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18-A-Filosofia-e-um-pouco-de-sua-historia

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(1)

FRANKLIN MOREIRA VILLELA

A FILOSOFIA

E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

APONTAMENTOS ELABORADOS

PARA APOIAR O ACOMPANHAMENTO

DA DISCIPLINA FILOSOFIA NOS CURSOS DE

PEDAGOGIA, PSICOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL

NA UNIVERSIDADE GUARULHOS

(2)

Guarulhos - fevereiro de 2007

A postura, ao mesmo tempo atenta e confiante, da menina da fotografia, espelha adequadamente o viver humano. Aristóteles falava do maravilhar-se diante da realidade. A menina parece antes intrigar-se do que admirar-intrigar-se do mundo. Parece antes estar dizendo: Mundo, és para mim uma novidade, talvez mesmo uma grande novidade, mas de forma alguma algo que me aterroriza. És, quem sabe, um enigma que me desafia, mas, cuja solução algum dia encontrarei. Não sou como os tebanos do Mito de Édipo que, diante do questionamento da Esfinge, apavoravam-se e, inertes, nem apavoravam-sequer tentavam dar um apavoravam-sentido, atribuir um significado a todas as coisas com que se defrontavam. Mundo, para além do fato de estar em ti, busco ardentemente viver contigo, pois só assim, poderemos, juntos, realizar a missão que a vida nos deu!

A postura, ao mesmo tempo atenta e confiante, da menina da fotografia, espelha bem o viver de um ser humano imbuído de uma adequada e profunda atitude filosófica. O texto, que ora ponho à disposição de meus alunos (e de quem mais queira despender um pouco do seu precioso tempo, folheando-o), pretende ser uma pequena gota d’água a regar a decisão daqueles que buscam na reflexão os fundamentos de um sólido e prazeroso bem viver, pois o ser humano não é chamado para o medo, mas para a confiança e a alegria. Que cada um, de acordo com suas convicções, possa tirar proveito deste trabalho.

Aproveito este momento para externar uma palavra de agradecimento a todos aqueles que de algum modo colaboraram para que este trabalho pudesse tornar-se realidade. Cito antes de tudo, os

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meus numerosos e diletos alunos, que com suas dúvidas e desafiantes interrogações, me fizeram, com freqüência, rever algumas afirmações e interpretações imprecisas. Menciono também os meus filhos e “seus agregados”, que com suas dúvidas e questionamentos, levaram-me a, sempre de novo, buscar fundamentos mais firmes para minhas colocações. Menciono ainda, e com ênfase, minha dileta esposa Lourdes que, com suas ponderações pertinentes e com seu atento trabalho de revisão, tem me ajudado a acertar nas minhas propostas.

Antes de terminar estas palavras introdutórias, uma palavra esclarecedora sobre um item do trabalho: para facilitar a leitura do texto, as citações referentes aos autores da bibliografia básica serão feitas, em alguns casos, usando apenas as suas iniciais.

De resto, repetindo um pensamento já colocado acima, que cada um, de acordo com suas convicções, possa tirar proveito deste trabalho.

Guarulhos, carnaval de 2007

S U M Á R I O

1. A ORIGEM DA FILOSOFIA A PARTIR DAS POSTURAS DO SER HUMANO... o Introdução... ... o Submissão... ... o Magia... ... o Religião... ... o Filosofia... ... o Divisão da Filosofia... ... o Para sua reflexão... ...

2. ORIGEM DA FILOSOFIA NO MUNDO OCIDENTAL E PRIMEIRAS TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO DA REALIDADE... o A origem da Filosofia na Grécia... ... o O pensamento 0 3 0 3 0 3 0 3 0 4 0 5 0 8 0 9 1 1 1 1 1 1 1 5 1

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socrático... ... o Os sofistas... ... o Para sua reflexão... ...

3. A REALIDADE NA VISÃO DOS PENSADORES SOCRÁTICOS E PÓS-SOCRÁTICOS... o Sócrates... ... o Platão... ... o Aristóteles... ... o O pensamento pós-socrático... ... o Para sua reflexão... ... 4. A FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA ... ... o Características gerais... ... o Períodos históricos... ... o A Escolástica... ... o A Questão dos Universais... ... o Para sua reflexão... ...

5. O PENSAMENTO MODERNO - VISÃO

GERAL... o Para sua

reflexão... ...

6. O PENSAMENTO MODERNO – PRINCIPAIS LINHAS DE PENSAMENTOS E SEUS ELABORADORES... o RACIONALISMO... ... o Para sua reflexão... ... o EMPIRISMO... ...,, o Para sua reflexão... ... o APRIORISMO KANTIANO... ... o Para sua reflexão... ... o DIALÉTICA MODERNA... 5 1 6 1 6 1 7 2 0 2 2 2 4 2 6 2 6 2 7 2 9 2 9 3 0 3 2 3 3 3 4 3 4 3 9 4 1 4 4 4 5 4 6 4 7 5 0 5 1 5 2 5 3

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...

o Dialética Moderna idealista e materialista – gráfico comparativo... o EXISTENCIALISMO... ... o Para sua reflexão... ... BIBLIOGRAFIA... ...

1. A ORIGEM DA FILOSOFIA A PARTIR DAS POSTURAS DO SER HUMANO

INTRODUÇÃO: O ser humano perante a realidade pode ter duas atitudes: espontânea uma, sistematizada a outra. A primeira é a mais comum e existe desde quando o animal começou a apresentar atitudes muito simples de questionamento e inovação, isto é, desde que o homem é homem. É uma atitude superficial, que aceita a realidade como ela se apresenta aos sentidos, sem questioná-la e sem se preocupar em dar-lhe um sentido mais amplo. É, no entanto, a partir dela que surgiram os pensamentos cada vez mais trabalhados e que, posteriormente, redundaram na filosofia sistematizada. Aquela primeira atitude é um pensar assistemático sobre a realidade que a aceita simplesmente como ela é. É uma atitude própria do chamado senso comum.

A atitude sistematizada não é tão generalizada e surgiu muito mais tarde na história dos humanos. É resultado da evolução do conhecimento e se fundamenta em uma reflexão questionadora, que não só lhe permite, mas a induz continuamente a um aprofundamento cada vez maior. Esta atitude não aceita como completo e definitivo o primeiro significado apreendido imediatamente. Quer ir mais longe, penetrar no ainda desconhecido. No mundo ocidental, esta postura claramente sistematizada parece ter surgido na Grécia, a partir de um culto religioso, o Orfismo. Posteriormente, com Pitágoras recebeu a denominação de FILOSOFIA, pois o seu praticante era chamado

PHILOSOPHUS (= AMIGO DA SABEDORIA).

É notório que o caminho da atitude espontânea pata a filosofia foi longo e demorado. A humanidade passou por várias etapas ou fases até chegar lá. E de certo modo, pelo menos no que se refere aos diversos grupos humanos, ainda continua a caminhada. E, seguramente, cada indivíduo de algum modo repete, na sua curta existência, o mesmo trajeto da humanidade, passando pela pura submissão, tentando uma saída com a magia, buscando soluções com

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a religião, questionando tudo com a filosofia. Se não o faz, pelo menos é convidado a fazê-lo, ainda mais que todas essas atitudes, com exceção da submissão, são em certa medida libertadoras.

A SUBMISSÃO - O ser humano, inicialmente, se comportou como qualquer elemento da natureza. Submeteu-se aos seus caprichos, aceitando todos os seus condicionamentos: morou em cavernas e se alimentou com o que o ambiente natural lhe oferecia. Sofreu suportando todos os limites impostos pela natureza circundante como a chuva, o frio, o calor, as tempestades e similares. O animal humano era um dos muitos elementos que compunham a totalidade do ser, apenas um elemento a mais.

A MAGIA - Representa uma primeira tentativa, um primeiro esforço do ser humano no sentido de superar os limites impostos pelo ambiente. É um gesto corajoso de quem não se contenta em ser apenas mais um elemento dentro do conjunto da natureza.

Quanto à sua conceituação, magia é vista de diferentes modos, não necessariamente contraditórios. Destacam-se aqui duas definições:

Magia é o emprego de pretensos poderes não naturais, ou sobre-humanos, por um ser

humano.

Magia é a atitude do ser humano, perante realidades limitadoras, com a qual ele busca superar os limites com meios inadequados.

A magia é, portanto, uma tentativa de vencer as adversidades, o medo, as limitações. Para isso lança mãos de meios que lhe possibilitem a realização de seu propósito. Esses meios são objetos, palavras e gestos a que são atribuídos poderes extraordinários e que constituem o elemento fundamental da magia. Além deles, há ainda outro elemento muito importante para o sucesso da magia: o celebrante, que nas magias primitivas é o feiticeiro.

A magia se apresenta em várias formas, primitivas umas, outras, mais complexas, com características paracientíficas. A magia primitiva é aquela que utiliza meios mágicos muito simples, quase sempre retirados da natureza: o trevo de quatro folhas, o ramo de arruda, a ferradura. É próprio das populações tecnicamente menos desenvolvidas. A magia paracientífica é aquela que usa meios mais sofisticados, mais complexos, apelando para capacidades interpretativas especializadas. É própria de grupos humanos tecnicamente mais desenvolvidos. Incluem-se nesta forma de magia a astrologia, a cartomancia e similares.

Muito embora existam muitos tipos de magia, podem ser agrupadas em dois grupos básicos:

Magia imitativa: é aquela que se fundamenta no princípio de que o semelhante atrai o semelhante. Consiste em realizar ou imitar aquilo que se deseja que aconteça. Exemplo: vudu.

Magia simpática: é aquela que se baseia na crença de que o contato com o objeto mágico faz com que a pessoa seja

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influenciada pelo poder mágico daquele objeto. Exemplo: figas, ferraduras.

Concluindo, é importante frisar que a magia representou, e ainda representa, um papel

importante na evolução humana: foi sinal de não-conformismo,

certamente o primeiro gesto de reação do ser humano diante das forças limitadoras na natureza. Com a magia o animal humano enfrentou e buscou superar aquilo que se apresentava como o seu limite.

A RELIGIÃO - Preliminarmente, pode-se dizer que religião é conseqüência da insatisfação do animal humano com o resultado do seu esforço no sentido de vencer as forças limitadoras com que se deparava. A magia não o libertou de fato das adversidades. Era, pois, necessário buscar outra solução, ainda que esse gesto significasse um retorno.

A origem mesma da palavra religião parece indicar essa postura de retorno. A maioria dos autores sugere que, etimologicamente, o termo religião significa refazer uma ligação rompida1. De acordo com a versão judaico-cristã mais comum, o homem, originariamente estava ligado direta e naturalmente a seu Criador. Um ato de rebeldia do ser humano (o pecado original) teria rompido essa ligação levando o ser humano a sentir-se fraco, pequeno, impotente diante de uma natureza imperfeita, aterrorizadora e limitadora. A função da religião seria refazer os laços rompidos com o ser infinito, para que este lhe outorgasse luz e força A luz da sabedoria para que pudesse conhecer a realidade circundante e para que conseguisse saber como lidar com esta realidade, freqüentemente adversa. A força, para não desanimar diante da imensidão da tarefa de enfrentar e dominar a natureza que se apresentava como inimiga.

Nessa linha de pensamento, religião pode ser vista sob os prismas subjetivo e objetivo:

Subjetivamente, religião significa um sentimento de vinculação e obrigação para com um ser superior. Este sentimento inclui três elementos:

1. o reconhecimento da existência de um poder, ou de poderes, que transcendem o ser humano;

2. o reconhecimento, por parte dos humanos, da dependência com relação àquele poder ou àqueles poderes;

3. o reconhecimento da possibilidade dos seres humanos de entrarem em contato com aquele poder (com aqueles poderes).

Objetivamente, religião é o conjunto de atos apropriados (o culto com seu ritual) com o que o ser humano busca entrar em contato com o poder superior. Esses atos rituais têm um caráter claramente propiciatório: pretendem tornar a divindade favorável e atenta às necessidades do homem religioso.

1 A versão mais comum diz que a palavra religião vem do termo latino religare (religar), embora existam autores que preferem outras origens: reeligere (reeleger) e relegere (reler).

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A FILOSOFIA – Como se pode observar, as fronteiras que separam a pura submissão da magia e esta da religião são muito tênues. Além do que, estas três posturas humanas, freqüentemente, se apresentam, na vivência prática, misturadas, confundidas. O mesmo acontece quando se busca falar da filosofia. Há elementos filosóficos presentes na magia e muito mais no desenvolvimento das posturas religiosas, o que se nota particularmente no estudo da origem da filosofia2 na Grécia, berço do pensamento ocidental sistematizado.

Tendo como pano de fundo o fato de que sempre existiu (e ainda existe!) uma interferência entre as quatro posturas fundamentais do ser humano perante a realidade, cumpre observar que a filosofia dos gregos não se deixou amarrar por sua raiz religiosa. Nas palavras de Thomas R. Giles, o ideal original da filosofia grega era um

conhecimento sistemático de toda a realidade. (...) Isto não quer negar o fato elementar de que a filosofia (...) seja tão antiga como o próprio homem e concorda com o sentido da própria palavra homem3,

mas, sim, que por meio dos gregos é que essa reflexão assumiu forma determinada (Giles, 36-37). Foi através dos gregos, no mundo

ocidental, que a visão de mundo, baseada fundamentalmente numa variedade de sensações aceitas sem crítica, foi sendo gradativamente substituída por uma visão cada vez mais organizada, sempre mais impregnada de conceitos elaborados pela mente.

Em qualquer hipótese – seja no mundo ocidental, seja em qualquer outra parte do mundo – o aparecimento da atitude filosófica é resultado do processo de desenvolvimento humano. Para compreender essa nova atitude, a primeira pergunta que se coloca é: Em que consiste essa nova postura? O que é a filosofia?

Esta questão pode ter uma variedade de respostas. Vou apresentar três noções que possam ajudar na compreensão desta palavra, para muitas pessoas, muito misteriosa. Uma de cunho clássico, outra mais popular, fundada mais no senso comum e a terceira apresentando uma conceituação exata, mas numa linguagem próxima do modo de falar dos humanos de hoje.

O pensamento clássico, seguindo os passos classificatórios de Aristóteles, afirma: A filosofia é o conhecimento pelas últimas causas.

Popularmente, poder-se-ia dizer que a filosofia é um modo de lidar

com toda a realidade que cerca o ser humano. Neste caso, filosofia

inclui não só o hábito muito humano de refletir sobre as coisas e sobre os acontecimentos, como aquilo que é chamado de filosofia de vida.

Uma definição exata em termos modernos, bastante atuais, é apresentada pelo educador brasileiro Saviani: Filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas da realidade. Embora esta última definição seja expressa com palavras e conceitos muito utilizados na fala cotidiana, é bom mostrar a riqueza e a profundidade com que estão impregnadas.

2 Ver mais adiante, na segunda parte, uma versão sobre a origem da filosofia entre os gregos. 3 Homem, na sua raiz sânscrita, significa aquele que avalia.

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→ Reflexão: É um termo derivado de refletir, do latim reflectere, que, em última análise significa dobrar para trás. Assim, reflexão é mais do que pensamento. É o pensamento sobre o pensamento. Como diz Saviani, se toda reflexão é pensamento, nem todo pensamento é

reflexão (...) Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado

(SAVIANI, Educação: do senso comum à consciência filosófica, 23). Reflexão é, pois, ter um pensamento e trabalhar sobre ele e com ele. → Radical: Literalmente significa aquilo que atinge a raiz. Este termo indica a característica fundamental da Filosofia. De um lado exclui como incompletas as interpretações superficiais e medíocres da realidade, pois pretende alcançar o melhor conhecimento possível do real. De outro lado mostra que a filosofia não é intransigente, inflexível, pois levará sempre o estudioso à convicção de que o seu saber, por maior e mais profundo que seja, não é o último, muito menos o definitivo. É o melhor, o maior e o mais profundo que ele pode alcançar naquele momento.

→ Rigorosa: A reflexão filosófica, por ser radical, exige ser efetivada com rigor, isto é, que tenha um método, um caminho a seguir e um objetivo a ser alcançado. Nas palavras de Saviani: Deve-se proceder

com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar (Saviani, op. cit.,

24).

→ De conjunto: A reflexão filosófica jamais atinge qualquer realidade (qualquer objeto da realidade) de modo parcial, mas sempre numa perspectiva de conjunto, sempre dentro da totalidade em que se acha inserido. Assim como o pé não pode ser entendido sem relacioná-lo ao corpo, do qual é a base, qualquer outro objeto ou fato não poderá ser adequadamente compreendido fora do seu contexto, isoladamente. → Problema: A reflexão filosófica tem como objeto o problema, pois a vida e toda a realidade se apresenta ao ser humano como um problema4. Daí ser imprescindível esclarecer o significado desse termo, para que se possa alcançar o significado exato de filosofia. Saviani introduz a discussão sobre esse conceito assim: Mas o que se entende

por problema? Tão habituados estamos ao uso dessa palavra que receio já tenhamos perdido de vista o seu significado.(Saviani, op. cit., 18). Em

seguida divide suas considerações em duas partes. Na primeira considera, para descartá-los como incompletos e insuficientes, Os Usos

correntes da Palavra Problema e, na segunda, em que busca precisar o

seu significado, disserta sobre A necessidade de se recuperar a

problematicidade do Problema. (Saviani, op. cit., 18-23)

► Usos correntes da palavra Problema: Saviani apresenta um número razoável de significados atibuídos pela linguagem corrente à palavra problema que, embora se refiram a situações ligadas ao problema ou que sejam portadoras de elementos presentes no problema, não são em si suficientes para caracterizar com exatidão o problema. Assim, ele 4 Ao contrário da ciência, a filosofia não tem objeto determinado, ela dirige-se a

qualquer aspecto da realidade ... Seu campo de ação é o problema enquanto não se

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menciona a questão, que não é um problema, pois, muito freqüentemente a questão é uma pergunta cuja resposta já é conhecida. Também o saber não caracteriza o problema. Este significado, não-saber, inclui o simples desconhecimento de algo específico e também o desconhecimento absoluto, isto é, a impossibilidade de conhecer algo. Quanto ao primeiro, há tanta coisa que os humanos não sabem – e que não incomodam a sua vida – que não se pode ver nessa ignorância um problema. No segundo caso, estamos diante do enigma, do mistério. Ora, o mistério inclui antes a solução do problema, pois freqüentemente conduz à fé, à confiança no incognoscível, o que lhe traz tranqüilidade e segurança. Outros termos usados para expressar o significado de problema são obstáculo, dificuldade e dúvida. Obstáculo, muitas vezes, é antes uma solução que um problema. Uma lombada ou um semáforo, no trânsito, por exemplo. Dificuldade, embora esteja presente nas explicações dos dicionários para o termo problema, não o esclarece suficientemente, pois nem todo trabalho demorado ou penoso é necessariamente problemático. A dúvida, também não esgota o significado de problema porque ela indica apenas uma dupla possibilidade presente, por exemplo, na frase duvido que você chegue

antes de mim. Neste caso, como no referido à palavra questão, há

muitas situações duvidosas que não afetam propriamente a vida das pessoas.

► Necessidade de se recuperar a problematicidade do Problema: Visto que nenhum dos termos apresentados consegue expressar adequada e cabalmente o significado daquilo que os humanos querem dizer com a palavra problema, Saviani sugere o termo necessidade e conclui: a essência do problema é a necessidade (op. cit., 21). E, de fato, é preciso enfatizar, uma necessidade sempre incomoda o ser humano e, por isso, sempre pede uma solução ou exige uma superação. Assim,

uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida; mas

uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer, eis aí um problema (idem, ibidem)5. Portanto, problema é uma

necessidade a ser resolvida ou superada. Ora, a necessidade não é um dado evidente. Há situações em que a consciência da necessidade é apreendida imediatamente. Há casos em que ela precisa ser despertada para se tornar um verdadeiro problema. Assim, duas famílias poderão ter duas atitudes diferentes diante de um mesmo fenômeno: uma pode ver uma enchente como um fato da natureza, que cumpre aceitar – é o

destino; é vontade de Deus! Para esta família, a enchente em si não é

um problema. É um fato desagradável contra o qual ela nada pode fazer. A outra vê a enchente como um impedimento para uma vida mais tranqüila e segura, um fato que é um verdadeiro desafio: como

5 A este propósito, Saviani dá o seguinte exemplo: Suponhamos que as 7100 ilhas do

arquipélago das Filipinas tenham, cada uma, um nome determinado. Suponhamos, ainda, que um professor de Geografia exija de seus alunos conhecimento de todos esses nomes. Os alunos estarão, então, diante de um problema: como conseguir a aprovação em face dessa exigência? Uma vez que não necessitam saber o nome das ilhas (isso não é um problema), mas precisam ser aprovados, partirão em busca de artífícios (“pseudo-soluções”), que lhes garantam a aprovação (Saviani, op. cit., 22)

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encontrar meios de evitá-la? A enchente é um problema. Esta segunda família já tem consciência das limitações, mas também da força e capacidade humanas. Tem consciência de que está diante de um problema, isto é, está diante de um fato que a incomoda, que é uma necessidade pois está a exigir o uso de suas forças físicas e intelectuais para não permanecer dependente dos caprichos da natureza! A outra família precisa ser despertada para a consciência de que a enchente é um fenômeno superável.

Do mesmo modo, ser analfabeto pode ser um problema ou não. Para aquela pessoa contente com sua vidinha medíocre de sobrevivência, ler não lhe acrescentaria nada. Para outra, que quer saber, por exemplo, o que está escrito em um livro sagrado (na Bíblia), que quer ter a satisfação de ela mesma sentir, sem intermediários, a mensagem que ali é transmitida, para essa pessoa ser analfabeta é um problema , pois há aí uma necessidade a ser superada.

Saviani conclui suas reflexões, afirmando: O conceito de problema

implica tanto a conscientização de uma situação de necessidade, como uma situação conscientizadora da necessidade (Saviani, op.cit., 22).

DIVISÃO DA FILOSOFIA - A filosofia é, pois, uma reflexão radical, é uma postura essencialmente questionadora do ser humano que busca conhecer toda a realidade que o cerca. Atinge, por isso todas as esferas do viver humano, o que se percebe na apresentação das várias partes que compõem o conjunto das posturas do ser humano perante o real. Isto aparece também na visão esquemática da filosofia:

Filosofia da Natureza Cosmologia Psicologia FILOSOFIA ESPECULATIVA Filosofia Metafísica Crítica do Conhecimento Ontologia Teodicéia FILOSOFIA

Filosofia sobre o agir humano → Ética FILOSOFIA PRÁTICA

Filosofia sobre o fazer humano → Estética

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1. A RAZÃO DA RELIGIÃO - Por que precisamos do sagrado ontem, hoje, sempre ...

A fé transcende a razão, mas se temos tanta necessidade do sagrado é porque ele restaura a nossa vitalidade. As religiões são modos de vivenciar a espiritualidade, mas esta é maior do que os dogmas e não tem forma fixa, apresentando-se como um fluxo contínuo de amor e criatividade

(DEBORAH DE PAULA SOUZA in Revista CLÁUDIA, junho 2005, p. 152)

2. SEXO E RELIGIÃO

Sexo e religião, todo mundo sabe, são duas das coisas mais importantes da vida das pessoas e os dois lados de um dos conflitos mais antigos da humanidade. Volta e meia, a discussão sobre a relação entre eles ganha força, quando novos acontecimentos os colocam frente a frente. (...) Na verdade, esse é um dos segredos do poder da Igreja, como explica a teóloga Yuri Puello Orozco, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, que luta para modernizar o catolicismo. Se você controla a sexualidade, você está

controlando a vida das pessoas, diz ela. As religiões sempre fizeram isso para se estabelecer como força poderosa na sociedade. Nos últimos

tempos, elas proíbem muita coisa, mas na prática pode quase tudo, já que a sociedade se organizou e criou regras que extrapolam os portais dos templos.

Ana Cristina Campos e Demetrius Paparounis in Revista TUDO, p. 24 e 260

3. FILOSOFIA – SABEDORIA – TÉCNICA

A filosofia não é um saber porque o saber começa com uma postura contemplativa e freqüentemente leva o ser humano a permanecer contemplativo. Essa postura, é verdade, já indica uma certa supremacia do ser humano que tem a posse do saber. Quer dizer, além de contemplativo, o saber se caracteriza por uma certa dominação: o ser humano sabe como as coisas são e, por isso, pode assumir determinadas atitudes perante elas. Note-se que foi dito uma certa dominação, pois pela sabedoria o ser humano sabe o que é a realidade. Nesse sentido tem uma ascendência sobre aquele objeto. Pode falar dele e pode lidar com ele: aproximar-se dele, evitá-lo ou afastá-lo. Saber o que é um objeto não significa, porém, usá-lo, nem modificá-lo. Saber o que é um objeto significa contemplá-lo, extasiar-se diante dele e, no máximo, poder dizer como ele é. Assim, a sabedoria em si consiste numa aceitação resignada de todas as coisas como elas são, o que resulta numa submissão ao mundo.

A filosofia não se contenta em saber, em ter a sabedoria. Ela reflete sobre o saber e o seu alcance. Neste sentido, a noção etimológica – amigo da sabedoria – é bastante expressiva do significado da filosofia, pois amigo é aquele que ajuda. A filosofia pergunta que proveito podemos tirar da sabedoria; como a sabedoria pode servir ao ser humano.

Isto pode nos levar a pensar que a filosofia é uma espécie de técnica. Diferentemente da sabedoria, a técnica não se contenta em ter uma atitude contemplativa perante a realidade. Com a técnica o ser humano busca dominar o mundo exterior e colocá-lo a seu serviço. A técnica ensina-nos

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a nos servirmos das coisas – diz um pensador francês (Laberthoniére). Com a técnica o ser humano age no mundo e modifica esse mundo. Mas, a técnica chega só até aí. A técnica só fornece meios de ação ao homem. Ela

emudece quanto aos fins que devem guiar a nossa conduta (Huisman e

Vergez).

É aqui que surge, de modo mais evidente, a validade da filosofia: fazer com que o ser humano use a técnica a seu favor. Ela, a filosofia, faz com que o ser humano esteja livre perante toda a realidade, usando tudo, inclusive a técnica, na perspectiva de um objetivo válido a ser alcançado.

Resumindo: O ser humano com a sabedoria conhece as coisas e com a técnica pode colocá-las a seu serviço. Mas é com a filosofia, isto é, com uma reflexão contínua que ele, se aproximando da sabedoria, fertiliza-a e, assim, faz surgir a técnica. E é a filosofia que permite ao ser humano usar a técnica sem se escravizar.

( Franklin Moreira Villela – Guarulhos, 1989/2006)

4. A MARAVILHA COMO INÍCIO DO FILOSOFAR

A maravilha sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreenderam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante. Por isso, pode-se dizer que sob certo aspecto o filósofo é amante do mito: uma vez que o mito se compõe de maravilhas!

ARISTÓTELES, Metafísica, 1.1.

5. O FANÁTICO E O FILÓSOFO

No caso do fanático, a busca da verdade degradou-se na ilusão da posse de uma certeza. Ele se acredita o proprietário de uma certeza, ao passo que o filósofo esforça-se por ser peregrino da verdade. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a mim que a ti, mas que ela está diante de nós. Assim a consciência filosófica não é uma consciência feliz, satisfeita com a posse de um saber absoluto, nem uma consciência infeliz, presa das torturas de um ceticismo irremediável. Ela é uma consciência inquieta, insatisfeita com o que possui, sempre à procura de uma verdade para a qual se sente talhada.

HUISMAN, D. e VERGEZ, A. – A Ação. Freitas Bastos, 1966, p. 24

6. NECESSIDADE E PODER DA FILOSOFIA

Para o bem e para o mal, o homem tem esse poder de

visualização que lança sobre ele um fardo que as criaturas

puramente alertas e realísticas não carregam – o fardo do

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entendimento. Ele (o ser humano) vive não apenas em um

lugar, mas no Espaço; não apenas em uma época, mas na

História. Portanto, precisa conceber um mundo e uma lei do

mundo, um padrão de vida e um modo de ir ao encontro da

morte. Ele conhece todas essas coisas, e é obrigado a

efetuar certa adaptação à realidade delas.

Ora, o ser humano pode adaptar-se de algum modo a tudo

o que sua imaginação pode medir; mas não pode lidar com

o Caos. Por que sua função característica e seu mais alto

trunfo é a conceituação, seu maior pavor é defrontar-se

com aquilo que não pode interpretar – o esquisito, como é

chamado popularmente.

Suzanne LANGER – Filosofia em Nova chave, 283

2. ORIGEM DA FILOSOFIA NO MUNDO OCIDENTAL E PRIMEIRAS TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO DA REALIDADE A ORIGEM DA FILOSOFIA

Hirschberger, acompanhando muitos outros historiadores, vê na origem da filosofia grega elementos religiosos. Assim como a magia, também a religião tem sido antes de mais nada uma atitude do ser humano que quer, de alguma maneira, responder aos desafios da realidade dentro da qual vive, isto é, dentro da qual e com a qual ele é chamado a expandir-se. Assim, também ele aponta os cultos religiosos da época, notadamente o Orfismo, como o terreno em que medrou e se desenvolveu uma postura nova: a postura filosófica.

O grande mérito da filosofia grega está em não se deixar prender por sua raiz religiosa. O seu ideal, segundo Thomas R. Giles,

o ideal original da filosofia grega era (alcançar) um conhecimento sistemático de toda a realidade (Giles, 36). Quer dizer: com os

gregos, pelo menos no mundo ocidental, o conhecimento das coisas passou a se realizar de um modo novo, foi sistematizado. Isto não

quer negar o fato elementar de que a filosofia (no sentido amplo do

termo) seja tão antiga como o próprio homem e coincida com o

sentido da própria palavra homem ( = aquele que avalia), mas sim, que por meio dos gregos é que essa reflexão assumiu forma determinada (Giles, 37). Foi inicialmente através dos pensadores

gregos que a aceitação, muito passiva das sensações e das imagens, foi sendo gradativamente substituída por uma análise reflexiva e apresentada em um contexto ordenado e harmonioso. È nessa linha

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de pensamento que muitos autores, acompanhando Hirschberger, vêem no Orfismo o campo propício para o surgimento da filosofia, isto é, da sistematização do pensamento, da organização das posturas do ser humano perante a realidade que o cercava.

O Orfismo era um culto religioso que, como muitos outros visava a salvação do ser humano. A salvação, segundo os orfistas, se processava – ou pelo menos podia se realizar – por dois caminhos: um, o caminho normal e comum a todos os homens, era a transmigração6; o outro, especial e particular a cada ser humano, era o culto purificatório7. Neste último caso se incluía o culto a Dionísio, o Deus do vinho. Este culto a Dionísio8 transformava-se em verdadeira orgia, estágio necessário, segundo muitas religiões arcaicas, para representar o retorno aos tempos primordiais, ao tempo do caos primitivo, Só assim a divindade seria instada a intervir e restaurar a pureza dos primeiros tempos em que o mundo era santo porque obra direta das mãos dos deuses. Alguns participantes, porém, sentiram após o culto um vazio muito grande o que os levou a questionamentos: O que é o ser? O ser é algo permanente, imutável? E a mudança, como explicá-la? Há algo de sólido e constante, algo que permanece naquelas coisas que pelo menos aparentemente mudam? As respostas a essas perguntas marcam o início da Filosofia sistematizada no mundo ocidental.

Dentro dessa perspectiva de um conhecimento cada vez mais reflexivo da realidade, a filosofia entre os greco-romanos pode ser dividida em três grandes períodos:

1. Período Pré-socrático: a filosofia busca entender e explicar o mundo físico.

2. Período Socrático: a filosofia passa a preocupar-se intensivamente com o ser humano

3. Período Pós-socrático: o agir humano, isto é, a vida moral torna-se o centro da reflexão filosófica.

O PENSAMENTO PRÉ-SOCRÁTICO

Inicialmente, a filosofia entre os gregos foi uma filosofia da natureza. Dando um passo à frente nas atitudes e explicações religiosas, os gregos desse período procuraram entender o seu mundo - e a si mesmo - a partir da realidade física com que lidavam. Buscaram um elemento simples, estável e unificador que estivesse na base da realidade complexa que se lhes apresentava como em constante mutação, que lhes aparecia como continuamente mutável. Era o período dos chamados pré-socráticos. Os principais pensadores dessa época foram: Tales de Mileto, Anaximandro,

6 Transmigração é diferente de reencarnação: transmigração é a passagem múltipla por diversos tipos de vida (animal, vegetal, racional) até a purificação total; a reencarnação é a passagem múltipla sempre pelo mesmo tipo de vida (racional).

7 Os cultos purificatórios eram cultos que visavam a uma purificação mais rápida do ser humano para possibilitar-lhe a salvação, pois só o ser humano totalmente puro poderia estar junto à santidade absoluta, junto à divindade.

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Anaxímenes, Pitágoras, Parmênides, Heráclito, Empédocles e Demócrito.

TALES DE MILETO: Natural de Mileto, na Ásia Menor9, Tales teria vivido por volta do ano 600 a.C. Matemático e astrônomo, interessou-se também pela política. Tentou organizar uma

confederação jônica contra os Persas (Corbisier, Introdução à

Filosofia, tomo 2, 46). Nada do que ele teria escrito foi preservado, com exceção de um fragmento, cuja autenticidade é contestada. Embora não tenha tido muita importância no campo da ciência,

é decisiva sua contribuição à filosofia. Inaugurando uma nova perspectiva, ..., Tales procura a substância primeira, o elemento comum, a matéria-prima de que todas coisas são feitas, o elemento que permanece o mesmo nas mudanças e transformações. Esse elemento comum, essa substância de que

todos os seres são constituídos, ponto de partida da geração (das coisas) e termo final de sua corrupção, enquanto a substância persiste, na diversidade de suas determinações, como diz Aristóteles, era, para Tales, a água (Corbisier, op. cit. 46). Por que a água? A presença constante do

mar e das chuvas, como condição de vida, o ressecamento e a petrificação em que a morte consiste, levam a supor que tudo provém da água e das transformações da água, retornando depois a esse elemento comum e originário. (Corbisier, op. cit.

47). A água, sendo o princípio de tudo, é que explica tanto a mudança como a permanência. Tales inaugura, assim, uma nova maneira de pensar: o ser humano tenta explicar as coisas a partir delas mesmas.

ANAXIMANDRO: Também natural de Mileto, conjetura-se que, por volta do ano de 565 a.C., teria publicado o livro Da Natureza. Dele também, só restou um fragmento. Concordou com a proposta de Tales quanto à existência de um elemento unificador do ser que se modifica. Sua explicação, porém, é outra. O elemento fundamental, o princípio único do qual provêm todas as coisas é o infinito, tó ápeiron (= o ilimitado, o indeterminado). Opondo-se a Tales, afirmava que esse princípio não poderia ser a água, nem tampouco, a terra ou o fogo, como queriam outros pensadores do seu tempo, pois esses elementos são particulares e determinados. A afirmação de um deles significaria a exclusão dos outros10. Por isso esse elemento fundamental só poderia ser um infinito

qualitativamente indeterminado. No curso de um eterno movimento, surgiram os mundos, em número incontável, e as coisas que os constituem estão em luta umas com as outras, o fogo com o ar, a terra com a água, ( ... ) A substância primeira não pode ser nenhum dos opostos, mas uma realidade anterior, que

9 A cidade de Mileto encontrava-se numa região que hoje faz parte da Turquia asiática.

10 Se a água, por exemplo, fosse a realidade fundamental, um dos termos da oposição, o frio e o úmido,

prevaleceriam, e o quente e o seco seriam banidos para sempre - transcreve a propósito desse assunto

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os contém, da qual emergem e à qual retornam ... (Corbisier, op.

cit. 48). Esta realidade é tó ápeiron, o indeterminado.

ANAXÍMENES: È de Mileto, como Tales e Anaximandro. Viveu, provavelmente, entre 588 e 524 a.C. Assim como os outros dois pensadores milesianos, admite a existência de um princípio que dá unidade e é permanente no ser em mudança. Concordando mais com Mileto do que com seu contemporâneo e amigo Anaximandro, afirma que este princípio ou elemento é o ar. Por

que o ar? Porque não tem forma, é menos corpóreo ou mais incorpóreo do que a água, não é visível, mas sensível apenas em seu movimento. Dispensa, assim, qualquer suporte, o que não acontece com a água, que é sustentada pela terra. Sua difusão, ou propagação, é ilimitada. O que lhe permite assegurar a respiração do mundo, que deve ser concebido como um ser vivo.

(Corbisier, op. cit., 50). As coisas, todas as coisas seriam, pois, formadas pelo ar através dos processos de rarefação e de condensação. Expelindo o ar pelos lábios comprimidos, o

resfriamos e, pela boca aberta, o condensamos. A condensação do ar produz o frio, a rarefação o calor (Corbisier, op. cit.,50).

PITÁGORAS (580-497 a.C): Nascido em Samos, uma ilha próxima ao continente asiático, teria sido discípulo de Ferécides de Siros, um adepto do orfismo que ensinava a imortalidade e a transmigração das almas. Lendariamente diz-se que o criador do termo filosofia11 viajou até à Caldéia, à Pérsia e mesmo à Índia. Certamente esteve no Egito. Fixou-se depois em Crotona na Magna Grécia12. Grande matemático13, e dotado de grande eloqüência teve considerável influência no domínio intelectual, político, moral e religioso.

Realizou uma modificação fundamental na religiosidade órfica, transformando o sentido da "via da salvação": no lugar do deus Dionísio colocou a matemática (SOUZA, J. Cavalcante de, Os

Pensadores, Pré-Socráticos, XVII). Nesse sentido, Pitágoras modifica o processo de libertação do ser humano. Na tradição órfica, a salvação era operada através de transmigrações sucessivas e de cultos purificatórios. Pitágoras propõe que a salvação resulte de um esforço subjetivo, de um trabalho puramente intelectual baseado na estrutura numérica das coisas, pois, para ele todas as coisas são números e só se explicam através de relações numéricas: Os números são o princípio e a

chave de todo o universo; assim como a natureza do som é função do comprimento da corda que vibra, as aparências do universo, infinitamente diversas, dissimulam relações numéricas que constituem o fundo das coisas (Huisman e Vergez, 25). Os

números não eram para ele e seus discípulos meros símbolos que teriam por função exprimir grandezas quantitativas. Eles são

11 Afirma-se que sendo Pitágoras um homem modesto não gostava de chamar-se sábio; preferia intitular-se

philos (= amigo) sophia (= sabedoria). A partir de então aqueles que se dedicaram a questionar o

significado das coisas passaram a chamar-se filósofos.

12 Magna Grécia era o nome dado à região que corresponde hoje à Itália Meridional.

13 Pitágoras é o criador do teorema segundo o qual o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos

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reais, são a própria "alma das coisas", são entidades corpóreas, constituídas pelas unidades contíguas. (...) as coisas manifestariam externamente a estrutura numérica que lhes é inerente. (SOUZA, op.cit., XVIII). (  ver Os Pré-Socráticos p.XVII

outras explicações)

PARMÊNIDES (530-460 a.C.): Principal pensador da Escola Eleática, Parmênides teria nascido na cidade de Eleia. De família rica e importante teria sido legislador na sua cidade natal. Escreveu um poema em que apresenta suas idéias filosóficas. Este poema contém um proêmio e duas partes.

 O proêmio é uma metáfora em que o poeta (o filósofo14) é conduzido pelas filhas do sol

que o levam a uma deusa que o instiga a buscar o conhecimento da Verdade e da Opinião.

As filhas do sol, portanto, o levam a um entrocamento: de um lado o caminho que conduz à

Verdade e do outro o caminho que chega à Opinião.

 Na primeira parte, a via da Verdade, estuda um dos caminhos que levam ao conhecimento. Centralizando seu pensamento na noção de unidade (o ser é um só,

único), procura mostrar que o verdadeiro ser não admite a multiplicidade e, menos

ainda, a mutabilidade: O que é, sendo o que é, terá de ser

único; além do o que é apenas

poderia existir, diferentemente dele, o que não é - o que seria absurdo, pois significaria

atribuir existência ao não-ser, impensável, indizível (SOUZA, op.

cit., XX). Este primeiro

caminho permite um acesso seguro ao conhecimento.

 Na segunda parte, a via da Opinião, estuda o outro caminho se chegar ao conhecimento. Fundamentado nos dados empíricos, isto é, nas informações fornecidas pelos sentidos, este caminho não possibilita o desvelamento da verdade. Permite apenas que se chegue ao nível inseguro da opinião.

Com base nessas colocações, pode-se concluir que para Parmênides o verdadeiro ser, aquele que se conhece pela via da Verdade, tem de ser eterno, imóvel, finito, imutável, pleno,

contínuo, homogêneo e indivisível (SOUZA, op. cit., XXI).

Resumidamente, para o grande pensador de Eléia o ser que de fato existe é uno, imóvel e eterno. Em outras palavras: não existe a mudança, a transformação. Aquilo que chamamos de mudança é apenas aparência: é superficial, pois atinge quando muito, apenas a superfície do ser, aquilo que é percebido pelos sentidos, que não constitui o verdadeiro ser.

 HERÁCLITO (540-470 a.C.) Natural de Éfeso, de origem aristocrática, teria renunciado à dignidade real em favor de seu

14 Neste poema aparece de modo muito claro uma semelhança muito grande entre o poeta e o filósofo: os dois buscando descobrir e expressar o significado das coisas.

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irmão. Teria recusado também um convite para participar do governo de sua cidade. Rompendo com a tradição, representada

pelos sete sábios, pelos pitagóricos e também pelos eleatas, que além de filósofos eram políticos e legisladores, Heráclito se afasta dos negócios públicos e mesmo dos interesses de sua pátria, vivendo na solidão e no isolamento, consagrado totalmente à filosofia (CORBISIER, 70-71). Seu pensamento, que alguns

apresentam como se fosse um livro intitulado Da natureza, de fato é constituído por uma série de frases isoladas, um conjunto de aforismos. Este fato faz de Heráclito um autor de difícil interpretação, o que lhe valeu o apelido de obscuro. Realmente, suas idéias contradiziam as afirmações mais comuns do seu tempo. Dois temas especialmente mostram a inovação do pensamento heraclitiano: a mudança e a contradição. Em vez de procurar um permanente que explicasse a mudança sem que se perdesse a unidade do ser, como o fez, por exemplo, Parmênides, Heráclito afirma a mudança. Nesse sentido, o mundo físico só é verdadeiro porque está em mudança. É nessa linha que afirma:

Nunca se toma banho duas vezes no mesmo rio. A mudança,

porém, só se explica pela contradição: Ao mudar o ser se

transforma no outro, no seu contrário. O outro, no qual o ser se transforma, já está implícito no próprio ser, que não seria o que é se não incluísse em si, em si mesmo, o seu contrário, no qual pode transformar-se (CORBISIER, 75)15. Conseqüência deste modo de pensar é a afirmação de que o conhecimento só é possível pela contraposição dos contrários: só se sabe o que é vida, se contraposta à morte, o dia à noite, a alegria à tristeza, a injustiça à justiça. De outro lado, o pensador de Éfeso, faz algumas afirmações que parecem contraditórias. Em um fragmento ele sustenta que o pensamento é comum a todos e que em estado de

vigília o mundo é o mesmo para todos e todos são capazes de se conhecerem a si mesmos e de pensar sensatamente. Em outro

afirma que um homem vale mais, a meus olhos, do que dez mil, se

for o melhor (Corbisier, 77). No primeiro caso aparece uma

afirmação clara de uma postura democrática. No segundo, sugere-se uma visão aristocrática da sociedade.

Resumindo, pode-se dizer que Heráclito propõe uma explicação muito inovadora da

realidade ao sustentar que o ser é essencialmente mudança e ao afirmar a contradição

como fundamento da mudança. É por isso que é chamado de pai da dialética.

EMPÉDOCLES (490-435 a.C.): Nascido em Agrigento, na Magna Grécia, foi um homem de convicções democráticas e de intensa participação na vida política de sua cidade. Seu pensamento aparece em dois poemas Sobre a Natureza e Purificações. No primeiro analisa as afirmações anteriores sobre o conhecimento, sobretudo a dos eleatas, e propõe uma nova concepção da

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verdade e a razão. Esta última deixa de ser uma deusa absoluta, capaz de apreender a totalidade do ser, que é, na visão de Parmênides uno e sem movimento16. A verdade não é, para Empédocles, absoluta. Depende da capacidade humana. A alethéia17 não é mais a revelação de uma verdade absoluta,

porém uma verdade proporcional à medida humana. Quer dizer:

a verdade não se alcança só com o raciocínio. A verdade é a

exigência de clareza racional, porém, aplicada aos dados fornecidos pelos sentidos (SOUZA, op. cit. XXV). Assim,

conciliando razão e sentidos, pode-se afirmar a verdade do universo. Este resulta de quatro raízes, a saber, a água, a terra, o ar e o fogo. Essas raízes são absolutamente iguais: Nenhuma

é mais importante, nenhuma mais primitiva, todas elas são eternas e imutáveis. Não há mudança substancial: as raízes permanecem idênticas a si mesmas. A diversidade das coisas advém de sua mistura em diferentes proporções (Souza, XXVI).

Empédocles também se defronta com o problema da explicação do movimento, da mudança. As raízes constituem o elemento permanente no ser. A mistura delas explica a mudança. Mas, por que as raízes se misturam? Elas se misturam porque existem dois outros princípios presentes no universo: uma força de atração - o amor, e uma força de repulsa - o ódio. Essas duas forças, o amor e o ódio, são corpóreos, são fluídos-força e são tão "antigos" e "iguais" como as raízes. È o princípio da isonomia, segundo o qual não existe superioridade, nem anterioridade entre eles. O que existe é um eterno processo cíclico em que ora o amor têm a prevalência, ora o ódio se faz mais presente. È o processo do eterno retorno, que implica em uma concepção evolucionista,

na qual já aparece a noção de "sobrevivência dos mais aptos"

(SOUZA, op.cit. XXVII). Aplicando este princípio de isonomia a todo o universo, Empédocles chega à seguinte conclusão: a igualdade democrática é o princípio que dirige todo o cosmo, desde a sua gênese, aí incluindo o ser humano. Por isso, o principal papel do filósofo é o de lutar por democratizar a cidade, integrando-a no universo.

DEMÓCRITO (460-370 a.C.): Natural de Abdera, era rico, mas teria dilapidado a sua fortuna, o que o levou a ser, durante um certo tempo, mal visto por seus concidadãos. A reconquista da confiança dos seus conterrâneos, por causa de um livro seu sobre a ordem de batalha, teria levado a cidade a homenageá-lo com uma estátua. É considerado amigo e discípulo de Leucipo, junto com o qual cria o atomismo, doutrina segundo a qual todo o

universo estaria constituído por dois princípios: o contínuo incorpóreo (o vazio) e o descontínuo corpóreo (os átomos)

(SOUZA, XXIX). Demócrito buscou explicações ainda para dois problemas de sua época18: o conhecimento e a ética. Quanto ao primeiro, dizia que existem dois tipos de conhecimento: o

16 Para Parmênides o verdadeiro ser não podia ser múltiplo nem admitir a transformação. 17 Alethéia é a palavra grega que designa a verdade.

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bastardo, que seria o conhecimento sensível, a exprimir na

verdade as disposições do sujeito; e o conhecimento legítimo, a compreensão de que a "physis"19 do universo fragmentava-se na

multidão de átomos corpóreos que se moviam no vazio infinito

(SOUZA, XXX). Quanto à ética, propõe uma ética normativa, que

prescreve como deve ser a conduta humana (SOUZA, XXX).

Souza conclui suas considerações sobre Demócrito com as seguintes palavras: Em seu pensamento parecem coexistir duas

ordens de preocupações, não necessariamente interligadas e coesas: a do cientista que procura uma explicação racional para os fenômenos físicos e a do moralista, de índole consevadora, que se empenha em traçar normas para a ação humana, tentando refrear a vaga de relativismo que envolvia a sociedade grega, ameaçando valores e instituições e a anunciar novos tempos e novas idéias (SOUZA, XXX).

☺ ☺ ☺

SOFISTAS20

Sofistas é o nome que se atribui a um grupo de pensadores que surgiram na Grécia, em função do processo de urbanização da sociedade grega. A sociedade rural, normalmente dispersa, não tem os mesmos problemas administrativos de uma população agrupada em cidades, aglomerada em territórios delimitados e contíguos. A proximidade gera conflitos de interesse que exigem soluções comuns imediatas. Assim , a sociedade grega, ao urbanizar-se, viu-se diante do problema da administração da cidade. Tiveram a feliz idéia de uma administração participada: caberia à assembléia dos cidadãos21, reunida na praça, o

governo da cidade. Essa atitude (administração participada) colocava a necessidade de uma nova educação, destinada, não mais à formação de

soldados e guerreiros, mas à formação do cidadão, do homem que deveria viver na cidade (Corbisier, 98). Não se tratava, tampouco, de formar o profissional, o técnico, o especialista, mas o cidadão, o homem no que tem de propriamente humano, o animal político, cuja vida em sua plenitude é a vida pública (Corbisier, 101). Mas, como se forma o cidadão? Há muitas

facetas na atividade de formação do cidadão. Uma preocupou de modo especial aos sofistas: forma-se o cidadão introduzindo-o na arte da palavra, na arte de discutir, de argumentar e de persuadir. (Ensinar o ser humano a

falar é ensiná-lo a tornar-se humano). Essa arte, no entanto, trabalha com

forma e conteúdo. A preocupação fundamental dos sofistas foi com a forma. Partiram do pressuposto de que os homens que viviam nas cidades gregas tinham um conteúdo a defender ou a propor. O que lhes faltava - e, por isso, receavam se manifestar - era o uso adequado e convincente da fala, da forma de expressão do seu pensamento. Dedicaram-se, pois, os 19 Physis, aqui, poderia ser traduzida para o português pela expressão natureza física.

20 Muitos estudiosos da História da Filosofia incluem os sofistas entre os pré-socráticos, pois foram contemporâneos de pensadores como Demócrito. Outros preferem incluí-los entre os socráticos, pois Sócrates teria sido um sofista. Devido à sua importância para a pedagogia, preferi colocá-los num grupo de transição.

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sofistas a ensinar os participantes das assembléias a apresentar suas propostas de maneira adequada e, sobretudo, bonita. E acentuaram tanto a importância de um discurso bonito na forma que aos poucos se esqueceram totalmente da importância indispensável de um conteúdo. Sua mensagem tornou-se vazia. Posteriormente, calcados na idéia de que dominar a palavra é poder dominar os outros por meio da palavra (Corbisier, 101), acentuaram a importância dos argumentos aparentemente verdadeiros (sofismas e falácias). Seu discurso tornou-se falso, mentiroso, enganador. E os sofistas passaram a ser vistos como vilões.

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PARA SUA REFLEXÃO

FILOSOFIA E CIÊNCIA

Cumpre não fazer confusões. Nesse sentido, abaixo transcrevemos uma comparação entre o conhecimento filosófico e o conhecimento científico, embora estejamos conscientes de que tudo ficaria mais esclarecido se precedido de uma explanação sobre o significado de conhecimento.

O conhecimento filosófico ou filosofia, na acepção clássica, era o conhecimento pelas causas últimas. Hoje, prefere-se dizer que a filosofia é uma atitude questionadora, um interrogar contínuo a si mesmo e à realidade que cerca o ser humano. A filosofia não é algo feito acabado. Tem sua essência na procura do saber, não na sua posse. Objeto de conhecimento da filosofia é tudo: o ser, o não ser, o bem , o mal, o certo, o errado, as coisas, os seres animados e os homens.

O conhecimento científico ou ciência é o conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, conhecimentos esses obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método específico. Costuma-se distinguir: conhecimento científico racional e conhecimento científico empírico.

3. A REALIDADE NA VISÃO DOS PENSADORES SOCRÁTICOS E PÓS-SOCRÁTICOS

O PENSAMENTO SOCRÁTICO

Os gregos que, num primeiro momento, buscaram entender o mundo físico em que viviam, começaram, em seguida, a se preocupar consigo mesmos. Inicialmente, nesta segunda fase, se preocuparam com o que o ser humano tentava e conseguia expressar, quer dizer: se preocuparam com o modo de expressão especificamente humano, a linguagem. O passo seguinte foi colocar no centro de preocupação o próprio ser humano. Esse passo foi realizado pelos três grandes pensadores gregos Sócrates, Platão e Aristóteles, que são chamados de socráticos por causa da grande força inovadora do pensamento de Sócrates.

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 SÓCRATES (470 - 429 a.C.)22: Filho de um escultor, Sofronisco, e de uma parteira, Fenareta, teria sido educado de acordo com os costumes da época e possivelmente teria seguido o caminho dos sofistas, de quem logo se afastou, tornando-se um áspero adversário. Sua preocupação maior era a de colaborar na formação do verdadeiro cidadão. Percebeu, no entanto que o discurso sofista se tornava cada vez mais vazio, no mínimo muito superficial. Descontente com a proposta sofista, buscou um outro caminho. A resposta para os seus anseios a encontrou ao tentar compreender a inscrição estampada no frontispício do templo de Apolo , em Delfos, onde leu: Conheça-te a ti mesmo! Descobriu em suas meditações quão reduzidos eram os seus conhecimentos, o que passou a expressar com sua misteriosa afirmação: Só sei que nada sei! A partir dessa convicção, descobriu sua missão: ir, junto com os outros, ao encontro do conhecimento. Introduziu, assim, a idéia da construção coletiva do conhecimento. Para a realização dessa tarefa criou um método pedagógico, a maiêutica. Além disso, preocupado com a formação do verdadeiro cidadão, propôs um princípio moral, cuja validade persiste até nossos dias.

 MAIÊUTICA: Coerente com sua convicção de que nada sabe, Sócrates faz do diálogo, isto é, da busca em comum, o seu método para chegar ao belo e, sobretudo à virtude . Quer dizer: à formação do verdadeiro cidadão. Fundamentado no princípio de que o mestre é tão vazio quanto o discípulo, o método socrático da maiêutica se desenvolve em três momentos: ironia, maiêutica e indução.

 Ironia: É o momento em que se busca mostrar a ignorância, sempre presente no ser humano. Pois a descoberta da própria ignorância constitui o primeiro degrau na escada que leva ao aprendizado e, conseqüentemente, ao conhecimento, porque se não sabemos e julgamos saber,

somos incapazes de saber, e só nos tornamos capazes de saber a partir do momento em que ficarmos sabendo que não sabemos (Corbisier, 112).

 Maiêutica: É o grande e deslumbrante momento do método pedagógico socrático. É o momento do conhecimento, pois é pela maiêutica que vem à luz23 o conhecimento, que segundo Sócrates está imanente na essência humana. O ser humano, na filosofia socrática, é uma essência eterna que possui o saber na sua totalidade. A maiêutica é o instante do deslumbramento, o momento em que o conhecimento oculto aparece! Sócrates teria escolhido a palavra maiêutica (derivada de um verbo que significa partejar, fazer o parto) para identificar o seu método por causa da

22 Cumpre observar, com relação a Sócrates, a chamada Questão Socrática: tendo em vista o fato de que as únicas fontes verdadeiramente confiáveis do pensamento de Sócrates são Platão e Xenofonte (e, para alguns autores, também Aristófanes), muitos autores põem em dúvida a existência mesma de Sócrates. (Cf PESSANHA, J. A M. - Sócrates, Col. Os Pensadores, Nova Cultural)

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semelhança existente entre a aquisição do conhecimento e o nascimento de uma criança: assim como o bebê já existe no ventre materno e nascer significa apenas vir para a luz, também o conhecimento, na visão socrática, já existe na essência humana e em um dado momento surge, aparece para todos. Esta colocação de Sócrates tem implicações: 1) o conhecimento não é transmissão, é antes recordação; e 2) a função do professor não é ensinar; é antes provocar e possibilitar o surgimento de um saber já presente no ser humano.

 Indução: É o processo pelo qual se chega ao conhecimento válido universalmente. Consiste em estender para todos os casos, o conhecimento obtido na maiêutica, pois nela o sujeito, partindo da percepção sensível, conhece o particular, o contingente. Superando esse momento a indução permite ao sujeito afirmar o conhecimento de uma essência universal. Neste momento ele atinge a ciência. Esta consiste, pois, em reconhecer as propriedades comuns nos seres de uma mesma espécie.

 PRINCÍPIO MORAL: A proposta moral de Sócrates pode ser resumida em uma frase: Para fazer o Bem, basta ao ser humano conhecer o Bem! Isto significa que para o instigante educador grego o mal não existe. O mal é um conceito puramente negativo. É ausência de conhecimento. É uma manifestação da ignorância humana. Eduque o ser humano e o

mal desaparecerá! - é uma afirmação que se pode deduzir do

pensamento moral socrático.

 PLATÃO (428 – 347 a.C.): De família nobre, este monumento do pensamento grego, que influiu profundamente na elaboração do pensamento cristão ocidental, era um verdadeiro cidadão ateniense. Teve oportunidades de viajar e as aproveitou. Esteve no Egito, de onde, certamente, trouxe elementos que fundamentaram e confirmaram a sua teoria das idéias. Por duas vezes visitou a Magna Grécia, no sul da Itália, onde tentou implantar o seu ideal de República, a sua proposta para uma administração republicana da sociedade. Fracassou nas duas tentativas. De volta a Atenas, criou a Academia, a primeira escola de Filosofia do mundo ocidental. Seu objetivo era trabalhar a formação das naturezas filosóficas, isto é, daqueles seres humanos que tiveram o privilégio de nascer com um pendor especial para a filosofia. Isto porque para Platão só as

naturezas filosóficas adequadamente educadas seriam aptas a

administrar a cidade. Escreveu cerca de trinta obras, quase todas em forma de diálogo. Entre as mais famosas deve-se mencionar: O Banquete, A República, ... Seu texto mais conhecido é O Mito da Caverna.

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PENSAMENTO DE PLATÃO - CONSIDERAÇÕES: As reflexões do grande pensador ateniense atinge os mais diversos campos da vida. Aqui vamos apresentar alguns temas explorados por ele e que mostram a diversidade de enfoques com que ele se aproxima dos elementos fundamentais do viver: o ser, a psicologia, a ética e administração da cidade.

PENSAMENTO DE PLATÃO - visão esquemática

SER

VISÍVEL

Mutável Múltiplo

Sensível(percebido pelo sentidos)

INVISÍVEL

Inteligívelpercebido pela inteligência) Uno Imutável e Eterno CONHECIMENTO SENSIBILIDADE INTELIGÊNCIA ouRAZÃO

Os seres percebidos pela sensibilidade são particulares e efêmeros: Surgem e desaparecem. São os corpos. São sombra: Parece que existem, mas são antes verdadeiras ilusões.

Constituída pelos 5 sentidos; É múltipla;

É mutável

Constituída pelo intelecto; É una e

percebe:

-a unidade na multiplicidade; -a permanência na mutabilidade.

Os seres percebidos pela inteligência são universais e perenes, eternos. transcendem os corpos e, constituem o único verdadeiro ser: São as idéias.

Corpo

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 SER: Como se percebe, Platão, tenta, inicialmente, resolver o problema do ser. Busca ele também uma resposta, a melhor possível, para as perguntas que atormentavam os gregos de sua época: O que é que de fato existe? O que é existir? Há alguma diferença entre aquilo que está aí momentaneamente, que surge, se modifica e desaparece e aquilo que presumivelmente seria sempre o mesmo, que nunca se modificaria? Poderemos falar de algo que permanece sempre o mesmo? Para responder a essas duas perguntas, Platão observou o que acontecia ao seu redor e chegou à conclusão de que era preciso distinguir duas modalidades de ser: uma indicando o verdadeiro ser e outra apontando para aquilo que parece existir, que é, porém, apenas aparência, sombra (ver esquema acima). Chegou assim à sua teoria das idéias, à afirmação de que é preciso falar de dois mundos: o mundo real verdadeiro e eterno das idéias abstratas e o mundo ilusório, passageiro dos corpos. Dois mundos que não se misturam, que se contradizem e que, pode-se dizer, se excluem. É nessa linha de pensamento que ele apresenta a sua visão do ser humano, o que ele trata na sua psicologia.

 PSICOLOGIA: Entre os gregos a Psicologia era a parte da Filosofia que estudava o ser humano, que buscava entender e explicar o homem. Nessa linha, Platão apresentou duas definições de ser humano:

1. O ser humano é um microcosmo que se acha inserido no mundo natural, mais precisamente na cidade.

2. O ser humano é uma síntese precária e provisória de dois elementos heterogêneos, contraditórios e irredutíveis um ao outro: o corpo (mortal) e alma (imortal).

Essas duas definições retratam duas perspectivas do pensamento platônico. Na primeira, Platão vê o ser humano em suas relações com os outros homens e com o mundo em geral. Diríamos, hoje, que seria uma visão sociológica do ser humano. Este seria mais um ser presente no mundo, mas um ser que tem um papel especial: ele se relaciona com o mundo e junto com os outros homens constrói a cidade. Neste caso Platão parece sugerir que o verdadeiro ser humano é aquele que não nega a sua pertença ao mundo material da natureza, mas que se realiza como humano pela sua convivência com os outros. O que é a cidade, senão o lugar por excelência onde o ser humano não só sobrevive, mas também onde tem a possibilidade de desenvolver suas potencialidades24.

Mas, é a segunda definição que expressa bem o pensamento de Platão. Coerente com sua visão dualista e idealista do ser em geral, o fundador da Academia vê também no ser humano uma duplicidade de ser, exaltando o seu aspecto abstrato. Isto se percebe nos termos empregados na definição. O termo síntese mostra que o ser humano não é uma unidade, mas sim uma composição de dois elementos heterogêneos, isto é, de origens diferentes25. Esses dois elementos heterogêneos são contraditórios, quer dizer, falam de realidades opostas. Um afirma o efêmero, o outro afirma o eterno. São irredutíveis um ao outro, o que significa que um não influi sobre o outro, um não pode se transformar no outro; podem apenas, por um certo tempo, estar um ao lado do outro. Desses dois elementos, um não merece atenção, pois é passageiro, é o corpo. O outro, a alma, ao contrário, por ser eterno, merece toda a consideração possível.

24 Esta visão do ser humano mostra uma surpreendente atualidade do pensamento de Platão: a alusão ao mundo natural e à cidade lembram o movimento ecológico e a questão da cidadania, temas muito em voga neste início de século 21.

25 O termo heterogêneo é formado por hétero = outro, diferente e gêneo, que tem na sua raiz um verbo grego que indica gerar, dar origem a.

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