• Nenhum resultado encontrado

AS CONCEPÇÕES DA CRÍTICA-ESCRITURA POR LEYLA PERRONE-MOISÉS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "AS CONCEPÇÕES DA CRÍTICA-ESCRITURA POR LEYLA PERRONE-MOISÉS"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

AS CONCEPÇÕES DA CRÍTICA-ESCRITURA POR LEYLA PERRONE-MOISÉS

Bruno Rodrigues Soares Santos1

PG/UEMS

Resumo: Este artigo visa discutir os diferentes conceitos envolvendo a crítica-escritura, através da uma

abordagem feita pela pesquisadora Leyla Perrone-Moisés, levando em consideração também o posicionamento de críticos como Roland Barthes, Maurice Blanchot e Michel Butor.Com o passar dos anos a literatura começou a tomar espaço nas discussões e desde o começo do século XIX o número de escritores fardados a autocrítica cresceu consideravelmente. Objeto de estudos e de autorreflexão, a literatura vem criando novos hábitos, novas tendências e modernizando o que chamamos de recursos narrativos. A denominada crítica-escritura passou a se fundir com o chamado discurso poético, que por sua vez atentam-se ao novo percurso da crítica literária, baseada em uma aproximação com o discurso literário e imergindo em sua estrutura discursiva, tomando o cuidado para não se confundir com o próprio objeto.

Palavras-chave: Literatura; Crítica Literária; Crítica-escritura; Leyla Perrone-Moisés.

Abstract: This article aims to discuss the different concepts involving critic-writing, through an approach

made by the researcher Leyla Perrone-Moisés, also taking into account the positioning of critics such as Roland Barthes, Maurice Blanchot and Michel Butor. it started to take space in the discussions and since the beginning of the 19th century the number of writers in uniform with self-criticism has grown considerably. The object of studies and self-reflection, literature has been creating new habits, new trends and modernizing what we call narrative resources. The so-called critic-writing started to merge with the so-called poetic discourse, which in turn pay attention to the new path of literary criticism, based on an approximation with the literary discourse and immersing itself in its discursive structure, taking care not to confuse with the object itself.

Keywords: Literature; Literary Criticism; Criticism-writing; Leyla Perrone-Moisés.

Introdução

1 Mestrando em Estudos Literários pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

(2)

Em seu livro Texto, critica e escrita, Leyla Moisés, traça um panorama e faz uma abordagem metodológica da crítica-escritura seguindo concepções relacionadas a escrita partindo de três escritores diferentes, Blanchot, Barthes e Butor.

Para Barthes a liberdade só é permitida ao crítico quando o mesmo se entrega ao corpo erótico da prórpria linguagem. Para Blanchot, quem escreve está disposto a uma perca deliberada de si mesmo. Para Butor, a crítica só pode ser feita se a mesma for através da própria invenção. É seguindo esses três conceitos diferentes que enxergamos o novo movimento da crítica artística e literária, que deixa de lado a subalternação, abandona o seu posto inferior de simples explicação e conceituação, para um texto mais produtivo, deixando de ser apenas um texto com representações de uma narrativa ficcional.

Segundo a autora, esse novo movimento literário e essa nova crítica são datados do final do século XIX, onde a ltieratura deixa de lado a representação da natureza e parte valorizar si mesmo, atentando-se a conflitos e questionamentos envolvendo a sua elaboração, dialogando consigo mesma: “Desde então, a obra literária tem-se tornado, cada vez mais, uma reflexão sobre a literatura, uma linguagem que contém sua própria metalinguagem” (PERRONE-MOISÉS, 1978, p. 11-12)

A partir disso, é fácil perceber através entremeio, uma partiha de saberes e poderes crescentes a partir do século XX, onde a Verdade, poder e saber de um determinado sujeito é imposta sobre uma determinada socidade. Deixa de existir elementos a serem copiados, ou seja, a obra literária deixa de ser vista sob à sombra do seu Autor, ou como refelxos da sociedade. Levando em conta essa linha de pensamento, Blanchot acrescenta:

O escritor não pode permanecer junto da obra: só pode escrevê-la, pode, quando ela está escrita, somente discernir nela o acertamento do abrupto Noli me legere que o distancia de si mesmo, que o afasta ou que o obriga a regressar àquela situação de “afastamento” em que se encontrou inicialmente, a fim de se converter no entendimento do que lhe cumpria escrever. (BLANCHOT, 1987, p. 14, grifos do autor)

(3)

A partir da morte do autor, a obra literária passa a ser lida, vista e analisada livremente. A obra não precisa necessariamente reverenciada, não precisa ser um “autor de respeito” e a crítica anterior deixa de praticar uma cópia edificante que ia contra preceitos da obra em questão. Assim, não mais existindo uma reverência ao autor e não mais sendo caraterizada como uma representação da Natureza, a obra passa a ser reinventada, como diz Leyla Perrone-Moisés: “Assistimos, então ao aparecimento de um novo tipo de discurso literário, aflorando no lugar anteriormente ocupado pelo discurso crítico: um discurso crítico-inventivo” (p. 12).

O "íntimo" no discurso literário

Com o surgimento de uma nova literatura e a criação de novos recursos literários, surge também uma nova crítica, baseando-se no texto-escritura, que se desagarra de uma dependência com as obras analisadas. Com a crítica-inventiva a obra “mata” seu autor, ou seja, acaba com a submissão do texto analisado, já que ambos participam de um mesmo espaço, o espaço literário, com perdas, distinções e suas ambiguidades.

Seguindo esse raciocínio, Perrone-Moisés, a nova crítica passará a desejar a pluralidade de sentidos, formas e significações do texto ali comentado e do seu próprio texto, deixando de buscar a verdade absoluta ou parâmetros a serem seguidos: “Não se trata mais, para o crítico, de simplesmente escrever bem e de assumir por vezes um estilo poético. Trata-se de aceder, na sua prática de linguagem, à liberdade total que é a de todo escritor.” (p. 12).

Com isso, é preciso atentar-se a duas coisas: a primeira é que na crítica-escritura, o texto crítico não perde o seu caráter avaliativo e muito menos explicativo, no entanto, a busca pela não-busca pela verdade, optando assim por uma ambiguidade poética do texto, como diz Perrone-Moisés: “crítico não se porá diante dela [obra] como um explicador de ambiguidades mas como um desenvolvedor de ambiguidades, isto é, como um escritor.” (p. 78-9).

(4)

Não há escalas de valores, mesmo que exista uma questão de valor pessoal e sentimental de uma obra escolhida pelo crítico para que acompanhe o seu texto. A partir do momento que um crítico escreve sobre uma narrativa, ele permite que observemos seu olhar e a sua percepção acerca do objeto analisado, mesmo que a linguagem esteja isenta de qualquer objetividade, ausentando-se muitas vezes ao se apresentar, como é o caso de Blanchot, onde é capaz de ver a possibilidade da obra literária apresentar verdades indubitáveis: “Esses textos refletem o mal-estar de uma leitura que busca conservar o enigma e a solução, o mal-entendido e a expressão desse mal-entendido, a possibilidade de ler a impossibilidade de interpretar essa leitura.” (BLANCHOT, 1997, p. 13).

A segunda coisa importante que devemos nos atentar é ao surgimento da crítica-escritura, do final do século XIX, quando a linguagem crítica do autor se aproxima da linguagem poética, onde existe uma certa contestação de algumas pessoas afirmando que sempre existiu o poeta crítico, assim como a crítica poética. Leyla Perrone-Moisés sobre essa contestação vai dizer que:

Os críticos-artistas – um Sainte-Beuve, um Thibaudet – eram bons estilistas sem ser verdadeiramente escritores; seu objetivo primordial era explicar, classificar, avaliar, mesmo se, além disso, seus textos eram semeados de imagens, de “belezas” literárias. Por sua vez, os artistas-críticos – um Hugo, um Baudelaire – continuavam sendo antes de tudo poetas, e neles o objetivo crítico inicial se esfuma, quando não se perde totalmente. (p. 92)

Os muros de separação, isso antes da crítica-escritura, ainda prevaleciam no momento do analise, ou seja, não essa aceitável misturar a crítica (análise) com a criatividade e produtividade das obras literárias. Com a quebra dessas barreiras e a destruição desse muro que impedia o diálogo entre crítica e obra, a liberdade da escritura se evidencia de diversas maneiras, principalmente através da intertextualidade. Quando a autora, Perrone-Moisés, cita Butor e o ar inocente e comprometimento com a obra original:

(5)

“a citação mais literal já é, em certa medida, uma paródia. o simples levantamento a transforma, a escolha na qual eu a insiro, seu recorte (dois críticos podem citar a mesma passagem, fixando seus limites de modo bem diverso), as supressões que opero em seu interior, e que podem substituir a gramática original por uma outra, e, naturalmente, o modo como eu a encaro, como ela é tomada em meu comentário.” (BUTOR apud PERRONE-MOISÉS, 1978, p. 69-70).

Os textos considerados intertextuais, tanto o crítico quanto o literário, parafraseiam e parodiam outros textos. É como um ato de absorção, de deslocamento e aprimoramento textual, transformando-se em um processo complexo quando não conseguimos destacar o que é próprio ao texto lido e o que não é, embora saibamos que algumas partes do texto imergiram ao outro, deixando de pertencer àquele que lhe deu a origem.

Outrora, existe um certo distanciamento entre a intertextualidade na crítica e na poética. A intertextualidade crítica convencional pode ser comprovada, uma vez que estamos falando de um outro objeto analisado, mas em termos científicos; assim, toda e qualquer omissão acerca da comprovação pode gerar ônus ao crítico: “a intertextualidade crítica é declarada” (p. 70, grifos da autora). Essa comprovação sobre a intertextualidade crítica não descarta a submissão do texto crítico ao poético. Por outro lado, “a intertextualidade poética pode ser tácita (e na maior parte das vezes o é)” (p. 70), devido à sua grande liberdade de criação.

A crítica institucional fica amarrada em uma espécie de grilhão do objeto analisado, não lhe permitindo a liberdade de escrita e a sua invenção poética. No entanto, em relação ao texto-escritura, essa comparação não se torna obrigatória, o que acaba por demarcar a produtividade do texto da nova crítica, mas existe através dessa escrita, uma possibilidade de interação com o texto comentado, aproximando-se da escrita literária: “Só a crítica-escritura pode ser um discurso verdadeiramente intertextual. Nela, não se trata de

recobrir explicitando, mas de recobrir ambiguizando (isso é a disseminação, isso é a

(6)

Em alguns textos do escritor Blanchot, muitas vezes é quase impossível de identificar a que autor e a que obra o crítico reverencia-se: por colocar somente entre aspas a citação sem atentar-se ao número da página ou por colocar o nome do autor sem a referida obra, deixando a cargo do leitor identificar as fontes do texto citado. Isso só comprova que esse poder de invoação da crítica-escritura, que busca absorver o texto comentado em um nível literário que chega a não ser possível distinguir os dois textos, provocando uma pluralidade de sentidos e de múltiplas interpretações do texto, exemplificado através deste pequeno fragmento d’O espaço literário:

Escrever apresenta-se como uma situação extrema que supõe uma reviravolta radical, à qual Mallarmé fez breve alusão quando disse: “Ao sondar o verso a esse ponto, encontrei, lamentavelmente, dois abismos que me desesperaram. Um deles é o Nada...” (a ausência de Deus, o outro é a sua própria morte). (BLANCHOT, 1987, p. 31) Nesse trecho do escritor Blanchot, não é passível de identificar a que obra essa citação pertence, deixando em voga a liberdade de criação do autor. Mas o que realmente significa o termo escritura? Leyla Perrone-Moisés, conceitua da seguinte maneira:

antes de empreender qualquer definição da escritura, devemos munir-nos de certas precauções: trata-se de um conceito (abstrato) operatório que não pode nem pretende recobrir exatamente nenhuma obra ou trecho de obra concretos. Menos (ou mais?) do que um conceito, trata-se de um conjunto de traços que permitem distinguir, em determinados textos, um aspecto propriamente indefinível como uma totalidade. (p. 29, grifos da autora)

Seguindo essa linha de racíocinio acerca desse termo, Barthes continua: “Na escritura múltipla, com efeito, tudo está para ser deslindado, mas nada para ser decifrado; [...] a escritura propõe sentido sem parar, mas é sempre para evaporá-lo: ela procede a uma isenção sistemática do sentido.” (BARTHES, 2004 A, p. 63, grifos do autor). O teórico ainda salienta que, a escritura possui um compromisso para com a sociedade, uma vez que

(7)

a escrita surge através de um meio social e é para o social que ela será encaminhada. A escrita não existe sem a História. Sendo assim, qualquer ato da escrita irá sustentar uma função diferente, como ele mesmo afirma:

Língua e estilo são forças cegas; a escrita é um ato de solidariedade histórica. Língua e estilo são objetos; a escrita é uma função: é a relação entre a criação e a sociedade, é a linguagem literária transformada em sua destinação social, é a forma captada em sua intenção humana e ligada assim às grandes crises da História. (BARTHES, 2004, p. 13)

Barthes ainda vai definir a escrita literária como uma terceira dimensão da forma, ou seja, possui traços linguísticos (características gerais de uma língua comum a habitantes de um determinado espaço social) e traços estilísticos (características próprias de um autor ou herdadas de algum movimento literário). Definindo a escrita literária como “uma realidade formal independente da língua e do estilo” (BARTHES, 2004, p.7), o teórico afirma que ela seria uma terceira dimensão da forma, pois possui traços característicos da língua (traços gerais de uma língua comum e de um determinado espaço social) e traços estilísticos (traços e características própria do autor).

O Social e o Prazer da Escrita

Como dito anteriormente, a escrita precisaria ter um direcionamento no meio social. Essas definições, contraditórias entre si muitas vezes, é característica do teórico, que diz que o estilo precisa “ter sempre algo de bruto: ele é uma forma sem destino, é o produto de um surto, não de uma intenção, é como uma dimensão vertical e solitária do pensamento. [...] ele é a ‘coisa’ do escritor, seu esplendor e sua prisão, é sua solidão” (BARTHES, 2004, p.10-11); por possuir um vínculo com o real, o estilo acaba não sendo dado como participante da sociedade, com isso acaba por ficar fora da arte: “Por sua origem biológica, o estilo se situa fora da arte, isto é, fora do pacto que liga o escritor à sociedade.” (BARTHES, 2004, p. 12).

(8)

Nessa concepção barthesiana, a noção de escrita a sua funcionalidade com o meio social, deixando de lado também o seu vínculo com o autor. O papel da linguagem da escritura passa a exercer tanto no leitor quanto no autor uma espécie de objeto de gozo, suspendendo as ideias, instaurando-se na liberdade de pensamentos, desvendando e baseando-se no não-dito. Perrone-Moisés, sobre o inconsciente do teórico barthesiano, diz que: “A valorização progressiva do inconsciente nos textos de Barthes leva-o assim a uma sutil reformulação dos problemas da escritura.” (p. 35).

Uma grande parte da literatura que se iniciou no século XX não possui um objetivo único e prioritário ou uma mensagem clara a ser passada no final da obra, ela se apresenta apenas, assim se deixa flanar através das interpretações que surgem pela ambuiguidade do discurso. O texto-escritura não possui pacto para com a verdade, uma vez que a obra literária é o seu próprio "objeto de estudo", e a mesma, nada diz: "a obra de arte, a obra literária - não é acabada nem inacabada: ela é. [...] Quem quer fazê-la exprimir algo mais, nada encontra, descobre que ela nada exprime." (BLANCHOT, 1987, p.12).

Uma das características principais do texto-escritura é a própria produção, é a disseminação de vários textos derivados de leituras de outros textos, é o desenvolvimento poético. Quem escreve, acaba por se perder, pois se deixa levar através dos encantos da ficção e do erotismo presente nas narrativas. Acerca disso, Leyla Perrone-Moisés, acrescenta: O crítico-escritor é um ser de aparição e de desaparecimento, de prazer e de gozo, de consistência e de perda e, como tal, um exemplo significativo do escritor em crise – o escritor de hoje.” (p. 60)

Leyla ainda cita em seu livro Texto, crítica e escritura, os críticos Blanchot, Barthes e Butor, destacando a concepção de literatura para cada um deles. De acordo com a pesquisadora, "Blanchot, fala da obra literária de dentro da escritura, através da vizinhança perigosa do 'centro da esfera' (origem, silêncio e morte)." (p. 96). Ela ainda define a concepção de Blanchot como algo muito singular, pois ao falar sobre o que seria literatura, o crítico cria uma espécie de 'cerco' como qualquer outro pensador, apresentando bases do

(9)

que para ele seria literatura: cita-se Beckett, Valéry, Borges, Sade, Virginia Woolf, entre outros. Sobre os autores citados por Blanchot, Perrone-Moisés acrescenta: “os grandes, para Blanchot, são os que assumem a louca empresa de autodestruição que é a escritura” (p. 103).

Ainda segundo as concepções de Blanchot, a literatura possui um mundo próprio, com regras próprias, cuja força produtiva e sua própria negação instituía a sua própria ambiguidade. Essa perspectiva blanchotiana sobre a literatura não possui uma relação imediata com os referentes do mundo prático, ou seja, a literatura não é uma representação, não tendo uma função prática no mundo organizacional, ela apenas se apresenta: “Sob essa perspectiva, reencontramos a poesia como um potente universo de palavras cujas relações, a composição, os poderes, afirmam-se, pelo som, pela figura, pela mobilidade rítmica, num espaço unificado e soberanamente autônomo.” (BLANCHOT, 1987, p. 35).

Mas o fato de não representar ou não servir como um objeto imediato, não faz com que a literatura seja apenas ou um mero espaço inocente, o crítico diz que somente através da perca é que se chega ao espaço literário: “A obra exige do escritor que ele perca toda a ‘natureza’, todo o caráter, e que, ao deixar de relacionar-se com os outros e consigo mesmo pela decisão que o faz ‘eu’, converta-se no lugar vazio onde se anuncia a afirmação impessoal.” (BLANCHOT, 1987, p. 5).

O escritor faz uma divisão, deixa de lado a consciência de si mesmo, das suas concepções, para adentrar-se nas impossibilidades de respostas para os questionamentos que irão surgir ao longo do percurso narrativo. Mas o escritor não é o único que se perde ao longo do espaço, aqueles que escreve e se debruça sobre as narrativas literárias, pois segundo a concepção blanchotiana só é possível falar sobre essa ausência quem nela se perde. Sobre essa perda, Blanchot comenta:

Escrever é a loucura própria de Sade. Dessa loucura, provocada pela prisão ou que pelo menos veio a tornar-se o que é – uma força

(10)

subterrânea e sempre clandestina – a partir dela, a liberdade não o livra, antes a duplica de uma outra loucura que o fará crer que ela pode afirmar-se à luz do dia, como a reserva ou o futuro das possibilidades comuns. (BLANCHOT, 2007, p. 209)

Os termos relacionados a perca e ausência citados acima precisam ser interpretados a partir das concepções blanchotiana, não devendo ser levada como uma verdade universal. Ambos os termos não possuem um significado pejorativo no que tange as narrativas literárias, mas pelo contrário, levando em consideração de que são elementos fundamentais dentro do espaço poético. Por acrescentar várias noções relacionadas a escritura, o espaço poético nada diz, mantendo "um murmúrio que nada acrescentará ao grande tumulto das cidades que suportamos ouvir.” (BLANCHOT, 2005, p. 320).

Quando a literatura resolve negar o mundo, acaba por negar a si mesma como construção do homem, levando em consideração que quem a cria é um sujeito literário e não um mais um sujeito social. Com o texto literário a voz do autor passa a disputar espaço com outras vozes que surgem dentro do espaço literário. De acordo com Blanchot, a literatura se basta, supre a ela mesma. A literatura é a própria perdição. Dentre a crítica de Blachot, Perrone-Moisés resume o discurso do teórico da seguinte maneira: "O discurso de Blanchot é instransitivo, não diz nada a não ser ele mesmo." (p. 107).

Após as concepções blanchotiana, Leyla Perrone-Moisés fala sobre outro crítico, Butor, em seu livro História extraordinária: "A face crítica da obra de Butor é simétrica e complementar à sua face inventiva, de modo que é realmente impossível separá-las.” (p. 126). Exemplifica ainda que não se trata de uma narrativa, tão pouco uma análise crítica, trata-se apenas de livro que traz à tona questionamentos sobre a escritura. Nessa obra, o crítico aponta alguns fatos da obra literária de Baudelaire, recriando alguns fatos ficcionais. A obra de Butor traz um intenso jogo de escrita, assim como várias formas de linguagem e diferentes recursos narrativos, ou seja, existe uma variedade de sentidos com os textos propostos por ele, oferecendo assim uma pluralidade muito grande de interpretações. Os textos possuem traços e estética própria, sendo visto apenas como um

(11)

conjunto de características pessoais, sendo dificilmente visto de maneira separada. Segundo Leyla Perrone-Moisés, é agrupando os textos através de um jogo de linguagens que só a escritura pode permitir o acesso:

Butor não cita Baudelaire como os críticos citam os autores. Os trechos de Baudelaire, mesmo se ainda entre aspas, não constituem um domínio à parte dentro do texto. Butor se apropria dos fragmentos de Baudelaire, dispõe-nos de outra forma, envolve-os com seu próprio texto, armando uma nova obra fortemente estruturada e doravante indivisível em suas partes. (p. 118)

Não é possível descartar que existe uma análise mesmo que criativa sobre a obra de Baudelaire, no entanto, Butor nos apresenta com um texto que rompe com a hierarquias, impostas pela crítica institucionalizada que não permitia uma incursão criativa do narrativas críticas. E é através da liberdade proposta por Butor que essa despreocupação com a intertextualidade se opera em suas escritas, evidenciando apenas, a pura arte da escritura:

O grande crítico é aquele que é capaz de utilizar a obra anterior, não em seu próprio proveito, mas de tal modo que a obra anterior possa entrar na sua. Citação, crítica, colaboração, são as diferentes faces de uma mesma empresa. (BUTOR apud PERRONE-MOISÉS, 2005, p. 131)

Após feita análise da crítica butoriana, Perrone-Moisés trás o pensamento barthesiano para a conclusão do que seria o estudo sobre a crítica-escritura. Sobre Barthes, a autora diz que: "Inconstante, charlatão, esnobe, reacionário, brilhante mas pouco profundo, hábil mas (ou portanto) perigoso – esses qualificativos o seguem, de perto ou de longe, com aquela impressionante constância que caracteriza, através dos séculos, a repulsa a toda vanguarda artística.” (p. 133).

Seguindo as concepções de Roland Barthes, é passível identificar alguns questionamentos sobre as obras do próprio crítico como: alguém realmente dedicado

(12)

conhece a fundo as teorias aplicadas pelo autor e as suas modificações ao longo dos anos? Como definir sua crítica? O uso constante do anacronismo define a sua escritura como uma real expressão libertária da crítica-escritura? Essa característica barthesiana deixa clara a importância do crítico para os estudos das artes, principalmente para âmbito literário, uma vez que o mesmo segue os pressupostos da pluralidade da escrita permitindo a múltipla interpretação, deixando de sustentar uma Verdade. Existe o abuso dos grandes recursos que o espaço literário possibilita aos autores. A busca por um entendimento melhor sobre as noções de escritura barthesiana, recorremos a uma de suas obras, O grau zero da escrita, onde o autor define a escrita como um lugar de privilégio perante as condições linguísticas e estilística, definindo essas condições como objeto.

Considerações finais

As noções relacionadas a escrita surgem na obra barthesiana como uma realidade presa a ambiguidade, onde uma parte nasce através da relação entre um escritor com a sociedade, permitindo que haja um diálogo entre ambas as partes sem que isso interfira no discurso; enquanto por lado, essa realidade social acabe por levar o escritor a uma mudança na narrativa ocasionada por diferentes fatores sociais, ocasionando assim a uma transferência trágica, às fontes instrumentais de sua criação”. (BARTHES, 2000, p. 13)

O conceito voltado a escritura, disseminado pela escritora Leyla Perrone-Moisés, em seu livro Texto, crítica, escritura, provêm de estudos feitos a partir dos discursos de outros críticos em relação a escrita crítica e literária. Levando em consideração as mudanças e adaptações que a escritura sofreu ao longo dos anos, variando de acordo com as caraterísticas narrativas de cada autor. No entanto, levando em consideração o pensamento barthesiano, a escritura nos leva a todo texto que permite ser livre de amarras sociais, que tenha em sua estrutura narrativa e espaço poético a liberdade de se reinventar, trabalhando com a linguagem em todos os seus aspectos e deixando em voga as suas múltiplas interpretações. É preciso encarar a escritura como um "trabalho erótico", utilizando como forma de sedução: “Nada mais deprimente do que imaginar o texto como um objeto

(13)

intelectual (de reflexão, de análise, de comparação, de reflexo etc.). O Texto é um objeto de prazer.” (BARTHES, 2005, p. XIV).

Podemos definir, de maneira incompleta, que a escritura, de acordo com os críticos estudados, nada mais é que: o sinônimo da perdição (para Blanchot), a invenção e a criatividade do inconsciente (para Butor) e o prazer através das palavras, o sensual aos olhos d'alma (para Barthes). Lembrando que a liberdade é elemento principal para a escritura, é uma eterna evolução da arte escrita, é como: entrar na afirmação da solidão onde o fascínio ameaça. É correr o risco da ausência de tempo, onde reina o eterno recomeço.” (BLANCHOT, 1987, p. 24).

BIBLIOGRAFIA

BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.

______. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

______. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004 A.

______. Sade, Fourier, Loyola. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.

______. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

(14)

______. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. A conversa infinita 2: A experiência-limite. São Paulo: Escuta, 2007.

Referências

Documentos relacionados

O presente Contrato tem por objeto a contratação de empresa especializada em serviço de manutenção preventiva, corretiva e suporte técnico de Hardware, incluindo

Já os técnico-administrativos apresentaram um conjunto de necessidades maior do que os docentes, em que as ações da gestão de pessoas deve se concentrar principalmente nos

Portanto, visando contribuir com maior conhecimento sobre as trepadeiras em ambientes florestais, os objetivos deste trabalho foram de: inventariar as espécies de

José Levi Mello do Amaral Júnior· José de Melo Alexandrino Manoel Gonçalves Ferreira Filho • Maria dos Prazeres Pizarro Beleza • Maria Lúcia Amaral· Patrícia Ulson

Este Serviço é fornecido no âmbito do contrato independente de serviços principais ao Cliente assinado com a Dell e que explicitamente autoriza a venda deste Serviço (como

• Diferenciar os princípios físicos da formação da imagem em radiologia convencional e contrastada, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética,

As observações para avaliar o comportamento das sementes e das plântulas em casa de vegetação, comparadas à testemunha não condicionada foram realizadas através dos

influenciaram a avaliação positiva da qualidade do serviço: a capacidade técnica do profissional, que depende do seu conhecimento e julgamento utilizados nas decisões