Vol.6 – Novembro 2014
Artigo Original de Investigação
Aplicabilidade do jogo MoveFitness como
ferramenta de treino aeróbio: uma comparação com
diretrizes atuais que definem os vários níveis de
intensidade de treino aeróbio
Applicability of the game MoveFitness as an aerobic training tool:
Comparison with actual guidelines that define the various levels of aerobic
training intensity
Ricardo Biscaia
1*, Rodrigo Martins
1, Sandra Alves
11 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, Área de Ensino de Fisioterapia, 1350‐125, Lisboa, biscaia0ricardo@gmail.com; rmartins@esscvp.eu; salves@esscvp.eu
Objective: Verify the potential of using the videogame MoveFitness for Play Station (PS) 3 as a tool or complement to a
program of physical exercise in improving aerobic performance and to check if a pre‐defined exercise plan, designated
as "Strengthening Cardio", fits the parameters defined in the literature for cardiovascular workout. Methods: 30
healthy young adults, aged between 18 and 29 years old, participated in two phases called Phase‐Tutorial (PT) and
Phase‐Proof (PP). PT participants trained handling of the Move remote and various exercises that they were going to
perform. During the PP the subjects executed the exercise program defined by PS3 (6 exercises laps with pause in‐
between) and the values of average heart rate were measured at each level of rest and during the exercise plan.
Results: The mean (SD) heart rate of participants during the exercise plan was 78% (6.39). The T‐test for paired samples
was performed, revealing the existence of statistically significant differences between three pairs of laps: between Laps
1 and 2 (p = 0.000), between Laps 2 and 3 (p = 0.031) and between Laps 4 and 5 (p = 0.049). Conclusion: The completion
of the exercise plan "Strengthening Cardio" of the videogame MoveFitness for PS3 provides an adequate aerobic
activity for young healthy adults, since it is possible to achieve the parameters recommended by ACSM and AHA.
PALAVRAS‐CHAVE: Videojogos ativos; treino cardiorrespiratório; exergames; reabilitação cardíaca.
KEY WORDS:Active video games; cardiorespiratory training; exergames; cardiac rehabilitation. Submetido em 28 outubro 2014; Aceite em 21 novembro 2014; Publicado em 28 novembro 2014.
* Correspondência: Ricardo Biscaia.
Morada: 1350‐125 Lisboa, Portugal, Av. Ceuta, Edifício Urbiceuta, Piso 6. Email: biscaia0ricardo@gmail.com
INTRODUÇÃO
Os videojogos hoje em dia apresentam um grande potencial para a promoção de saúde sendo necessário ainda estudos que suportem a sua capacidade de promoção e prevenção em saúde. Devido ao facto de, em Medicina, os estudos de controlo verdadeiramente aleatorizados serem
considerados gold standard quanto ao nível de
evidência, é necessário produzir estudos com o mesmo nível de evidência científica que suportem o uso de videojogos como método de intervenção válido1.
Existem vários protocolos de exercício físico recomendados, sendo muito similares entre si. Para promover e manter a saúde, todos os adultos saudáveis com idades compreendidas entre 18 e 65 anos, necessitam de exercício físico aeróbio de
intensidade moderada durante um período de 30 minutos, cinco vezes por semana ou exercício físico aeróbio vigoroso num mínimo de 20 minutos durante
três dias por semana2. Estes dados são promovidos
pela American College of Sports Medice (ACSM) e pela American Heart Association (AHA). Todos os adultos saudáveis com idades entre os 18 e os 65 anos, deverão fazer pelo menos 150 minutos de exercício físico aeróbio de intensidade moderada todas as semanas ou pelo menos 75 minutos de exercício físico aeróbio de intensidade vigorosa por semana, ou combinações de exercício físico aeróbio
de intensidade moderada e vigorosa3.
com um treinador virtual, seguindo as suas instruções
ao longo do plano de exercício (1)4.
A aplicação dos videojogos em saúde poderá ser uma realidade visto que hoje em dia as diversas empresas produtoras de videojogos apresentam interesses variados e o seu tipo de população‐alvo abrange não só jogadores sedentários como também os jogadores ativos. O investimento e ganhos gerados por estas empresas tornaram‐se algo que estas querem cada vez mais explorar e levar a cabo, levando assim cada vez mais jogadores ao ecrã. Em 2009, a venda de
jogos nos Estados Unidos, incluindo hardware portátil
e consolas, sofware e acessórios, totalizaram acima
de 19.5 mil milhões de dólares americanos, uma quantia maior que o produto interno bruto de mais
de 90 nações1. Perante estes factos, a indústria dos
videojogos parece apresentar um largo futuro e demonstra que a sua preocupação com os jogadores é grande. Desta forma, a criação de jogos ativos, denominados de “exergames”, demonstra ser uma aposta que a comunidade científica deve avaliar e introduzir no seu leque de ferramentas de promoção, prevenção e intervenção clínica.
Através do sistema de entretenimento PS3 do jogo MoveFitness, o utente irá realizar as várias tarefas propostas que, por sua vez, irão trazer benefícios para o indivíduo. Visto o jogo ser uma ferramenta que apresenta várias aplicações no futuro, tanto no âmbito da promoção e prevenção, como no tratamento em saúde, pode ser uma ferramenta de trabalho relevante para o fisioterapeuta, funcionando como mais um meio ao seu dispor.
MÉTODO
Foram excluídos do estudo os indivíduos medicados com fármacos que afetem a frequência cardíaca (FC) ou a pressão arterial, em período de gestação, com historial de enfarte do miocárdio, problemas coronários, hipertensão, bronquite crónica, enfisema, asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, lesões musculares ou dor crónica e complicações neurológicas. Foram incluídos participantes com idades entre os 18 e os 30 anos, aparentemente
saudáveis, tanto do género masculino como feminino. Foi realizado um inquérito sobre a aptidão física
(Fitness) dos participantes, com sete perguntas
baseadas no questionário The Physical Activity Readiness Questionnaire (PAR‐Q) da Canadian Society
for Exercise Physiology4, no qual o sujeito deveria
responder “sim” ou “não”, estando incluídos no estudo todos os indivíduos que respondessem “não” a seis ou mais perguntas.
Durante este estudo realizaram‐se duas fases denominadas de Fase‐Tutorial (FT) e Fase‐Prova (FP), ambas na presença de um observador a supervisionar todo o processo. Na FT, cada sujeito preencheu um consentimento informado declarando não apresentar
qualquer condição patológica que pudesse
condicionar o estudo. Após a obtenção do consentimento informado cada sujeito jogou durante um período máximo de 30 minutos para se adaptar aos comandos e aos diferentes tipos de exercícios que iria realizar durante a FP. Após a realização da FT, o sujeito procedeu à marcação da FP, podendo esta ser realizada até uma semana após a FT.
Para a realização da FP, foram recolhidos vários dados antes do início da prova, tais como a idade do sujeito,
a Frequência Cardíaca Máxima (FCmáx)5 e o Índice de
Massa Corporal ‐ IMC (2). Após a recolha dos dados
referidos, o participante sentou‐se para medição da FC em repouso, colocou um frequencímetro cardíaco
digital(3) onde foram introduzidos os dados
necessários à média da FC e às Laps executadas. Ao
dar início ao plano de treino “Fortalecimento de Cardio”, com a duração mínima de 31 minutos e 30 segundos, o participante realiza um conjunto de três séries compostas por seis exercícios por série, com duração de 1 minuto e 30 segundos cada, tendo dois patamares de descanso, um de 10 segundos após realizar três exercícios, e um de 60 segundos no final de cada série. Cada patamar de descanso atingido é
contado como uma Lap. Atingido o final da prova
de referência para o nível de intensidade a que o
participante foi sujeito (Tabela 1)6. Os valores das
Laps demonstram os vários níveis de intensidade à
qual o participante esteve sujeito durante o decorrer do plano de exercício.
RESULTADOS
Foram calculados a média e o desvio padrão (DP), para descrever a idade (anos), o índice de massa
corporal, a FCmáx (bpm), a média da FC durante a
execução do plano de treino e as Laps (em
percentagem). Foi calculada a FCmáx de cada
participante (FCmáx = 208 – 0.7 x idade)4, e recorreu‐se
ao frequencímetro cardíaco digital para cálculo da
média da FC e Laps. Os intervalos de intensidade
recomendados de exercício físico aeróbio de cada participante foram estabelecidos pela ACSM de
(Tabela 1)6: Muito Leve (˂30% FCmáx), Leve (35%‐54%
FCmáx), Moderado (55%‐69% FCmáx), Vigoroso (70%‐
89% FCmáx), Muito Vigoroso (≥90% FCmáx) e Máximo
(100% FCmáx).
Foi utilizado o teste não paramétrico de Kolmogorov‐ Smirnov para verificar se a distribuição da amostra se
aproximava da distribuição teórica normal para todas as variáveis, verificando‐se que a distribuição era próxima da normal pelo que se optou por realizar o teste paramétrico T‐test para amostras emparelhadas para verificar a existência de diferenças significativas
na média da FC entre as Laps. Foi utilizado o
programa SPSS versão 20.0.
Nenhum dos 30 participantes tinha experiência a jogar MoveFitness, no entanto, completaram o plano de exercícios sem incidentes. Como consta da Tabela 2, a média de idades foi de 22 anos (DP 2.39), o IMC
de 22.89 (DP 3.07), a FCmáx de 192.60 (1.67). Quanto
aos resultados durante a realização do plano de treino, foram os seguintes (Figura 1): FC média = 78
(6.39), FC média Lap1 = 74 (8.03), FC média Lap2 = 80
(7.83), FC média Lap3 = 79 (6.63), FC média Lap4 = 79
(6.25), FC média Lap5 = 77 (8.54), FC média Lap6 = 78
(7.19). Dados individuais de FC média, Laps 1 a 6 e
intensidade de treino atingida podem ser observados na Tabela 3. O t‐test para amostras emparelhadas revelou a existência de diferenças estatisticamente
significativas entre três pares de Laps: entre as Laps 1
e 2 (p = 0,000), entre as Laps 2 e 3 (p = 0,031) e entre
as Laps 4 e 5 (p = 0,049).
Tabela 1 – Intensidade relativa do exercício físico aeróbio.
Intensidade do exercício físico aeróbio Frequência cardíaca máxima (%)
Muito leve ˂30%
Leve 35%‐54%
Moderado 55%‐69%
Vigoroso 70%‐89%
Muito vigoroso ≥90%
Máximo 100%
Tabela 2 – Características Físicas dos Participantes.
Características físicas dos participantes
Características Média (DP) Mínimo Máximo
Idade 22(2.39) 18 29
IMC 22.89(3.07) 18.30 29.70
FCmáx (bpm) 192.60(1.67) 187.70 195.40
IMC = Índice de massa corporal;
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi verificar o potencial da utilização do videojogo MoveFitness para a PS3 como ferramenta ou complemento de um programa de exercício físico na melhoria e performance aeróbia. Pretendeu‐se verificar se a realização de um plano pré‐definido de exercícios no videojogo MoveFitness, para a PS3, designado como “Fortalecimento de Cardio”, se enquadra nos parâmetros de treino
cardiovascular definidos na literatura2,3. Após
submissão de 30 sujeitos ao exercício acima referido obtivemos que a média dos participantes encontrou‐ se nos 78% da FC. Podemos evidenciar então que o treino a que foram submetidos os participantes, encontra‐se dentro das diretrizes delineadas pela ACSM, podendo assim trazer benefícios a nível
cardiovascular2,3.
Com base nos resultados pressupõe‐se que um sujeito ao jogar o plano de treino “Fortalecimento de Cardio” do videojogo MoveFitness durante um período de 31 minutos e 30 segundos, poderá servir como complemento de treinos convencionais visto que durante o período de jogo o individuo irá atingir um nível de intensidade de Moderado a Muito vigoroso, sendo este o recomendado pela ACSM
Como ideal para trazer benefícios
cardiorrespiratórios2,3.
De acordo com a literatura pesquisada sobre programas de reabilitação cardíaca, verifica‐se um consenso relativo aos valores percentuais de intensidade aeróbia que correspondem à obtenção
de benefícios cardiorrespiratórios5,7‐11. As
intensidades de treino deverão situar‐se entre 60% e 85% (ou 90%) do máximo batimento cardíaco para produzir uma sobrecarga dos sistemas orgânicos
necessária à melhoria do desempenho
cardiovascular7. Mampuya defende que a maioria das
guidelines recomenda que o exercício físico seja
realizado num mínimo de 30 minutos diários ou 5 dias por semana, numa base de intensidade moderada (FC
alvo de 60% a 75 % da média da FC máxima)9.
Perante a intensidade cardíaca apresentada,5,9 o
videojogo MoveFitness parece apresentar um grande potencial enquanto complemento de um plano de reabilitação cardíaca, visto que a média dos valores de intensidade cardíaca apresentados se enquadram
nos parâmetros sugeridos na literatura7‐11.
Quando o ritmo de trabalho físico é mantido a um nível constante e com uma intensidade submáxima, a FC aumenta rapidamente até atingir um nível de Figura 1 – Médias da frequência cardíaca de todos os participantes em cada Lap.
“plateau”. Este “plateau” é a FC no “steady‐state”, sendo o ideal para atender às necessidades
circulatórias dessa taxa específica de trabalho12. Após
observação da Figura 1, podemos verificar que não
existe variação significativa da média da FC da Lap 3
para a Lap 4 e da Lap 5 para a Lap 6, podendo o
investigador supor que os sujeitos ao alcançar este patamar no plano de exercício do jogo MoveFitness, atingem um nível de “plateau” ou “steady‐state”. Face ao exposto, poderá verificar‐se um potencial benefício cardiorrespiratório no uso deste jogo MoveFitness para o sistema de entretenimento PS3. Contudo, o estudo efetuado foi realizado por jovens adultos saudáveis, e seria útil, em estudos futuros, a inclusão de uma população mais heterogénea, com compromisso cardiorrespiratório, de modo a explorar o potencial do jogo como instrumento ou complemento em programas de reabilitação. Podemos notar que a utilidade deste tipo de videojogos denominados de “exergames” apresenta grande potencial a ser explorado pela comunidade científica. No entanto, ainda existem alguns parâmetros que as empresas que desenvolvem este tipo de videojogos ativos deveriam ter em consideração, tais como o acréscimo de acessórios extra que possam medir a FC do participante durante o período de jogo, já que este tipo de sistema é acessível a um universo muito variado de indivíduos.
CONCLUSÃO
Conclui‐se deste estudo que a prática deste tipo de videojogos, denominados de “exergames”, pode ser uma mais‐valia que proporciona uma atividade aeróbia adequada para jovens adultos saudáveis visto que os dados apresentados estão dentro dos parâmetros recomendados pela ACSM e a AHA como forma de exercício aeróbio, podendo ser uma
alternativa aos exercícios cardiovasculares
tradicionais.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à agência Last Lap ‐ Eventos e Comunicação em Portugal, pela cedência de material
necessário para a realização deste estudo, e à Dr.ª Ana Delgado pela ajuda no tratamento estatístico dos
dados.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores afirmam não ter qualquer vínculo com a Sony, não tendo sido compensados por nenhuma forma pela realização deste estudo.
Notas
1. http://pt.playstation.com/movefitness/ 2. Omron Body Fat Monitor BF306 3. Geonaute on rhythm 410 progress
REFERÊNCIAS
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Tabela 3 – Médias (%) da frequência cardíaca individual de todos os participantes
durante o período de treino, em cada Lap e intensidade de treino atingida.
COD Média
FC Lap 1 Lap 2 Lap 3 Lap 4 Lap 5 Lap 6
Intensidade Treino
1 67 60 70 67 72 71 72 M
2 84 79 90 85 86 87 82 V
3 78 79 84 82 76 78 73 V
4 78 72 80 85 82 80 69 V
5 64 59 58 63 68 55 77 M
6 80 66 80 79 83 84 86 V
7 76 70 78 82 81 74 76 V
8 70 73 81 79 71 56 57 V
9 80 70 82 80 83 82 83 V
10 70 63 70 71 74 68 74 V 11 76 75 73 79 80 72 76 V 12 80 79 86 81 76 80 80 V 13 94 88 95 95 96 96 96 MV 14 79 78 87 78 83 73 77 V 15 79 82 79 73 78 83 77 V 16 86 83 91 87 87 88 76 V 17 78 77 80 75 77 76 80 V 18 80 66 81 82 83 81 84 V 19 78 73 85 82 78 77 82 V 20 84 89 89 86 83 79 77 V 21 80 81 79 79 78 81 79 V 22 83 80 89 84 83 81 80 V 23 77 72 81 79 76 76 73 V 24 79 78 81 77 81 78 79 V 25 82 79 82 83 85 81 86 V 26 76 66 79 73 81 74 80 V 27 82 77 81 79 81 85 86 V 28 65 62 65 68 65 68 67 M 29 84 86 85 84 81 85 85 V 30 71 71 73 72 70 72 70 V