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PRIMEIRA VERSÃO. PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº01 MAIO - PORTO VELHO, 2001 Volume I NILSON SANTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO

ANO I, Nº01 MAIO - PORTO VELHO, 2001

Volume I ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970

PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 150 EXEMPLARES

ISSN 1517-5421 lathé biosa

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ANTES QUE SEJA TARDE, RETIREMOS A

UNIVERSIDADE DO GERÚNDIO

NILSON SANTOS

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ISSN 1517 - 5421 2 Caro Leitor

O Centro de Hermenêutica do Presente tem a satisfação de apresentar sua mais recente publicação:

PRIMEIRA VERSÃO

.

Trata-se de produção indexada destinada a divulgar ensaios breves na área de Ciências Humanas.

Esta publicação prioriza:

- resultados iniciais de pesquisas, dada a importância de seu registro; - discussões setorizados como temas de aulas, seminários e palestras. - reflexões em torno de obras recém lançadas no mercado editorial. - considerações teóricas de temas polêmicos da vida universitária.

A tiragem de cada edição será de 150 exemplares, distribuídos na própria universidade e encontrados também no Centro de Hermenêutica do Presente.

Por dedicar cada número a um único trabalho, sua elaboração, impressão e caráter gráfico têm uma dinâmica diferente dos periódicos da universidade. Desta forma, a

PRIMEIRA VERSÃO

pretende ser presença efervescente no quotidiano da universidade.

Além do ensaio, a publicação terá uma seção final chamada VITRINE com avisos de lançamentos de livros, informes sobre pesquisas, links importantes para consulta na internet e outros assuntos de interesse acadêmico.

As contribuições de ensaios e comunicações para a VITRINE devem ser encaminhadas por e-mail, diretamente para o editor, ou para o Conselho Editorial.

Primeira versão

é uma publicação de distribuição gratuita e pode ser encontrada no hall de entrada da biblioteca do campus.

NILSON SANTOS EDITOR

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Nilson Santos ANTES QUE SEJA TARDE, RETIREMOS

Professor de Filosofia e História da Educação A UNIVERSIDADE DO GERÚNDIO

nilson@unir.br

Estamos atravessando dias, ou melhor, anos procurando por ventos mais lúcidos. Mas nossa paciência parece estar sendo esgotada, na mesma proporção de nosso ânimo. Procurando superar os pesadelos de uma origem mal digerida da universidade como misto de escolão de segundo grau e curso profissionalizante, e recuperada a normalidade acadêmica, ficamos pensando que viria a bonança; e confessemos: continuaremos até o último momento sonhando com isto.

Sempre foi elemento de unificação e pacificação dos espíritos discordantes a crença de que a universidade só estaria saindo do cadafalso quando estivesse carreando todas as suas energias para o ensino, para a pesquisa e para a extensão (desculpem a falta de originalidade, mas os docentes vivem esquecendo a finalidade da universidade) afinal, deveríamos encontrar TODOS os docentes ensinando e pesquisando, com os alunos aprendendo, participando e pesquisando.

E aqui começa o pântano do gerúndio, que transforma a certeza inicial em dúvida mais que sartreana, ao ouvirmos tantos: estamos estudando, estamos implementando, está sendo projetado, estamos liberando, estamos conseguindo, estamos planejando, estamos reunindo, estamos debatendo, estamos buscando, estamos consolidando, estamos viabilizando, estamos lendo, num eterno gerúndio, que nunca se materializa em tempo verbal algum.

Em tempos de pós modernidade onde nada é sólido, tudo está desmanchado ou melhor desmanchando; ao menos desta forma podemos sentir que estamos participando da “Pós” Modernidade, vivendo as glórias da vanguarda!

Até quando vamos ficar andando em cima do muro da mesmice, sem um divisor de águas sólido?

Ao nos despojarmos das gosmentas palavras de ordem deveríamos ter posto a criação para ficar fomentando coisas novas, mas o tempo acabou trazendo um corpo sem forma, sem vontade, sem alma, sem sonho, sem nada para professar ou professorar.

Até quando vamos continuar dependentes do voluntarismo bem intencionado, que acaba construindo tão pouco? Por enquanto só há uma resposta uníssona: estamos estudando.

Lembremos que se no Gênese alguém tivesse afirmado: estamos fazendo, teríamos até hoje um projeto inacabado.

Este bálsamo que vai encobrindo nossos sabidos e pretendendo fazer sarar as feridas da vontade, acaba cansando e calando os descontentes que se vão, ficando a plena sensação de paz, a verdadeira “pax romana”, onde nada acontece. Aliás, há anos nada está acontecendo, a não ser uma ou outra patetada buscando um

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Deveria estar sendo alvo de nossas reflexões a procura não só destas perguntas sem resposta, mas a identificação da engrenagem que está nos emperrando, mastigando nosso juízo, lobotomizando alunos e professores. Porém o grau de dificuldade para tal movimento está parecendo ser parte da resposta. É muito fácil elaborar um discurso identificando o mal que habita fora, ele é visível, personificado por vezes, tem nome, é passível de ser neutralizado, mas quando estamos fazendo parte dele, quando nos vemos comungando com ele, quando estamos sendo ele, é pouco provável que se consiga tal abstração, afinal, a mão que estaria extirpando o lado podre estaria cortando seu próprio ombro.

Assim, não estamos mergulhando numa crise, somos produtivos, somos responsáveis, temos bons cursos de graduação, realizamos pesquisas relevantes, temos uma boa inserção na sociedade, estamos nos empenhando por enfrentar os dilemas existenciais do nosso tempo. Nos achamos, portanto, os melhores, e continuamos a fazer carreira.

Dentro desta lógica da ilusão, não há incoerências, ninguém está perdendo o sono, pois estamos sendo o máximo daquilo que queremos ser. É uma reflexão tautológica sempre se justificando, não gerando desconfiança, porque sentimos a convicção do valor do nosso trabalho. Kant disse que antes de realizarmos qualquer exercício racional, deveríamos questionar as nossas razões; fazer a crítica. Assim, perguntar-se pela legitimidade de qualquer atitude não nos torna críticos, apenas perseguidoras de justificativas.

O presente mais que perfeito da nossa universidade é o gerúndio, quem não conjuga sua existência desta maneira, faz discurso anacrônico. Por isso o discurso de Miguel de Unamuno pode parecer aos desavisados um discurso fora de lugar.

O DISCURSO DE MIGUEL DE UNAMUNO

Em 1936, no início da Guerra Civil Espanhola, Unamuno era reitor vitalício da Universidade de Salamanca. No dia 12 de outubro daquele ano, durante uma sessão pública no campus universitário, o general Millán Astray fez um discurso veemente criticando os adversários do franquismo, sobretudo a ação dos intelectuais. É nesse discurso que o general profere o famoso grito: “Abajo la inteligencia! Viva la muerte!” Fez-se um silêncio gelado na assembléia. Ninguém ousara até então desafiar os militares e todos aguardaram, com expectativa a palavra do reitor. Desafiar o general seria o mesmo que desafiar o franquismo. A palavra de Unamuno não se fez esperar:

“Estais esperando minhas palavras. Me conheceis bem e sabeis que sou incapaz de permanecer em silêncio. Às vezes, permanecer calado equivale a mentir. Porque o silêncio pode ser interpretado como consentimento. Quero fazer alguns comentários ao discurso do general Millán Astray, que se encontra entre nós. Deixarei de lado a ofensa pessoal que supõe sua repentina contra bascos e catalões. Eu mesmo, como sabeis, nasci em Bilbao. O Bispo, queira ou

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não, é catalão, nascido em Barcelona. Porém, agora, acabo de ouvir o necrófilo e insensato grito ‘Viva a morte’. E eu que passei minha vida compondo paradoxos que incitavam a ira de alguns que não os compreendiam, devo lhes dizer, como conhecedor da matéria, que este ridículo paradoxo me parece repugnante. O general Millám Astray é um inválido. Não é necessário que digamos isto em baixo tom. É um invalido de guerra. Também Cervantes o foi. Porém, desgraçadamente na Espanha, existem hoje mutilados em demasia. E se Deus não nos ajudar rapidamente aumentarão ainda mais. Me atormenta o pensar que o general pudera ditar as normas da psicologia das massas. Um mutilado que carece da grandeza espiritual de Cervantes. É de se esperar que encontra um terrível alívio vendo como se multiplicam os mutilados ao seu redor.”

Neste momento, o general gritou: “Abaixo a inteligência! Viva a morte”

“Este é o templo da inteligência. E eu sou seu sumo sacerdote. Estais profanando este recinto sagrado. Vencereis porque tens força bruta de sobra. Porém, não convencereis. Para convencer, há que persuadir. E para persuadir necessitareis algo que os falta: razão e direito na luta. Me parece inútil pedir-lhe que pense na Espanha.” ESTADO DE SÃO PAULO – FOLHETIM – 15.02.81 – p. 36

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO

ANO I, Nº02 MAIO - PORTO VELHO, 2001

Volume I ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970

PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa

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EM BUSCA DO SUJEITO

A SER CONSTRUÍDO

VALDEMIR MIOTELLO

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Valdemir Miotello

Professor de Filosofia e Doutor em Linguística miotello@unir.br

EM BUSCA DO SUJEITO A SER CONSTRUÍDO

Gosto de Alvin Toffler quando ele estabelece os processos civilizatórios como se fossem ondas que, partindo de um ponto central atingem todas as sociedades mundiais. Ele identifica até agora, na história da humanidade, apenas três grandes ondas: a primeira onda é o agriculturismo, que produziu mudanças incríveis na forma de vida dos grupos nômades, permitindo a eles resolver o grave problema da alimentação, ampliar seu grupo, mudar a concepção de família, instalar novas formas de poder, construir pequenas cidades; essa onda principiou em meados do ano 8.000 a.C. nas margens do Mediterrâneo e foi se espalhando até atingir praticamente todos os povos. A segunda grande onda é bem mais recente e é o industrialismo, instalado em meados do século XVIII na Inglaterra, França e Bélgica, e que permitiu produzir excedentes inimagináveis tanto de produtos industrializados quanto na agricultura ao levar para esta suas máquinas fantásticas, substituindo a força humana milhares de vezes; esta onda permitiu também resolver o grave problema de produção de bens, instalou nova concepção de família, construiu novas formas de comunicação e transporte, implantou escolas, mudou o Estado, constituiu as classes sociais e já atingiu praticamente todas as sociedades humanas. A terceira grande Onda está começando a espalhar suas marolas em velocidade vertiginosa desde a década de 60 deste nosso século, e é o Informacionismo, com suas estruturas eletrônicas se multiplicando qual tentáculos de polvo na velocidade do pensamento e rapidamente atingindo e mudando a vida de praticamente toda a humanidade; esta onda também vai mudar tudo: concepção de governo, educação, família, comunicação etc.

Claro que poder-se-ia apresentar uma série de problematizações a esta proposta de análise da história da humanidade, e principalmente acusar cada processo desse de ser centrista, permitindo que apenas um conjunto de tecnologias se instale enquanto hegemônico para toda a humanidade, e também que ele se constitui em processo que produz exclusão em larga escala. Tudo isso é verdade. Além disso, ele modeliza um processo avassalador, sem concorrências, que constitui sujeitos à sua imagem e semelhança, qual criatura bíblica arrancada do barro e soprada pelo criador. Sendo que no processo civilizatório a criatura também constitui seu criador, soprando-lhe ar renovado de volta, que atualiza e pereniza a força ondulatória. Se na onda agricultora o sujeito se constituiu na relação com o mundo e a natureza, subsidiado pelos mitos, pela filosofia clássica e pela religião, na onda industrial ele se constituiu na relação com o mundo e as máquinas, com apoio da filosofia racionalista, da ciência e da educação escolar. E nesta nova e derradeira onda informacional, como o sujeito vai se constituir e quais serão e quem colocará as bases ideológicas?

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mundo sígnico como sendo o mundo ideológico, uma vez que tudo o que é signo é ideológico, então podemos pensar um pouco mais sobre como o sujeito vai se constituir nesta terceira Onda. Afinal, cada sociedade, em cada tempo histórico, cria e constitui o sujeito de que necessita, ao mesmo tempo em que é constituída pelos sujeitos históricos, existentes então. Se tal grupo social optar por ser constituída de guerreiros, formará guerreiros; se decidir ter sujeitos letrados, investirá todas as suas ações para constituir sujeitos letrados.

Ao aceitarmos que esta Onda é Informacional devemos colocar no centro do seu desenvolvimento o que comanda a informação - os meios de comunicação de massa. E a televisão ocupa o lugar central entre as mídia, por sua capacidade de amplificar sua mensagem, pelo volume de aparelhos atingidos por seu sinal, pela dominação estabelecida pelos monopólios, pela palavra monossêmica da classe dominante disseminada por seu intermédio, pela capacidade de repetir exaustivamente os mesmos símbolos de forma atraente e contínua. A comunicação de massa não é a única forma de comunicação e nem de disseminação de informação, pois ela concorre com milhares de outros meios de comunicação, como rádio, jornal, outdoor, folhetos, livros, revistas, e modernamente a internet. Enquanto a comunicação de massa trabalha os símbolos já estabelecidos, que poderíamos chamar de símbolos oficiais e estabilizados na prática social, os demais meios de comunicação trabalham, em escala crescente, os símbolos não oficiais, os símbolos do cotidiano, ainda instabilizados e, portanto, em choque permanente. Estes dois grandes conjuntos de signos dialogam entre si e se mudam constantemente. Além disso, cada conjunto desses ainda carrega dentro de si uma disputa interna acirrada, resultado da luta das classes, na tentativa de impor seu conjunto ideológico e sua visão de mundo. Quanto mais alto na escala, mais o signo já está estabilizado, e decidida está sua representação ideológica, o que não impede que ele interaja com a ideologia fluídica e volúvel e em permanente construção no dia a dia.

Que sujeito os aparelhos midiáticos de massa constituem? Se entendermos que os instrumentos de comunicação de massa são propriedade privada de pessoas e grupos da classe dominante, então não custa aceitar que eles estão a serviço destas pessoas e destes grupos que buscam perpetuar-se nesta posição social e econômica, fincando suas garrras no Estado, enquanto propriedade pura. Para que eles consigam manter esta sociedade desta forma, com esta constituição, eles precisam convencer a todos que o mundo e a sociedade é desse jeito deste todo o sempre. Ao naturalizar o que é criação social e cultural, os dominantes garantem a manutenção de seu status. Mas além de significar um modelo de sociedade, a classe dominante usa dos meios de informação de massa para constituir o sujeito que vai habitar este mundo; e o constitui enquanto sujeito trabalhador, como alguém que sente necessidade do trabalho, ao mesmo tempo em que o constitui como sujeito consumidor, como alguém que sente necessidade do que é produzido.

Como este sujeito é constituído? É constituído na disseminação do sistema ideológico dominante, e pela utilização de signos de todas as espécies, como qualquer palavra, gesto, som, imagem ou objeto que esteja indicando ou representando outra coisa. Já vimos que este processo não é tranqüilo, visto que as ideologias produzidas no dia a dia, também pelas classes trabalhadoras, interagem constantemente com as ideologias já assumidas enquanto dominantes por aquela

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sociedade. Isso significa que o sujeito é constituído no embate dos signos, e que a classe dominante não descuida de estabelecer sua visão de mundo, utilizando-se para tanto de instrumentos poderosos e sofisticados. E nos últimos séculos já se serviu da Igreja, da escola e agora serve-se dos meios de comunicação de massa, que invadem a casa das pessoas intensivamente, compondo sua visão de mundo e construindo também suas utopias e mexendo em seus desejos, até os mais secretos. E isso se dá de acordo com cada cultura e com o momento histórico vivido por aquele povo, grupo ou classe social. Podemos pensar em como é modelizada a visão estética de um determinado grupo - comida, roupa, tipo de cabelo, tipo corporal preferido; ou a visão ética - noção do belo, do justo, do errado; ou a sensibilidade - que sentimentos são cultivados naquele momento histórico e naquele lugar; ou as necessidades - o que se precisa ter, específico para cada sociedade, seja no Brasil, seja na Suíça ou na África; e até mesmo como são modelizados os imaginários, a visão de futuro, a idéia de povo, de sociedade, as esperanças e as utopias. E aqui é preciso que se diga que nesse processo de constituição do sujeito ele, para se individuar, vai assumindo os jogos estabelecidos pela linguagem, pelos códigos e pelos símbolos daquela determinada sociedade histórico-cultural, o que produz uma alternância de determinação e escolhas. Se somos determinados pela sociedade em todo o processo de construção da subjetividade, também interferimos em todo esse processo, modificando continuamente esta mesma sociedade que nos constrói. Provavelmente os imaginários sociais impingem maior mudança que as transformações econômicas.

Até aqui busco o sujeito se constituindo. Nesta Onda Informacional as pessoas se ocuparão com o trabalho de plantar e colher, talvez apenas de 5 a 7% delas, com o trabalho de produzir produtos industrializados, talvez apenas de 15 a 18% delas, e o restante das pessoas, um montante imenso de gente, na ordem de 75 a 80%, estará ocupada em fazer nada produtivo ou trabalhando na prestação de serviços, e de forma bem personalizada. As imensas construções das fábricas deixarão de estar na paisagem, e o lugar de trabalho provavelmente retornará para dentro da própria casa. Tudo isso implica em mudanças fantásticas. Ter ou não acesso à informação será fundamental nessa sociedade; ser detentor e dominar a produção e distribuição de informações é mais fundamental ainda. Ficarão para trás categorias como patrão/empregado, trabalhador ativo/desempregado, e precisaremos construir um sujeito enquanto empreendedor, inserido no coletivo. As riquezas se construirão em novas bases.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO

ANO I, Nº03 MAIO - PORTO VELHO, 2001

Volume I ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970

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TIRAGEM 150 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa

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LIBERTINAGEM E LITERATURA

ALBERTO LINS CALDAS

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Alberto Lins Caldas LIBERTINAGEM E LITERATURA

Professor de Teoria da História caldas@unir.br

O "numeroso auditório" sai sempre "desenganado" e se engana sempre com o escritor que, per-vertido, se tornou um libertino. "Ouçamos", se conseguirmos ouvir como sempre se ouviu, a palavra que não é mais palavra, a palavra que vem do antes e do depois e não mais do dentro e que não é mais um corpo: perdeu a casca e perdeu as entranhas de inseto morto. O libertino já não vem de perto, já não é conhecido, já não faz parte de uma língua, de uma música, de um ethos.

O libertino semeia não mais uma palavra social, humana ou mesmo divina como o "pregador evangélico que saiu a semear a palavra divina": o libertino perdeu a origem: sua palavra não é sequer mais palavra. Seu livro, que não é mais livro, não pertence mais. Definitivamente não pertence mais. O libertino não sai mais a semear sua não-palavra: não há mais "o dia da messe" e nem quem possa nos "medir a semeadura" e não hão de nos poder "contar os passos". Essa palavra não "colhe fruto", não deita raízes ou muito menos flutua. O libertino é diferente tanto dos que "saem a semear" quanto os que "semeiam sem sair": por não semear, gerando uma palavra que não é mais palavra, o libertino não pertence mais a um lugar e tampouco a outro lugar: sem origem, o lugar da sua fala não é mais a fala de um lugar. Os que saiam a semear "à Índia, à China, ao Japão" levavam o seu lugar; os que "semeiam sem sair" e "se contentam com pregar na Pátria" exercitam a pátria, a palavra enraizada, a palavra que dá frutos. O libertino perdeu o lugar: e todos os lugares não criam um lugar: todos os lugares é sempre antes e depois de todos os lugares: há, na verdade, um asco dos lugares e das permanências, um horror das raízes. O libertino, fora dos lugares da palavra e das palavras dos lugares, não tem mais a "sua razão": perdeu a razão: nele nada mais "tem sua conta".

Em canto algum o libertino será pago: nada ou ninguém poderá lhe pagar "a semeadura": sua semeadura é falsa e seu destino sempre duvidoso: o esquecimento é sua forma de eternidade: suas palavras não são consumíveis: não circulam como mercadoria: não são feitas para a boca, o estômago ou o intestino. O libertino, diferente do antigo escritor, não pode mais ser medido pela semeadura ou medido por seus passos: não há passos a medir ou semeadura a ser vista ou tocada. Definitivamente não há para o libertino o "Dia do Juízo": suas palavras estão depois do juízo e depois de todos os dias: é uma palavra criando esquecimento, além do próprio esquecimento.

Podiam voltar os que partiam e partir os que ficaram: o libertino nem parte porque ficou nem retorna porque partiu: suas palavras não nascem da Fé, da Terra, da Comunidade, do Trabalho, da Língua, do Livro, do Corpo, do Tempo: suas palavras não se propagam e não se professam: ele ou as palavras que provisoriamente podemos dizer que são dele (pois já não pertencem nem mesmo mais a ele nem nele têm sua origem, ele que nem mesmo é sua origem ou é alguma coisa) não vão e não retornam.

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ISSN 1517 - 5421 12

Nada governa o libertino ou as palavras que atravessam o libertino vindas do canto algum do sem origem: sem rédeas que lhe governem o antigo e desativado espírito, livre dos im-pulsos desse espírito, livre das arqui-teturas interiores e das brechas possíveis e abertas sempre com o com-sentimento e o poder desse com-sentimento, as palavras libertas de si mesmas e do libertino nem permanecem nem partem: elas se desintegram nos fluxos sem corpo e sem in-tenções. Só a antiga palavra, o antigo olho, o antigo ouvido, o antigo corpo, a antiga circulação não conseguem apalpar o óbvio desse nada e continuam como se nada houvesse acontecido.

O antigo corpo, o antigo lugar do corpo e das palavras desse corpo, fecha o campo e armam contra o libertino e as palavras que ainda parecem ser do libertino (ele é culpado juridicamente por elas como se fossem nascidas dele, como se fossem coisas, como se: o antigo corpo não cessa facilmente: o libertino é somente culpado de inocência) "espinhos" e "pedras" e lhe fecham "os caminhos" como se "pedras", "espinhos" e caminhos "fechados" cortassem um tipo de fluxo que está "além da imaginação" desses "corpos naturais". O libertino não tem mais a degustação masoquista ou mesmo sádica das contradições e dos contrários.

Uma parte das palavras do libertino não cai "entre espinhos", afogada entre espinhos; uma outra parte não cai "sobre pedras", secando nas pedras "por falta de umidade"; outra parte dessas palavras que não são palavras não cai no caminho que não há e não são pisadas pelos homens e muito menos serão comidas pelas aves. "Ora vede como todas as criaturas do Mundo se armaram contra esta sementeira" que não é sementeira, não é semente, não é parte e não faz parte: para ela não há espinhos, pedras, caminhos, homens, pássaros: não há sequer o libertino. Para essa palavra não há "criaturas do mundo" ou criaturas no mundo: não há gêneros, não há "criaturas racionais, como os homens; criaturas sensitivas, como os animais; criaturas vegetativas, como as plantas; criaturas insensíveis, como as pedras": "não há mais" nada como antes havia. E tudo se arma contra o libertino: até mesmo o libertino é contra si mesmo. Sem fazer parte de nada "A natureza insensível o persegue nas pedras, a vegetativa nos espinhos, a sensitiva nas aves, a racional nos homens": as esperam secá-lo a ele, o libertino, e às suas palavras; os espinhos esperam afoga-los; as aves esperam comê-lo; e os homens esperam pisa-los: não há mais o que afogar, comer, pisar. Não há como apedrejar o que não existe, não resiste, não posiciona, não circula, não nasce e nem morre.

Ele o libertino não recebe a ordem "Ide, e pregai a toda a criatura": nem sua palavra é para nenhuma criatura: para essa palavra e para o libertino "Os animais não são criaturas"; "As árvores não são criaturas"; "As pedras não são criaturas"; os homens não são criaturas: elas as palavras do libertino e o libertino não podem mais "pregar às pedras"; "pregar aos troncos"; "pregar aos animais"; pregar aos homens ou "pregar a todas as nações do Mundo": para essa palavra e para o libertino não há o homem e as criaturas: não há "homens degenerados em todas as espécies de criaturas": ela não procura os "homens homens"; "homens brutos"; "homens troncos"; "homens pedras": não há mais o mundo. A "Grande desgraça" cessou para essa palavra, mas contra ela se armam "todas as criaturas", todas as más-vontades, todas as iniqüidades que não cessam enquanto não devoram santamente nalgum altar o libertino.

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Essa palavra, não indo e não vindo, não padece nela o que padeceu o libertino: são duas não-coisas. Se o libertino acha que por essa palavra ficou "mirrado", "afogado", "comido", "pisado" nada disso padece a palavra do libertino: uma palavra sem pai, sem mãe, sem família: uma palavra que não dura na passagem e não pesa no seu existir. A essa palavra o libertino não é um pai ou uma mãe ou uma origem qualquer: ela nada lhe deve e nada lhe representa e nada lhe diz. Não é ela que lhe devora e lhe afoga e lhe mirra o corpo. Ela não sendo não nasce dele nem a ele pode voltar, e a ninguém se destina. E o libertino feliz e livre diz somente "Não me queixo". Para o libertino não há glórias; ele não definha pelas palavras libertas; ele não é o seu "autor"; ele não sente amor por elas; ele não se afoga por elas; ele não é comido por elas; ele não é pisado e perseguido por elas; ele só tem um crime: deixa-las passar, fluir através dele, aberto como por uma passagem corre o vento. Mas esse se-abrir não o mata e não o representa: não foi ele que se abriu e muito menos elas que o forçaram a se abrir: de repente ele estava aberto e elas fluíram através dele como o vento por uma passagem como se ele fosse sempre aberto e elas sempre fluindo em busca das aberturas; ou como a lava vindo através dos caminhos da terra para o vulcão. Também não há prazer nessa abertura e nesse se abrir e deixar passar. Mas se esse passar também o leva, não o esgota e nem o diz: o multiplica até a deformação.

Quem vai a esse lugar nenhum dessa palavra nenhuma não vai a um campo ouchega depois de muito trabalho a esta "condição": essa palavra nenhuma e esse não ser do libertino não é fruto de uma evolução pessoal, coletiva ou lingüística, de um progresso, de uma conquista: é somente a decomposição, a ruína, a corrupção, a degeneração, o esgarçamento até nada mais haver de uma posição, de um corpo, de uma interioridade, de um campo, de uma rede de forças, de palavras de ordem: não há um novo lugar, um novo corpo, uma nova palavra. Não se vai adiante e não se retorna: não é um trabalhador o libertino; não é uma palavra a sua palavra. Não é algo que deva ser protegido. Não é algo que "nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se": não é uma palavra que seja semente: não é um grão que "multiplicara cento". Não traz "grandes esperanças" porque não é uma "sementeira"; não dá nenhum "exemplo" porque não há "semeador". Nessa palavra se perdem todos os trabalhos inclusive as últimas partes. E o libertino perde a vida inteiramente nesse deixar passar o nada que o atravessa.

Essa palavra é sempre enganadora; o libertino é sempre enganado e enganador: dele não é mais que uma brecha onde passam as palavras que não são nem podem ser. Estas palavras não estão nem na virtualidade nem no caos de não-onde foram formatadas a existência, o existente e o existir.

O silêncio, o fluxo de nada e o não ser da palavra fissurada do libertino é o que antigamente se entendia como "a palavra de Deus"; a palavra do mito; aquilo que não nos pertence; aquilo que vem do "além" e volta através de nós para esse antes que é depois, para esse dentro que é fora [o fluxo discursivo que é a própria virtualidade]. Seu destino não é o corpo, não é a alma como a antiga palavra. Seu destino não atravessa "os diversos corações dos homens". Tanto os "corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias" quanto "os corações duros e obstinados": tanto os leitores cuidadosos, ricos e macios em sua leitura quanto os duros e obstinados morrem sem conhecerem as palavras do libertino. Os leitores espinhentos e os leitores secos: leitores do coração: não podem ler as palavras libertinas. Nesses leitores as palavras devem criar raízes, devem significar, devem florescer e ensinar: são cordiais: leitores do coração: frágeis ou rudes não escapam

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do coração. Os "corações inquietos e perturbados com a passagem" das palavras que não são palavras do libertino também não são os leitores dessa palavra: "todas passam" por esses corações. Eles, os leitores do coração, atendem ou prezam essas palavras. Querem ouvi-las. Há também os "bons leitores": de "corações bons ou os homens de bom coração": nesses se "prende e frutifica a palavra" "com tanta fecundidade e abundância" que são os piores leitores do mundo: são crentes da palavra: através deles corre a palavra do libertino sem os tocarem: ele sente somente o arrepio da impossível compreensão. Eles colhem muito de nada: pensam que aquela palavra é ainda uma palavra: são inocentes.

Também os leitores dos olhos e da língua não podem compreender ou sentir as palavras libertinas: eles ainda são leitores corporificados, carnais. Mas então qual o verdadeiro e bom leitor da palavra libertina? A resposta poderia ser somente uma: o libertino, mas o libertino não consegue ler mais seu significado pois sabe que elas somente fluem sem significar. O libertino não pode ser mais leitor: o libertino é o fim da leitura como ele mesmo é o outro do escritor e suas palavras são o outro da palavra. O libertino e suas palavras não sobem mais "ao púlpito". Ele não fica mais "suspenso e confuso" . Sua palavra não é mais eficaz ou poderosa como antes era a palavra de deus. Dela não nascem frutos e nela não se plantam sementes. Ela não "frutifica cento por um" nem "um por cento". Ela não se contenta, não se converte e não emenda nenhum homem. Nela não há fé nem autoridade, muito menos experiência ou passado. Ela não se recorda de nada e nem vive nada. Ela não pode ser pregada: no ar, no fluxo, na parede, nos ouvidos, no papel, na tela, nos olhos, nos sonhos, no libertino. Ela não pode ser pregada. Dela não nasce "histórias", "pecados convertidos", "mudança de vida", "reformação de costumes", "riquezas e vaidades do Mundo", "as mocidades e as gentilezas" : "Nada disto": talvez somente repetição, simetria e desejo.

Tempo da palavra: mas jamais da palavra libertina: ela não é do tempo: não é determinável. Não é dita. A antiga palavra podia ser e ser poderosa ou frágil: a palavra libertina além de não ser palavra e não ser, está antes e depois da fragilidade, da força e do poder. Ela não é de um meio, de um instrumento, de uma técnica, de um método, de uma teoria. Para "senti-la" é preciso aprender a não ouvir, não ver, não sentir, não respirar, não ser. Somente assim o leitor e ela se com-vertem no mesmo flu-ir.

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ANO I, Nº04 MAIO - PORTO VELHO, 2001

Volume I ISSN 1517-5421

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NILSON SANTOS

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ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

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BATOM NO ESPELHO

NILZA MENEZES

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ISSN 1517 - 5421 16

Nilza Menezes BATOM NO ESPELHO

Centro de Documentação Histórica – TJ/RO cendoc@gov.tj.com.br

Como a proposta desse suplemento é a de apresentar uma grande variedade de assuntos, optamos por falar em mulher. Vamos tomar aqui como exemplo um processo judicial do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça de Rondônia. Omitiremos os nomes porque o interesse principal é discutir a questão feminina e histórica, além da divulgação dos documentos disponíveis no acervo do CDH/TJRO.

O documento que vamos usar como referencial e transcrever em alguns pontos refere-se a uma ação de indenização impetrada por “A” mulher, contra “B” homem, na década de 60. A ação ajuizada é um pedido de indenização onde “A” conta a sua história de empregada doméstica em casa de “B”, ela viúva, ele casado. Entregando-se arduamente aos trabalhos domésticos dentro dos preceitos ditados pela C.L.T., desenvolvendo-se após, entre patrão e empregada doméstica, grande afeição; “A” conta ainda, através do seu advogado, que por quase vinte anos “B” beneficiou-se dos seus trabalhos, tanto no plano doméstico ou caseiro

(alimentando-se dos seus cozidos, vestindo as roupas que suas mãos lavavam e passavam, desfrutando da paz domiciliar que só uma boa dona de casa sabe dar, assistindo nas horas de doenças pelas suas mãos benfazejas...) continua sua histórica dizendo que ela foi responsável pelo sucesso profissional, de “B”. Que conhecera apenas um vendedorzinho ambulante transformado com a ajuda dela em grande proprietário e comerciante. Insisti na importância da sua contribuição para o sucesso de “B”, dando-lhe filhos, e requerendo seus direitos, alegando que mesmo não sendo ela casada com “B”, vivera ao longo dos anos como se fosse. Defende-se, alegando não ter sido apenas uma concubina, uma amante para “numa relaxada concubinagem de relações e fornicações emergenciais”

Histórias idênticas aparecem com freqüência entre as ações judiciais, com grande incidência nas décadas de 50, 60 e 70. Com o surgimento da Delegacia da Mulher a década de 80 vai apresentar as mulheres mais agressivas, lutando na busca dos caminhos motivados pela maior divulgação dos direitos femininos, contudo, historias como essas ainda fazem parte do cotidiano da justiça.

É comum observarmos que quando essas situações acontecem, as mulheres tomam uma posição de vítimas. Colocam-se como as empregadas que não foram reconhecidas. Cobram seus direitos como lavadeiras, passadeiras, cozinheiras e enfermeiras. Reclamam que foram exploradas na sua força de trabalho, pedem pagamento pelos trabalhos prestados misturando afetividade com economia, vendendo afeto. Quando a situação chega a esse ponto a mulher assume uma situação de vendedora dos seus sentimentos, da sua condição de parideira, dos seus carinhos o que leva homens a considerarem as mulheres todas como prostitutas.

Não estou querendo dizer com isso que mulheres que ficaram em casa lavando e passando não têm nenhum direito, mas vai longe o tempo em que pioneiras da luta da mulher, no começo do século XX, como Virginia Woolf mandavam que as mulheres matassem o anjo de dentro delas e fossem à luta para ocuparem os

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seus lugares. Com outras palavras uma autora quer gosto de citar, a chilena Gabriela Mistral, na década de 30 recomendava às mulheres que lutassem para terem a terra e não para terem um homem, porque “la tierra es la posibilidad de todos los bienes, porque el mar no sirve sino como caminho entre los pedazos de ella y viene a ser uma espécie de hermoso criado terrestre”.

Trazendo para os dias de hoje, a terra da mulher é o seu emprego, a sua independência, a sua profissão. O amor, o casamento é o mar que une dois pedaços de terra, o homem e a mulher.

É preciso que se saiba separar afetividade, relacionamentos e trabalho. A grande arma da mulher está na sua posição frente à vida para não ter que reclamar direitos de lavadeira nem cozinheira como “A”.

Para concluir “A” desistiu da ação, voltando a paz doméstica. “B” ao sentir-se ameaçado no seu patrimônio, em ter que partilhá-los, declarou a “A”, através de petição nos autos por seu advogado que a amava, que tudo não passava de um pequeno desentendimento de casal. E ela que não queria bens, mas sim seu homem, aceitou-o para continuar lavando e cozinhando.

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ANO I, Nº05 JUNHO - PORTO VELHO, 2001

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POESIA PARA INÍCIO DE CONVERSA

MILENA MAGALHÃES

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Milena Magalhães POESIA PARA INÍCIO

Professora de Literatura Brasileira DE CONVERSA

milena@ronet.com.br

Leitora desde sempre de prosa, ando às voltas com a poesia. Isso quer dizer que eu não tinha lido poemas antes? Quase isso. Na construção do gosto da leitura, acabamos fazendo escolhas e as minhas não se detiveram sobre a tal, provavelmente seguindo a trilha dos que fazem dela a arte menos consumida. Porém, os gêneros estão longe de terem suas fronteiras (tão) delimitadas e, lendo prosa, sem saber, eu já era leitora de poesia: Clarice e sua narrativa poética, Calvino com seus fragmentos, o fluxo de palavras/imagens do Saramago. Poesia. E estando às voltas, interajo estes mundos, numa relação que vem a partir das descobertas que tenho feito nas visitas a essa casa de imagens:

A poesia É uma menina levada Que bagunça a vida do poeta

E depois Diz que não fez nada (Binho, in, na ponta da língua)

Num jogo auto-reflexivo, o poeta já nos dá a dica. E outro completa: Poesia/ é brincar com palavras/ como se brinca/ com bola, papagaio/ pião. (José Paulo Paes). Daí reside a mágica que nos pode aproximar dessa “menina levada”. Não existem, portanto, receitas. Cada qual escolhe a melhor forma de brincar. Porém se existe uma dica, talvez essa outra voz nos possa ajudar: “A maior parte das pessoas lê poesia como se fosse prosa. A maior parte quer ‘conteúdos’ – mas não percebe formas. Em arte, forma e conteúdo não podem ser separados.” (Décio Pignatari).

Primeiro estranhamento causado em mim - leitora inicial de poesia. A busca pelo significado aparentemente é o motor diretriz de qualquer leitura e nenhum leitor em “sã consciência “imagina que a busca não deve ser apenas esta. O poeta e teórico Ezra Pound, porém, já nos alerta que a palavra significado é camaleã, exige diversas trilhas: “... mas o significado não é algo tão definido e predeterminado como o movimento do cavalo ou do peão num tabuleiro de xadrez. Ele surge com raízes, com associações, e depende de como e quando a palavra é comumente usada ou de quando ela tenha sido usada brilhante e memoravelmente”. Caminhando ainda mais, outro teórico, Jacques Derrida, afirma que a busca pelo significado é uma grande perda de tempo, que o trabalho com a linguagem é um jogo, significante produzindo outros significantes. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. O significado pode e deve ser visto não como mera explicação, compreensão

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do conteúdo, mas como elaboração do pensamento do leitor a partir do dito e do não-dito que constitui qualquer texto, especialmente o poético. Já foi dito: “Forma e conteúdo não podem ser dissociados”, a poesia é um trabalho com a linguagem e, nós, enquanto leitores, devemos deter-nos sobre esse trabalho:

o s e u o l h a r m e l h o r a

o m e u (arnaldo antunes)

Indo além do significado que surge na superfície e nos remete, por exemplo, a um ideal romântico, podendo ser vista como simples frase de amor que, imaginamos nós, pode sair da nossa boca a qualquer hora, é impossível não se questionar quais as razões de o poema estar disposto dessa forma, a escolha das palavras e o ritmo que elas provocam (as rimas, os sons). A disposição das letras insinua outras formas de leitura por meio do desdobramento, brincadeiras que podem surgir, como quando crianças: o olhar olha o meu/ o seu olhar me olha. A desautomatização (singularidade, estranhamento) a partir da forma. A fuga da simplicidade prosaica: o seu olhar melhora o meu.

O formalista russo Chklowski percorreu a idéia de um tipo especial de imagem relacionada à arte que tinha como objetivo não “tornar mais próxima de nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão e não o seu reconhecimento”. A imagem que produz não um significado único, mas percepções várias. Chklowski estaria antevendo a relação mágica que se desenvolve entre cada leitor e cada texto, transformando o texto em vários. A singularização da palavra, Antunes parece nos querer dizer, é a busca constante da poesia: labirintos atrás de uma forma nova de dizer velho, que inova e ressurge.

Daí o leitor não poder querer ver apenas o imediato, o aparente. A poesia não se presta a isso. A literatura em geral deve ser vista como constante perguntar, um buraco de Alice (Caldas) onde o leitor não deve ter medo de cair. Um poeta contemporâneo, Péricles Cavalcante, nos diz em forma de poesia: se eu não disser nada/ como é que eu vou saber/ onde fica a entrada/ do castelo do querer/ qual é a resposta/ me diga, então/ qual é a pergunta? A resposta é uma pergunta, é ela que nos dá a chave da poesia, que são sempre várias chaves. Já nos disse Drummond: “a linguagem na superfície estrelada de letras. Sabe lá o que ela quer dizer?” Por não ter medo de questionar, Rimbaud construiu um tipo de poesia jamais vista antes e que continua a nos assombrar. Como se recusar a assombrar-se diante desta “menina”, já que ela própria nos faz esse convite a partir do momento que está sempre atrás do novo?

Eu faço versos como os saltimbancos Desconjuntam os ossos doloridos. A entrada é livre para os conhecidos... Sentai, Amadas, nos primeiros bancos! Vão começar as convulsões e arrancos

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Sobre os velhos tapetes estendidos... (Mário Quintana)

O poeta nos faz o convite usando exclamações, reticências e – mais na frente – interrogações, num gesto de quem pensa a poesia como imaginação disposta a sair do natural para percorrer – com convulsões e arrancos – os caminhos do verso.

Tenho aprendido que se ficamos diante da poesia como que detetives atrás de sentidos, não nos podemos esquecer do tipo de matéria que estamos tratando: “Cada palavra poética é assim um objeto inesperado, uma caixa de Pandora de onde saem voando todas as virtualidades da linguagem, é portanto produzida e consumida com uma curiosidade particular, uma espécie de gulodice sagrada. Essa Fome da Palavra, comum a toda a poesia moderna, faz da palavra poética uma palavra terrível e desumana. Institui um discurso cheio de buracos e cheio de luzes, cheio de ausências e de signos supernutritivos ...” (Roland Barthes).

É com essa mesma fome que devemos sentir, percorrer, perscrutar, problematizar a poesia. Verbos-ação - que darão sentidos aos signos supernutritivos. Se estamos condenados, como críticos e leitores, a produzir sempre uma metapalavra que esta seja produzida ao menos com gulodice. Para concordar ou discordar - ser paradoxal.

Certamente, assumindo-se como leitora-aprendiz de poesia, alguns dirão que não tenho autoridade para falar sobre o assunto. Por isso, essa escolha para início de conversa. É sempre como aprendiz que quero estar no mundo. Penso que a poesia – que ocupa um espaço de deslocamento do sujeito à medida que exige uma reflexão apurada – também nos pode servir para refletir sobre o nosso lugar no mundo e nos diz involuntariamente que não nos devemos contentar em ocupar lugares previamente determinados. Embora pareça ingênuo falar em paixão quando nos referimos ao saber, ainda ouso pensar que devemos cultivar a paixão e a ousadia. Sem elas, seremos apenas reprodutores de conhecimentos já existentes. Não devemos ser apenas diluidores, mas também inventores e mestres – ainda pensando na poesia com Ezra Pound.

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OS RATOS

NO SÓTÃO

DE UMA MEMÓRIA ROCK’N’ROLL

RUBENS VAZ CAVALCANTE (BINHO)

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Rubens Vaz Cavalcante (Binho) OS RATOS NO SÓTÃO

Professor de Teoria da Literatura DE UMA MEMÓRIA ROCK’N’ROLL

ohnib@unir.br

Dyonelio Machado. OS RATOS. São Paulo, Ática, 1999.

De há muito uma mania me acompanha: ler poesia e prosa escutando rock’n’roll. Resquícios do antigo roqueiro que virou intelectual? Ressaca do atual literato que nunca deveria ter saído da boêmia? De qualquer modo não é o momento nem vale a pena resolver tal impasse. Talvez o grande lance seja mantê-lo irresoluto. O que importa é que essa mania é uma saudável recorrência na vida do leitor que me freqüenta. Digo assim das minhas idiossincrasias não por uma questão personalista, mas para ilustrar uma experiência que se dá no encontro das duas formas de expressão da arte que mais admiro: música e literatura. Quem quiser pode chamar a esta experiência de intersemiótica – eu deixo.

No final de semana próximo-passado (sempre senti vontade de usar essa justaposição), tive a oportunidade rara de ler o romance Os ratos, do escritor gaúcho Dyonelio Machado (1895-1985), publicado pela primeira vez em 1934. Modernista contemporâneo da geração de 30 - psiquiatra, jornalista e político militante do PCB -, Dyonelio publicou sua obra entre 1927 (Um pobre homem) e 1982 (Passos perdidos), em meio a um viver pontilhado de prisões e prêmios literários. A maioria de seus livros só foi publicada nas décadas de 60, 70 e 80. Os mais acolhidos pela crítica foram: Os ratos (1934) e O louco do Cati (1942). Particularmente (vejam o tamanho da peça que o cânone acadêmico nos prega), só tomei conhecimento da obra do Dyonelio Machado através do livro 40 Escritos, do Arnaldo Antunes, no qual o multiartista republicou um artigo escrito para a Folha em 26/6/85, dez dias depois da morte do autor d’Os ratos. No referido artigo, o Arnaldo se confessa estranhado com a notícia da morte de Dyonelio: “O cara se abaixou para amarrar os sapatos, levou um tombo e morreu”. Antunes viu a poesia ligando a morte e a obra do “cara”, mas viu também que pouco ou nada se sabe do escritor gaúcho. Ouve-se ratos roendo a memória literária brasileira.

O livro Os ratos narra a saga de um dia na vida de um homem simples: Naziazeno Barbosa. Do “pega” com o leiteiro, logo nas primeiras horas do dia, por conta do atraso no pagamento, até o amanhecer do dia seguinte, o tempo do protagonista (e da narrativa) é desdobrado em espaços físicos e ambientes psicológicos nos quais são elencados comportamentos e tipos humanos esdrúxulos e vários. O tempo é quase simultâneo: “o tempo de uma história ou de uma seqüência narrativa desdobrada no espaço”, diria Benedito Nunes. O narrador, num simulacro de discurso cinematográfico, finge contar a história como se estivesse fora da ação, por detrás das câmeras, mas seu envolvimento é tal que nos momentos de quase desistência do protagonista é ele quem o anima a continuar, criando novas perspectivas: “Se ele botasse no estômago qualquer coisa, mesmo um cafezinho, ainda agüentaria mais uma hora. E com esses cinco mil réis tentaria... a sorte!” (p. 57). Naziazeno

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felicidade que parecia custar pouco mas que lhe era cara: pagar o leiteiro. Nunca fantástica inversão de valores, vê seu problema resolvido, a duras penas, pela marginália representada por Duque (“o agente, o corretor da miséria”), Alcides (“o vigarista”) e Mondina (“o rábula”), depois de ter sido ridicularizado pelo Dr. Romeiro, seu diretor, diante dos outros funcionários (“ – Tenho eu porventura alguma fábrica de dinheiro?...”). Há mais ética no submundo que nas relações legalizadas? Em vários momentos a voz que conduz a narrativa vê focinho no protagonista, “A seu lado, Naziazeno ergue-lhe um focinho humilde” (p. 83), e também nos adjuvantes: “o seu ar de pobreza, aquele focinho quieto e manso que vem ali ao seu lado, tiram-lhe qualquer ilusão”(p. 85), referindo-se a Alcides; “Seu focinho perdeu aquela expressão neutra e mansa” (p. 88), falando de Mondina; “Duque caminha meio passo na frente. Vai puxando... baixou o focinho, recolheu-o um pouco...” (p. 100). Afinal quem são os ratos? Humanos personalizados mamíferos roedores? Quem com Kafka fere com Kafka será ferido.

O que isso tem a ver com rock’n’roll? Tudo. O romance do Dyonelio é um autêntico thriller contemporâneo, na medida em que transforma o leitor num investigador dos maneirismos humanos. E um bom thriller tem sempre como trilha sonora uma boa seleção de rock. Apesar de até o presente instante não se ter falado em música, o próprio romance traz o seguinte enunciado:

Uma “ária” (ou qualquer coisa desse gênero). Vem de longe e de dentro da casa. Tem o som um tanto velado. Vai-se definindo melhor à medida que Naziazeno avança. Pouco a pouco aumenta de intensidade e clareza. É uma voz masculina, de tenor. Coisa conhecida... Soa muito forte, quando ele defronta a casa onde o rádio está tocando. Todo o bangalô parece estar vibrando – enorme caixa de música... A ária depois diminui, quase se apaga no intervalo das casas. Mas agora vem crescendo... crescendo... Até que ressoa com toda força outra vez defronte doutro prédio, doutra janela entreaberta... E dessa forma ela nunca se extingue. (p. 45)

Umberto Eco diz que “entre a intenção do autor ... e a intenção do intérprete ... existe a intenção do texto”. Ele que me perdoe a superinterpretação mas, consideradas as intenções, isso que o texto canta é música urbana. Minha cultura musical intui que a música que sai pela “janela entreaberta” é uma ária-rock:

Strange Days; a “voz masculina, de tenor” é a do poeta maldito do psicodelismo pop: Jim Morrison. Quem atualiza o texto não é o leitor? Então? Antes que alguém se pergunte vou adiantar: no momento em que eu lia esse trecho do livro, o CD Surfing With the Alien, do Joe Satriani, era a trilha sonora da minha leitura. E a música? Crushing Day. Coincidência ou não, a relação temática dessas músicas com o estranho e esmagador dia do Naziazeno é, no mínimo, instigante.

Continuando o investimento neste delírio lírico, reporto-me aos últimos capítulos do livro de Dyonelio Machado, momento em que se narra a noite em claro do protagonista, agenciada pelo chiado do que ele supunha ser insetos e intercalada pelos fragmentos da memória de seu dia de cão. O discurso fragmentário desse movimento do livro nos deixa ver cenas concomitantes como no cinema. O leitor assiste a narrativa cheio de temores e ânsias controladas, em parte pelo comodismo medroso do herói (ou seria anti-herói?) e em parte pelo retardamento do desfecho do enredo: são seis capítulos de extrema tensão e mistério até o desembocar num clímax revelador:

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Um rufar – um pequeno rufar – por sobre a esfera do chiado, no forro... Ratos... são ratos! Naziazeno quer distinguir bem. Atenção. O pequeno rufar – um dedilhar leve – perde-se para um dos cantos do forro...

Ele se põe a escutar agudamente. Um esforço para afastar aquele conjunto amorfo de ruidozinhos, aquele chiado... Feito de várias notinhas geminadas, fininhas...

São os ratos!... (pp. 137-138)

No headphone do discman, Hot rats, do Frank Zappa, a todo volume, alimenta minha imaginação. A sintaxe do texto literário e a do texto melódico, suas sintonias: as frases fragmentárias, cheias de reticências e cortes abruptos; as escalas entrecortadas, cheias de silêncios e ruídos amorfos. A invenção narrativa digitalizada no virtuosismo sugestivo do tema instrumental: casamento perfeito entre os riffs dos ratos e os guinchos das guitarras... roendo... roendo... roendo... ratos

quentes...

Caberia aqui contar o desfecho do romance. Os ratos roeram o dinheiro que pagaria o leiteiro? Naziazeno conseguiu dormir e ser feliz? Não contarei. Leiam o livro. Fico questionando cá com os botões: será que o Cazuza, como o Arnaldo, leu Os ratos? Assim mesmo vou cantarolando um trecho de O tempo não pára: “sua piscina está cheia de ratos/ suas idéias não correspondem aos fatos/ o tempo não pára”.

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BACHELARD - IMAGINÁRIO E

MODERNIDADE: CIÊNCIA E IMAGINAÇÃO

ARNEIDE CEMIN

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Arneide Cemin BACHELARD - IMAGINÁRIO E MODERNIDADE:

Professora de Sociologia CIÊNCIA E IMAGINAÇÃO

cemin@portovelho.com

Bachelard é reconhecidamente um homem de ciência, seus textos epistemológicos fundamentam-se nos dados das Ciências físicas e químicas. Homem de ciência, Filósofo da Ciência, que, entretanto, ao mesmo tempo contribuiu de forma decisiva para uma Metafísica da Imaginação, uma Filosofia da Imaginação entendida enquanto poética, no sentido de poiésis, de criação. De acordo com o desenvolvimento Filosófico da modernidade – Metafísica Crítica/Kant, e Fenomenologia/Husserl, o autor indaga acerca da contextura própria dos fenômenos Ciência e Imaginação. Mas, como procede Bachelard para abordar os domínios da ciência e da poiésis?

Faz uso de uma de suas categorias epistemológicas, a noção de “ruptura” ou “corte epistemológico” que, no caso, configura-se em corte na imagem pela qual ilustra duplamente o homem. A partir da consideração das funções psíquicas fundamentais, tais como a função do real e a função do irreal; distingue e analisa o homem da ciência, “homem diurno”, que deve atuar no domínio da consciência, locus da técnica reprodutora; e o homem da poiésis, “homem noturno”, enraizado nos domínios mais arcaicos, profundos, e ainda desconhecidos da psique, locus da criação. De modo que propõe uma psicanálise da razão e da imaginação.

Ao mesmo tempo, Bachelard, no conjunto de sua obra, potencializa a razão, purificando-a do “pré-saber”, incluindo as cosmologias tradicionais e os representantes das pulsões: intimações cósmicas e orgânicas, respectivamente, recomendando que a razão científica seja “psicanalizada” para que se torne razão consciente. No mesmo movimento, limita o projeto da razão, evidenciando que ela não vai ao ontológico, ao “lócus” de criação do ser, uma vez que atua a nível pré-consciente e consciente, quando bem conduzida.

Para que a ciência realize adequadamente sua contextura fenomenológica, ele propõe os procedimentos epistemológicos suscetíveis de orientar a razão científica: o já citado “corte epistemológico”; a “superação dos obstáculos” (resistências, inércias, imagens primeiras); e, a “vigilância epistemológica”.

Quanto à objetividade científica, ele argumenta que não há verdade com validade universal; cada ciência cria a sua verdade; assim, além dos parâmetros de validade intrínsecos a cada ciência, para além das verdades suscitadas pelas epistemologias regionais, a objetividade deve ser intersubjetiva, dizendo respeito à verificação coletiva, ao estabelecimento de critérios públicos e à circulação e confrontação de idéias no interior das comunidades

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Ao discutir o confronto entre o Determinismo e o Indeterminismo, aborda a causalidade salientando que desde a teoria da relatividade sabemos que o tempo é inseparável do espaço. Sendo assim, a causa não pode ser unívoca, ela é um estado escolhido entre outros estados possíveis, e estes, por sua vez, não se inserem em um instante particular retirado de uma temporalidade absoluta, mas são, eles próprios (a multiplicidade dos estados), fundados em um instante singular.

Compreende que a Filosofia da Ciência só pode ser histórica, e argumenta que a história da ciência é feita de descontinuidades, rupturas e retificações sobre o seu “tecido de erros”. Entretanto, a ciência não vive apenas de descontinuidades; assim, a relação entre o passado, o presente e o devir não é ignorada por ele que a especifica através da noção de “recorrência epistemológica”.

Afirmando que ciência e poiésis são dois projetos distintos, deve o homem de ciência abdicar da imaginação? A resposta é não. Dissemos que Bachelard contribuiu para o prestígio da imaginação, ao considera-la como tema de reflexão, reafirmando que ela é função psíquica fundamental e definindo-a como poiésis, criação. Constituindo-se como a experiência mesma da novidade e da abertura antropológica entre o homem, ele próprio, e o mundo.

Entretanto, sua pedagogia adverte que, quando se trata de fazer ciência, as “imagens primeiras”, oriundas das solicitações pulsionais, cósmicas e socais devem ser “purificadas” pelos procedimentos epistemológicos do corte, da superação e da vigilância.

Mas com essa formulação Bachelard nos colocaria diante do dilema ciência ou poiésis? Não, se considerarmos o que decorre da pedagogia do autor, pois o que ele nos propõe é uma atitude filosófica. Um chamamento para que nos tornemos filósofos, amantes da sabedoria e, com isso, a cada vez, termos a possibilidade demiúrgica de sermos os criadores dos fenômenos aos quais nos dedicamos: conhecimento, elucidação.

A ciência, diz ele, é invenção humana, é “fenomenotécnica”, fenômeno humano, artefato cultural. E o fato científico se “conquista”, contra o senso comum – nosso e do meio; se “constrói” – não é dado natural; e, se “comprova”, através da substituição das metafísicas intuitivas e imediatas pelas metafísicas discursivas, passando constantemente da descrição ao comentário teórico.

Sendo a ciência produto do espírito humano relacionado ao mundo exterior, não se sustentam as unilateralidades postas pelo Racionalismo e pelo Idealismo de um lado; e, pelo Realismo e pelo Empirismo de outro, visto que a cultura científica ocorre entre essas duas metafísicas contraditórias, porém complementares, pois a demonstração científica se apóia tanto na experiência (empiria) quanto no raciocínio (razão).

Assim, a psicologia do espírito cientifico requer a síntese das contradições e exige que o direcionamento do vetor epistemológico vá do racional para o real. Embora, não haja positividade absoluta nem do experimento nem da razão, pois a relação entre a teoria e a experiência é tão estreita no

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pensamento científico contemporâneo que ele deve ser flexível, móvel para, a cada vez, reordenar os seus dados, retificando os seus erros; bem como, deve dar conta das ambigüidades.

O epistemólogo deve colocar-se entre o realismo e o racionalismo para perceber o movimento duplo pelo qual a “ciência simplifica o real e complexifica a razão”. A ciência moderna baseia-se no projeto que obriga a refletir antes de observar, construir os instrumentos de observação, levando em conta que os instrumentos são “teorias materializadas”. Sendo o fenômeno um “tecido de relações”, é preciso construí-lo por métodos múltiplos, rompendo com a crença de que o “ser é sempre o sinal da unidade”, inscrever no ser os caracteres complementares e “fundar uma ontologia do complementar menos asperamente dialética que a metafísica do contraditório”.

É preciso realizar a nível psicológico o projeto epistemológico da ciência contemporânea que é “racionalismo aberto” porque “racionalismo aplicado”, e a interação entre a prática e a teoria permite as surpresas tanto de uma nova imagem ou nova associação de imagens, quanto as surpresas criadas pelas sugestões do pensamento teórico.

Entretanto, ele argumenta que o fundamento da surpresa é a função imaginante e que a felicidade do sábio é unir o poder da ação racionalista ao poder da ação criadora, ao poder da ação poética. Indica que reconhecemos a marca do progresso através daquilo que põe na nossa razão segurança e felicidade, pois a “compreensão tem um eixo dinâmico, é um impulso espiritual, é um impulso vital”. Torna-se necessário, pois, abolir o pensamento usual, o pensamento sem esforço. Retomando Nietzsche, ele estabelece a “filosofia do não”, do porque não, pois cita: “tudo o que é decisivo só nasce

apesar de. Apesar da evidência, apesar da experiência imediata.

BIBLIOGRAFIA:

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO

ANO I, Nº08 JUNHO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME I ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br

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PORTO VELHO-RO

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ISSN 1517-5421 lathé biosa

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FILOSOFIA PARA CRIANÇAS

NILSON SANTOS

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

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Nilson Santos FILOSOFIA PARA CRIANÇAS

Professor de Filosofia e História da Educação nilson@enter-net.com.br

A década de 60 representa para a Escola Nova uma interrupção abrupta no que tange ao seu apogeu e esgotamento, pois o Golpe Militar de 64 pretendia representar o fim do debate pedagógico, ao instalar o tecnicismo como pedagogia oficial. Portanto a agonia do Regime propiciou o rompimento da padronização imposta na educação e o retorno do debate pedagógico fundamental à inteligência, e, por conseguinte, supérfluo ao imaginário burocrático-militar.

A década de 80 parecia representar para o Estado, o início do fim dos modelos autoritário e burocrático, revividos nos anos atuais sem a truculência da ditadura, mas impregnada de prepotência e tecnicismos.

As políticas públicas da época desgastadas pelo clientelismo, pelo favorecimento ilícito, pela incompetência, pelos megaprojetos, que trouxeram mais problemas que soluções, somadas à crise do petróleo e ao fim do milagre econômico mantido com empréstimos do exterior, obriga o governo a fazer concessões, a permitir uma maior participação da sociedade civil nos destinos do país.

Neste período, muitos setores da sociedade organizada pressionavam. Se por um lado temos o governo exaurido de projetos de qualidade, de poder político e econômico, mergulhado numa “escola” de corrupção acobertada pelos militares (cujos “alunos” mais aplicados aparecem diariamente nos jornais), por outro temos a sociedade civil disputando o loteamento dos espaços existentes, fracionando o poder político através da eleição de lideranças mais democráticas, ao menos ampliando o poder da fala e da contestação, diminuindo a distância entre Estado e Sociedade, poder e povo.

A educação militarizada tem um comportamento semelhante. A proposta tecnicista imposta por militares de competência duvidosa, pedagogos iludidos com o poder, e advogados (que dispensam adjetivos) dedicados a legislação do ensino, trouxe muito mais desvios que resultados satisfatórios: a febre legiferante criou uma teia de leis que buscava modelar a atuação do professor (chegando ao absurdo de “sugerir” a roupa que deveriam usar) retirando-lhe a autoridade e a dignidade (o professor da famigerada disciplina de Educação Moral e Cívica só estaria habilitado se conseguisse atestado de “bons antecedentes” na delegacia mais próxima, ou seja somente os mais alienados ou os cães de guarda do regime estariam aptos).

Referências

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