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Avaliação da fluência da leitura oral e dificuldades na aprendizagem: aplicações clínicas e educacionais

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AVALIAÇÃO DA FLUÊNCIA DA LEITURA ORAL E

DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM: APLICAÇÕES

CLÍNICAS E EDUCACIONAIS.

Mª Dulce GONÇALVES! (Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Portugal)

Resumo

Nesta comunicação a autora sintetiza um conjunto de trabalhos desenvolvidos nos últimos cinco anos na FPUL, numa análise comparada de procedimentos e de resultados de Avaliação da Fluência da Leitura Oral em alunos do Ensino Básico. A Avaliação da Fluência da Leitura Oral tem sido desde há décadas utilizada internacionalmente para a detecção precoce, monitorização e intervenção em dificuldades na aprendizagem da Leitura, individualmente ou em turma. No entanto, Portugal continua a não dispor de procedimentos de avaliação para utilização regular e repetida, nem de normas para uma avaliação aferida. Sintetizam-se os resultados até agora obtidos em sucessivos estudos para o desenvolvimento e validação de procedimentos de avaliação com base no currículo, em turmas de diferentes escolas na região da Grande Lisboa e no Alentejo. Os resultados obtidos permitem distinguir entre diferentes tipos de “maus leitores”, sugerem critérios de avaliação e de diagnóstico e diferentes formas de intervenção clínica e educacional. Analisam-se perspectivas futuras para esta linha de investigação, aplicações clínicas em alunos com dificuldades específicas de leitura e aplicações educacionais para a promoção da leitura em contexto educacional, superação de dificuldades, formação de agentes educativos, consultoria e aconselhamento educacional.

Palavras-Chave: Dificuldades de Aprendizagem; Avaliação Funcional; Leitura Oral; Fluência

1. Introdução

Nos últimos cinquenta anos multiplicaram-se os estudos e as publicações sobre as designadas dificuldades de aprendizagem (“learning disabilities”). A grande maioria desses estudos centra-se em tentativas de caracterização e diferenciação entre alunos com e sem dificuldades. Numa perspectiva tradicional, as dificuldades são concebidas como perturbações ou distúrbios, de origem psico-neurológica, intrínsecas ao aluno e persistentes ao longo do seu percurso na escola (Adelman, 1992; Hammill, 1990; Kavale & Forness, 2000; Poplin, 1988). Nesta perspectiva, só alguns alunos apresentam dificuldades de aprendizagem, sendo que o diagnóstico diferencial surge quase sempre como condição prévia necessária ao encaminhamento para apoios e medidas pedagógicas complementares ou alternativas. Sem diagnóstico, o aluno não recebe habitualmente qualquer tipo de apoio; com um diagnóstico negativo, o aluno é considerado apto a superar as suas dificuldades pelos seus próprios meios ou recursos pessoais ou familiares (ajuda parental, explicações, centros de apoio mais ou

! Morada para correspondência: Maria Dulce Gonçalves, Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia, Alameda da Universidade, 1649-013 Lisboa (Phone: 0035962901108 – Fax: 0035217933408 – email: mdgoncalves@fp.ul.pt)

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menos especializados). Não havendo acordo nacional (ou internacional) sobre critérios e procedimentos de avaliação e diagnóstico, a incidência das dificuldades de aprendizagem específicas (DAE) é referida por diferentes autores com percentagens que podem variar muito, entre três, dez ou doze por cento da população escolar (e.g. Cruz, 2009; Lopes, 2005; Rebelo, 1993). No entanto, a generalidade dos estudos tem incidido sobretudo nos primeiros anos de escolaridade (quase sempre ao nível do primeiro ciclo) e em pequenas amostras que não são representativas do contexto educativo nacional (e.g. Sim-Sim & Viana, 2007).

Ao longo destas cinco décadas sempre surgiram também outras vozes, outras perspectivas que de uma forma menos consensual (e menos diferencial) sempre foram apontando não apenas as insuficiências dos critérios de diagnóstico, como a ausência de dados empíricos e de modelos conceptuais que confirmem, validem ou especifiquem de forma clara o que efectivamente são (e como podemos verificar a existência de) dificuldades de aprendizagem específicas (Coles, 1987; Finlan, 1994; Gonçalves, 2002, 2011; Poplin, 1988; Stanovich & Stanovich, 1996; Sternberg & Grigorenko, 1999, 2001). No domínio da leitura, por exemplo, quase todas as dificuldades observadas tendem a ser imediatamente alvo de uma suspeita de “dislexia”, considerada como um distúrbio ou dificuldade específica de carácter intrínseco e permanente. Ora entre o bom leitor (que alguns tenderão a designar por leitor normal) e um leitor que revela dificuldades, existem muitos graus e muitos tipos de problemas, de insuficiências ou carências que não podem (ou não devem) ser aglutinadas de forma simplista numa única categoria, mesmo que se multipliquem sub-categorias e se alargue cada vez mais a amplitude do conceito. Serão todos os maus leitores, disléxicos? Certamente que a generalidade dos autores e investigadores neste domínio considera que seguramente não. É precisamente esse o principal objectivo da generalidade dos educadores e psicólogos no terreno, proceder a um diagnóstico diferencial, avaliar e classificar cada caso. Mesmo que nem sempre existam os meios para um apoio efectivo, a avaliação parece ter um efeito clarificador essencial. Mas como distinguir de forma clara e inequívoca entre uns e outros? O que distingue um mau leitor de um leitor disléxico? Com que instrumentos ou procedimentos específicos se deve proceder a uma distinção? A partir de que percentil, de que nível, de que critério? Nesta definição específica, a literatura parece quase omissa, embora muitos autores continuem a desenvolver múltiplos esforços para a construção de instrumentos mais precisos, válidos e consensuais. Teremos um destes dias instrumentos que claramente nos permitam um diagnóstico diferencial, com base em critérios consensuais? Provavelmente sim, dado que é nesse sentido que parecem orientar--se a maior parte dos esforços das equipas de investigadores nacionais, multiplicando-se as publicações e os instrumentos (como tão bem

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atesta este congresso). Numa óptica clínica, o futuro parece promissor e os profissionais no terreno podem contar com um número crescente de procedimentos e de instrumentos de avaliação que permitem determinar cada vez melhor quem se distingue da norma (ou da normalidade) a ponto de poder ser considerado clinicamente diferente, com uma alteração intrínseca, perturbação ou distúrbio, com uma dificuldade de aprendizagem específica.

Mas mesmo nesse dia, mesmo com todos os instrumentos e critérios de diagnóstico diferencial no terreno, permanece uma questão educacional muito mais ampla. Ampla porque abrange um número significativamente maior de alunos, mas também porque nos conduz a uma reflexão conceptual e epistemológica muito mais vasta e profunda. A principal causa da maior parte das situações comummente designadas por dificuldades de aprendizagem decorre simplesmente do facto de todos os alunos entre os 6 e os 18 anos estarem na escola, e de todos serem natural e normalmente diferentes entre si. A distribuição (ou curva) normal permite descrever (e predizer) uma enorme variedade de características humanas que influenciam a aprendizagem, que a dificultam ou favorecem. O carácter universal do chamado ensino obrigatório, a multiculturalidade, a individualização, o hedonismo, a estimulação excessiva, a velocidade a que quase tudo acontece na vida de todos os dias, tudo isto colide com muitas das características tradicionais e uniformizadoras dos actuais contextos educativos: o currículo único, a padronização dos tempos de aprendizagem, a insuficiência ou a banalização dos recursos e o carácter restritivo e uniforme das avaliações. A uma diversidade psicológica, social e cultural crescente, a escola contrapõe um sistema uniformizado, padronizado e rígido. Nesta perspectiva, esperam-se naturalmente muitas dificuldades e diferenças na aprendizagem. Dificuldades ditas normais, pela frequência e pelas circunstâncias em que ocorrem. Dificuldades que podem até ser úteis para o desenvolvimento e formação dos indivíduos (Gonçalves, 2002). Neste sentido, as dificuldades não caracterizam alguns alunos “especiais” nem surgem fora de um contexto de aprendizagem, antes surgem sempre na relação de um aluno com um contexto de aprendizagem, tal como sugerem muitos estudos e trabalhos no domínio cognitivo, sociocognitivo e educacional (Bernard, 1997; Blankstein, 2010; Bruner, 1996; Dweck, 2006; Gardner, 1991; Harris, Graham & Deshler, 1998).

A Psicologia Educacional das últimas décadas sugere modelos e procedimentos que permitem descrever os processos de aprendizagem na sua complexidade (e na sua diversidade). Numa perspectiva construtivista, as dificuldades são inerentes a todos os processos de aprendizagem, podendo mesmo ser um contributo para aprendizagens mais significativas e de maior qualidade. O conflito cognitivo, a interacção entre aprendentes em diferentes fases de desenvolvimento, a aprendizagem pela descoberta, o ensino com base em problemas, a tomada

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de consciência e auto-regulação das aprendizagens, são apenas alguns exemplos de situações ou contextos em que as dificuldades surgem como contributo funcional para uma melhor aprendizagem (e.g. Ashman & Conway, 1997). Como distinguir então entre as dificuldades nocivas ao processo de aprendizagem e as dificuldades que favorecem ou incentivam a uma maior (e melhor) aprendizagem?

Nos últimos anos, realizaram-se na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa um conjunto de trabalhos sobre dificuldades na aprendizagem (e não tanto dificuldades de

aprendizagem) que se baseiam em pressupostos diferentes e que testam no contexto nacional

procedimentos de avaliação muito comuns noutros contextos educativos, raramente referidos ou utilizados entre nós, nomeadamente: a avaliação com base no currículo, a monitorização da fluência da leitura oral, a avaliação informal da composição escrita, a avaliação de concepções pessoais ou intuitivas sobre as dificuldades. Todos estes estudos se inserem numa perspectiva funcional relacionando as dificuldades com a qualidade e melhoria contínua da aprendizagem. Esta linha de investigação teve origem no meu próprio doutoramento (Gonçalves, 2002) e tem vindo a desenvolver-se em torno de quatro grandes pressupostos:

1. Todos os aprendentes encontram dificuldades no decurso dos seus processos de aprendizagem. São ocorrências naturais, intrínsecas ao próprio processo de aprendizagem. Designam-se por dificuldades na aprendizagem (DNA) e distinguem-se das DAE por caracterizarem não o estudante, sob a forma de uma disfunção ou distúrbio, mas antes a relação entre um estudante e um contexto de aprendizagem. Mudando o estudante ou o contexto, mudando a relação entre ambos, as dificuldades podem agravar-se ou ser aliviadas.

2. As dificuldades na aprendizagem podem distinguir-se entre funcionais e disfuncionais. Não existem estudantes (com e) sem dificuldades. Existem sim dificuldades mais ou menos frequentes, graves, persistentes ou funcionais. São dificuldades funcionais todas as que constituem um desafio, oportunidade ou incentivo ao esforço e à aprendizagem. Designam-se por disfuncionais, as dificuldades que podem favorecer situações de desadaptação pessoal, contribuem para reduzir, limitar ou prejudicar o processo de aprendizagem.

3. A avaliação centra-se na observação dos produtos e dos processos de aprendizagem. Enfatiza-se a descrição do desempenho e das dificuldades analisadas em contexto educacional, mais do que a determinação de aptidões cognitivas específicas, consideradas de forma absoluta. Sendo um problema sempre uma discrepância entre um estado actual (ou inicial) e um objectivo (e.g. Branco, 1996), as dificuldades referem-se ao esforço, às resistências, e a todo o trabalho desenvolvido pelo aluno para reduzir essa discrepância (ou distância). É esse esforço

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que pode estar ausente ou ser desenvolvido de forma ineficaz ou disfuncional, agravando as situações em lugar de promover a sua superação.

4. A avaliação centra-se mais no prognóstico do que no diagnóstico, isto é, mais na antecipação de uma evolução futura dos problemas do que na determinação e classificação das dificuldades observadas. Tanto o diagnóstico como o prognóstico beneficiam de práticas de avaliação funcional que favoreçam por si mesmas a aproximação aos objectivos educacionais pretendidos, isto é, a redução dos problemas e a superação das dificuldade. Estas práticas favorecem a monitorização da evolução do desempenho, a auto-regulação e a melhoria contínua dos processos de ensino e de aprendizagem.

A avaliação da fluência da leitura oral tem sido uma das áreas de aplicação recente destes pressupostos, incluindo um conjunto de trabalhos já publicados ou ainda em desenvolvimento (Branco, 2009; Coelho, 2010; Correia, 2009; Luís, 2010; Tristão, 2009). Nesta comunicação sintetizam-se de forma breve os procedimentos desenvolvidos e alguns dos resultados obtidos.

1.1 Objectivos e questões de investigação

Monitorizar a fluência da leitura oral permite: observar como evolui ao longo do tempo a leitura de um aluno ou de um grupo de alunos (grupo-turma) possibilitando a construção de curvas de aprendizagem e a determinação de normas internas a cada escola; identificar precocemente dificuldades; planear a intervenção educacional; promover e estimular a leitura de todos; prevenir o insucesso pelo agravamento das dificuldades ao longo do tempo. Contribui deste modo para um conjunto de objectivos ainda mais vasto, no âmbito dos princípios de uma educação para todos.

Neste trabalho, analisam-se de forma muito breve alguns dos resultados obtidos, bem como o modo como esses resultados podem ajudar a responder a algumas questões de investigação:

1. Existem diferenças significativas na fluência da leitura oral, velocidade e precisão, entre turmas do mesmo nível de escolaridade de diferentes escolas e contextos?

2. Existem diferenças significativas na fluência da leitura oral, velocidade e precisão, entre turmas de diferentes níveis de escolaridade da mesma escola e contexto?

3. Como evolui a fluência da leitura oral, velocidade e precisão, ao longo do tempo num mesmo grupo de alunos (perspectiva longitudinal)?

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2. Método

A avaliação da fluência da leitura oral tem sido desenvolvida e repetidamente efectuada (observações repetidas ano após ano) sobretudo em contextos anglo-saxónicos (bem como em países de língua espanhola), tendo por base habitualmente procedimentos de avaliação com base no currículo (Deno, Fuchs, Marston & Shin, 2001; Hasbrouck & Tindal, 2006; Shapiro, 2011; Rasinski, 2003). Os estudos que agora se referem, foram desenvolvidos com o objectivo de traduzir e adaptar ao contexto educativo português, procedimentos e práticas similares (e.g. Rasinski, & Padak, 2005). Trata-se basicamente de seleccionar textos de manuais escolares do nível dos alunos e de os utilizar para uma observação informal da sua leitura oral, por um período de 2 a 5 minutos, por texto. Estas observações são efectuadas individualmente, num contexto natural, num espaço disponível na própria escola, desde que com condições de privacidade e de algum isolamento acústico. Um por um, todos os alunos de uma turma vêm a esse espaço disponível, para um breve encontro com o observador (psicólogo educacional com treino específico para este procedimento), existindo sempre a preocupação de criar um contexto facilitador, em que o aluno se constitui como um participante activo, informado e motivado para dar o seu melhor e evoluir o mais possível na sua leitura. Todas as leituras são gravadas para fins de cotação e análises de validade e precisão da medida, os dados são analisados no espaço de algumas semanas e devolvidos a cada professor e a cada escola em contexto de formação colaborativa, para análise e identificação de estratégias de intervenção mais ou menos imediata.

Embora tenham já sido consideradas múltiplas variáveis caracterizadoras da leitura oral (qualidade, expressividade, compreensão, dificuldade percebida pelos participantes, motivação, estratégias e hábitos de leitura) nesta comunicação referem-se apenas dados referentes à

velocidade de leitura (número de palavras correctamente lidas (NPCL) por minuto,

considerando o tempo de leitura em minutos (TL), calculada pela fórmula, NPCL/TL*60) e

precisão na leitura (percentagem de palavras correctamente lidas, considerando o número total

de palavras no texto (NP), calculada pela fórmula, NPCL/NP*100).

As observações podem ser efectuadas em grupo-turma, como as que agora se reportam, ou individualmente, para a elaboração de curvas de aprendizagem ao longo de períodos de tempo mais ou menos longos, monitorização de resultados de intervenções individuais no contexto clínico ou para uma determinação da evolução individual ao longo do ano escolar.

Os dados que agora se sintetizam, foram recolhidos no último período dos anos lectivos de 2010 e 2011, em cinco pequenas escolas, públicas e privadas, urbanas (Grande Lisboa) e rurais

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(Alentejo), incidindo sempre na observação de turmas (e não de indivíduos) para um maior controlo de variáveis associadas à docência e ao desenvolvimento curricular. Uma análise mais detalhada das amostras e dos resultados sumariamente aqui referidos pode ser obtida nos trabalhos já publicados (Luís & Gonçalves, 2011; Tristão & Gonçalves, 2011) ou encontra-se disponível apenas em documentos de circulação restrita, cujos dados foram cordialmente disponibilizados para este trabalho de síntese (Marques & Gonçalves, 2011; Tristão, Silva & Aleixo, 2011).

3. Resultados

Os resultados obtidos revelam uma distribuição e estrutura muito similares em todas as turmas e escolas observadas até ao momento.

Em todos os casos observados, em qualquer ano de escolaridade, no contexto urbano ou rural, registam-se em todas as turmas amplitudes de velocidade de leitura que correspondem pelo menos ao dobro do valor mínimo observado. Isto é, se numa turma o leitor mais lento apresenta um valor de velocidade de leitura de 40 palavras por minuto, observa-se em todos os casos a presença de pelo menos um outro leitor que lê uma a duas vezes mais depressa (para este exemplo, entre 80 a 120 palavras por minuto). Na generalidade dos casos, os professores titulares de cada turma identificam sem dificuldade os alunos com maiores dificuldades, mais lentos ou mais imprecisos, mas reconhecem não estar realmente conscientes de uma tão grande diversidade nos desempenhos de cada turma.

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Quanto à velocidade de leitura, uma análise comparada entre cinco turmas do quarto ano de escolaridade (Figura 1), observadas de acordo com um mesmo procedimento e tendo por base os mesmos textos, revela que independentemente da zona e do ano escolar, não se observaram diferenças significativas entre médias (F(4, 84) = 1.65, p=.169). Isto é, embora as turmas tenham

dimensões e condições de ensino diferentes, o nível médio de velocidade de leitura não difere de forma significativa entre turmas. O valor médio observado no conjunto das turmas de 4º ano de escolaridade (N=89) foi de cerca de 100 palavras correctamente lidas por minuto (valor médio exacto de 100.89), variando entre um valor mínimo observado de 44.12 e um valor máximo de 160 palavras por minuto (valores que foram observados na mesma turma, com uma amplitude de cerca de 116 palavras por minuto). Nas restantes quatro turmas, observaram-se amplitudes de velocidade de leitura respectivamente de: 76.91 (M=147.38;m=70.47); 75.00 (M=123;m=48); 74.62 (M=124.96;m=50.34); 52.36 (M=120; m=67.64). Dividindo esta pequena amostra em função da variável sexo, uma vez mais se constata que não se observam diferenças significativas entre sexos (t(70)=6.44, p=.522), com diferenças entre médias de 4 a 9

palavras por minuto.

Uma observação mais detalhada dos dados obtidos em cada turma sugere a necessidade de uma observação simultânea das variáveis velocidade e precisão. Esta análise conjunta pode ajudar a distinguir e a caracterizar diferentes tipos de dificuldade e de “maus” leitores. Por exemplo, alguns leitores são lentos mas muito precisos (leitores lentos), enquanto outros são demasiado velozes e podem beneficiar muito de treinos de precisão (leitores imprecisos).

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Quando numa perspectiva transversal se compararam as médias de velocidade de leitura em diferentes anos de escolaridade (Figura 2) numa mesma escola na zona da Grande Lisboa (N=84), observou-se que a média vai melhorando progressivamente ao longo da escolaridade (1º ano, média = 36.66; 2º ano, média = 70.66; 3º ano, média = 82.33; 4º ano, média = 121.41), de forma significativa (F(3, 80) = 35.08, p=.000) com valores dentro dos intervalos sugeridos

como normas de referência para a população americana em idênticos níveis de escolaridade (e.g. Rasinski, 2004). No entanto, ao observar não tanto as médias mas as diferenças inter-individuais, verifica-se que em todos os anos lectivos há alunos que apresentam valores de velocidade de leitura ainda inferiores ao valor médio observado em anos anteriores. Ou seja, embora o grupo-turma evolua de acordo com o esperado, em termos individuais há casos de alunos que revelam dificuldades crescentes ao nível da velocidade de leitura, tendendo mesmo a afastar-se da média do seu grupo-turma. Deste modo, a amplitude observada em cada turma tende a aumentar à medida que se progride na escolaridade, sugerindo a hipótese de que as turmas se tornem gradualmente mais heterogéneas.

Figura 3 – Comparação entre o mesmo grupo de alunos, observados no final do 4º e do 5ºano (N=84)

Quando numa perspectiva longitudinal, se comparam as médias de velocidade de leitura de um mesmo grupo de alunos (N=18) em diferentes anos de lectivos, escola em zona rural, é possível observar que todos os alunos evoluem, mesmo que de forma mais ou menos significativa (Figura 3). Em Junho de 2010 registou-se uma média de 81.51 palavras correctamente lidas por minuto, e um ano depois, em Julho de 2011, uma média de 96.47. No entanto, comparando o desempenho de cada aluno com as médias observadas na turma (ver

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Figura 4), verifica-se que existem sete alunos abaixo da média em 2010 (assinalada com tracejado menor) e 9 alunos (50% do total de alunos da turma) abaixo do valor médio em 2011 (assinalada com o tracejado mais largo). Ou seja, uma vez mais o valor médio apresenta uma evolução significativa e positiva, mascarando uma maior dispersão e o acentuar de diferenças inter-individuais.

Idênticos valores se observam para a precisão na leitura, com uma média de 93.43% observada em 2010, e de 95.81% observada em 2011. Esta evolução aproxima o desempenho da turma do desejado nível de autonomia ou independência, que tem sido fixado acima dos 96% (Rasinski, 2004). Mas numa observação inter-individual mais atenta, observa-se que não só alguns alunos regridem no seu desempenho ao nível da precisão tornando-se mais imprecisos (cinco casos observados nesta amostra de 18 alunos), como noutros (quatro casos) mesmo evoluindo não o fazem de forma significativa, isto é, mantêm níveis de desempenho carentes de instrução complementar (precisão com valores entre 90 e 96%) ou mesmo designados como níveis de frustração (valores de precisão inferiores a 90%), carecendo de apoio específico (um caso observado).

Figura 4 – Comparação entre o mesmo grupo de alunos, observados no final do 4º e do 5ºano (N=84)

Estes resultados sugerem que estes procedimentos não servem tanto a uma comparação entre escolas ou turmas, antes a uma análise intra-individual, inter-individual ou longitudinal dentro do mesmo grupo. É ao nível individual que são especialmente necessários procedimentos de avaliação sensíveis à mudança, que permitam a determinação de curvas de

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aprendizagem, a monitorização do modo como cada aluno evolui face à instrução ou no seguimento de intervenções específicas, quer desenvolvidas no contexto clínico, quer no contexto educacional. Esta monitorização pode ser directamente acompanhada pelo aluno, em auto-registo ou tutoria a pares, com ganhos adicionais ao nível da motivação e auto-regulação.

4. Conclusão

A avaliação da fluência da leitura oral através de procedimentos de avaliação com base no currículo permite: a) descrever a evolução das aprendizagens; b) identificar alunos em dificuldade; c) tipificar dificuldades; d) planear estratégias educativas adequadas; e) verificar os resultados obtidos (nomeadamente para uma maior motivação dos alunos, manutenção do esforço, etc.). Avaliar a fluência permite ainda: uma mais adequada formação de professores; uma melhor comunicação com os pais e outros agentes educativos; a investigação de práticas educativas mais adequadas; o desenvolvimento de normas locais (ao nível de cada escola) bem como o desenvolvimento de procedimentos de avaliação da qualidade educacional.

A Leitura é uma competência básica essencial tanto do ponto de vista individual como da comunidade; neste sentido deve ser alvo de práticas de Educação para Todos. Isto requer a determinação de curvas de aprendizagem para uma identificação precoce de alunos em dificuldade, a monitorização dos progressos de todos e especialmente dos alunos em dificuldade, uma abordagem centrada no prognóstico (mais do que no diagnóstico) para o desenvolvimento de intervenções pedagógicas e psicológicas cada vez mais informadas e adequadas.

5. Referências

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Figura 1 – Comparação entre turmas do 4ºano de escolaridade de diferentes contextos educativos
Figura 2 – Comparação entre turmas de diferentes anos de escolaridade, de uma mesma escola (N=84)
Figura 3 – Comparação entre o mesmo grupo de alunos, observados no final do 4º e do 5ºano (N=84)
Figura  4),  verifica-se  que  existem  sete  alunos  abaixo  da  média  em  2010  (assinalada  com  tracejado menor) e 9 alunos (50% do total de alunos da turma) abaixo do valor médio em 2011  (assinalada com o tracejado mais largo)

Referências

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