UNIVESIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO
FICHAMENTOa
1. Obra: FILHO, José Camilo dos Santos & GAMBOA, Silvio Sanches (org.). Pesquisa Educacional: quantidade-qualidade. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2000 – (Coleção Questões de Nossa Época; v.42).
Comentários: 1.1 Autor: 1.2 Esta Obra:
Conforme consta na apresentação da obra, este livro se destina tanto a iniciantes em pesquisa educacional, quanto a especialistas no assunto. Segundo os autores:
[...] esperamos oferecer algumas luzes, contribuindo para a recuperação histórica da controvérsia, a explicitação das principais diferenças entre os chamados “paradigmas quantitativos” e “paradigmas qualitativos”, assim como apontando alguns motivos pelos quais o emprego de tais paradigmas se transforma em um falso conflito.
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 8)
1.3 Os capítulos da obrab:
Para maior clareza este tópico foi subdivido para tratar dos capítulos de cada livro da obra.
1.3.1 Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa: o desafio paradigmático – José Camilo dos Santos Filho
A. Citaçõesc
“[...] os pesquisadores universitários, tanto em suas pesquisas, quanto na de seus orientandos, tendem a valorizar e exigir a coerência paradigmática, na convicção de que a tese da ‘incomensurabilidade’ dos paradigmas é uma posição filosófica incontestável e aceita com unanimidade pelos filósofos da ciência.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 13)
a Este “fichamento” tem como objetivo fazer um apanhado de trechos que eventualmente possam ser utilizados como citações em trabalhos científicos, apresentar um resumo da obra e eventualmente expressar uma opinião sobre o conteúdo da obra.
b
Este tópico faz um apanhado de cada capítulo da obra, a fim de facilitar futuras consultas. c
Este item contém uma coletânea de citações do capítulo que refletem os pontos mais importantes da obra e que podem ser utilizados como citações em outros trabalhos.
A filosofia positivista de Comte representa uma poderosa defesa da unidade de todas as ciências e da aceitação da abordagem científica na realidade social humana.
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 15, citando Smith, 1983d)
“Para Mill, as leis sociais poderiam ser reduzidas às leis do comportamento individual, enquanto Comte entendia que a sociedade era um organismo com suas próprias leis. Mill sobrepunha o estudo da psicologia ao da sociedade; Comte via a impossibilidade de estudar a psicologia, visto que a mente não seria diretamente observável.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 18)
“Durkheim, baseou suas idéias na teoria comteana de uma ciência social inspirada nas ciências naturais e com o potencial para prevenir a desagregação da sociedade; no entanto rejeitou a idéia dos três estágios da históriae, por considerá-la mera formulação metafísica, sem evidência
empírica.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 19)
“[...] segundo Durkheim o social é real e externo ao indivíduo. Isso significa que o fenômeno social tem o mesmo status do fenômeno físico porque é independente da consciência humana e acessível mediante a experiência dos sentidos e da observação.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 20)
“[...] o cientista social de Durkheim deve ser neutro e objetivo como o cientista físico.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 21)
“Em suma, o desenvolvimento da psicologia e da educação, desde o início deste século até os anos 70, deu-se dentro do paradigma das ciências naturais, à moda da sociologia comteana e durkeimiana.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 22)
“Em síntese, aplicado à sociologia, à psicologia e à educação, o método científico das ciências naturais apresenta três características básicas: primeiro, defende o dualismo epistemológico, ou seja, a separação radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; segundo, vê a ciência social como neutra ou livre de valores; e terceiro, considera que o objetivo da ciência social é encontrar regularidades e relações entre os fenômenos sociais.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 23)
d
SMITH, J.K. (1983) Quantitative versus interpretive: the problem of conducting social inquiry. In: HOUSE, E.R. (ed.). Philosophy of evaluation. (New Directions for Program Evaluation, n° 19). San Francisco, Jossey-Bass. e
Refere-se à lei dos três estágios da sociedade: o teológico, o metafísico e o positivo. Segundo Comte, a humanidade teria passado por estes estágios na busca da compreensão do mundo e da sociedade.
“O objetivo do estudo da sociedade, segundo Dilthey, é adquirir uma compreensão do individual ou do tipo. Nesse sentido, os estudos humanos deveriam ser descritivos e não explanatórios em sua intenção; e o verdadeiro propósito das ciências sociais consistiria na tentativa de se buscar uma compreensão interpretativa.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 26)
“A tarefa do pesquisador nas ciências sociais não é descobrir leis, mas engajar-se numa compreensão interpretativa – que Dilthey chama de verstehen – das mentes daqueles que são parte da pesquisa.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 27)
“Originalmente a hermenêutica referia-se à interpretação de textos; mas, do modo como elaborou a idéiaf, passou a significar o conhecimento do contexto ou do background necessário para a interpretação de eventos.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 28)
“[...] Dilthey esbarrou num impasse: como se pode distinguir uma interpretação correta de uma incorreta? Segundo sua teoria, não há um padrão estabelecido para resolver o conflito de interpretações. [...] Esse problema é recorrente nas discussões da perspectiva interpretativo-idealista.“
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 28)
“Sobretudo, Dilthey questionou a possibilidade de se separar o pesquisador da coisa pesquisada e mostrou a inadequação dos cânones das ciências naturais às ciências sociais.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. páginas 28 e 29)
“Rickert (1962), outro crítico do positivismo, discorda de Dilthey quanto à idéia de que o problema central seja a diferença entre o objeto das ciências naturais e o das ciências sociais. Para ele, as diferentes metodologias são necessárias porque os pesquisadores têm interesses diferentes nas duas áreas.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 29)
“Pela ótica de Weber, a ciência social na realidade constitui-se numa busca de autoconhecimento, ou seja, dos valores, crenças, sentimentos e motivos humanos.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 32)
“Para compreender os significados de um outro indivíduo, é necessário que se coloque a ação dentro de um contexto de significado. Ou seja, o significado não pode ser divorciado do contexto.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 33)
f
“A abordagem fenomenológica, como a hermenêutica, é holística e tenta por meio da empatia (Einfuhlung) entender os motivos subjacentes às reações humanas.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 35)
“Segundo a fenomenologia, o acesso aos motivos é possível por intermédio da análise hermenêutica, mediante o exame do texto e do contexto no qual os eventos ocorreram.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 35)
“No presente estágio da discussão do dilema abordagem quantitativa versus abordagem qualitativa, em pesquisa nas ciências humanas e da educação, entendemos que é epistemologicamente mais defensável a tese da unidade dos paradigmas.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 53)
“[...] é pragmaticamente defensável que no presente estágio de desenvolvimento do conhecimento humano, e de modo especial na área das ciências humanas e da educação, se admita e se adote a articulação e complementaridade dos paradigmas a fim de fazer avançar o conhecimento humano.”
(FILHO & GAMBOA, 2000. página 54) B. Resumo
Este capítulo/artigo inicialmente faz uma retrospectiva da história dos paradigmas de pesquisa mais utilizados nas ciências sociais e na educação: o quantitativo (que tem como fundamento as idéias de Comte, Mill e Durkheim) e o qualitativo (que se baseia nas idéias de Dilthey, Rickert e Weber). Nesta retomada histórica vê-se que durante muito tempo existiu um predomínio por parte da abordagem positivista (quantitativa), que acredita na unidade das ciências e na aplicabilidade das teorias, métodos e abordagens das ciências naturais no campo das ciências sociais. Apesar de algumas iniciativas de se tentar uma abordagem qualitativa às pesquisas sociais, é somente após 1970 que a abordagem qualitativa toma corpo e passa a disputar o espaço das pesquisas sociais e educacionais com a tradicional pesquisa quantitativa.
Segundo o texto, o método científico das ciências naturais quando é aplicado às ciências sociais apresenta como características básicas:
1. A separação radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; 2. A ciência social é neutra (livre de valores);
3. O objetivo da ciência social é encontrar regularidades e relações entre os fenômenos sociais.
As abordagens/pesquisas qualitativas surgem, então, como refutações ou negações à validade de todas ou de algumas dessas características aceitas como verdades pela filosofia positivista. Os primeiros filósofos e articuladores das pesquisas qualitativas foram:
• Dilthey:
o Atacou a separação entre sujeito-objeto de pesquisa, afirmando que a teia de subjetividade, emoções e valores existentes nas relações humanas não permitiria o distanciamento entre sujeito e objeto (os seres humanos são ao mesmo tempo sujeitos e objetos de investigação nas ciências sociais);
o Atacou, também, a busca de regularidades, pois, a complexidade da vida social, as contínuas mudanças ao longo do tempo e as diferenças culturais não permitem a construção de leis imutáveis e gerais;
o Elaborou a idéia de hermenêutica como forma de se conhecer o contexto necessário para a interpretação dos eventos. No entanto ele não estabeleceu uma forma de determinar se um julgamento feito com base na hermenêutica é correto ou incorreto.
• Rickert:
o As diferenças entre as metodologias quantitativas e qualitativas se devem aos diferentes interesses dos pesquisadores. Em uma abordagem se deseja a busca por regularidade, generalizações e, na outra, o interesse se dá pela compreensão do indivíduo;
o Expôs a influência dos valores na escolha das pesquisas, colocando, assim, um desafio à idéia da abordagem livre de valores para a vida social.
• Weber:
o Tentou uma síntese entre as duas abordagens, aceitando argumentações e teorias de ambas;
o A diferença fundamental entre as ciências naturais e as ciências sociais está mais no interesse do pesquisador no objeto do que no objeto em si;
o O uso de valores na pesquisa deve se restringir à fase de escolha do objeto a ser pesquisado, não devendo, em hipótese alguma se fazer presente na fase de análise e de inferências;
o Para resolver o problema do relativismo das interpretações, desenvolveu uma nova interpretação da causalidade, onde o pesquisador deveria desenvolver hipóteses passíveis de confirmação ou rejeição empírica.
O texto também apresenta o processo de crítica às abordagens quantitativa e qualitativa feitas pelos filósofos da Escola de Frankfurt.
Com a busca por novas metodologias de pesquisa, vários teóricos buscaram fazer uma classificação dos paradigmas de pesquisa nas ciências sociais, políticas e educacionais e estas tentativas foram adotadas por vários pesquisadores. Também teve início um debate sobre a compatibilidade ou não dos paradigmas, onde três teses merecem destaque:
1. Diversidade incompatível: os pontos de vista do realismo quantitativo e do interpretativismo idealista (qualitativa) são de tal maneira oposto que não é possível nenhuma aproximação ou compatibilidade;
2. Diversidade compatível: as diferentes formas de pesquisa são igualmente legítimas e não estão em conflito além de que ao utilizarem-se as duas abordagens na pesquisa de um mesmo problema, obtém-se uma verdadeira compreensão do objeto pesquisado;
3. Unidade ou integração: tese defendida a partir dos filósofos pós-positivistas e dos teóricos críticos. Segundo esta tese não há forma consistente de se dividir o domínio do conhecimento em formas ou paradigmas que sejam mutuamente excludentes.
O texto ainda trata da filosofia “pós-positivista” onde alguns dogmas do positivismo clássico são criticados e refutados. Basicamente, a visão “pós-positivista” sustenta que:
1. A pesquisa social está repleta de julgamentos de valor e não é possível a distinção entre fato e valor;
2. A distinção dogmática entre quantidade e qualidade deve ser rejeitada; 3. A evidência quantitativa não pode ser interpretada independentemente das
considerações qualitativas;
4. Os métodos quantitativo e qualitativo podem ser usados pelos pesquisadores sem caírem na contradição epistemológica.
Ao finalizar o texto o autor deixa claro que a “briga” continua e que a volta aos clássicos (Durkheim, Weber e Marx) sempre deve ser um processo contínuo. No entanto, alerta aos leitores que se deve conhecer as novas tendências a fim de se situarem frente às diferentes teses sobre o problema da incompatibilidade, complementaridade ou unidade dos paradigmas de pesquisa.
Incompatibilidades entre os paradigmas quantitativo e qualitativo, segundo a tese da incompatibilidade Paradigma
Aspecto
Quantitativo Qualitativo
Visão de mundo ou premissas subjacentes
Filosofia positivista que concebe a verdade como absoluta e objetiva, propondo modelos estáticos, e supondo os fatos sociais com uma
realidade independente das crenças
individuais.
Paradigma fenomenológico, que sustenta que a realidade é socialmente construída por meio de definições coletivas ou individuais, o homem é sujeito e ator e considera a verdade como relativa e subjetiva.
Relação entre o pesquisador e o objeto pesquisado
Dualismo sujeito-objeto, o objeto pesquisado não pode ser afetado pelo processo de investigação adotado, a linguagem utilizada deve ser científica e neutra.
Negação do dualismo sujeito objeto, o investigador e o processo de pesquisa influenciam o que é investigado, a linguagem utilizada deve ser real, não neutra e semelhante à do dia-a-dia.
Relação entre fatos e valores
A observação é objetiva e refere-se a fatos cuja existência independe do observador, por meio do método adequado o pesquisador é capaz de conhecer as coisas como realmente são, os fatos são separados dos valores.
Os valores e interesses do pesquisador moldam sua visão da realidade, assim a observação não é neutra.
Objetivo da pesquisa
Predição, testagem de hipóteses e a generalização, buscando explanar as causas das mudanças nos fatos sociais.
Compreensão, explanação e especificação do fenômeno estudado, se preocupando com a compreensão do fenômeno social, rejeita a possibilidade de descoberta de leis.
Abordagem Design experimental ou correlacional. Etnográfico.
Foco O porquê, as relações causais, os traços individuais. O como, o senso comum, a experiência individual de situações.
Método
Método dedutivo (da teoria para os dados), a postura racionalista, a medida de variáveis, a manipulação estatística, a análise de componentes e uma amostra grande com randomização.
Método indutivo (dos dados para a teoria),a síntese holística, a análise comparativa, conceitos que se expressam via propriedades e relações e uma pequena amostra escolhida seletivamente.
Papel do pesquisador Distância do objeto de pesquisa, a fim de evitar vieses. Imerção do pesquisador no fenômeno de interesse.