• Nenhum resultado encontrado

Cultiva marias: hortas orgânicas no quilombo Candeal II

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Cultiva marias: hortas orgânicas no quilombo Candeal II"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Cultiva marias: hortas orgânicas no quilombo Candeal II

PEREIRA, Daiane da Fonseca

1

1 Universidade Federal da Bahia –UFBA, Associação de Desenvolvimento do Candeal II – ACDC, dfpereira04@gmail.com.

Resumo

A Associação Comunitária de Desenvolvimento do Candeal II – ACDC representa a Comunidade Quilombola de Candeal II, situada na zona rural do município de Feira de Santana, Bahia. A ACDC vem investindo em ações em prol do desenvolvimento da comunidade e gerem produção de conhecimento acerca da comunidade através da reflexão crítica. Foi com este intento que a ACDC implantou o Cultiva Marias, um projeto que viabilizou o cultivo orgânico de hortaliças, com reutilização das águas cinzas, por mulheres que precisam de uma fonte de renda. Assim objetivo da presente proposta é analisar os impactos do Projeto Cultiva Marias na Comunidade Quilombola Candeal II, em Feira de Santana-BA. Para tanto seguimos a metodologia da pesquisa-ação adotada nos projetos idealizados pela ACDC.

Palavras-chave: Inclusão Produtiva; Empoderamento; Hortaliças. Introdução

A Comunidade Quilombola Fazenda Candeal II, em Feira de Santana, Bahia está vivenciando um grande processo de busca e (re)construção de sua identidade. Neste processo, a comunidade tem se organizado para fortalecer as tradições culturais deste lugar, bem como redescobrir sua própria história. A Comunidade tem em suas origens as marcas deixadas pela luta pela terra. Este passado de luta está vindo à tona novamente por uma ânsia de lutar pelo direito de ser quem somos, de sermos quilombola, de termos orgulho de nossas origens e, principalmente, direito de nos expressarmos culturalmente.

Neste interim, a Associação Comunitária de Desenvolvimento do Candeal II – ACDC, assume o protagonismo enquanto representante de nosso Quilombo e lidera a busca do reconhecimento oficial enquanto comunidade tradicional remanescente de Quilombo junto à Fundação Palmares. Este reconhecimento, que aconteceu em 2017, não foi tido como um ponto de chegada, ao contrário. Desde então, a comunidade vem estruturando-se de forma institucionalizada, por meio da ACDC, promovendo atividades em diversas áreas para que o sentimento de pertença, principalmente dos mais jovens, se fortaleça, buscando agir de forma articulada com as instituições locais, estabelecendo uma verdadeira rede em prol do empoderamento dos moradores partindo da valorização de nossa identidade enquanto comunidade Quilombola rural e da produção de conhecimento acerca da comunidade através da reflexão crítica das nossas ações e projetos.

Neste processo, a figura feminina tem sido fundamental, pois as associações locais e comunidade escolar são todas lideradas por mulheres negras. Por isso, iniciamos em 2018 discussões acerca das relações de gêneros dentro da comunidade e promoção de ações voltadas para a saúde, segurança, economia, direitos da mulher e sua formação política. Neste processo, observamos a necessidade de nossas mulheres adquirem autonomia em todos os espaços da comunidade, principalmente no âmbito financeiro para que não sejam submetidas a relacionamentos abusivos devido a dependência econômica.

Foi com este foco que a ACDC implantou, ainda em 2018, o Projeto Cultiva Marias1, que viabilizou o cultivo orgânico de hortaliças já realizados por algumas mulheres da comunidade e expandiu para tantas outras que precisavam de uma fonte de renda. O Cultiva

1 O Projeto foi apoiado pelo edital Março Mulheres edição 2018, da Secretaria Estadual de Políticas para as

(2)

Marias destinou-se às mulheres da comunidade como um todo, independente de faixa etária, principalmente àquelas que precisam de autonomia e apoio para o enfrentamento das várias formas de violência. Deste modo, acreditamos fortalecer o protagonismo dessas mulheres no debate público da sociedade brasileira e nos processos de participação social referidos às políticas governamentais de inclusão social de mulheres e da população negra.

Incluir socialmente por meio da produção foi o nosso ponto de partida, por isso buscamos o fomento para as hortas da comunidade. “A Inclusão Produtiva enquanto serviço de proteção básica é considerada pela Política de Assistência Social como mobilização das capacidades sociais e produtivas das comunidades” (ALVES e AMÂNCIO, 2013, p. 3). Assim, fortalecemos nossa organização enquanto grupo e a iniciativa de produção orgânica em nosso território, garantindo novos meios e capacidades coletivas de produção e gestão, respeitando e preservando as formas de cultivo de nossa comunidade. Assim, conforme destaca Brasil (2012), as ações de inclusão produtiva buscam a ampliação da capacidade de autogestão econômica e social das comunidades, por meio da vivência e troca de experiências sobre formas coletivas de organização da produção, a promoção de arranjos produtivos viáveis e sustentáveis, reconhecendo o papel de protagonista ativo das comunidades na promoção do seu próprio desenvolvimento.

Com este entendimento, a ACDC implantou o Cultiva Marias, projeto que segue para a sua segunda etapa, e nós apresentamos aqui os resultados obtidos ao longo da execução da primeira etapa, considerando o propósito da comunidade de produzir e registrar conhecimento acerca de suas ações e projetos, principalmente pelos sujeitos da própria comunidade. Deste modo, o presente trabalho traz por objetivo analisar os impactos do Projeto Cultiva Marias na Comunidade Quilombola Candeal II, em Feira de Santana-BA.

Objetivos

O Cultiva Marias surgiu com o objetivo de promover autonomia financeira e social das mulheres quilombolas da Comunidade de Candeal. Para tanto, o caminho seguido foi: implantar hortas familiares na Comunidade de Candeal II através de sistema de reutilização e tratamento da água cinza das casas; ocupar espaços ociosos com a prática de agricultura orgânica, fornecendo alimentos saudáveis e também promovendo geração de renda para as famílias; discutir as relações de gêneros dentro da comunidade quilombola de Candeal II; adquirir materiais e equipamentos para o cultivo de hortaliças orgânicas e, por fim, valorizar o ser mulher no Quilombo, fortalecendo o protagonismo feminino.

Diante disso estabelecemos os seguintes questionamentos: o cultivo de hortaliças orgânicas foi implantado? A cultura de reutilização de água foi efetivada? Podemos falar de empoderamento feminino por meio da autonomia financeira no Quilombo Candeal? Esperamos responder a estes questionamentos através dos dados coletados ao longo da execução do projeto.

Metodologia

O Projeto Cultiva Marias foi idealizado pela ACDC e vem sendo realizado na comunidade Quilombola de Candeal II, situada na zona rural de Feira de Santana, no território de identidade Portal do sertão. O projeto destina-se às mulheres da Comunidade como um todo. Levando em consideração esta realidade, temos como público mulheres que vivenciam situações de violência, mulheres que chefiam suas famílias e/ou buscam autonomia financeira.

Inicialmente, o público alvo direto foram vinte mulheres que vinham desenvolvendo o plantio de hortas, mas precisavam de suporte técnico e de equipamentos para a manutenção do plantio e ampliação da área plantada. Indiretamente, toda comunidade foi atendida gerando renda para as famílias, melhorando a qualidade da alimentação de todos e, principalmente, criando um exemplo para as demais mulheres da comunidade de que é possível autonomia financeira através do cultivo da terra. Por isso, as famílias beneficiadas

(3)

foram capacitadas e acompanhadas para a manutenção do projeto.

Estabelecido o nosso público optamos por realizar uma Pesquisa-ação, pois esta é a metodologia escolhida pela ACDC para os seus projetos. A escolha por este tipo de pesquisa dar-se por ser esta uma forma de trabalho em que permite ao pesquisador, que em regra é membro da comunidade, intervir diante de um problema. A pesquisa-ação exige a participação ativa do pesquisador e resulta na resolução de um problema efetivo identificado, através da ação. Para relembra, o problema aqui era promover autonomia financeira para as mulheres do Quilombo por meio do cultivo de hortaliças orgânicas.

Para Richardson (2003), fazer pesquisa-ação significa planejar, observar, agir e refletir de maneira mais consciente, mais sistemática e mais rigorosa o que fazemos na nossa experiência diária. Trata-se de uma “pesquisa viva”, onde pesquisador e pesquisados trocam constantes informações. Essa interação é condição indispensável para que a pesquisa aconteça. A pesquisa-ação pretende melhorar: a prática dos participantes; a sua compreensão dessa prática; e a situação onde se produz a prática e envolver: assegurar a participação dos integrantes do processo; assegurar a organização democrática da ação e propiciar compromisso dos participantes com a mudança

Assim, inicialmente realizamos rodas de conversas para sensibilizar todos sobre a importância da horta e da reutilização da água, esta é a etapa de planejamento da ação, extremamente importante para a articulação, mobilização, capacitação das mulheres. Logo após iniciamos o treinamento para a implantação do sistema de reutilização de água cinza e posteriormente da horta. Na sequência realizamos o acompanhamento do cultivo com a manutenção das rodas de conversas e treinamentos para cultivo, controle de pragas e adubação. Por fim, tivemos a fase da colheita e comercialização das hortaliças.

A ação teve início com a capacitação que se deu em dois Módulos Teóricos e um Módulo Prático. O primeiro, com carga-horária de 10h, foi intitulado Autonomia Feminina. Este foi o espaço de discutirmos questões gêneros, direitos das mulheres e o papel da mulher na economia local, considerando a participação das mulheres enquanto mantenedoras dos lares do Candeal. O segundo módulo teórico, intitulado Técnicas em Produção de Hortaliças, teve carga-horária de 20 horas e versou sobre técnicas de manejo de pragas e métodos de adubação orgânica, técnica empreendedora na produção, organização e comercialização dos produtos, educação ambiental e sustentabilidade.

Findada a etapa de capacitação, iniciamos o Módulo Prático, com carga-horária de 30 horas. A primeira fase desta etapa foi a implantação de um sistema de reuso de águas cinzas nas casas das beneficiárias para assim garantir a irrigação das hortas. Em seguida, se deu a Implantação da produção orgânica de hortaliças. Os resultados destas etapas detalhamos na seção seguinte.

Resultados

Em linhas gerais, podemos resumir os resultados do Cultiva Marias da seguinte forma: implantamos hortas em 20 famílias da Comunidade de Candeal II, através de sistema de reutilização e tratamento da água cinza das casas, ou seja, realizando reaproveitamento de água. Tivemos discussões sobre gênero enfatizando o papel da mulher quilombola e suas contribuições para o desenvolvimento da comunidade. Inicialmente os alimentos saudáveis foram destinados para consumo dessas famílias e geração de renda. Para melhor organização da comercialização e divulgação dos produtos foram adquirimos materiais e equipamentos para o cultivo de hortaliças orgânicas. Por fim, realizamos a primeira edição da Feira Orgânica Empodera Quilombo, atividade que marca a etapa seguinte do projeto2 onde

pretendemos focar na comercialização e geração de renda.

2A segunda etapa do Cultiva Marias foi aprovada no edital nº 002/2019 Respeita as Minas 2020 da Secretaria

Estadual de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia – SMP. Contudo, o repasse do recurso foi adiado para 2021, devido à situação sanitária que vivenciamos.

(4)

O fato é que a realização de Rodas de Conversas e formação sobre gênero e autonomia feminina cooperaram grandiosamente para o fortalecimento da autonomia feminina e sensibilização sobre a importância da horta e da reutilização da água. A respeito das formações do módulo teórico e prático em hortaliças, contribuíram para a formação do manejo e desenvolvendo técnicas empreendedora de cultivo, organização, sustentabilidade e comercialização.

Após análise das fichas de inscrição, temos o seguinte perfil de público beneficiário atingido: vinte mulheres quilombolas em sua totalidade negras, todas se autodeclararam católicas, residentes na comunidade de Candeal, com renda de até um salário mínimo e idade entre 34 e 68 anos. Chamou nossa atenção neste perfil, o fato de não termos mulheres jovens, o que é sintomático da dinâmica econômica local em que os jovens cada vez mais buscam fontes de renda na zona urbana, distanciando-se do cultivo da terra que é visto como negativo. Por fim, destacamos a fala de uma de nossas Marias: “O Cultiva Marias pra mim foi tudo de bom na minha vida porque hoje eu tenho minha hortinha, tenho minhas coisa saudáve, eu vendo, hoje já pago alguma coisa com o dinheiro de minhas folhas. Então pra mim foi muito gratificante e que venha outros Cultiva Marias por aí”.

Com isso respondemos aos nossos questionamentos iniciais da seguinte forma: o cultivo de hortaliças orgânicas foi de fato implementado na comunidade, assim como a cultura de reutilização de água; sim, podemos falar de empoderamento feminino por meio da autonomia financeira, pois as Marias já estão obtendo renda extra e muitas delas já se colocam como protagonistas nos espaços da comunidade.

Formação Módulo Teórico

I Feira Orgânica Empodera Quilombo

(5)

Considerações

Seguindo a dinâmica das Rodas de Conversas, realizamos a avaliação do Cultiva Marias. Em mais este momento de troca, de escuta e aprendizado mutuo, nossas Marias destacaram a importância da aquisição de materiais para a horta e, principalmente, para o aproveitamento de água cinza que possibilitou a produção de hortaliças orgânicas, mesmo com a falta de água constante na comunidade. Desta forma, houve uma melhora na alimentação das famílias e uma valorização das mulheres donas de casas.

As falas também evidenciam a recuperação do amor que muitas já haviam perdido em manejar a terra, tanto que outras famílias que não integram o público beneficiário do projeto, também começaram a cultivar hortaliças. Por fim, podemos notar uma postura diferente das mulheres, que agora se veem como protagonistas de suas histórias.

Conforme os relatos dessas mulheres, o projeto impactou diretamente em suas vidas. Percebemos isso a partir das formações onde elas começaram a falar mais, ter consciência dos seus direitos e passaram ajudar umas às outras. Além disso, se organizaram enquanto grupo, estruturam ideias de comercialização como meio de dar continuidade ao projeto o que culminou na realização da primeira feira orgânica da comunidade. É notório também como a participação feminina em outros espaços aumentou, no sentido de terem voz e fazer uso dela.

Referências

ALVES, Sandra Cristina Santos; AMÂNCIO, Ionara da Nóbrega. A inclusão produtiva de mulheres e suas percepções sobre seu papel na sociedade contemporânea. IN: Anais do II

Colóquio Nacional - A Produção do Conhecimento em Educação Profissional. Natal: IFRN,

2013.

BRASIL. POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Disponível em: http://www.sedest.df.gov.br/sites/300/382/00000877.pdf.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa-ação: princípios e métodos. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003.

Referências

Documentos relacionados

O estudo da pressão arterial sistólica, média, diastólica e da frequência cardíaca pelo método indireto oscilométrico (PetMap®), realizado em 150 cães investigou

Com referência aos totais de nematoides de vida livre, ou seja, aqueles que não se alimentam de plantas, os dados obtidos nas terceira e quarta amostragens estão apresentados na

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

Ainda, como recorte geográfico, a pesquisa buscou as produções audiovisuais que possuem a cidade de Palmas- TO, como meio para contar as histórias dos agentes sociais que

a) Se o Beneficiário do projecto, à data de apresentação da candidatura, ainda não se encontra legalmente constituído para a actividade objecto do apoio, deverá apresentar

Apesar da pressão do SINPEEM e dos demais sindicatos que representam os profissionais de educação contra o calendário da SME, tendo em vista que a curva de contaminação pelo

BLOQUE 4: CONTRA LA IMPOSICIÓN SOCIAL DE LA CONDUCTA MORAL Contra la intervención social en la conducta estrictamente personal Argumentos fundamentales no hay criterios sociales

Valores médios ± DP das variáveis aeróbias e da força isométrica máxima antes e após 4 semanas de treinamento intervalado para os grupos alta intensidade