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Acesso à Justiça – Análise das Divergências do CITIUS

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 7 de setembro de 2012, Guimarães, Portugal

ISSN 2183-489X

DOI http://dx.doi.org/10.18803/capsi.v12.71-80

71

Francisco Barros Leite, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Portugal, cbl@isec.pt Pedro Antunes, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal, paa@di.fc.ul.pt

Resumo

O conceito de e-Justice é geralmente definido como o recurso aos sistemas de informação com o objectivo de melhorar o acesso dos cidadãos à Justiça. Contudo, os avanços práticos na utilização dos sistemas de informação na Justiça têm sido geralmente lentos e, por vezes, problemáticos, pois na interacção entre tecnologia e organizações fortemente regulamentadas nem sempre os resultados obtidos coincidem com os pretendidos. Com o objectivo de avaliar a forma como este conceito tem sido aplicado à realidade jurídica portuguesa, faz-se uma análise do sistema CITIUS. O estudo mostra a existência de divergências na forma de representação e no processo de evolução face ao conceito de e- Justice. De modo a minimizar estas divergências, sugere-se abandonar a estratégia de automatização dos procedimentos formais existentes, que não consideram o impacto da tecnologia. Ao invés, o desenvolvimento de um sistema de e-Justice deverá passar por uma conjugação entre o desenvolvimento da componente tecnológica e alterações na componente processual do sistema judicial.

Palavras-chave: e-Justice; desintermediação; processo judicial virtual.

1. I

NTRODUÇÃO

Qualquer tipo de comunidade tem a experiência de situações de conflito, que tem de enfrentar e resolver. Uma das principais funções da governação é proporcionar mecanismos para a resolução desse tipo de situações, facilitando o acesso dos cidadãos ao sistema judicial. A Justiça não é imune às mudanças nas infra-estruturas tecnológicas, pois a sua actividade tem por base uma intensa troca de informação. Na realidade, os sistemas jurídicos contemporâneos, nas suas estruturas e nos procedimentos usados, são o resultado de uma evolução de muitos séculos, em que a infra-estrutura prevalecente de comunicação em cada época foi determinando a forma, o conteúdo e a aplicação das leis (Martinez 2009a; 2009b).

O direito de acesso dos cidadãos à Justiça tornou-se um tema importante no âmbito das reformas nos sistemas judiciais (Reiling 2009). Mas o acesso à Justiça é um tema complexo, baseado num conjunto de factores interdependentes, todos eles susceptíveis de condicionar o sistema. Definimos e-Justice como o recurso aos sistemas de informação com o objectivo de facilitar o acesso directo dos cidadãos à Justiça, possibilitando a qualquer pessoa o direito a defender-se a si própria e possibilitando que a resolução do processo judicial possa ser realizada através do sistema de informação, minimizando o recurso ao Tribunal “tradicional”.

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 72 Os avanços práticos na aplicação dos sistemas de informação na Justiça têm sido, no entanto, geralmente lentos e, por vezes, problemáticos (Velicogna 2011). Na interacção entre a tecnologia e as organizações fortemente regulamentadas, tais como os tribunais, nem sempre os resultados obtidos coincidem com os pretendidos. Os tribunais são ambientes hierarquicamente estruturados, em que os procedimentos são definidos com pormenor, por leis e regulamentos. Mas o que hoje está actualizado pode amanhã deixar de ter utilidade, tal é a profusão legislativa, ela própria sujeita a sucessivas rectificações (Valles 2009). Para Contini & Cordella (2007), a natureza sociotécnica dos sistemas de e-Justice deve ser abordada através de um modelo que considere a natureza evolutiva da estrutura de informação que lhe está subjacente. Para Bryl et al. (2009), os problemas mais difíceis são 1) a compreensão dos requisitos do sistema de informação; 2) a forma como o sistema de informação pode apoiar a actividade organizacional; e 3) o modo como a actividade organizacional é influenciada pela introdução do sistema de informação. Como Migliarese & Corvello (2009) salientam, quando se introduz uma componente tecnológica numa organização, o seu sistema organizacional e o seu sistema tecnológico evoluem, modificando-se um ao outro.

O texto que se segue está estruturado do seguinte modo. Na segunda secção identificam-se os principais factores que limitam o acesso aos tribunais e que devem ser tidos em consideração na formulação de um sistema de e-Justice. Na terceira secção são analisados três modelos que caracterizam o desenvolvimento de sistemas de e-Justice no contexto europeu. Na quarta secção é realizada a análise relativa à concepção de um sistema de e-Justice. Na quinta secção, analisa- se o sistema de e-Justice português, denominado CITIUS, considerando em particular a capacidade de coevolução entre o subsistema de informação e o subsistema judicial. O CITIUS é um sistema de gestão processual e de desmaterialização de processos judiciais nos tribunais, desenvolvido pelo Ministério da Justiça para o caso português. Por último, na sexta secção, são apresentadas algumas conclusões.

2. O

C

ONCEITO DE

A

CESSO À

J

USTIÇA

O acesso à Justiça é um conceito muito amplo, que envolve mais do que as garantias formais inscritas na lei. A distância, a falta de disponibilidade, a falta de informação e de conhecimento jurídico, e o custo do processo judicial podem ser factores de impedimento no acesso aos tribunais (Reiling 2009; UNDP 2004). A distância condiciona o acesso aos tribunais pois, por vezes, os tribunais estão concentrados nos principais centros populacionais, dificultando a presença do cidadão no tribunal. A falta de informação e de conhecimento jurídico, associada à complexidade inerente à tramitação jurídica e administrativa dos tribunais, é outro factor que restringe o acesso do cidadão aos tribunais. O custo do processo judicial é identificado como um dos factores que mais restringe o acesso aos tribunais. Para além das custas judiciais, devem ser ainda considerados os custos da representação legal, das deslocações ao tribunal, e da ausência do posto de trabalho. Um sistema de e-Justice deve

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 73 permitir reduzir estes custos, a fim de proporcionar um acesso real à Justiça; “os tribunais devem estar perto dos cidadãos” (World Bank & IMF 2005).

Todos estes factores condicionam a concepção de um sistema de e-Justice. Neste trabalho vai ser investigada a capacidade de um sistema de e-Justice representar dois aspectos fundamentais do acesso à Justiça: 1) a possibilidade de qualquer pessoa ter o direito a defender-se a si própria (desintermediação), minimizando os custos de representação; e 2) a possibilidade da resolução de um processo judicial ser realizada através do sistema de informação (processo judicial virtual), minimizando os custos de deslocação. Neste artigo define-se processo judicial virtual como um processo no qual todos os actos processuais são realizados por via electrónica. Na Tabela 1 estão sintetizadas as relações entre os factores que limitam o acesso à Justiça e os dois aspectos fundamentais estudados neste artigo.

Factor de Impedimento

Desintermediação Processo Judicial Virtual

Distância Pode suportar o acesso remoto

Falta de tempo Pode suportar gestão individual de tarefas

Pode suportar gestão diferida de tarefas

Falta de informação e de conhecimento jurídico

Pode oferecer ajudas e suporte aos utilizadores

Pode oferecer ajudas e suporte aos utilizadores

Custo do processo judicial

Pode reduzir custos de representação legal

Pode reduzir custos de gestão de infraestruturas físicas

Tabela 1 – Relações entre Factores de Impedimento, Desintermediação e Processo Judicial Virtual.

3. A

E

XPERIÊNCIA DE E

-J

USTICE NA

E

UROPA

No panorama judicial europeu, de acordo com Carnevalli (2009) e com Velicogna (2011), os sistemas de e-Justice seguiram um de três modelos de desenvolvimento. Um dos modelos é baseado na simplificação (modelo Minimalista), e tem mostrado ser especialmente adequado quando orientado para a resolução de casos de baixa complexidade, com um padrão comum e em grande quantidade. Isto é particularmente evidente no sistema MCOL (Money Claims On Line), utilizado na Inglaterra e País de Gales, onde os esforços foram orientados para a definição de uma estratégia de simplificação funcional. Com o mesmo objectivo de simplificação, o sistema finlandês (Tuomas/Santra) teve por base a noção de que a grande maioria dos processos judiciais na Finlândia eram casos simples, do mesmo tipo e, como tal, adequados a um sistema de gestão automatizada de processos. Para permitir a troca de documentos jurídicos por via electrónica (e-mail), a legislação foi sendo sucessivamente alterada (entre 1993 e 2003), ficando dispensada qualquer tipo de assinatura (autógrafa ou electrónica) nos documentos relativos aos processos. Nos sistemas MCOL e Tuomas/Santra, como premissa para a simplificação, foi assumido que, se a partir de uma

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 74 determinada fase um processo se tornasse mais complexo, ele seria transferido para os meios judiciais tradicionais.

O segundo modelo de desenvolvimento é baseado na representação da complexa infra-estrutura processual e formal do sistema judicial no sistema de e-Justice (modelo Holístico). Nesta abordagem, os esforços são direccionados para a definição pormenorizada e rigorosa das diversas características que a tecnologia deve satisfazer, assim como das diversas modalidades em que ela deve ser utilizada (modelo usado no sistema francês e-Barret, no sistema italiano Processo Civile Telematico e no sistema português CITIUS).

O terceiro modelo de desenvolvimento (modelo Evolutivo) é baseado na evolução gradual dos sistemas de e-Justice. A partir de uma fase inicial, com base na implementação de um sistema muito simples, restrito a um determinado tipo de processos e de utilizadores, o sistema evolui, aumentando a sua complexidade e domínios de aplicação, conjugado com a alteração da legislação. Um sistema que se enquadra neste modelo de desenvolvimento, e que é considerado um exemplo bem-sucedido de e-Justice, é o sistema austríaco ERV/WebERV.

A partir da experiência adquirida no desenvolvimento do sistema austríaco, foram implementados sistemas de e-Justice na Estónia, Eslováquia e Turquia (Velicogna 2008). Estes projectos tentam conjugar o desenvolvimento do sistema tecnológico com alterações no sistema legislativo e na estrutura organizacional do sistema judicial. Na Tabela 2 estão sintetizadas as principais características dos três modelos de desenvolvimento.

Designação Minimalista Holísti

co Evoluti vo Modelo de Desenvolvimento Baseado na simplificação do sistema tecnológico e do sistema legislativo Baseado na representação da infraestrutura processual do sistema judicial Baseado na simplificação do sistema e evoluindo gradualmente para a representação completa do sistema judicial Tipo de Processo Judicial Orientado para a resolução de casos simples, de baixa complexidade Orientado para incluir todos os tipos de casos judiciais

Orientado para gradualmente incluir todos os tipos de casos judiciais

Domínio de Utilizadores

Qualquer cidadão Magistrados,

funcionários judiciais e advogados

Qualquer cidadão

Realização do

Processo Judicial Virtual/Presencial Presencial Presencial Exemplos MCOL, Tuomas/Santra e-Barret, Proc. Civile

Telematico,

CITIUS

WebERV

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 75

4. A

BORDAGEM

À

A

NÁLISE DO

P

ROBLEMA

Um Tribunal orienta o seu funcionamento por uma atitude de estabilidade no cumprimento de normas e rigor na execução das suas atribuições e competências. Porém, na prática, o Tribunal é confrontado com situações muito diversas que emergem na sociedade, cuja especificidade própria não permite soluções preestabelecidas. Por outro lado, a legislação não consegue prever todas as situações reais e as leis e os regulamentos mudam ao longo do tempo. Esta dimensão externa pressiona a estrutura funcional do sistema judicial, a que o subsistema de informação e o subsistema legislativo devem responder com coerência. Neste sentido, se estes subsistemas não têm a flexibilidade e a adequação necessárias para se manterem actualizados, resulta em geral, numa perda de operacionalidade do sistema judicial ([Velicogna 2008).

No desenvolvimento de tal sistema, quer quem desenvolve o subsistema de informação quer quem concebe o subsistema legislativo e a estrutura organizacional têm, devido aos seus diferentes domínios de conhecimento, perspectivas diferentes acerca da natureza do problema e, consequentemente, diferentes pressupostos relativos à sua representação numa solução, comum. Na fase de evolução do sistema judicial, o objectivo também é o mesmo: compreender como é que a organização se torna mais eficaz e mais eficiente, inova e aumenta a qualidade do serviço. Considerando a estrutura organizacional, a definição de uma orgânica com suficiente flexibilidade resolve normalmente os problemas da assimilação das alterações vindas da tecnologia. No caso do sistema de informação, consideram-se os problemas de apoio à mudança organizacional, dentro dos limites de um sistema em execução, que deve preservar um elevado grau de coerência.

A capacidade de assimilar no sistema Judicial as alterações tecnológicas, orgânicas, processuais e legais pode ser realizada de duas formas distintas. Uma delas é através da aprendizagem: toda a organização é um sistema em aprendizagem, embora algumas sejam mais efectivas do que outras. A aprendizagem permite optimizar a utilização do saber e alargar o conhecimento mais rapidamente (Wellman 2009). A outra forma de assimilação consiste em melhorar a intervenção humana através da automatização, desenvolvendo sistemas de informação que suportem uma interacção flexível entre tarefas humanas e tarefas automáticas, com controlo e supervisão mútuos, e que também permitam acções compensatórias e correctivas, através da colaboração mútua entre estas duas componentes (Antunes 2011).

5. E

STUDO DE

C

ASO

O

CITIUS

NO

P

ROCESSO

C

IVIL

C

OMUM

O

RDINÁRIO

O CITIUS é definido como um sistema de e-Justice, no contexto do sistema judicial português. O CITIUS é um sistema de gestão processual e de desmaterialização de processos judiciais desenvolvido pelo Ministério da Justiça, no âmbito da política de modernização da Justiça. Essa política propunha, em 2004, o desenvolvimento de um sistema informático de suporte às actividades

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 76 dos tribunais, em ligação com os restantes intervenientes no domínio judicial, permitindo aumentar o controlo do respectivo processo “produtivo” e, dessa forma, aumentar a previsibilidade e cumprimento dos prazos. Do mesmo modo, foi considerado que o desenvolvimento do sistema de informação devia estar orientado para o serviço público, através da disponibilização de meios que permitam a consulta e a interacção com os processos, e que evoluísse para um estado em que o cidadão comum pudesse, por exemplo, enviar para um Tribunal peças processuais e consultar remotamente os processos que lhe digam respeito, aumentando o conhecimento do cidadão sobre a organização judicial (Citius 2004).

O CITIUS pode ser caracterizado como um sistema baseado na representação da complexa infraestrutura processual e legal do sistema judicial português. O CITIUS engloba um conjunto de aplicações informáticas, diferenciadas para cada um dos diversos intervenientes judiciais: juízes, magistrados do ministério público, funcionários judiciais dos tribunais e mandatários judiciais das partes.

O estudo de caso foi baseado na análise documental do código do processo civil (CPC 2010) e na legislação e literatura disponíveis que descrevem o sistema CITIUS (Citius 2004, 2008; Maurício 2010). Tal como anteriormente referido, iremos analisar a capacidade de representação e de evolução do sistema.

Representação. Relativamente à capacidade do CITIUS representar um conjunto de aspectos fundamentais relacionados com o acesso à Justiça, no âmbito do processo civil comum ordinário, foram consideradas duas questões a investigar:

Q1. A possibilidade de qualquer pessoa ter o direito a defender-se a si própria (desintermediação). Q2. A possibilidade da resolução de um processo judicial ser realizada através do sistema de informação (processo judicial virtual), minimizando as deslocações ao Tribunal e optimizando a gestão do tempo.

O processo civil, no âmbito do processo judicial, é o meio legal de acesso aos tribunais para a resolução de qualquer conflito de interesses de ordem privada. As partes integrantes de um processo judicial são o Autor (que apresenta a queixa), o Réu (contra quem é apresentada a queixa) e um Juiz do Tribunal. O código do processo civil determina a proibição de autodefesa e determina que, no processo civil comum ordinário, seja obrigatória constituição de advogado. A não indicação do advogado leva, por exemplo, à recusa da petição inicial do autor ou à situação de revelia absoluta do réu. A legislação relativa ao CITIUS (Citius 2008) refere que o CITIUS só pode ser utilizado por juízes, magistrados do ministério público, funcionários judiciais dos tribunais, advogados e solicitadores que estejam registados para o efeito no Ministério da Justiça.

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 77 Relativamente à possibilidade da resolução de um processo judicial ser integralmente realizada através do sistema, é de referir que, por concepção, o CITIUS é um projecto de “desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na Justiça” que tem como objectivo principal simplificar a gestão dos processos de trabalho nos tribunais. O sistema CITIUS apenas alterou o meio e a forma de apresentação dos elementos processuais e de outros documentos, pelos advogados, no Tribunal, assim como a forma de realização e gestão dos equivalentes actos processuais por magistrados e funcionários judiciais. Neste sentido, para além do trâmite documental, nada mais foi alterado na rotina dos tribunais e no código do processo civil.

Na Tabela 3 estão sintetizadas as divergências identificadas na representação do CITIUS, no âmbito do processo civil comum ordinário, relativamente às duas primeiras questões investigadas.

Questões Investigadas Divergências na Legislação

Divergências no CITIUS

Desintermediação - A

possibilidade de qualquer pessoa ter o direito a defender-se a si própria

No processo civil comum ordinário é obrigatória a constituição de advogado

O CITIUS só pode ser utilizado por juízes, magistrados do ministério público, funcionários judiciais dos tribunais, advogados e solicitadores

Processo Judicial Virtual - A

possibilidade da resolução de um processo judicial ser realizada através do sistema de

informação

O código do processo civil permite a apresentação e a gestão administrativa dos documentos processuais através de meios electrónicos, mas as audiências continuam a ter de ser realizadas na forma presencial

O CITIUS permite a apresentação e a gestão administrativa dos

documentos processuais, mas as audiências continuam a ter de ser realizadas na forma presencial

Tabela 3 – Divergências na Representação.

Evolução. Relativamente à capacidade de coevolução dos subsistemas de informação e legislativo, no contexto do CITIUS, foram consideradas três questões a investigar:

Q3. A capacidade de evolução perante a alteração na legislação.

Q4. A capacidade de gerar uma solução perante um caso que não está previsto no código do processo civil.

Q5. A capacidade da actividade dos tribunais e do código do processo civil evoluírem perante a evolução do sistema de informação.

Em relação à capacidade de evolução perante uma alteração legislativa têm que ser analisados dois casos. Um é o caso de haver uma alteração na legislação. Neste caso, como o CITIUS é um sistema de entrega de peças processuais, para os advogados, e de gestão processual, para os tribunais, qualquer alteração na legislação não tem influência no modo de funcionamento do sistema, sendo

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 78 este entendido como um “sistema que suporta uma interacção flexível entre as tarefas humanas e as tarefas automáticas, com controlo e supervisão mútuos, e que, deste modo, permite acções compensatórias, ou correctivas, através da colaboração mútua entre estas duas componentes”. O outro caso consiste na alteração da legislação que regula o modo de constituição e tramitação dos elementos do processo judicial. Tendo em consideração o tipo de sistema e o perfil dos seus utilizadores, é de inferir que nestes casos seja disponibilizada uma nova versão do sistema, que esteja em conformidade com as alterações legais efectuadas.

A capacidade de gerar uma solução perante um caso judicial que não está previsto no código do processo civil é um caso semelhante ao primeiro, em que qualquer omissão na legislação perante um caso real não tem influência no modo de funcionamento do CITIUS. O processo civil é definido por um conjunto de regras e é orientado por um conjunto de princípios gerais que se concretizam nas garantias de imparcialidade e de independência do Tribunal, de igualdade das partes, do direito ao contraditório e da tomada de decisão num prazo razoável. Nos casos omissos, o Tribunal recorre a esse conjunto de princípios gerais do processo civil para encontrar uma solução. A solução fica inteiramente dependente do factor humano, exterior ao subsistema de informação. Neste caso, o CITIUS serve como um meio de tramitação e de “assimilação” da solução encontrada. A solução encontrada pode ser consultada no CITIUS, servir de base de trabalho para outras situações e alargar o conhecimento dos seus actores.

Em relação à capacidade dos tribunais e do código do processo civil evoluírem perante a evolução do sistema de informação, há que salientar que a concepção do CITIUS condiciona a sua capacidade de coevolução. Se, por um lado, foi efectuada uma série de alterações legislativas, mostrando que o sistema judicial evoluiu pressionado pelas possibilidades de evolução da componente tecnológica, por outro lado essas alterações legislativas condicionam, no tempo, a evolução da componente tecnológica ao tentarem regular, em pormenor, todas as possíveis variações existentes nas formas em que ela deve ser usada no sistema judicial. Isto resulta, ao longo do tempo, num processo evolutivo desfasado que, perante a dinâmica da sociedade, leva a uma diminuição gradual da eficácia, eficiência e qualidade dos serviços do sistema judicial.

Na Tabela 4 estão sintetizadas as divergências identificadas na evolução do CITIUS, no âmbito do processo civil comum ordinário, relativamente às três últimas questões investigadas.

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 79 Questões Investigadas Divergências na Legislação Divergências no CITIUS

Capacidade de evolução perante alterações na legislação

O CITIUS não tem capacidade de evolução se a nova legislação obrigar à introdução de uma nova funcionalidade, à modificação da forma ou da ordem pelas quais são realizadas as funcionalidades do sistema

Capacidade de gerar uma solução perante um caso que não está previsto no código do processo civil

A legislação tem a capacidade de gerar uma solução pois, nos casos omissos, o Tribunal recorre ao conjunto de princípios gerais do processo civil para encontrar uma solução

O CITIUS tem a capacidade de gerar uma solução pois qualquer omissão na legislação perante um caso real não tem influência no modo de funcionamento do CITIUS

Capacidade da actividade dos tribunais e do código do processo civil evoluírem perante a evolução do sistema de informação

A capacidade de coevolução está condicionada pois a legislação restringe as características e as formas de interacção do subsistema de informação à representação da complexa infra-estrutura

processual judicial

Tabela 4 – Divergências na Evolução.

6. C

ONCLUSÃO

Os tribunais judiciais, como instituições privilegiadas na resolução de conflitos, são instrumentos centrais da qualidade da democracia. Numa perspectiva funcional, pode afirmar-se que, se o poder judicial é ineficaz, a balança de poderes fica desequilibrada, afectando assim a qualidade do sistema democrático (Chumbinho 2007).

Considerando o conceito de e-Justice proposto neste artigo, o presente estudo de caso mostrou que, tal como Velicogna (2011) refere, “paradoxalmente, em alguns casos, um sistema de e- Justice, em vez de reduzir a intermediação e de promover o acesso aos tribunais, vem restringir o seu acesso a determinados grupos profissionais e reduzi-lo a um conjunto restrito de procedimentos específicos”. Neste sentido, foi identificada a existência de divergências no sistema CITIUS, no âmbito do processo civil comum ordinário, relativamente a: 1) capacidade para possibilitar a qualquer pessoa o direito a defender-se a si própria; 2) capacidade para resolver um processo judicial através do sistema de informação; 3) capacidade para responder de forma adequada às alterações na legislação; e 4) capacidade para evoluir a actividade dos tribunais e o código do processo civil perante a evolução do sistema de informação.

O processo de desenvolvimento de um sistema de e-Justice passa, necessariamente, por conjugar o desenvolvimento do subsistema tecnológico com as necessárias alterações no subsistema legal e na estrutura organizacional do sistema judicial. Como tal, é necessário abandonar a ideia de que o desenvolvimento de um sistema tecnológico consiste num simples processo de automatização dos

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12.ª Conferência da Associação Portuguesa de Sistemas de Informação (CAPSI’2012) 80 procedimentos inerentes à complexa infra-estrutura processual, formal e normalizada de um sistema judicial.

R

EFERÊNCIAS

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Imagem

Tabela 1 – Relações entre Factores de Impedimento, Desintermediação e Processo Judicial Virtual
Tabela 2 – Características dos Modelos de Desenvolvimento de um Sistema de e-Justice.
Tabela 3 – Divergências na Representação.
Tabela 4 – Divergências na Evolução.

Referências

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