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PROFESSORA CLARE BROOKS

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Academic year: 2021

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No dia 27 de maio de 2020, a professora Clare Brooks participou de uma roda de conversa

realizada por iniciativa da Faculdade de Educação da UFRJ, do Colégio de Aplicação UFRJ e

do Colégio Pedro II. A proposta era trocar experiências sobre o papel da escola, o trabalho dos

professores e a educação geográfica no contexto da pandemia, buscando entender e traçar

paralelos entre a situação do Reino Unido e do Brasil. Embora virtualmente, o encontro nos

aproximou ainda mais: pudemos perceber que o contexto europeu se assemelha com o nosso

em muitos aspectos. Clare levantou questões muito importantes naquela ocasião, buscando

refletir sobre o processo em seu pleno desenvolvimento e transformação. Essa entrevista é um

desdobramento daquele encontro, pois consideramos ser muito profícuo termos um registro

daquelas reflexões. À professora Clare, deixamos nossos sinceros agradecimentos por sua

PROFESSORA

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EDUCAÇÃO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: O OLHAR DE UMA PROFESSORA DE GEOGRAFIA NA INGLATERRA

Primeiras palavras

A pandemia causada pela COVID-19 gerou uma interrupção em massa na educação no mundo inteiro, quando os países entraram em isolamento e fecharam escolas e universidades. Os padrões parecem se repetir na maioria dos lugares, à medida que a doença se desloca de um país para o outro. Enquanto escrevia esse texto, o Reino Unido acabava de ultrapassar 50 mil mortes por COVID-19, e o governo apresentou uma série de mudanças que visam ao relaxamento das medidas de isolamento social. Muitos estão preocupados que esse relaxamento esteja acontecendo rápido demais pois, a cada dia, inúmeras pessoas testam positivo para o vírus, e centenas  de pessoas ainda morrem. No entanto, a retórica no Reino Unido, assim como em outros países, é de que o isolamento social (agora na sua oitava semana) deve ser flexibilizado para o bem da economia. É nesse contexto que escrevo agora, e é importante dizer isso porque o contexto parece mudar toda semana, se não todo dia, e o que eu escrevo hoje pode mudar amanhã.

 

GIRAMUNDO: O que podemos aprender sobre o mundo (global e localmente), durante a Pandemia de COVID-19? 

PROF.A BROOKS: Diversas coisas se evidenciam

nas notícias que circulam a respeito da pandemia. Está claro que alguns países vêm conduzindo melhor a crise do que outros: agindo prontamente, protegendo os cidadãos da infecção e oferecendo apoio financeiro e emocional. Outros governos têm focado na economia e no menor transtorno possível à vida e à subsistência das pessoas. Grosso modo, essa divisão pode ser vista a partir de orientações políticas, com governos de centro e esquerda priorizando as pessoas, e apresentando menores taxas de mortalidade, e os governos de direita colocando a economia em primeiro

plano e apresentando taxas de mortalidade mais altas. Sabemos que a economia também afeta a saúde das pessoas, mas muitos de nós estamos questionando as prioridades dos nossos governantes e nos perguntando a que interesses eles servem.

No Reino Unido, aprendemos também sobre o real propósito da escola. As escolas fecharam durante a quarentena para todas as crianças, com exceção dos filhos de trabalhadores essenciais. À medida que o isolamento diminui, a hora certa de reabrir as escolas tem sido discutida em um debate público entre diretores de escolas, sindicatos, profissionais da saúde e políticos, para entender sob que condições as escolas podem reabrir e quem deve tomar essa decisão (será que o distanciamento social é possível entre as crianças?). Novamente, o debate tem sido polarizado: de um lado, aqueles que se preocupam com a segurança e o bem-estar das crianças, famílias e professores; de outro, aqueles que veem a escola como algo vital para que o país volte ao trabalho, “derrote” o vírus e retorne à normalidade. Isso nos leva ao questionamento sobre o real propósito da escola: ela serve para educar nossas crianças ou para cuidar delas, de forma que seus pais possam ir ao trabalho – as escolas são apenas uma peça fundamental da engrenagem que alimenta nossa economia?

Um dos grandes lemas que surgiu no início na quarentena foi “we are all in this together”, ou “estamos juntos nessa”. À medida que os dados aparecem e ficamos sabendo quem são os mais afetados pela COVID-19, fica claro que não estamos todos juntos nessa. As taxas de mortalidade são maiores entre os idosos, doentes, pobres, negros e grupos étnicos minoritários. A certa altura, o governo britânico falou sobre a imunidade de rebanho; nos informativos diários, eles não conseguiam contabilizar a taxa de mortalidade dos idosos que vivem em abrigos2.

Fica claro que alguns estão mais expostos e vulneráveis que outros, e claramente não estamos todos juntos nessa.

Entretanto, houve uma mudança na opinião pública, particularmente na forma como alguns

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setores da sociedade são vistos. Antes da crise, falava-se dos imigrantes como “trabalhadores não qualificados”. Quando o país parou, ficou claro que aqueles trabalhadores sem qualificação são, na verdade, vitais para a nossa existência. Os trabalhadores de supermercados, aqueles que colhem frutas, os entregadores (sem contar os profissionais da saúde e os cuidadores), todos ganharam um novo rótulo e agora são chamados de “trabalhadores essenciais”, um termo mais digno que “não qualificados”, embora sua faixa salarial permaneça a mesma. O respeito que eles ganharam do público com certeza se modificou.

Também aprendemos muitas coisas sobre o papel dos especialistas: aqueles que antes eram desrespeitados pelo governo agora foram rapidamente convocados para aconselhar e respaldar as medidas a serem tomadas. Os pais começaram a se conscientizar do trabalho dos professores quando passaram a se ocupar da educação de seus filhos em casa. Aprendemos sobre a desigualdade no acesso à tecnologia, à Internet, e o quanto a renda interfere no que diz respeito ao acesso à educação, mesmo em casa. Finalmente, aprendemos também sobre a diferença na qualidade de vida em nossas comunidades rurais e urbanas: quem tem acesso a um jardim e um espaço aberto? Quem mora em locais apertados? Quem tem acesso a atendimento médico? Essas perspectivas estão nos ajudando a ver o mundo de forma diferente.

GIRAMUNDO:Qual é o papel da escola nesse evento sem precedentes?

PROF.A BROOKS: Na Inglaterra, as escolas não estão

completamente fechadas; elas estão abertas para atender os filhos dos trabalhadores essenciais: uma política que tem o objetivo de possibilitar que esses trabalhadores possam trabalhar, mais do que o de evitar lacunas educacionais. Crianças em situação de vulnerabilidade também estão autorizadas a ir à escola - ainda que a definição de vulnerabilidade e a possibilidade de essas crianças terem condições de fazer isso não sejam muito claras.

Há uma preocupação com a perda

do aprendizado durante o período em que as crianças estão estudando em casa. Sabemos que durante as férias de verão, elas perdem alguns aprendizados adquiridos anteriormente: sabemos que isso afeta mais as crianças mais pobres. Sabemos também, por meio de pesquisas, que crianças mais abastadas estão fazendo mais tarefas escolares durante o isolamento: dedicando mais tempo aos estudos e recebendo mais ajuda dos pais. Também imaginamos que o impacto da quarentena será maior para as crianças em situação de vulnerabilidade ou que tenham necessidades especiais. O lado bom é que sabemos que o ensino à distância ou online funciona bem quando é bem feito, mas também temos consciência que as crianças mais velhas lidam melhor com isso do que as pequenas.

Temos também refletido a respeito do papel da escola na saúde mental e no bem-estar dos jovens. Sabemos que o luto, o estresse e o trauma podem afetar o aprendizado e o comportamento, e para alguns isso pode ter um efeito de longo prazo. Sabemos que crianças e jovens são afetados de modo diferente dependendo da idade (os mais velhos se recuperam mais rapidamente), e que para aqueles que sofreram trauma, os professores e a escola podem representar uma influência muito positiva, contribuindo para sua estabilização emocional. Professores têm se preocupado com a forma como poderão reconhecer traumas em seus alunos com o ensino a distância: pessoas traumatizadas podem se isolar, evitar a socialização e estar especialmente sensíveis: aspectos difíceis de identificar na realidade da pandemia de COVID. E não nos esqueçamos dos professores. Eles têm enfrentado muitos desafios durante o isolamento: realizando o ensino remoto possivelmente pela primeira vez, lidando com seus filhos e familiares, e tendo que enfrentar, como todos, esse período de incerteza  e medo, incluindo, possivelmente, suas próprias experiências de luto e trauma. Muitos professores não receberam um treinamento específico e não sabem como lidar com tudo isso. Muitos estão tendo dificuldades com o ensino remoto e, quando retornarem às escolas, muito provavelmente vão

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sofrer um trauma secundário: o trauma de lidar com o trauma dos outros.

GIRAMUNDO: Poderia nos contar como funcionam as políticas governamentais de educação durante o isolamento no Reino Unido?

PROF.A BROOKS: A expressão normalmente utilizada

é homeschooling, embora não seja tecnicamente correta uma vez que são as escolas que enviam as tarefas para as crianças para serem realizadas em casa. O estado fez dois investimentos substanciais: uma escola nacional online, a Oak National Academy, que forneceu lições para crianças de várias idades e com conteúdo de diversas matérias (embora um tanto limitadas e restritas; há quem diga que possuem um viés ideológico, tanto em abrangência quanto em conteúdo). O outro investimento foi o fornecimento de laptops para crianças que não têm acesso a computadores (embora, até onde se sabe, nenhum laptop tenha sido entregue ainda). O canal estatal de TV, a BBC, reuniu uma gama de materiais disponibilizados gratuitamente para as crianças, e várias empresas de tecnologia deram acesso livre a seus recursos. Joe Wicks, conhecido como “Body Coach” (treinador físico) e consultor de saúde em programas de TV, disponibilizou aulas de educação física no YouTube.

A retórica do governo tem se concentrado nas lacunas de aprendizado e no aprofundamento do abismo que separa crianças com experiências de vida diferentes. A retórica dos professores é outra: as crianças precisam ficar com seus familiares, se sentir seguras, ter alguma estrutura, mas não devem se preocupar – quando as escolas voltarem a funcionar, os professores vão lidar com qualquer defasagem que venha a acontecer.

GIRAMUNDO: O processo de admissão às universidades (como o GCSE) sofreu algum impacto esse ano? Se sim, de que forma?

PROF.A BROOK: Uma das primeiras declarações

do governo com relação à educação foi de que todos os exames públicos (o que inclui o GCSE e os A’levels) não aconteceriam. Em vez disso,

o governo apresentou um esquema no qual os professores atribuem aos alunos uma previsão de suas notas e os classificam, e essas informações são reunidas e ajustadas em âmbito nacional. Os alunos que não ficarem satisfeitos com as notas que receberem poderão prestar um exame mais para o fim do ano – embora os detalhes dessa operação ainda não tenham sido anunciados.

Ainda não se sabe qual será o real impacto disso nos resultados e no acesso à universidade. Sabemos que as universidades, que dependem das taxas pagas pelos estudantes, estão preocupadas com a quantidade de alunos que vão se matricular no ano que vem. Elas também preveem imensas perdas financeiras.

 

GIRAMUNDO: Na sua opinião, a pandemia afetará a abordagem de alguns temas/conteúdos do Ensino de Geografia? Será que precisaremos de uma reforma no currículo para fazer face a esse momento tão desafiador?

PROF.A BROOKS: Muitas escolas na Inglaterra

estão falando sobre a necessidade de adaptar o currículo de forma a incluir o trauma. Não sei se entendo bem o que isso significa, mas demonstra uma consciência da parte das escolas de que o currículo precisa fazer mais do que preparar alunos para exames. Na minha opinião, a própria crise levanta muitos questionamentos a respeito do mundo, e as crianças vão querer respostas. Alguns desses questionamentos poderão ser abordados no currículo. As crianças vão precisar de tempo e espaço para processar o que aconteceu e o que escutaram. Elas vão precisar de apoio dos professores para compreender essa experiência e para ajudá-las a enxergar o sentido disso tudo. Para tal, vão precisar considerar o que isso significa para suas famílias, suas comunidades, suas cidades, seu país e para o mundo. Vão precisar considerar de que maneira tudo isso transforma nosso entendimento da globalização, do comércio internacional e da possibilidade de uma transição para o nacionalismo em muitos dos lugares mais afetados pela pandemia. Elas vão precisar considerar o impacto nas mudanças climáticas, o

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uso e abuso de plásticos (um ingrediente chave para os EPIs) e como nossos padrões de consumo vão mudar, pois muitas pessoas estão reavaliando suas reais necessidades. Acho que o trabalho de Lefebvre é útil nesse sentido, pois sua tríade espacial nos lembra que o espaço é reproduzido pela localização, pelas relações com outras localizações e pelas representações – três ferramentas úteis para nos ajudar a pensar nossas experiências e seus significados para o mundo ao nosso redor.

Uma pandemia global dissemina o medo tanto quanto a doença. No Reino Unido, vimos uma aproximação maior, com as pessoas se unindo, se comportando de forma responsável e oferecendo apoio a seus amigos e vizinhos. Vimos também uma desolação maior, visto que alguns setores da nossa sociedade foram mais seriamente afetados que outros, e as diferenças de classe, renda e também as raciais ficaram mais evidentes. A questão fundamental para todos nós é: que legado desejamos que a COVID-19 deixe para o mundo, e o que precisamos fazer para que isso aconteça? NOTAS

1 Entrevista traduzida por Claudia Soares Alvares da Cruz e Carolina Lima Vilela.

2 N. T.: No original, care homes. Esse termo abrange dois tipos de serviço no Reino Unido: residential homes e nursing homes. O primeiro fornece acomodação e cuidados pessoais, como ajuda para tomar banho, se vestir, tomar remédios. O segundo, além dos cuidados pessoais, oferece assistência médica para portadores de deficiências graves, ou de condições médicas que envolvem procedimentos mais complexos. O custo dessas residências pode ser financiado pelos governos locais após uma verificação das reais necessidades do solicitante.

Entrevista realizada por Ana Angelita Rocha

Graduação em Geografia (UERJ)

Mestrado e Doutorado em Educação (UFRJ) Professora da Faculdade de Educação da UFRJ Pesquisadora do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ) e do Núcleo de Regionalização e Globalização (NUREG/UFF)

ana_angelita@ufrj.br

Carolina Lima Vilela

Licenciada e Bacharela em Geografia (UFRJ) Mestra em Geografia (UFRJ)

Doutora em Educação (UFRJ)

Professora de Geografia do Colégio Pedro II (Campus Humaitá II)

Referências

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