no mercado de consumo. Dentre as causas que impulsionaram a expansão do crédito no Brasil, podemos citar o surgimento de tecnologias, do marketing e a publicidade de massa.

O processo de globalização fortaleceu o consumo moderno, despertando novos desejos de consumo. Conforme Mario Furlaneto Neto e Gabriela Cristina Bezen (2020, p. 2828), o mercado de consumo busca incessantemente o lucro, despertando desejos no consumidor para que este consuma novos produtos e serviços. Assim sendo, o consumo é, nos dias atuais “um fator de inclusão social do homem com os demais, de maneira que, ser consumista é ser

globalizado. A contrapartida é a preocupação com o fenômeno da exclusão social.” (FURLANETO NETO; BEZEN, 2020, p. 2828).

De fato, o crédito é de suma importância para gerar crescimento, pois aumenta o consumo, possibilitando a produção em massa e, consequentemente, gera mais empregos e recolhimento de mais tributos. Assim, aumenta-se o poder de compra da sociedade através da melhora nas suas condições de vida. Antônio Carlos Efing, Gabriele Polewka e Olenka Woolcott Oyague (2020, p. 391), afirmam que:

A redução das taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras e o aumento do número de transações de crédito foram um fenômeno positivo e necessário para a mobilidade social no Brasil, afinal, muitas famílias passaram a ter acesso a bens capazes de alavancar sua qualidade de vida, ou mesmo a bens necessários a um mínimo de bem-estar.

No entanto, apesar de gerar benefícios, a abertura do crédito também trouxe efeitos negativos para a sociedade. Conforme afirmam Cristiano de Oliveira, Jeferson Sousa Oliveira e Marcelo Benacchio (2020, p. 06), a flexibilização do acesso ao crédito gerou a concessão de maneira indiscriminada e sem uma análise adequada da capacidade de adimplência dos consumidores. Considerando que muitos não estavam preparados para arcar com todas as suas dívidas pela falta de planejamento orçamentário e pelo consumismo desenfreado, a popularização do crédito e sua contratação indiscriminada acarretou um aumento significativo no superendividamento dos consumidores. Efing, Polewka e Oyague (2020, p. 391) “todo esse estímulo ao crédito levou milhares de famílias brasileiras a se endividarem até o limite de suas possibilidades [...]”.

Na sociedade atual, tornou-se comum o endividamento para consumir produtos e serviços, tendo em vista que, de acordo com Efing, Polewka e Oyague (2020, p. 389) “a nossa

sociedade passou a necessitar dessa reposição cada vez mais acelerada de bens de consumo. Não se trata mais de usar um produto, admirando sua durabilidade, como ocorria nas gerações passadas, mas sim de consumir, por si só.” Assim, uma das consequências da democratização do crédito é a concessão irresponsável de empréstimos e financiamentos, o que pode acarretar em um endividamento a longo prazo, comprometendo até mesmo o mínimo existencial. Neste sentido, Furlaneto Neto e Bezen (2020, p. 2831) afirmam que:

O indivíduo com o objetivo de assumir uma posição de vida melhor, conforto, status social e pessoal, passa a consumir por consumir, não percebendo que a prática desse ato de consumo foge ao seu controle, fazendo com que não possa adimplir com suas obrigações, vindo a incidir no estado de insolvência de suas dívidas. (grifo dos autores).

Um grupo de consumidores que merece destaque são os idosos, tendo em vista que seu número na população brasileira vem crescendo rapidamente. De acordo com Bibiana Graeff (2020, p. 66) “[...] esse envelhecimento populacional se deve à queda das taxas de fecundidade e, em menor parte, à queda de mortalidade [...]”. A autora ainda afirma que, com o envelhecimento acelerado associado ao consumo em massa, o idoso deve receber um olhar mais atento, tanto dos fornecedores quanto do Poder Público e dos órgãos de proteção do consumidor. Visando trazer melhorias em sua qualidade de vida, foi reconhecida a hipervulnerabilidade dos idosos, sendo um dever constitucional ampará-los, conforme art. 230 de nossa Constituição Federal “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem- estar e garantindo-lhes o direito à vida.” (BRASIL, 2020). Neste sentido, afirma a autora:

Se incumbe ao Estado brasileiro promover a defesa do consumidor e também o amparo ao idoso (juntamente com a família e a sociedade), o Poder Público pode, e deve, adotar políticas específicas para o consumidor idoso, que, em razão de determinados fatores e diante de certas práticas, aparece como um consumidor especialmente vulnerável. (GRAEFF, 2020, p. 66).

Durante muito tempo, os idosos eram vistos pela sociedade como pessoas de pouco poder aquisitivo, tendo em vista o baixo auxílio de aposentadoria e os gastos exorbitantes em medicamentos e tratamentos de saúde. Por tal fato, as financeiras ignoravam este grupo de consumidores, no entanto, na sociedade contemporânea, conforme Graeff (2020, p. 66):

[...] os idosos tornaram-se um dos principais públicos-alvo da oferta de produtos e serviços” exercendo função relevante na economia. Com efeito, hoje são recorrentes as campanhas publicitárias voltadas a esse segmento populacional, que, em grande parte, é formado por aposentados ou pensionistas, ou seja, pessoas com alguma renda fixa (mesmo que muitas vezes modesta) e tempo livre para consumir.

O envelhecimento da população brasileira não destaca somente a sua hipervulnerabilidade, mas também a sua importância no mercado de consumo, tendo em vista que muitos são os principais responsáveis pelo sustento da família. Na sociedade de consumo atual, os idosos são cativados principalmente nas relações de planos de saúde e nas relações de crédito, especialmente na modalidade de crédito consignado. Nos últimos anos, as instituições

financeiras encontraram no idoso um mercado lucrativo, pois o risco de prejuízo para a instituição se torna mínimo em se tratando de consumidor aposentado ou pensionista ao firmar um contrato de empréstimo. Além disso, o idoso hipervulnerável confia nas informações que lhe são prestadas e enxerga no crédito a solução de seus problemas, firmando o contrato por acreditar na boa-fé do fornecedor, mas sem compreender realmente os descontos originários deste negócio.

Em análise dos dados levantados pelo Relatório Técnico Final do Balcão do Consumidor do Curso de Direito da Unijuí, é possível destacarmos alguns índices importantes para o presente trabalho. De acordo com Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2019, p. 10), no período referente a 01 de janeiro de 2019 até 04 de dezembro de 2019, foram atendidos 2251 consumidores, sendo resolvidos 1218 conflitos em atendimento preliminar, correspondendo a 45,70% das demandas. Os demais atendimentos, somados àqueles designados à audiência de mediação, geraram a emissão de 1187 Cartas de Informações Preliminares. Desta forma, muitos dos problemas trazidos foram solucionados em parte no atendimento preliminar, seguido da emissão da Carta de Informação Preliminar e também nas audiências de mediação realizadas.

Quanto à idade dos consumidores atendidos neste período, conforme UNIJUÍ (2019, p. 13), verificou-se que 602 (25,89%) têm entre 61 a 70 anos; 436 (19,02%) têm entre 51 a 60 anos e 370 (15,91%) têm mais de 70 anos, podendo afirmar que 60% dos atendimentos realizados pelo Balcão do Consumidor foram destinados aos consumidores idosos e da terceira idade. Esta classe de consumidores torna-se bastante vulnerável com a situação econômica brasileira, sendo afetada pela redução da renda, pelo acréscimo nos preços dos produtos e serviços, e, principalmente, pela necessidade de utilizar medicamentos, o que impacta consideravelmente sua renda que, na maioria das vezes, restringe-se a um salário mínimo.

As estatísticas ainda demonstram que neste período de aproximadamente um ano, a área que mais gerou atendimentos foi relacionada a assuntos financeiros, totalizando 1.326 consumidores, ou seja, à 51,98% dos atendimentos realizados, seguido dos serviços essenciais, com 612 (23,99%) (UNIJUÍ, 2019, p. 15). Comparando com os relatórios dos anos anteriores, é possível perceber que a partir de 2018 ocorreu uma considerável mudança nos assuntos atendidos pelo Balcão do Consumidor. Desde 2013, ano em que se iniciou o projeto, até 2017, a área com mais reclamações era a de serviços essenciais, especialmente sobre produtos e

serviços de telefonia, totalizando, em 2017, 2.556 atendimentos, dos quais 991 (38,77%) referiam-se a assuntos especiais e 893 (34,94%) à assuntos financeiros. Conforme UNIJUÍ, 2019, p. 17, a partir de 2018 as estatísticas mudaram, sendo que dos 2.627 consumidores atendidos, 1.219 (46,40%) referiam-se a assuntos financeiros e 710 (27,03%) à serviços essenciais.

Em 2019, mais da metade dos atendimentos registrados em pouco mais de 11 meses, referem-se a assuntos financeiros, reduzindo os atendimentos de serviços essenciais em relação aos anos anteriores. Por esta análise, podemos concluir que tais mudanças nos problemas reclamados pelos consumidores decorrem, principalmente, da realidade econômica e social brasileira, em que, segundo UNIJUÍ (2019, p. 18):

[...] a diminuição de políticas públicas que visem assegurar programas sociais, educação, o grande desemprego tem acarretado o empobrecimento da população e colocado cada vez a margem os mais pobres e mais vulneráveis, que sem condições econômicas, renda cada vez mais reduzida e sem educação financeira, tem recorrido a empréstimos com juros cada vez maiores.

Além disso, o crédito consignado oferecido aos idosos, embora possua taxas de juros previstas em lei e bem menores se comparadas com as demais modalidades de empréstimos, aliado à carência de informações sobre as diferentes ofertas de crédito ocasiona a contratação de crédito pessoal, sem a consciência de que tais dívidas são contratadas com taxas de juros exorbitantes, de até 29,91% ao mês, em que os descontos são realizados diretamente na conta do consumidor, muitas vezes através de transferência automática agendada, impossibilitando que o consumidor consiga sacar o seu benefício previdenciário, afetando, na maioria das vezes, o mínimo existencial.

Após análise dos dados trazidos pelo Relatório Técnico Final do Balcão do Consumidor do Curso de Direito da Unijuí, é possível afirmar que os processos ativos representam exclusivamente demandas consumeristas, colaborando com as constatações dos atendimentos, em decorrência do crescente índice de superendividamento da população e da necessidade de educação financeira para o consumo, tendo em vista que também cresce a demanda de ações judiciais referente à revisão de contratos, especialmente os de crédito pessoal. Além disso, pode-se apontar que a falta de uma educação adequada para o consumo acompanhada do acesso facilitado ao crédito nos últimos anos, ocasionou o endividamento de diversos consumidores, que procuram o Balcão do Consumidor na tentativa de renegociar os débitos, garantir o mínimo

existencial e evitar problemas originados pela inadimplência, como a inscrição de seus nomes nos cadastros de inadimplentes. Os dados coletados quanto ao perfil do consumidor permitem concluir que a grande maioria é hipossuficiente de informações prestadas, na maioria das vezes, no momento da contratação, pois quanto menor o poder aquisitivo, maior será a sua vulnerabilidade.

Neste sentido, a oferta de crédito facilitado com parcelamentos longos coloca o consumidor em um ciclo vicioso, no qual ele se vê obrigado a contratar diversos tipos de crédito, tais como cartões, empréstimos e cheques especiais, com o objetivo de adimplir suas dívidas, mas para isso criando novas dívidas. De acordo com André Perim Schmidt Neto (2012, p. 201) “o pagamento parcelado foi se tornando um hábito, pois permite ascender a um nível de vida posterior, postergando o esforço para tanto”. Como consequência, o crédito promove a aquisição de bens e produtos e a utilização de serviços, transferindo o pagamento do valor e criando a falsa percepção de que o consumidor, mesmo com seu orçamento reduzido, pode interagir com a sociedade através da compra. Para Furlaneto Neto e Bezen (2020, p. 2835), em uma sociedade regulada pelo consumo desenfreado, surgem novos desejos e necessidades que, anteriormente eram considerados impossíveis para a população de renda mínima, mas que se tornaram acessíveis graças à facilitação do crédito. Além de permitir o acesso ao consumo, o crédito é considerado, na atualidade, de acordo com Lima (2020, p. 09):

[...] o motor do consumo de massa e um dos mais importantes meios da política dos poderes públicos na luta contra o subconsumo e as ameaças de desaceleração econômica. Deixou de ser concebido como um mal necessário para ser concebido como uma força que se impõe no desenvolvimento social e econômico do país. Entretanto, é imperioso lembrar que a banalização do crédito e a sua concessão irresponsável, sem o cumprimento dos deveres de informação e aconselhamento dos consumidores, é responsável pela propagação do endividamento na sociedade, aumentando os riscos do superendividamento.

Dessa forma, não há dúvidas que o crédito é o principal elemento para que o indivíduo faça parte da sociedade de consumo, tendo em vista que viabiliza os sonhos de grande parte dos consumidores, como o da casa e do carro próprio e demais bens modernos, como celulares e computadores de última geração. No entanto, importante destacar que a concessão de crédito ao consumidor deve ser realizada de maneira responsável para prevenir o descumprimento da obrigação de pagamento nos termos que foram acordados. Neste sentido, Cláudia Lima Marques (2020, p. 12), afirma que:

O bom do crédito é que ele permite a inclusão de pessoas de baixa renda mensal na sociedade de consumo. Logo, deve ser incentivado o acesso ao crédito, mas o crédito deve ser concedido de maneira responsável. Trata-se, efetivamente, de um "serviço" complexo, difícil de ser "administrado" sem que se caia no excesso e na impossibilidade de pagar o conjunto das dívidas em um tempo razoável, ainda mais no Brasil, com juros e spread dos mais altos do mundo, a multiplicar as dívidas em pouco tempo. Na sociedade de consumo a publicidade, o marketing e as práticas comerciais criam desejos, tentações mesmo, exigências sociais novas, até necessidades visando o lucro, e ninguém está liberto dessas pressões, seja de qual classe social for. (grifos da autora).

De acordo com Claudia Lima Marques, Clarissa Costa de Lima e Káren Danilevicz Bertoncello (2020, p. 20) “crédito é o tempo que a pessoa adquire através dos contratos oferecidos no mercado ao consumidor, como, por exemplo, cartões de crédito, financiamentos com carnês, financiamentos assegurados com nota promissória, crédito consignado e outros”. Dessa forma, o crédito é o tempo que o consumidor tem para quitar sua dívida, recebendo a quantia que necessita para o consumo e devolvendo em forma de parcelas, com o valor acrescido por juros e taxas. Consequentemente, o valor final a ser pago é muito superior ao disponibilizado pela instituição financeira, considerando os encargos do contrato. Na maioria das vezes, os consumidores, especialmente os idosos, não tem conhecimento do valor total do crédito, nem do número de parcelas a serem pagas, não conseguindo ter controle sobre o negócio jurídico firmado. Saliente-se que é comum não ser entregue a via do contrato aos consumidores, logo, confiam nas afirmações que lhe são feitas pelos prepostos das financeiras.

Desta forma, os consumidores acabam se endividando com os empréstimos bancários e contratos de consumo firmados, especialmente os idosos, que fazem parte do grupo de consumidores hipervulneráveis, pois apresentam maior dificuldade em diferenciar se o que está sendo contratado é, de fato, a melhor opção para suprir suas necessidades, e se conseguirá arcar com tais compromissos sem comprometer suas necessidades básicas.

Apesar do crédito tornar-se acessível para todas as classes sociais e ter sua concessão facilitada, as informações prestadas sobre ele e a educação financeira da sociedade não conseguiram acompanhar a agilidade dessa evolução, provocando a concessão irresponsável e um consumo inconsequente do crédito. Neste cenário, a concessão de crédito através de cartões, cheques e financiamentos, sem realizar uma prévia análise das condições financeiras do consumidor e do percentual de comprometimento de sua renda com dívidas anteriormente contratadas, gera como consequência o não adimplemento do valor firmado, tendo em vista que o consumidor, muitas vezes, consome de maneira incompatível com o seu orçamento,

podendo implicar no seu superendividamento e, consequentemente, no comprometimento do mínimo necessário para sua subsistência.

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