PODER JUDICIÁRIO
SÃO PAULO
SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL
Décima Câmara
APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 582.843-0/5 – SÃO PAULO Apelante: Vera Cruz Seguradora S.A.
Apelado : Fulvio Grossmann
AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. INDENIZAÇÃO POR MORTE. BOA-FÉ. Restou comprovada a boa-fé do segurado, pois ainda que se fale que ele tivesse consciência de algum mal, era sabido que estava clinicamente bem e acreditava ser portador de boa saúde. Não havia, dessa forma, como excluir o dever indenizatório diante do fato típico da responsabilidade da Companhia Seguradora, de maneira especial diante da causa mortis “... infarto agudo do miocárdio ...”
constante da certidão de óbito.
EXAME MÉDICO. CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA E DE SAÚDE. As Seguradoras, ao que se evidencia pela generalidade, exigem rigorosos exames médicos e laboratoriais do particular para firmar com ele um contrato de saúde, principalmente quando o cidadão já tem uma certa idade. Ao contrário , em qualquer agência bancária e sem maior rigor, são convencionados numerosos contratos de seguro de vida mediante prêmio previamente estabelecido. Entretanto, após um evento, ou um sinistro, é sistemática a posição de recusa que adotam para não honrar o compromisso contratual. RISCOS. APÓLICE DE SEGURO DE VIDA. Pelo cartão de proposta de seguro de vida em grupo e/ou acidentes pessoais coletivo, firmado em 23 de outubro de 1989, resulta evidente que o segurado ao lançar ali sua assinatura já era quase sexagenário, fato que por si só tornaria a Seguradora ciente dos riscos ao assumir a apólice de seguro de vida, não lhe sendo dado alegar má-fé do contratante na omissão de eventuais precedentes médicos, mesmo porque, dele, nada foi solicitado.
Voto nº 4.163 Visto.
FULVIO GROSSMANN ingressou com Ação de Cobrança contra VERA CRUZ SEGURADORA S.A., qualificação e caracteres das partes nos autos, como beneficiário de seu genitor Abraan Grossmann em quatro apólices de seguro de
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vida, porque, ciente do sinistro, a Requerida não lhe efetuou o pagamento.
Formalizada a angularidade a Requerida apresentou contestação, que foi impugnada, asseverando que o falecido infringiu as normas dos arts. 1.443 e 1.444 do Cód. Civil.
Em audiência, inviabilizada a conciliação, o Requerente prestou depoimento. Vencidas as diligências houve entrega da prestação jurisdicional julgando procedente a pretensão:
“... para condenar a ré a pagar ao autor a quantia de R$59.664,00 (cinqüenta e nove mil seiscentos e sessenta e quatro reais) com correção monetária na forma das apólices e juros moratórios de seis por cento ao ano a partir da citação”.
“Custas e despesas processuais com correção monetária desde os desembolsos e honorários advocatícios
arbitrados em dez por cento da condenação ...” (folha 160).
VERA CRUZ SEGURADORA S.A. interpôs recurso. Persegue a reforma da sentença com a inversão dos ônus da sucumbência, uma vez que :
“As omissões praticadas na contratação do seguro ficaram cabalmente demonstradas, pois o segurado não possuía um rim, fato que era de seu conhecimento desde 1989, apresentava sérios problemas cardíacos diagnosticados em fevereiro de 1990 e sofria de Endocardite
Prévia, também apresentada em 1990 ...” (folha 172).
FULVIO GROSSMANN contrariou as razões defendendo o acerto da decisão, uma vez que o falecido:
“... nada omitiu da Seguradora, vez que a falta de um dos rins, por ser um órgão duplo, não gerou nenhuma
deficiência de órgão, membros ou sentidos ...” (folha 182).
É o relatório, adotado no mais o da r. sentença.
O fato gerador da pretensão está evidenciado no contrato de seguro de vida em grupo e/ou acidentes pessoais coletivo, firmado por Abraan Grossmann e a Apelante, onde o Apelado figura como Beneficiário de 33%, conforme:
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a) Apólice nº 540000201, Sinistro 1629601416, estipulante Associação Paulista do Ministério Público - APMP, com capital de cobertura R$73.800,00.
b) Apólice 3400062, Sinistro nº 1629700276,
estipulante Associação dos Funcionários da Assembléia Legislativa - AFALESP, com capital de cobertura R$25.000,00.
c) Apólice 3400062, Sinistro nº 1629700277,
estipulante Sociedade de Assistência dos Servidores Públicos do estado de São Paulo, SASP, com capital de cobertura R$35.000,00.
d) Apólice 3400010, Sinistro nº 1629601456,
estipulante Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Civis do Brasil - UNSP, com capital de cobertura R$47.000,00.
O contratante Abraan Grossmann faleceu em 19 de setembro de 1996, com 67 anos de idade, vítima de
“... infarto agudo do miocárdio, insuficiência coronária, endocardite
prévia ...” (folha 9). Os motivos da recusa do pagamento estão
consignados na correspondência de 25 de março de 1997:
“... o sinistrado, já em 01/89 encontrava-se com sua saúde debilitada, visto que no exame efetuado em 04.01.89 mostrou não possuir o rim direito e conseqüentemente, o esquerdo estava maior. Esteve também internado no período de 02.02.90 a 05.03.90 em razão de Endocardite Aguda e Sub-Aguda, fatores estes que o levariam, mais tarde, ao óbito”.
“Assim, ao assinar a proposta de contratação do seguro, o segurado tinha pleno conhecimento dos problemas de saúde que vinha enfrentando, mas omitiu-os, infringindo assim, os artigos 1443 e 1444 do Código Civil Brasileiro ...” (folha 11).
Pelo cartão de proposta de seguro de vida em grupo e/ou acidentes pessoais coletivo, firmado em 23 de
outubro de 1989 (folhas 62/62vº), resulta evidente que o
segurado ao lançar ali sua assinatura já era quase sexagenário, fato que por si só tornaria a Seguradora ciente dos riscos ao assumir a apólice de seguro de vida, não lhe
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sendo dado alegar má-fé do contratante na omissão de eventuais precedentes médicos, mesmo porque, dele, nada foi solicitado.
“Conforme interpretação da Lei 8.078/90, nos contratos de seguro de vida em grupo, a prova de doença preexistente deve ser técnica, pois ao dispensar o exame médico prévio a seguradora assume automaticamente o risco, não podendo, portanto, após a morte do segurado, elidir-se do pagamento de indenização aos beneficiários, sob a alegação de que aquele sofria de doença letal ao
assinar o contrato e em virtude da qual veio a falecer1”.
Em subsídio, embora tenham partido do Apelado, mas em atenção à reperguntas do patrono da Apelante, as informações de que os seguros com a APMP foram realizados há cerca de quinze anos e os outros mais ou menos nessa época, e que o aumento do capital ocorreu em agosto de 1994:
“... Meu pai não tinha um dos rins desde seu
nascimento e sabia disso há vinte e cinco anos ...” (folha 118).
Essas ponderações encontram esteio nas demais provas constantes dos autos e, evidentemente, esses valores, unidos, afastam a afirmação da Apelante:
“... o sinistrado, já em 01/89 encontrava-se com sua saúde debilitada, visto que no exame efetuado em 04.01.89 mostrou não possuir o rim direito e conseqüentemente, o esquerdo estava maior. Esteve também internado no período de 02.02.90 a 05.03.90 em razão de Endocardite Aguda e Sub-Aguda, fatores estes que o levariam, mais tarde, ao óbito”.
Em relação à endocardite aguda e sub-aguda há relatório médico informando que o Sr. Abraan Grossmann foi internado no hospital em janeiro de 1990, para tratamento a clínico, recebendo alta médica “... em 3 de
março desse mesmo ano, sem seqüelas da endocardite ...” (folha 151).
Afastada a endocardite, prevalece como causa
mortis “... infarto agudo do miocárdio, insuficiência coronária ...”
(folha 9). Negar a responsabilidade é fugir da realidade
1 - 2ºTACivSP – Ap. c/ Rev. 548.740-0/8 – 10ª Câm. – j. 26//5/99 – Rel. Juiz Nestor Duarte in RT- 769/270.
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praticando atos que ficam a tênue fio da litigância de má-fé, ou deixar implícito o registro de que não se conhece o fato.
Consignou com propriedade a r. sentença:
“... O segurado por isso permaneceu internado mas posteriormente, quando respondeu aos questionários a fls. 653/65, não fez referência à endocardite e à internação porque a pergunta a esse respeito abrangia período de três anos e por ocasião da resposta fazia mais de três anos que o segurado havia estado internado por causa da endocardite. Em tal contexto, não há como vislumbrar omissão do segurado pois respondeu corretamente à
pergunta ...” (folha 167).
As Seguradoras, ao que se evidencia pela generalidade, exigem rigorosos exames médicos e laboratoriais do particular para firmar com ele um contrato de saúde, p rincipalmente quando o cidadão já tem uma certa idade. Ao contrário , em qualquer agência bancária e sem maior rigor, são convencionados numerosos contratos de seguro de vida mediante prêmio previamente estabelecido. Entretanto, após um evento, ou um sinistro, é sistemática a posição de recusa que adotam para não honrar o compromisso contratual.
Restou comprovada a boa-fé do segurado, pois ainda que se fale que ele tivesse consciência de algum mal, era sabido que estava clinicamente bem e acreditava ser portador de boa saúde. Não havia, dessa forma, como excluir o dever indenizatório diante do fato típico da responsabilidade da Companhia Seguradora, de maneira especial diante da causa mortis “... infarto agudo do miocárdio ...”
constante da certidão de óbito (folha 9).
“Seguro de vida. Indenização por morte. Embargos improcedentes. Ocorrida a morte do segurado por ‘infarto agudo do miocárdio’, cabível a indenização por seguro de vida, sem que imputável ao segurado omissão fraudulenta de outras moléstias apontadas como fontes secundárias do
evento infortunístico 2”.
“O contrato de seguro privado configura uma relação de consumo na qual a boa-fé do segurado é presumida, cabendo à seguradora a prova cabal da alegada
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má-fé com que aquele teria agido no momento da contratação. Em matéria de contrato de adesão regido pelo Código de Defesa do Consumidor, como é o caso dos contratos de seguro de vida e acidentes pessoais, eventual dúvida resolve-se em favor do segurado e não do
segurador. Inteligência do art. 47 da Lei 8.078/903”.
“Tendo em vista que o contrato de seguro é contrato de adesão, eventuais dúvidas resolvem-se em favor do segurado, consumidor do serviço, que não tem meios para discutir os termos da proposta que lhe é feita pelo segurador. Uma vez que a boa-fé do segurado é presumida, cabe ao segurador, se alegar que o segurado omitiu dados relevantes sobre seu estado de saúde, provar cabalmente a má-fé com que o segurado teria agido, eventual dúvida resolvendo-se em seu favor, em face do
princípio do ônus probatório4”.
Em face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
IRINEU PEDROTTI Relator
6 - 2ºTACivSP – Ap. c/ Rev. 527.188-0/0 – Rel. Juiz Soares Levada, in RT 769/271. 4 - 2ºTACivSP – Ap. c/ Rev. 508.971-0/7 – Rel. Juiz Soares Levada, in RT 769/272.