• Nenhum resultado encontrado

Traços da Violência Praticada Por Mulheres Brancas Contra Mulheres Negras no Período Escravocrata, em Fazendas No Estado De Goiás

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Traços da Violência Praticada Por Mulheres Brancas Contra Mulheres Negras no Período Escravocrata, em Fazendas No Estado De Goiás"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

A questão racial no Brasil e as relações de gênero. ST 18 Tereza Martins Godinho

PUC-SP/ Fundação Ford

Palavras-chave: Patriarcado, racismo, violência de gênero

Traços da Violência Praticada Por Mulheres Brancas Contra Mulheres Negras no Período Escravocrata, em Fazendas No Estado De Goiás

Introdução

A partir das últimas décadas a problemática da relação de gênero tem sido discutida por diversos teóricos, tanto no Brasil quanto a nível mundial. Dentre eles, ressaltamos Kergoat (1982, 1996), Saffioti (1987, 2004), Chauí (1985), Muraro (1993).

No cenário brasileiro, no decorrer dos anos, essa discussão se aprofundou atingindo também outras esferas, dentre elas, as relações étnicas/raciais.

Neste trabalho nos propomos tecer uma breve análise sobre a violência praticada por

mulheres brancas contra mulheres negras no Estado de Goiás, a partir do conceito de patriarcado

discutido por Saffioti (Ms, 2001). Nos valendo desse conceito entendemos que, assim como a diferença de sexo (homem X mulher) é visível e gerou uma relação baseada na desigualdade, a diferença étnico/racial (branco X negro) também existe e se sustenta de forma hierarquizada. Aqui nos reportaremos especificamente às relações desiguais estabelecidas entre as próprias mulheres (brancas X negras).

Patriarcado/ conceito

Numa breve incursão sobre o conceito de patriarcado entendemos que este, fala por si só e dá conta das relações baseadas na desigualdade entre homens e mulheres sim, como também nas inter-relações em outros níveis que se sustentam numa hierarquia nas diversas sociedades.

Dessa forma, a ideologia do patriarcado constitui-se num conjunto de valores que foram se estabelecendo e determinando lugares sociais e de poder não só no tocante à relação homem-mulher, mas também no que se refere à relação mulher-homem-mulher, e, conforme o que pretendemos discutir, na relação étnica/racial. De acordo com as análises de Saffioti (Ms,2001) compreendemos que para além da estrutura de gênero as pessoas, de um modo geral, assumem posturas reveladoras de uma concepção patriarcal.

(2)

“[...] imbuídas da ideologia que dá cobertura ao patriarcado, mulheres desempenham, com maior ou menor freqüência e com mais ou menos rudeza, as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras crianças ou adolescentes segundo a lei do pai” (Saffioti,

Ms,2001, p. 10).

Partindo dessa perspectiva, podemos compreender que as relações entre homens e mulheres e das pessoas entre si dependem do modo com que cada grupo se relaciona. Conforme Muraro (1993), com a instalação do patriarcado as relações entre os sexos tornaram-se relações de medo e instaurou-se o predomino dos homens sobre as mulheres. Instalou-se também a violência e a competição em todos os níveis contribuindo assim, para que a humanidade se dividisse em função das relações de exploração, violência e dominação. Patriarcado, portanto transcende as fronteiras da relação homem-mulher.

O processo que gerou e sustentou a ideologia do patriarcado se configurou, de forma a propiciar poderes aos homens e atribuir-lhes as responsabilidades em todas as subestruturas sociais e culturais. Desse processo resultaram as relações com base nas desigualdades a partir das diferenças.

Nota-se, assim, que ao homem foi conferido o poder deliberativo sobre as questões das mulheres o que é uma das dominações e exploração do patriarcado, pois “A base econômica do

patriarcado [...] consiste no controle de sua sexualidade e, por conseguinte, de sua capacidade reprodutiva [...]. O controle está sempre em mãos masculinas” (Saffioti,Ms,2001, p.18-19).

O conceito de patriarcado, aqui retomado, nos sugere que o controle, a dominação, o poder podem ser assumidos também por outras esferas e categorias da sociedade, basta porém que esta esteja baseada numa ideologia e ótica patriarcal que hierarquiza. Nesse sentido, os pares mulheres-homens, homens-mulheres-homens, sociedades-sociedades, culturas-culturas podem acarretar funções e relação patriarcal.

Violência: Mulheres brancas contra mulheres negras

É conhecedor que o racismo e o sexismo, como formas de exclusão de mulheres, de negros (as) e de índios (as) permanecem fortes na sociedade abrangente e entre nós. Por isso, a categoria de gênero e patriarcado é pertinente, pois tem colocado desafios para avaliar modelos que até então prevaleceram como referencial.

Certamente, o questionamento a respeito da opressão de gênero e classe não inclui naturalmente a opressão de raça. Entendemos, portanto, que o desafio atual consiste em ampliar conceitos para incluir os sujeitos atingidos por outras formas de opressão que coexistem com a opressão patriarcal, como a racista, que é tão significativa no acontecer das relações sociais.

(3)

Segundo Hartmann Apud Helieth Saffioti (Ms, 2001, p. 16), é necessário entender o “...

patriarcado como um conjunto de relações sociais que tem uma base material [...]. Patriarcado é, pois, o sistema masculino de opressão das mulheres”.

Estamos conscientes de que no contexto do Brasil tratar a categoria do patriarcado e gênero e, nela articular a questão racial merece um devido e refinado aprofundamento histórico. Não é nosso propósito neste trabalho. Porém, incorrendo o risco de não tratar a questão de forma devida incluímos nessa discussão a problemática da questão racial com ênfase para aspectos da violência

praticada por mulheres brancas contra mulheres negras no Estado de Goiás.

É certo que a história de submissão da mulher está carregada do mito da fragilidade que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres. No entanto, sabemos que se os homens negros sofreram todo tipo de discriminação racial e violência, as mulheres negras foram ainda mais penalizadas. Considera-se, portanto que as mulheres negras advêm de uma experiência diferenciada e o discurso clássico sobre a opressão da mulher ainda não deu conta da diferença qualitativa da opressão sofrida pelas mulheres negras. O seu perfil é marcado pela opressão e investidas com base no patriarcado. Em geral foram e são agredidas por diversos segmentos, entre eles, pelo homem-branco, pelo homem-negro, pela mulher-branca.

Na história do Brasil e, especificamente na região de Goiás, a violência por parte da mulher branca, dona de engenho, contra as mulheres negras, escravas, data de meados do século XIX, na região do Brasil Central1, onde, de acordo com Lima apud Silva (2004, p. 249): “(...) são

comuns as referências em que escravas tinham olhos, dentes, unhas ou orelhas arrancados por ordem de suas senhoras”.

Isso se devia, algumas vezes, ao fato de as senhoras enciumadas, acreditarem que as escravas se deitavam com seus homens; de outras vezes, as viúvas senhoras de engenho, ao tomar as rédeas de tudo, inclusive dos negócios, reproduziam as formas de violências instituídas pelos homens, senhores de engenho.

A crueldade da violência cometida por mulheres brancas contras mulheres negras no estado de Goiás, chegou a tal ponto que o Presidente da Província de Mato Grosso, o Sr. José Miranda da Silva Reis, na 1ª sessão da 20ª Legislativa da Assembléia Provincial, relata, em 1863, que a negra escravizada de nome Maria, com apenas 12 anos de idade, teria sido morta de modo violento – afogada, no lugar denominado Poço de Santo Antônio a mando de sua dona, Rita de Souza, esposa do Senhor de Engenho Antônio Coy Elipe, com o objetivo de fazer com que esta confessasse que havia se deitado com o seu senhor, marido de Dona Rita (Silva, 2004)

1

(4)

Infelizmente, segundo Silva (2004, p. 251), “processada e submetida a julgamento pelo

tribunal do júri, Rita de Souza foi absolvida como, em geral, ocorria com os donos de escravos”.

Outro caso inconcebível teria ocorrido também em Goiás: a proprietária de uma mina de mineração teria assassinado uma criança, filha de uma mulher escravizada, por desconfiar que se tratasse do fruto do adultério entre seu marido e a referida escravizada, oferecendo a pequena criatura assada em um espeto ao seu marido. (Silva, 2004, p.251). As diversas formas de violência vivida por aquelas mulheres, por certo, não atingia apenas o físico, agrupava da violência cognitiva à morte psíquica.

Assim sendo, em meio a tantos outros exemplos, percebemos que todo esse processo de violência, intrinsecamente baseado nos princípios do patriarcado, é construído num tripé: patriarcado, racismo e capitalismo. Estes, sempre foram apresentados pela historiografia mostrando a supremacia do macho branco sobre os demais, gerando discriminação, preconceitos, desigualdades e todas as formas de violência na relação mulher; mulher-mulher; homem-homem, mulher-homem-homem, ou seja, se trata de uma ordem, na qual as relações são desiguais e os valores são incutidos em homens e mulheres, privilegiando os primeiros e traduzindo relações mantidas numa hierarquia.

Dessa forma, mulheres brancas em sua relação com mulheres negras reproduziram e projetaram a mesma relação que eram submetidas pelos seus maridos (homens). A violência que praticavam (mulheres brancas) contra mulheres negras tinha suas raízes na concepção do patriarcado. Os vários sentidos se misturavam, dentre eles, o poder e o racismo, o medo e o controle.

Considerações finais

Sem a pretensão de concluir este trabalho – dado o grau de aprofundamento que o tema suscita - tenho o sentimento de impotência carregado de um desejo: quem me dera tivesse encontrado a violência apenas no passado, mas não, essa mesma violência, de forma diferenciada, continua estabelecida e executada na sociedade atual.

Lutar pela igualdade de gênero é sonhar, trabalhar, acreditar para construir uma sociedade mais justa e igualitária, enfrentando o patriarcado, o racismo e o capitalismo e, como diz Saffioti (1987), “Trata-se de conscientizar homens e mulheres dos malefícios que o

patriarcado-racismo-capitalismo acarreta para ambos, sobretudo para os que integram as classes subalternas”

Saffioti (1987, p. 64).

Em se tratando do tema deste trabalho podemos perceber como foram profundas as marcas da violência sofrida pelas mulheres negras, e, como essa forma de tratamento e de relacionamento

(5)

(mulheres brancas - mulheres negras) foi influenciada pela ideologia do patriarcado que perpassou e perpassa todas as relações desencadeando uma hierarquia de submissão. Nesse sentido podemos perceber que a mulher negra foi instrumento tanto nas mãos do homem branco como nas mãos da mulher branca. A mulher branca que era de alguma forma explorada, oprimida pelo homem branco seu marido, passa a explorar a mulher negra que é objeto desta mulher branca.

A história da violência cometida por mulheres brancas contra mulheres negras no Estado de Goiás, necessita ser retomada, reescrita, analisada, interpretada. Muito se tem a descobrir das relações que construíram esse espaço geográfico e social de nosso país e que em muito contribuiu para firmar preconceitos e sustentar ideologias racistas respaldadas pelo paradigma do patriarcado na formação de gerações em nossa sociedade brasileira.

Entendemos assim, que esse paradigma instaurado no sei das sociedades continua presente em tempos atuais e perpassa em geral todas as relações humanas, seja ela de gênero, racial, de poder.

Referências

MURARO, Rose Marie. A mulher no terceiro milênio: Rosa dos Tempos, Rio de Janeiro, 1993. SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.

______________ Gênero e patriarcado. Ms, 2001.

SILVA, M. J. Quilombo do Brasil Central: violência e resistência escrava 1719 – 1888. Goiânia: Kelps, 2003.

Referências

Documentos relacionados

MARIA FRANCISCA DOS SANTOS

É tempo de se reinventar, sair da “caixinha”, criar, co- locar a “cabeça” para trabalhar, mas também é tempo de solidariedade, carinho, aconchego, proximi- dade (mesmo

Essa ablação seletiva pode ser bastante útil para remover enzimas tóxicas e antígenos bacterianos (SASAKI et al., 2002a). Este trabalho também demonstrou a maior friabilidade

226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para

Desta forma, este artigo apre- senta a descric¸˜ao de interac¸˜oes multi-participantes confi´aveis (DMI) usando redes de autˆomatos estoc´asticos (SAN), um formalismo

Reconhecendo que mulheres e meninas com deficiências estão sempre em maior situação de risco a todas as formas de discriminação e violência, e em consequência enfrentam

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se

Carregar um arquivo com as configurações do software Você pode carregar um arquivo com as configurações do software, conecte o AP-34K, clique em "AutoScan" e espere a