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O fundamento económico da contabilidade

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E S T U D O S I

Cidadania, Instituição e Património Economia e Desenvolvimento Regional Finanças e Contabilidade Gestão e Apoio à Decisão Modelos Aplicados à Economia e à Gestão A Faculdade de Economia da Universidade do Algarve

Faculdade de Economia da Universidade do Algarve 2004

F

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COMISSÃO EDITORIAL António Covas

Carlos Cândido Duarte Trigueiros Efigénio da Luz Rebelo João Albino da Silva João Guerreiro Paulo M.M. Rodrigues Rui Nunes _______________________________________________________________________ FICHA TÉCNICA

Faculdade de Economia da Universidade do Algarve Campus de Gambelas, 8005-139 Faro

Tel. 289817571 Fax. 289815937 E-mail: ccfeua@ualg.pt

Website: www.ualg.pt/feua Título

Estudos I - Faculdade de Economia da Universidade do Algarve Autor

Vários Editor

Faculdade de Economia da Universidade do Algarve Morada: Campus de Gambelas

Localidade: FARO Código Postal: 8005-139 Compilação e Design Gráfico Susy A. Rodrigues

Revisão de Formatação e Paginação Lídia Rodrigues

Fotolitos e Impressão

Serviços Gráficos da Universidade do Algarve ISBN 972-99397-0-5 - Data: 26.10.2004 Depósito Legal 218279/04 Tiragem 500 exemplares Data Novembro 2004

RESERVADOS TODOS OS DIREITOS REPRODUÇÃO PROIBIDA

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O Fundamento económico da contabilidade

Duarte Trigueiros

Faculdade de Economia, Universidade do Algarve

Resumo

São recordados os problemas de assimetria informativa que estão na origem da Contabilidade moderna e a forma como esta evoluiu para dar resposta a esses problemas. O texto explica a grande dependência das economias mais evoluidas em relação à prática contabilística, apontando as dificuldades daí decorrentes. O texto advoga uma maior integração entre a Contabilidade e as Ciências Económicas.

Palavra chave: Relatório Contabilísitco; Informação Contabilísitca;

Abstract

The article describes some obvious situations of asymmetry in information that financial reporting is meant to minorate. An evolution of accounting practices in response to new economic tools and situations is also presented. The text highlights the close dependency of modern economies in relation to reporting practices. A higher integration between Accounting and Economics is thus advocated.

Key word: accounting report; asymmetric information.

1. Introdução

Os últimos anos têm presenciado grandes escândalos financeiros envolvendo empresas de ambos os lados do Atlântico. O caso mais falado foi o do gigante de distribuição petrolífera Enron que, em inícios de 2001, faliu inesperadamente, deixando milhares de empregados sem salários nem reforma e centenas de credores por pagar em todo o mundo.

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Foi o uso artificioso das regras contabilísticas que permitiu aos gestores da Enron ocultarem, durante meses, a situação precária da empresa. Por esse motivo, tal

foi o descrédito em que caiu a entidade revisora das contas da Enron,1 que esta acabou

também por se desintegrar. Desde então, é raro o mês em que não vem a público um

novo escândalo envolvendo a manipulação de contas de grandes empresas.2 Como no

caso da Enron, cada um destes escândalos trás consigo a desgraça para milhares de pessoas e perdas de quantias avultadas.

Perante este cenário, ninguém duvida do papel decisivo que foi atribuído à Contabilidade nas economias mais sofisticadas. Pode-se criticar a Contabilidade pela sua vulnerabilidade mas não pela pouca importância. É pois oportuno reflectir sobre as raízes e razão de ser da Contabilidade com vista a melhor avaliar as suas fraquezas e o modo de as ultrapassar. Será esse o primeiro objectivo deste texto. O segundo é tentar perceber por que razão em Portugal ninguém terá feito depender a sua fortuna da fiabilidade das contas de uma empresa. No nosso país a Contabilidade não é tão importante como lá fora e interessa perceber porquê.

2. As origens da Contabilidade moderna

A Contabilidade obtem informação útil a partir de transacções em bruto. Os destinatários dessa informação, as entidades a quem ela é útil, não são tanto os gestores de um negócio mas entidades exteriores tais como accionistas, credores, fornecedores ou o fisco. Assim, contabilizar não significa apenas inventariar em termos económicos, mas também prestar contas a terceiros. Um gestor presta contas perante os donos, credores e outras partes, pela forma como o negócio foi conduzido durante esse ano. Este significado é talvez mais patente em Inglês (to account for, to

demand accountability).

A Contabilidade (aquela de que estamos a tratar) nasceu portanto da separação entre donos (principais) e gestores (agentes). Na medida em que uma economia vai adquirindo ímpeto e se torna mais sofisticada, a abundância de actividades lucrativas e consequente concorrência, favorecem a divisão do trabalho, a especialização. Em economias minimamente evoluídas, os detentores do capital especializam-se em maximizar a rendibilidade desse capital, deixando a criação de valor aos empreendedores e gestores profissionais, cada um com as suas destrezas. Numa

primeira fase, tal especialização é atractiva para uns e outros.3

Situemo-nos em finais do século XVI, altura em que muitas características da Contabilidade moderna tomaram forma, e imaginemos um grupo de comerciantes abastados que se juntam para financiarem uma expedição às especiarias das Indias Orientais. Eles reunem o capital num saco comum. Depois contratam um capitão (o

1 Arthur Andersen, na altura uma das “cinco grandes” multinacionais de auditoria.

2 Comroad, Waste Management, Cendant, Xerox, General Electric, WorldCom, Tyco, Ahold, Adelphia, Global

Crossing, Parmalat…

3 Tal atractivo, assim como outras características de economias com potencial (livre concorrência e

estabelecimento de preços), não se auto-sustenta. Quando deixada só, a economia acaba por ser domminada pelo capital. Desaparece então a concorrência e os preços passam a ser combinados entre oligopolistas. Para que uma economia realize todo o seu potencial difundindo, ao mesmo tempo, bem-estar entre todos, é necessária a intervenção reguladora, imparcial, do Estado.

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agente), o qual irá arrendar e armar um navio, dotá-lo com equipamento e marinhagem, e assumirá o seu comando. Quando a carga é trazida a bom porto, o capitão vende-a, paga os encargos, despede os marinheiros e devolve o navio. Por fim, faz contas com os detentores do capital (os principais): reserva para si a recompensa

estipulada e entrega o restante. Estes, depois de reaverem o capital,4 repartem o que

sobrar, o resultado, de acordo com a parcela de capital com que cada um entrou.

O exemplo deixa antever um possível antagonismo entre donos e gestores. Os donos querem conhecer tudo sobre o negócio pois não lhes agrada a dependência do gestor. Este, porém, não quer desvendar os seus segredos profissionais nem está disposto a tolerar intromissões no seu modo de trabalhar ou, simplesmente, não quer perder tempo a preparar informação. Em geral, uma divulgação muito detalhada de dados referentes às operações de uma empresa limita a acção do gestor, permitindo que os donos se intrometam e facilitando informação à concorrência. A pouca divulgação, pelo contrário, deixa o gestor com mãos livres para fazer o que quiser, mesmo contra os interesses dos donos. Nomeadamente, como o capital não é dele, um gestor pode aceitar riscos lesivos dos interesses de donos e credores.

O dado mais procurado pelos donos (actuais e potenciais) é o “resultado”, a diferença entre os proveitos e os custos em que foi necessário incorrer para obter esses proveitos. No exemplo acima, os proveitos seriam o produto da venda das especiarias. Os custos seriam aquilo que custou armar e equipar o navio, pagar à tripulação e ao capitão, comprar a mercadoria aos produtores, liquidar comissões e taxas, pagar juros a credores, a renda pelo uso do navio e repará-lo antes de o devolver. Mas o resultado não é suficiente para contentar os detentores do capital. Mesmo em casos simples, como o deste exemplo, os donos estariam interessados em conhecer, não apenas quanto tinham ganho, mas também o montante dos proveitos e os principais custos. No fim de contas, um negócio pode produzir o mesmo resultado com margens de lucro altas ou baixas ou de forma rápida ou lenta. O conhecimento destes dados é, juntamente com outros, crucial para quem entra com o capital. A primeira exigência dos donos é pois serem informados, não apenas do resultado, mas também de quais os custos e proveitos. Uma segunda exigência será saberem qual a parcela dos custos e proveitos que resultaram de factos extraordinários ou raros. Pode acontecer que o produto da venda de especiarias tenha sido escasso, mas factos fortuitos tenham depois empolado o resultado. Se, por exemplo, uma boa parte dos proveitos resultou da pilhagem de um galeão espanhol, os detentores do capital devem ser alertados para esse facto sob pena de poderem vir a lançar futuras expedições com base em pressupostos falsos.

Daqui o costume de acompanhar o resultado com a sua “demonstração” ou decomposição em parcelas mais ou menos detalhadas. Mas isto ainda não é informação suficiente para os donos. Continuando com o mesmo exemplo, se o navio usado na expedição, em vez de arrendado, fosse já pertença do mesmo grupo de

investidores, haveria interesse em comparar o património desta companhia5 antes e

4 Neste exemplo o capital é apenas “fundo de maneio” (working capital) pois não houve investimento em bens

imóveis.

5 A “companhia” (partnership) é uma forma jurídica ainda existente onde a empresa não tem entidade e que não

contempla a responsabilidade limitada dos donos. Ficaram famosas as grandes companhias dos séculos XVI a XIX que gozavam de protecção estatal.

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depois do negócio se ter efectuado, contabilizando, não só o resultado mas o desgaste do navio. A “situação líquida” inicial ou final de um negócio é a diferença entre os haveres ou direitos dos donos e as suas obrigações ou dívidas. Com o fim de prestar contas, é obrigação do gestor entregar aos detentores do capital um relatório onde conste a demonstração do resultado e da situação líquida. O conteúdo e nível de detalhe destas demonstrações será objecto de acordo.

Além dos donos, outros importantes destinatários da informação contabilística serão os credores. O tipo de informação que interessa a estes pode não coincidir com aquela que os donos desejariam receber. E, para além destes, ainda existem outras entidades que interactuam com o negócio e que, na medida em que este pode afectar as suas fortunas, terão direito a serem informadas. São elas os fornecedores e clientes, os empregados e o fisco. Quando, por exemplo, a situação líquida de uma empresa se deteriora, os credores correm o risco de perder o dinheiro que emprestaram; os fornecedores, de não serem pagos pelos materiais ou mercadorias que adiantaram; os empregados ficam expostos ao despedimento ou mesmo a perderem pensões e seguros; os clientes, a perderem garantias e assistência.

Poder-se-ia julgar que o ideal seria prepararem-se relatórios separados para cada uma destas partes, de modo a satisfazer os interesses de todos. Não é assim: cada parte tem interesses opostos aos das outras e exige que nenhuma seja favorecida. Há oposição, não apenas entre os interesses dos donos e dos gestores, mas também entre os interesses de donos maioritários e minoritários, entre donos e credores (cada um terá opiniões divergentes em relação ao risco a suportar), entre gestores e credores, e entre qualquer das outras partes sem excluir o fisco. A informação contabilística terá pois que ser imparcial (fair) e a unicidade do relatório deve ser encarada como um pressuposto dessa imparcialidade. Nenhum credor, por exemplo, aceitará receber menos ou diferente informação do que aquela que é facultada a accionistas.

3.Os motores da Contabilidade

Sabendo-se como é difícil pôr de acordo interesses opostos, como foi possível ter-se chegado, em tão poucos séculos, a um consenso sobre o relatório contabilístico? O que impulsionou a Contabilidade, o que levou cada parte a exigir informação (e depois a chegar a um acordo com as outras partes sobre qual deveria ser essa informação), foram grandes falências que ocorreram inesperadamente. Ainda hoje é assim. A prática contabilística tem-se aperfeiçoado, como reacção a desastres pontuais,

não de forma pró-activa e sistemática. É medo o que força as partes a entenderem-se.6

Para além deste medo de falências inesperadas, certos factos históricos também contribuíram para o desenvolvimento da Contabilidade. O primeiro é a aparição, em inícios do século XIX, da “responsabilidade limitada”. Em princípio, quando um negócio corre mal, os detentores do capital, para além de perderem esse capital, têm

6 Por essa razão, mais do que reflectir a situação económica de uma empresa, o relatório veicula uma

perspectiva conservadora: o resultado é estimado por baixo. Uma empresa que pode ou não vir a perder uma soma avultada em tribunal verá essa quantia subtraida ao resultado ainda antes da sentença ser proferida. O desgaste da maquinaria e instalações, as provisões para cobranças duvidosas ou furtos, tudo é estimado por alto para que o resultado não venha empolado. Portanto nem o resultado nem a situação líquida serão adequados valores esperados.

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que responder com os seus bens pessoais pelas dívidas que ficaram por liquidar. Os donos de certas companhias de seguros, por exemplo, são ainda hoje chamados a cobrir com os seus próprios haveres, os danos causados por desastres que ocorrem do outro lado do globo. A responsabilidade limitada, por contraste, é uma cláusula que um negociante ganhou direito a introduzir na altura em que funda a empresa e antes de assumir qualquer compromisso. Segundo esta clausula, fica entendido que bens pessoais não serão penhorados para pagar dívidas. A partir daí, quem empresta dinheiro sabe que corre um risco acrescido de perde-lo.

A responsabilidade limitada contribuiu para tornar os empreendedores mais afoitos, para globalizar os negócios e, o que é decisivo, baixou o nível de riqueza pessoal a partir do qual as pessoas começam a sentir-se à-vontade para investir em empreendimentos de risco. Mas também exacerbou a oposição de interesses entre donos e credores, agudizando a necessidade que estes últimos sentem de serem informados a tempo sobre os riscos que correm. Os donos, note-se, querem agora que essa informação seja circunscrita, pois desejam maximizar o rendimento do capital investido e temem interferências por parte de quem só tem direito a esperar uma remuneração fixa (o juro), sendo portanto mais avesso ao risco do que eles.

As empresas sem responsabilidade limitada encontram-se isentas, na maioria dos países, da obrigação de tornarem públicas as suas contas. Entende-se que o perigo de ruína pessoal é suficiente para instilar prudência nos donos e que isso diminui o risco dos credores. Pelo contrário, nos mesmos países onde essas empresas podem manter secretos os seus resultados, é grande a exigência em relação ao detalhe e rigor na divulgação de informação em empresas com responsabilidade limitada.

Outro facto que potenciou o relatório contabilístico foi o aparecimento, no século XVII, do investidor anónimo que compra e vende acções em mercados abertos. Com eles nasce a oposição entre grandes e pequenos investidores. Os grandes investidores querem atrair os pequenos para poderem partilhar riscos e aumentarem o capital disponível. Ao mesmo tempo, desejariam manter uma posição previlegiada no que respeita a informação de modo a arrecadarem os maiores ganhos enquanto evitam os piores riscos. Por outro lado, se os seus direitos não são acautelados, os pequenos investidores retiram-se do mercado. É por isso que os grandes consentem em oferecer-lhes garantias de equidade.

Um outro motor da Contabilidade foi o reconhecimento do efeito estabilizador que produz nos mercados. Aquilo de que os mercados precisam para funcionarem bem, note-se, não é tanto a informação em si mas a confiança em que essa informação é fiável. No mercado eficiente a informação é absorvida instantaneamente e a sua posse não traz vantagem. Ela é porém útil pois é determinante no equilíbrio entre oferta e procura. Sem confiança na informação, a volatilidade dos mercados aumenta pois os investidores passam a usar padrões especulativos. É por isso que a Contabilidade sempre acompanhou os avanços e crescente sofisticação dos mercados.

Arthur Levitt, então chairman da Securities and Exchange Comission,7 reafirmou-o

em 1999 de forma profética: “Stock markets should remember the painful lessons

taught many times before: investors panic as a result of unexpected or unquantifiable bad news, which is why stock markets need high accounting standards.”

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A Contabilidade não contribui apenas para a estabilidade dos mercados. O relatório contabilístico é uma forma de que as empresas se servem para publicitarem os seus méritos e boas perspectivas. Estas precisam de publicidade para obterem, em competição com outras, um recurso escasso, o capital. A competição pelo capital nasce da necessidade de crescer mais depressa do que aquilo que os resultados permitem. Sem esse tipo de crescimento, as empresas de menor dimensão acabam por desaparecer por não serem competitivas. Basta pensar que só empresas com uma boa parcela do mercado conseguem impôr uma marca (brand) ou auferir de economias de

escala.8

4. A distorção da Contabilidade

Descreveu-se a Contabilidade como o processo que gera informação útil a partes exteriores à empresa. O output deste processo, o relatório, tenta equilibrar interesses antagónicos. De entre os usos do relatório, destacou-se o dever de prestar contas (demonstrating stewardship). É este o objectivo mais antigo da Contabilidade, a sua razão de ser durante séculos e cuja importância não diminuiu. O edifício conceptual descrito é um ideal raramente atingido. Esta secção refere a mais grave distorção a que esse edifício tem estado sujeito, o aproveitamento das regras contabilísticas em favor de uma das partes apenas ou de interesses de grupos.

A Contabilidade, aparentemente pacífica, é na verdade uma prática controversa, devido ao impacto que tem nas fortunas de indivíduos, empresas, grupos ou Estados. Pense-se, por exemplo, nos rendimentos que indivíduos ou empresas declaram, no relacionamento destas com as fontes de financiamento, na imagem que persiste depois de um decréscimo nos dividendos distribuidos. Como a soberania dos Estados ou a autonomia das instituições e indivíduos está hoje condicionada por organismos reguladores e de arbitragem, deixou de ser costume esgrimir ideologias ou usar da força bruta para defender interesses. Por isso, hoje as batalhas entre interesses tendem a travar-se em torno das formas de reconhecer ou medir, as quais se prestam igualmente bem à manipulação e têm a vantagem de trazerem consigo uma aura de respeitabilidade técnica.

É frequente encontrarem-se indústrias inteiras a exercerem pressão para que um dado tipo de transacção seja reconhecido, medido ou relatado de uma forma e não de outra. Algumas dessas interferências têm tido sucesso. Veja-se o recuo do Financial

Accounting Standards Board (FASB)9 na sua tentativa para impôr a capitalização em

vez do write-off10 de encargos com projectos de R&D em empresas adquiridas. Tal

regra, argumentaram as empresas de novas tecnologias, teria inviabilizado as fusões que são um importante motor do seu crescimento. O exemplo ilustra como deixou de se procurar a regra capaz de satisfazer, com veracidade, os interesses de todos. Em vez disso, os interesses de um dado grupo, e em deterimento da veracidade, passaram à frente dos de outros.

8 Reduções nos custos decorrentes da dimensão.

9 Orgão encarregado de coordenar a escrita e interpretação de normas contabilísticas e de vigiar a sua aplicação

nos Estados Unidos.

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As pressões e interesses que tentam instrumentalizar a Contabilidade estão

presentes até a nível internacional. Veja-se o que Macve11 escrevia em 1999 a

propósito da norma internacional IAS 39 sobre instrumentos financeiros: “IAS 39 is

recognisably derived from the US standard FAS 115. But there is enough variation to make the americans uneasy about its acceptability in lieu of their own standard. Others fear that it represents a surreptitious introduction of an essentially US standard into the core of the IASC's programme just when the battle-lines between the IASC and the Financial Accounting Standards Board (FASB) over becoming the `world accounting standards board' are being drawn. Here we come to the underlying issue of principle: FAS 115 is one of the many low quality US standards that have resulted from the messy compromises necessary to satisfy the FASB's various domestic constituencies...” O extracto transcrito oferece interpretações políticas, não técnicas,

para a forma como as normas contabilísticas internacionais são redigidas. A própria

questão da harmonização contabilística internacional é hoje essencialmente política.12

Um caso extremo de distorção é aquele em que todo o edifício conceptual da Contabilidade é posto ao serviço de uma das partes, nomeadamente o sistema fiscal. Foi o que aconteceu nos “planos de contas” onde a forma como cada transacção é reconhecida e medida vem já pré-determinada, sendo imposta pelo Estado. Na prática, um plano de contas é um instrumento de controlo onde a prestação de contas a donos, credores e outras partes, foi secundarizada. De facto, a preparação do relatório contabilístico requer, em certas ocasiões, a tomada de decisões onde a experiência, bom senso e rectidão do contabilista são os únicos guias. A uniformização dessas decisões produz falsa informação. Por outro lado, tais decisões devem ser tomadas a pensar na prestação de contas, não no controlo; e devem ter por guia a imparcialidade, não o interesse de uma das partes apenas.

O plano de contas foi inventado na Alemanha dos anos 30 como manifestação de estatismo. Qualquer que seja a sua base ideológica (sindicalismo nacionalista, peronismo, fascismo, etc.) o estatismo redundou quase sempre em “corporatismo”, isto é, na cumplicidade do Estado com o capital, o qual recebe favores económicos e em troca ajuda a perpetuar uma numenclatura burocrático-partidária. Típico deste regime são as concessões de necessidade questionável, a impunidade na fixação de preços por parte de oligopólios e, em geral, a inoperância de mecanismos reguladores. Durante o pós-guerra, o corporatismo foi popular na Europa e América Latina como forma de assegurar serviços mínimos. Hoje porém, tudo o que ponha em causa a imparcialidade do Estado é combatido com afinco. A experiência mostrou que uma prática corporatista continuada corrompe o serviço público e, ao suprimir a concorrência onde

é devida, destroi a competitividade de qualquer economia.13

11 Richard Macve é professor de Contabilidade na London School of Economics; o extracto foi copiado da revista

Accounting International de Abril de 1999.

12 Para abrirem os seus mercados de capitais a empresas estrangeiras, os Estados Unidos exigem que estas

publiquem relatórios de acordo com normas de tão boa qualidade como as deles. Tentam assim tirar partido da sua hegemonia para controlarem essas normas. O organismo que lidera a harmonização contabilística internacional procura, pelo contrário, que a qualidade seja acessível a todos, nomeadamente a países com menos meios e pior tradição contabilística.

13 A falta de concorrência transforma a empresa numa repartição pública: indolente, autocrática, sem

produtividade e com horror à responsabilidade. A pouca produtividade que se nota em Portugal é consequência de práticas corporatistas arreigadas.

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Trigueiros___________________________________________________________________

Em Portugal, a moda do plano de contas chegou tarde (só em finais dos anos setenta), numa altura em que este estava já a ser posto de parte. O resultado da sua aplicação, exacerbado pelo pendôr corporatista da nossa economia, foi uma redução na importância do relatório contabilístico e portanto da Contabilidade. Para se entender porquê, repare-se num exemplo: o princípio contabilístico da prudência manda que, na dúvida, se escolha a valorimetria que menos empola o resultado. A nossa legislação, para satisfazer o fisco, diz o oposto. Assim, enquanto as normas em vigor nos outros

países insistem14 em que nenhum activo se deve manter sobre-valorizado e que

qualquér desvalorização que venha a dar-se deverá ser reconhecida de imediato, a nossa legislação só contempla casos excepcionais como incêndios ou inundações, devendo nesse caso o “contribuinte” pedir a respectiva autorização à Direcção Geral

das Contribuições e Impostos.15 É claro que, com relatórios onde os activos aparecem

empolados, os credores estão a ser enganados sobre o risco que correm. O que é bom para o fisco é mau para as restantes partes e estas, naturalmente, perdem interesse no relatório.

Quando o relatório é assim parcial, não admira que se encontrem deformidades por todo o tecido económico. Veja-se a facilidade com que as sociedades de responsabilidade limitada aliam as vantagens desta decorrentes com a certeza de que os seus credores não podem saber o estado das suas contas. De facto, no nosso país, as contas destas empresas são, na prática, tão secretas como as de uma partnership da

City, onde os donos respondem pelas dívidas.16 Uma situação como esta seria

insustentável em qualquer outro país.

O fracasso do plano de contas ilustra o carácter imprescindível da confiança. A existência de interesses opostos não se opõe, antes exige, a confiança. O que os

antagonistas requerem para poderem trabalhar juntos é um conjunto de princípios17 e

regras capazes de serem aceites de boa fé. Como na competição desportiva, as regras são o que as partes se comprometem a cumprir, não o que as obriga a comportarem-se. A falta de entendimento desta distinção entre prestação de contas e controlo leva à marginalização da responsabilidade e da confiança.

14 Ver a norma IAS 36 “Impairment of Assets”.

15 Art. nº 10 do Decreto Regulamentar 2/90 de 12 de Janeiro. Os nossos decretos regulamentares são o

instrumento usado pelo Estado para tornar as normas contabilísticas num instrumento do fisco, evitando-se assim que o plano de contas nacional, o POC, apareça perante organismos internacionais em desacordo com as normas geralmente aceites (IAS) e com as directivas da UE.

16 As sociedades não são obrigadas a publicar as suas contas devendo como alternativa depositar cópias na

conservatória. Mas o despacho da Direcção Geral do Registo e Notariado de 4 de Abril de 1994, contra o que dispõe o art. nº 166 do Código das Sociedades Comerciais e 70 e 73 do Código do Registo Comercial, ordena às conservatórias que impeçam a sua consulta.

17 Fala-se de princípios, não apenas de regras, porque estas têm o seu fundamento num conjunto reduzido de

princípios. Assim, quando acontece que essas regras não contemplam uma situação nova, basta recorrer aos princípios de onde dimanam.

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_________________________________________O fundamento económico da contabilidade 5. Comentários Finais

Este texto procurou mostrar a estreita relação entre a Contabilidade e a evolução da economia nos últimos séculos. O relatório contabilístico é resposta para as assimetrias informativas criadas pela crescente especialização. O papel da Contabilidade é tanto maior quanto mais evoluída é a economia. Mas a dependência assim criada está a revelar-se perigosa: o edifício conceptual da Contabilidade é vulnerável a manipulações. Os recentes escândalos são uma medida da gravidade da situação e pronunciam a necesidade de se avançar com firmeza para normas

contabilísticas onde o true and fair18 seja o único objectivo.

Neste contexto, não faz sentido que a ciência económica continue a colocar-se à margem da Contabilidade. O interesse dos economistas pela Contabilidade parece ter desaparecido por volta dos anos quarenta ou, mais concretamente, desde o ano em que Paul Samuelson publicou The Foundations of Economic Analysis (1947). A ciência económica havia vivido até essa altura em estreita ligação com a Contabilidade, a qual era usada como metáfora ou mesmo como modelo. Isso é bem visível desde finais do século XIX. Walras, por exemplo, está repleto de conceitos extraídos da Contabilidade. Durante a primeira metade do século XX a ligação acentua-se, especialmente devido à Estatística Económica e a Hicks, que chama “Contabilidade Social” a esse ramo da Economia. Depois de Samuelson, porém, os economistas começaram a pôr em causa os métodos do passado e a Contabilidade lembra-lhes o passado. Daí a repulsa. Mas a vulnerabilidade e outros problemas da Contabilidade moderna pedem, para a sua solução, uma perspectiva científica. Esta só pode nascer de

um interesse renovado por parte da Economia.19

No que respeita à pouca importância do relatório contabilístico em Portugal, não

se espere que a entrada em vigor de novas normas20 traga mudanças. A raiz do

problema é a fixação de preços, as concessões sem fundamento no bem público, as barreiras anti-concorrência, o papel só simbólico dos mecanismos reguladores e a dependência do Estado em relação a grandes empresas (Brisa, PT, bancos, seguradoras, petrolíferas) agora exacerbada pela necessidade de manter o deficit abaixo dos 3%. Numa economia assim “trabalhada” (rigged) que necessidade há de um relatório? Só mesmo como instrumento de controlo mas, para esse efeito, o actual plano de contas tem vantágem sobre as tais novas normas.

A pouca importância da Contabilidade no nosso país deve pois ser vista como resultado do estatismo económico. Note-se que, em boa verdade, Portugal nunca conheceu outro regime. Desde as especiarias ao ouro da Guiné, de Pernambuco às minas, do Marquês até hoje, a nossa economia sempre se baseou em arranjos de tipo corporatista. E o português já se habituou: aceita que o Estado actue com parcialidade e não é capaz de reconhecer os benefícios da concorrência. Acha natural, por exemplo, que numa região como o Algarve, só exista um operador rodoviario. Para explicar

18 Esta expressão é habitualmente usada para resumir os dois objectivos que o relatório contabilístico deve

procurar atingir: deve relatar, com veracidade, a situação da empresa e deve também ser imparcial face a todos os interesses em jogo.

19 A Teoria dos Jogos, por exemplo, pode ajudar a desenvolver estratégias de conciliação de interesses. É

revelador o estudo de Licht (1999), ver bibliografia.

20 A partir de 2005 as empresas Europeias cotadas passam a preparar as suas contas de acordo com as normas

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atrazos ou pouca produtividade, em vez de apontar o dedo à ausência de estímulos económicos (não se pode concorrer, não serve de nada fazer melhor ou mais barato), prefere culpar atavismos (indolência, desleixo). O que um visitante nota logo, o facto

dos negócios mais óbvios estarem pre-seleccionados por decreto em favor de alguns,21

passa desapercebido a quem cá vive.

É pois preciso fomentar a concorrência, não só na letra, mas activa e preventivamente, como se faz no estrangeiro. É preciso abolir concessões arbitrárias e introduzir uma possibilidade real de rotação naquelas que são uma necessidade. É preciso que os detentores de cargos públicos (tanto locais como centrais) passem a pagar cara a parcialidade face a interesses económicos. Então, a Contabilidade ganhará relevância.

Referências Bibliográficas Recomendadas

Beaver, W. (1989). “Financial Reporting: an Accounting Revolution” (Prentice-Hall, New York).

Black, F. (1980). “The Magic in Earnings: Economic Earnings versus Accounting Earnings”. Financial Analysts Journal, Nov.-Dec., pp. 19-24.

Bromwich, M. (1992). “Financial Reporting, Information and Capital Markets” (Pitman, London).

Holmes, G. & Sugden, A. (1994a). “Beyond the Balance Sheet” (Prentice-Hall, London).

Larson, K. & Miller, P. (1993). “Fundamental Accounting Principles” (Irwin, Homewood).

Licht, R. (1999). “2X2 Games of International Securities Regulation”. The Yale

Journal of International Law, Vol. 24, pp. 61-128.

Mathews, M. & Perera, M. (1991). “Accounting Theory and Development” (Chapman & Hall, New York).

Smith, T. (1992). “Accounting for Growth: Stripping the Camouflage from Company Accounts” (Century Business, London).

Walter, J. (1957). “Determination of Technical Solvency”. Journal of Business, Vol. 30, No. 1, pp. 30-43.

Weygandt, J., Kieso, D. & Kimmel, P. (1999). “Accounting Principles” (John Wiley & Sons, New York).

21 Nota, por exemplo, o sistema de transportes públicos (um operador por trajecto), telecomunicações e energia

(subidas concertadas de preços, apatia das entidades reguladoras, rede controlada por um interessado), auto-estradas e pontes (concessões de longa duração) sistema financeiro (favorecimento fiscal, dependência do Estado e partidos), autarquias (ao dispôr do imobiliário ou espaços comerciais).

Referências

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