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EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO

EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE

Processo: Ag.Reg. na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.218/RS Relator: Ministro Nunes Marques

Agravante: Partido Liberal - PL

Agravados: Governador do Estado do Rio Grande do Sul

Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

Objeto: Agravo Interno

JUNTADA E CONCLUSÃO URGENTE AO MINISTRO PRESIDENTE:

Art. 13, VIII, do Regimento Interno/STF. Pedido urgente de atribuição de efeito suspensivo ao agravo interno

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, neste ato representado pelo Procurador-Geral do Estado, vem, perante Vossa Excelência, com base no art. 2º, V, da Lei Complementar Estadual nº 11.742/2002, combinado com o art. 2º, § 2º, do Decreto Estadual nº 42.819/2004, alterado pelo Decreto Estadual nº 53.392/2017, interpor AGRAVO INTERNO, com pedido

de atribuição de efeito suspensivo, forte no art. 1.021 do Código de Processo

Civil e no art. 13, VIII, do Regimento Interno/STF, consoante as seguintes razões:

I - RELATÓRIO

Consoante previamente relatado nos autos, cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Partido Liberal - PL com o objetivo de obter provimento jurisdicional que declare a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei do Estado do Rio Grande do Sul de

nº 15.223, de 05 de setembro de 2018, que instituiu a Política Estadual de

Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul e criou o Fundo Estadual da Pesca, oriunda de projeto de lei de iniciativa do Governador

do Estado.

São impugnados, especificamente, o parágrafo único do artigo 1º e a alínea e do inciso IV do artigo 30, ambos da precitada lei ordinária estadual, que possuem a seguinte dicção:

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO

“LEI Nº 15.223, DE 5 DE SETEMBRO DE 2018.

(publicada no DOE nº 172, de 6 de setembro de 2018)

Institui a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul e cria o Fundo Estadual da Pesca.

...

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Fica instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul, objetivando promover o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira como forma de promoção de programas de inclusão social, de qualidade de vida das comunidades pesqueiras, de geração de trabalho e renda e de conservação da biodiversidade aquática para o usufruto desta e das gerações futuras.

Parágrafo único. Esta Lei é aplicável a toda atividade de pesca exercida no Estado do Rio Grande do Sul, incluindo a faixa marítima da zona costeira, em conformidade com o disposto no art. 3º, inciso I, do Decreto Federal nº 5.300, de 7 de dezembro de 2004, e no art. 1º da Lei Federal nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993.

...

CAPÍTULO VI DAS VEDAÇÕES

Art. 30. É proibida a pesca: ...

VI - mediante a utilização de: ...

e) toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, em todo território do Estado do Rio Grande do Sul, incluindo as 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira do Estado”.

Articula, o pedido inicial, com suposta contrariedade dos dispositivos estaduais impugnados ao que previsto no art. 20, VI, e no art. 48, V, ambos da Constituição Federal, assim redigidos:

“Art. 20. São bens da União:

...

VI - o mar territorial;

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da

República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

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V - limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União”.

Argumenta-se, em síntese, que os dispositivos impugnados da legislação estadual não estariam a tratar de pesca, mas de bem público da União, matéria sobre a qual seria do Congresso Nacional a competência para dispor, daí a inconstitucionalidade formal alegadamente incidente.

Ao final, dentre os pedidos formulados, o partido político requerente postula:

“(b) seja concedida medida liminar acautelatória para suspender os efeitos

da norma impugnada (i.e., parágrafo único do art. 1º da Lei Estadual nº 15.223, de 5 de setembro de 2018, do Estado do Rio Grande do Sul, assim como a alínea e inciso VI do art. 30 da mesma norma estadual gaúcha) até o julgamento final da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, na forma dos artigos 10 e 11 da Lei nº 9.868/1999”

(...)

(e) seja, ao final, julgado procedente o pedido e declarada, em definitivo, a

inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei Estadual nº 15.223, de 5 de setembro de 2018, do Estado do Rio Grande do Sul, assim como a alínea

e do inciso VI do art. 30 da mesma norma estadual gaúcha”

Em decisão monocrática, o eminente Ministro Celso de Mello, Relator originário, indeferiu o pedido de medida cautelar, ad referendum do egrégio Plenário desse Supremo Tribunal Federal, como se recolhe da ementa:

“EMENTA: 1. A controvérsia constitucional: vedação à pesca de arrasto na

faixa marítima da zona costeira do Estado do Rio Grande do Sul (Lei gaúcha nº

15.223/2018). 2. Federação e repartição constitucional de competências. 3.

Mar territorial brasileiro e competência legislativa. 4. A questão da competência comum e da competência legislativa concorrente sob a égide do

federalismo de cooperação. 5. Competência do Estado-membro para legislar

concorrentemente, em contexto de condomínio legislativo, com a União

Federal, em tema de defesa do meio ambiente, inclusive estabelecendo medidas para proteção ao meio ambiente marinho. 6. Importante precedente do Supremo Tribunal Federal que reconheceu aos Estados-membros

legitimidade para editar leis estaduais que vedem a prática da pesca

predatória, especialmente quando realizada mediante a técnica da pesca de arrasto no mar territorial brasileiro (ADI 861-MC/AP, Pleno). 7. O princípio que

veda o retrocesso ambiental não permite que se suprimam ou que se reduzam os níveis de concretização já alcançados em tema de direito ambiental. 8. A

preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um

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como dever-poder que também se impõe aos Estados-membros. A Lei gaúcha

n. 15.223/2018 como instrumento de legítima realização dos fins visados pelo art. 225 da Constituição da República. 9. A atividade econômica (e profissional)

não pode ser exercida em conflito com os princípios constitucionais destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente (CF, art. 170, VI). 10. Legitimidade da denegação da medida cautelar ‘ad referendum’ do Plenário

do Supremo Tribunal Federal em face da inocorrência, no caso, da

plausibilidade jurídica da pretensão de inconstitucionalidade e, também, em razão da necessidade de pronunciamento imediato sobre o litígio

constitucional ‘sub judice’. Medida cautelar indeferida ‘ad referendum’ do E.

Plenário do Supremo Tribunal Federal” (destaques no original).

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e o Governador do Estado do Rio Grande do Sul prestaram informações.

Sobrevieram manifestação do Advogado Geral da União e parecer do Procurador-Geral da República, este último sintetizado na ementa a seguir transcrita:

“CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, E ART. 30, IV, ‘E’, DA LEI 15.223/2018 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PESCA DE ARRASTO. MAR TERRITORIAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. PACTO FEDERATIVO. NORMA MAIS PROTETIVA. TERRITORIALIDADE. PRECEDENTES. PELA IMPROCEDÊNCIA.

1. Compete à União a edição de normas gerais em matéria ambiental e, aos estados e ao Distrito Federal, no âmbito da competência legislativa concorrente, a disciplina legislativa sobre ‘florestas, caça, pesca, fauna, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição’.

2. É admitida, em matéria ambiental, a edição de lei estadual mais protetiva que o parâmetro estabelecido pelo legislador central, dada a necessidade se atender a peculiaridades regionais. Precedentes.

3. Lei estadual que determina a proibição de pesca de arrasto em região de mar territorial que integra o seu território não invade as competências da União para editar normas gerais em matéria ambiental e para regulamentar seus bens dominiais.

- Parecer pelo não referendo da medida cautelar, com prejudicialidade da análise do agravo regimental interposto pela União, e, no mérito, pela improcedência do pedido”.

Finalmente, em decisão de 15 de dezembro de 2020, o eminente Ministro Relator acolheu pedido formulado pelo partido político proponente da ação, de reconsideração do pronunciamento do Relator originário, para

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conceder a liminar postulada e, com isso, suspender a eficácia dos dispositivos

impugnados da legislação estadual, em síntese, aos seguintes fundamentos:

“Portanto, ao se analisar tais critérios, observa-se que, ao contrário do teor

da ADI n. 861, neste caso, não há lacuna normativa. Além disso, o interesse local conflita também com o interesse de outros Estados-membros da federação, haja vista a manifestação do Estado de Santa Catarina. Os efeitos da lei estadual não se exaurem em seus respectivos limites territoriais, na medida em que, no mar, não há divisão dos limites territoriais do Estado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Por fim, não há, com a devida vênia, falar em vedação da proteção insuficiente, na medida em que, como ressaltei, o Brasil, em iniciativa conjunta com a Organização das Nações Unidas-FAO, tem desenvolvido em seu território costeiro o Projeto Rebyc II-LAC”.

É o breve relato.

II - DAS RAZÕES PARA REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA

Tal qual reconhecido pela decisão unipessoal ora impugnada, “[o]

cerne da controvérsia reside em saber se os dispositivos legais estaduais são consistentes à competência privativa da União, conforme prevista na Constituição da República. E, caso reconhecida a competência concorrente dos estados-membros, deve-se examinar se já há definição de política pública nacional, bem como respectiva prevalência desta em relação à estadual”.

Com a mais respeitosa vênia, não surpreendem os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da União, transcritos múltiplas vezes no pronunciamento agravado como razões de decidir. Por meio do Parecer nº 00496/2019/CPJUR-MAPA/CGU/AGU – cuja ementa veio estampada na inicial da presente ação –, já haviam sido suscitados os supostos vícios de inconstitucionalidade que, reproduzidos na manifestação lançada nestes autos, acabaram acolhidos pela monocrática.

Conforme esclarecido nas Informações prestadas pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, a redação da lei impugnada foi apresentada e debatida no âmbito do Conselho Gaúcho de Aquicultura e Pesca Sustentáveis (CONGAPES), instituído pela Lei Complementar nº 14.476, de 22 de janeiro de 2014, cuja composição prevê a participação de representantes de Secretarias de

Estado, órgãos do governo federal, federações e sindicatos. Entre os órgãos e

entidades que compõem o Conselho estão, dentre outros, o Ministério da Pesca

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Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.

Tamanho o cuidado na formulação dos termos em que debatida e, depois, aprovada e sancionada a lei, que a Associação Oceana Brasil encaminhou ao Professor Marcelo Neves, ainda quando do protocolo do anteprojeto de lei estadual naquele CONGAPES, consulta sobre a respectiva constitucionalidade, especialmente diante da repartição de competências estabelecida na Constituição Federal.

Do parecer do ilustre professor – cuja cópia integral segue anexada ao presente recurso – recolhem-se fundamentos de sobra para se solucionar o

cerne da controvérsia, tal qual identificado na decisão monocrática, e se afastar

de vez a hipótese de invasão de competência da União mediante a edição da Lei 15.223/2018 pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Sobre eventual identificação da previsão do então anteprojeto de lei, e especialmente de seu art. 31, inciso IV, alínea e, com as competências

privativas ou exclusivas da União, eis a resposta contida no parecer:

“A regulação do ‘desenvolvimento sustentável da pesca’, de que trata o

anteprojeto de lei estadual ora analisado, não se inclui nem na competência legislativa privativa nem na competência exclusiva da União. Ela se enquadra no âmbito da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 24, inciso VI c/c §§ 1º, 2º, 3º e 4º.

[...]

Ao classificar a pesca, a fauna, a conservação da natureza, a defesa dos recursos naturais, a proteção do meio ambiente no âmbito das competências concorrentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, a Constituição

Federal restringiu expressamente a competência da União ao estabelecimento de ‘normas gerais’ nas respectivas matérias (§ 1º do art. 24). Isso implica que os Estados têm competência para legislar suplementarmente

(§ 2º do art. 24), significando estarem constitucionalmente autorizados a criar

leis destinadas a regular os detalhes no respectivo âmbito material de competência.

Doutrinariamente, afirma-se que essa competência suplementar dos

Estados, ou seja, a competência para tratar dos detalhes, reduz a competência da União em matéria ambiental ao ‘patamar legislativo mínimo’ ou ao ‘piso legal protetivo mínimo’. Em todo caso, nada obsta, em matéria de competência concorrente, que os Estados legislem sobre aspectos específicos não contemplado na legislação federal em termos genéricos. Além disso, caso

a União não ponha em vigor normas gerais sobre matéria relativa à competência concorrente, ‘os Estados exercerão a competência legislativa

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plena, para atender a suas peculiaridades’ (CF, art. 24, § 3º – grifei). Tal competência pode ser denominada supletiva, resultando na prática de ação legislativa destinada a suprir omissão da União em estabelecer os parâmetros genéricos sobre a matéria.

Evidentemente, no âmbito da competência concorrente, a ‘superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário’ (CF, art. 24, § 4º). Essa determinação atinge tanto a competência suplementar (CF, art. 24, § 2º) quanto a competência supletiva (CF, art. 24, § 3º). Entretanto, esse dispositivo deve ser interpretado à luz do §

1º do art. 24, que restringe a competência da União, em matéria de competência concorrente, a estabelecer ‘normas gerais’. Caso a União pretenda entrar em detalhes, desconsiderando as peculiaridades locais, parece-me que se impõe a declaração de inconstitucionalidade da correspondente lei federal e a prevalência da lei estadual que lhe seja contrária, mas que apenas trata de especificidades e não de aspectos genéricos. Portanto, no campo específico da competência legislativa nem sempre prevalece o princípio ‘direito federal corta direito local’, nos termos da formulação de Pontes de Miranda. Nesse domínio de discriminação de competências, a lei federal específica pode perder sua validade por ter ido além do estabelecimento das chamadas ‘normas gerais’ em matéria concorrente.

Portanto, não há nada que impeça legislação estadual sobre normas

específicas referentes ao ‘desenvolvimento sustentável da pesca’, conforme as necessidades e peculiaridades locais, desde que não contrarie legislação federal que contenha ‘normas gerais’ sobre essa matéria. O fundamento constitucional é o art. 24, inciso VI c/c parágrafos, da Constituição Federal”

(original sem destaques).

O que se recolhe da leitura conjugada do art. 24, inciso VI e parágrafos, da Constituição Federal é ser perfeitamente legítimo, desde que não contrariada a legislação federal definidora das normas gerais sobre a matéria, o exercício da competência legislativa suplementar do Estado do Rio Grande do Sul no trato do desenvolvimento sustentável da pesca.

Diferentemente do entendido na decisão agravada, a vigência da Lei

Federal 11.959/2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável da Aquicultura e da Pesca, em nada altera essa conclusão, antes a

corrobora integralmente.

Naquela legislação federal, estão previstas as normas gerais sobre o desenvolvimento sustentável da pesca e, do seu art. 3º, recolhe-se expressamente a seguinte previsão:

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Art. 3º Compete ao poder público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais, calculando, autorizando ou estabelecendo, em cada caso:

....

§ 2º Compete aos Estados e ao Distrito Federal o ordenamento da pesca nas águas continentais de suas respectivas jurisdições, observada a legislação aplicável, podendo o exercício da atividade ser restrita a uma

determinada bacia hidrográfica” (original sem destaques).

É curioso que o dispositivo transcrito em destaque acima tenha sido interpretado, pela monocrática ora impugnada, como supostamente revelador de invasão de competência da União pela legislação estadual. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico desautoriza tal compreensão.

Importa observar que a Lei 7.661/1988, que institui o Plano Nacional Costeiro e dá outras providências, contém a seguinte previsão nos §§ 1º e 2º do respectivo art. 5º:

“§ 1º Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os

respectivos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro,

observadas as normas e diretrizes do Plano Nacional e o disposto nesta lei, e designar os órgãos competentes para a execução desses Planos.

§ 2º Normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como limitações à utilização de imóveis, poderão ser estabelecidas nos Planos

de Gerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritiva” (original sem destaques).

Referida legislação é regulamentada pelo Decreto 5.300/2004, de cujo art. 3º se extrai a seguinte previsão:

“Art. 3º A zona costeira brasileira, considerada patrimônio nacional pela

Constituição de 1988, corresponde ao espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre, com os seguintes limites:

I - faixa marítima: espaço que se estende por doze milhas náuticas, medido

a partir das linhas de base, compreendendo, dessa forma, a totalidade do mar

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Portanto, a leitura da legislação federal de regência – que deve se ater a aspectos genéricos, ou, como dito na Constituição Federal, a normas gerais – estabelece a competência dos Estados para o ordenamento da pesca nas águas continentais de sua jurisdição e na zona costeira – abrangendo a

totalidade do mar territorial–, mediante a edição de legislação suplementar. Longe de vedar o ordenamento da atividade pesqueira pelos Estados, aquela norma do art. 3º da Lei Federal 11.959/2009 desonera a União da competência para tal ordenamento, daí que absolutamente regular o exercício da competência suplementar, no caso do Rio Grande do Sul, por meio da edição da Lei Estadual 15.223/2018 impugnada na presente ação direta.

Por tudo isso é que se conclui, com absoluta segurança, que não se manifesta qualquer inconstitucionalidade formal quando, no impugnado art. 1º,

parágrafo único, a legislação estadual estabelece que “[e]sta Lei é aplicável a toda atividade de pesca exercida no Estado do Rio Grande do Sul, incluindo a faixa marítima da zona costeira (...)”, tendo o Estado exercido, de forma absolutamente legítima, sua competência material suplementar.

Prossegue o Professor Marcelo Neves, no parecer ora juntado aos autos, ao discorrer sobre a competência administrativa dos Estados em matéria de desenvolvimento sustentável da pesca:

“Além da competência legislativa concorrente em matéria de

‘desenvolvimento sustentável da pesca’, cabe considerar que cabe aos

Estados a competência administrativa comum, nos termos do art. 23, caput, incisos VI e VII c/c parágrafo único, da Constituição Federal:

[...]

Esse dispositivo determina claramente que em matéria de meio ambiente aquífero, especialmente no que concerne à preservação da fauna e da flora marinhas, os Estados poderão, com base em leis, tomar as medidas administrativas necessárias para que se realizem as exigências constitucionais de proteção ambiental, conjuntamente com outros entes federativos. Como pode haver dissonância e desarmonia entre os entes federativos em domínio de competência administrativa comum, o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal prevê a fixação de leis complementares para cooperação entre eles, ‘tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional’. Relativamente à proteção do ambiente (inciso VI do art. 23) e à preservação das florestas, da fauna e da flora (inciso VII do art. 23), a cooperação entre os entes federativos é regulada pela Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, cujo art. 1º tem o seguinte teor:

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Art. 1º Esta Lei Complementar fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

O art. 8º dessa Lei Complementar é enfático ao incluir entre as competências administrativas dos Estados medidas atinentes à preservação do ‘desenvolvimento sustentável da pesca’, especialmente nos seus incisos XII e XX:

Art. 8º São ações administrativas dos Estados: (omissis)

XII - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei;

(omissis)

XX - exercer o controle ambiental da pesca em âmbito estadual; (omissis). Esse dispositivo deixa claro que, respeitada a legislação federal (normas

gerais) e a legislação suplementar (normas específicas em vista das peculiaridades e necessidades locais), os Estados podem controlar o emprego de técnicas e métodos que comportem risco para o meio ambiente, assim como ‘exercer o controle ambiental da pesca em âmbito estadual’. Nada impede, portanto, que o Estado Membro legisle suplementarmente estabelecendo medidas administrativas para que se realize essas determinações da Lei Complementar nº 140/2011” (original sem destaques).

Ora, foi exatamente no exercício da competência legislativa

suplementar e da competência material concorrente, e sem descuidar das

normas gerais previstas na legislação federal, que o Estado do Rio Grande do Sul

editou a Lei 15.223/2018 impugnada.

Especificamente quanto à vedação da pesca por arrasto tracionado por embarcações motorizadas, oportuno destacar o que prevê a precitada Lei

Federal 11.959/2009, ao estabelecer as normas gerais:

“Art. 6º O exercício da atividade pesqueira poderá ser proibido

transitória, periódica ou permanentemente, nos termos das normas específicas, para proteção:

...

§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, o exercício da atividade pesqueira é proibido:

...

VII – mediante a utilização de:

...

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É cediço que determinados métodos de pesca, em especial arrasto, que é um método não seletivo, afetam grande número de espécies, muitas delas em perigo de extinção. E que, além disso, a pesca de arrasto apresenta considerável percentual de descarte de fauna acompanhante.

São capturados e descartados volumes significativos de indivíduos de pequeno tamanho pelas embarcações de arrasto, inclusive de espécies consideradas comercialmente importantes para a atividade pesqueira, como a corvina, castanha, pescada e pescadinha.

É, pois, em absoluta compatibilidade com as normas gerais que

proíbem o exercício da atividade pesqueira mediante métodos predatórios –

vide o art. 6º, § 1º, inciso VII, alínea d, transcrito acima –, que a Lei Estadual

15.223/2018, em seu art. 30, inciso IV, alínea e, vedou a pesca mediante o

emprego de rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas.

Anota o multicitado parecer do Professor Marcelo Neves, a esse respeito:

“Acrescente que o art. 6º, inciso VI, alínea d, da Lei Federal nº

11.959/2009, acima citada (seção III.2), ao estabelecer ‘normas gerais’ sobre a atividade pesqueira, proíbe a pesca por ‘petrechos, técnicas e métodos não permitidos ou predatórios’. Em compatibilidade com esse dispositivo e com base em lei estadual que venha a vedar a pesca mediante o emprego de rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, não se pode afastar a atividade administrativa do Estado do Rio Grande Sul para impor, na prática, essa vedação legal.

Portanto, não me parece que se possa impedir juridicamente que o Estado

do Rio Grande do Sul, com base em lei decorrente de sua competência legislativa concorrente suplementar, realize as ‘ações administrativas’ que visem a impedir, em sua jurisdição, a pesca por meio de rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas’.”

Do quanto até aqui exposto, renovadas todas as vênias, a solução da controvérsia não passa pela invocação da natureza jurídica do mar territorial como bem da União (art. 20, VI), nem da competência privativa desta para legislar sobre navegação marítima (art. 22, X), tampouco pela atribuição do Congresso Nacional para dispor sobre limites do território nacional, espaço aéreo

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Não se trata, ao contrário do afirmado pela decisão agravada, “de conferir constitucionalidade à lei estadual que tratou de limite de mar territorial”. O dispositivo da lei impugnada na presente ação direta não cuidou de fixar ou alterar limites para o mar territorial, mas, isso sim, de exercer, sobre aquela zona, sua competência legislativa concorrente suplementar e sua competência material, ambas expressamente garantidas pela Constituição Federal.

Daí porque o parecer apensado às presentes razões de recurso aponta:

“De fato, qualquer competência legislativa e administrativa atribuída

constitucionalmente aos Estados poderá ser exercida por eles no mar territorial, especialmente quando se tratar de um poder-dever. Inclusive a Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que dispõe sobre o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro determina que os Estados podem gerenciar suas respectivas zonas costeiras, das quais fazem parte a totalidade do mar territorial, inclusive instituindo normas mais restritivas, nos temos dos §§ 1º e 2º do seu art. 5º”.

Com efeito, o fato de o mar territorial constituir bem pertencente à União está longe de significar que haja impedimento para que os Estados, nos limites da Constituição, exerçam seu jus imperium sobre os recursos naturais de sua plataforma continental e zona econômica exclusiva, tanto no âmbito legislativo quanto no administrativo.

É como, aliás, já se pronunciou essa excelsa Suprema Corte:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS SOBRE A ÁREA DOS RESPECTIVOS TERRITÓRIOS, INCLUÍDAS NESTES AS PROJEÇÕES AÉREAS E MARÍTIMA DE SUA ÁREA CONTINENTAL, ESPECIALMENTE AS CORRESPONDENTES PARTES DA PLATAFORMA CONTINENTAL, DO MAR TERRITORIAL E DA ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO §

5 DO ARTIGO 194 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DO § 4 DO ARTIGO DA LEI ESTADUAL N 2.657, DE 26.12.1996, QUE REGULA O ICMS NAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO.

1. Alegação de que tais normas violam os artigos 20, V e VI, 22, I, 155, II, 150, VI, 146, I, III, ‘a’ e 155, § 2 , XII, ‘d’, da Constituição Federal.

2. Fundamentação consideravelmente abalada com as objeções da ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA e do GOVERNADOR DO ESTADO, que, a um

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primeiro exame, demonstraram a inocorrência de qualquer das violações apontadas na inicial.

Medida cautelar indeferida. Plenário. Decisão unânime” (ADI 2080 MC,

Relator Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2002, DJ 22-03-2002 PP-00029 EMENT VOL-02062-01 PP-00119 DJ 12-- PP-0000L, original sem destaques).

Tal orientação foi ratificada pelo eminente Ministro Roberto Barroso por ocasião da decisão proferida no RE 823.790/ES, de cuja leitura se extrai:

“A pretensão não merece acolhida. Com efeito, o Plenário desta Corte,

nos autos ADI 2.080-MC, relatada pelo Ministro Sydney Sanches, firmou entendimento no sentido de que o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva são parcelas do território nacional, as quais integram também os territórios de Estados e Municípios. Confira-se, a propósito, a ementa da decisão:

[...]

Na oportunidade, o Ministro Sepúlveda Pertence destacou o seguinte: ‘A mim, pelo menos em termos de liminar, me parece claro haver uma confusão, na lógica da ação direta, entre domínio público e território e, que, na federação, não há área ou suas projeções que não estejam no território ou do Distrito Federal e, simultaneamente, de um Município.

O art. 20, § 1º – relativo à chamada participação ou compensação financeira na exploração de recursos minerais, de petróleo ou gás natural – é o corolário claro deste princípio, o de que, embora ninguém discuta tratar-se de bens dominiais da União, as jazidas se situam no território de um Estado, de um Município ou do Distrito Federal. Basta dizer que temos, no País, áreas, ou partes territoriais integralmente do domínio da União.’

Conclui-se, portanto, que, não obstante o fato de o mar territorial constituir bem pertencente à União, não há impedimento para que Estados e Municípios exerçam sua competência tributária sobre seus limites territoriais” (original sem destaques).

Contextualizada a previsão da legislação estadual na repartição de competências previstas constitucionalmente, desimportam as dicções do art. 2º,

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X e XVI, da Lei Federal 11.959/20091 e do art. 21, III, da Lei 13.884/20192,

invocados na decisão unipessoal como reforço de suposta competência privativa ou exclusiva da União. Antes pelo contrário, tais dispositivos apenas reafirmam a competência do ente maior para definir o que se considera como mar territorial – e, já se afirmou aqui, a lei estadual nem de longe cuida de fixar ou alterar limites do mar territorial – e as normas gerais sobre pesca, o que em nada prejudica – e nem poderia – o exercício da competência legislativa suplementar e a competência administrativa dos Estados.

Pensar diversamente consistiria em tornar letra morta a competência concorrente prevista no inciso VI do art. 24 da Constituição Federal, e as regras contidas nos respectivos parágrafos. E, com o máximo respeito, definitivamente não se está a cogitar nestes autos do regime de

navegação lacustre, fluvial ou marítima que pudesse justificar a invocação da

competência privativa disciplinada no art. 22, inciso X, do texto constitucional. Natural, pois, que a resposta ao primeiro questionamento identificado como o cerne da controvérsia só pode ser o de que os dispositivos legais estaduais não correspondem a invasão de competência privativa da União, resta examinar a compreensão da decisão monocrática de que, considerada a competência concorrente, haveria prevalência da política pública nacional em detrimento da estadual.

Com o devido acato, aqui também se revela merecedor de reforma o pronunciamento agravado.

1 “Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se:

(…)

X – áreas de exercício da atividade pesqueira: as águas continentais, interiores, o mar territorial, a plataforma continental, a zona econômica exclusiva brasileira, o alto-mar e outras áreas de pesca, conforme acordos e tratados internacionais firmados pelo Brasil, excetuando-se as áreas demarcadas como unidades de conservação da natureza de proteção integral ou como patrimônio histórico e aquelas definidas como áreas de exclusão para a segurança nacional e para o tráfego aquaviário;

(...)

XVI – mar territorial: faixa de 12 (doze) milhas marítimas de largura, medida a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente pelo Brasil;”.

2 “Art. 21. Constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:

(...)

III - política nacional pesqueira e aquícola, inclusive gestão do uso dos recursos e dos licenciamentos, das permissões e das autorizações para o exercício da aquicultura e da pesca;”.

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O raciocínio acolhido foi o de que, por vigente a Portaria 26, de 28/07/1983 da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), cujo art. 3º proíbe a pesca com a utilização de redes de arrasto a menos de 3 milhas náuticas na região do Estado do Rio Grande do Sul, não haveria a possibilidade de estabelecimento de restrição mais ampla pelo ente subnacional e, além disso, não se cogitaria de retrocesso ao se afastar a incidência das regras restritivas impostas pelo diploma estadual.

Em primeiro lugar, tal entendimento afasta a incidência da previsão expressa dos já transcritos §§ 1º e 2º do art. 5º da Lei 7.661/1998, segundo os quais “[o]s Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro” e que as “[n]ormas e diretrizes sobre o uso [...] e das águas [...] poderão ser estabelecidas nos Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritiva”3.

É interessante observar que as manifestações do Estado de Santa Catarina, do Município de Penha e da Defensoria Pública da União, expressamente invocadas na decisão ora impugnada, não tenham vindo acompanhadas de nenhuma documentação técnica, embora seus argumentos tenham sido interpretados como retrato fiel da realidade. O ente municipal, embora tenha apresentado as petições das Peças nº 37 e nº 49 dos autos eletrônicos, com elas não juntou qualquer comprovação técnica. O Estado de Santa Catarina, por seu turno, fez instruir seu pedido de intervenção apenas com cópias de e-mails enviados por órgãos daquele Estado (Peças nº 23 e nº 24).

Daí que ganha ainda maior relevo e não poderia ter sido de qualquer forma desconsiderado, como solenemente o foi, o Relatório Técnico juntado pela Oceana Brasil na Peça nº 90.

Formalmente admitida pelo eminente Relator originário como

amicus curiae, esclareceu em seu pedido de ingresso tratar-se de “entidade nacional com foco exclusivo na proteção dos mares e oceanos e na gestão dos recursos pesqueiros, atuando de forma transversal com todos os atores envolvidos na temática da pesca. Internacionalmente, é reconhecida como a maior organização de defesa de direitos dedicada exclusivamente à conservação dos oceanos”. Pontuou, ainda, que “a OCEANA é a única organização do Terceiro

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Setor cujo trabalho é exclusivamente voltado para a gestão da pesca, garantindo-se que a exploração dos recursos seja realizada de forma sustentável, compatibilizando a lucratividade do setor econômico com a manutenção dos estoques pesqueiros. Sua atividade é totalmente embasada em dados científicos e nos regramentos jurídicos existentes nos diversos países em que atua e nas convenções internacionais”.

Pois bem.

Segundo o Relatório Técnico, “[o]s efeitos do fechamento ao

arrasto, tais como: (a) redução dos descartes; (b) regeneração e aumento da produtividade dos ecossistemas de fundo; e (c) o efeito spillover devem, assim, gerar resultados positivos em regiões nas quais a gestão pesqueira é ineficiente e onde os recursos pesqueiros encontram-se sobrepescados ou ameaçados de extinção. Nas sessões subsequentes demonstraremos que o Brasil se enquadra totalmente no caso onde restrições ao arrasto são necessárias e urgentes” (fl.

17).

Especificamente sobre o modelo para a pesca de arrasto – e veja-se quão pertinente incluir, aqui, a multicitada Portaria 26, emitida pela extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) em 1983, ou seja, há

quase 40 anos –, eis o que aponta o Relatório Técnico:

“Panorama do ordenamento da pesca de arrasto no Brasil

O modelo de gestão para a pesca de arrasto já não se sustentava desde o final dos anos 1990. Especialistas recomendaram em 2001 uma revisão completa na estratégia de se regular a pesca demersal na costa Sudeste e Sul. O que se observou nos anos subsequentes foi uma paralização completa da gestão pesqueira, evidenciada pelo número reduzido de normas publicadas nas

últimas duas décadas.

Como decorrência, a gestão das pescarias de arrasto segue baseada em regras ultrapassadas e incapazes de garantir o uso sustentável dos recursos. Crises de competência e instabilidade institucional, falta de transparência ausência de programas contínuos de monitoramento e incapacidade de assegurar cumprimento das regras vigentes compõem o conjunto de entraves para a melhoria da gestão pesqueira no país.

Quaisquer estratégias modernas e que visem à implantação de novas tecnologias ou formas a ordenar a pesca enfrentam todas as dificuldades impostas por esse quadro.

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Proteger áreas contra práticas de pesca danosas é, portanto, não só uma medida factível mas, em muitos casos, necessária em face do contexto de gestão da pesca no Brasil.

Prossegue o relatório com as conclusões alcançadas ainda em 2001 sobre o modelo de gestão da pesca por arrasto:

“Na busca por encontrar uma solução para esse estado de coisas, entre 07

e 11 de maio de 2001 ocorreu na sede do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul (CEPSUL/IBAMA), na cidade de Itajaí (SC), uma reunião técnica para se discutir o ordenamento do arrasto nas regiões Sudeste e Sul, cujo relato detalhado encontra-se documentado em

Perez et al. (2001).

A análise dos dados trazidos pelos mais de 20 pesquisadores permitiu concluir que o modelo de ordenamento dessa pescaria precisava ser urgentemente reformulado. A gestão focada nas espécies (com defesos para recursos específicos) deveria ser substituído por um modelo de gestão baseado em frotas e pescarias. A gravidade do quadro observado é transcrita abaixo:

‘Em parte, o quadro acima descrito reflete a falência do modelo de gestão

da pesca de arrasto do Sudeste e Sul do Brasil. Considerando a multiespecificidade da pesca de arrasto de plataforma, fica claro que o

modelo baseado na proteção de espécies-alvo tradicionais não parece mais se justificar nesta região. Apenas a pesca na área costeira permanece, basicamente, no seu padrão tradicional, sendo dirigida a uma única espécie alvo, o camarão 7-barbas (...)” (Perez et al., 2001)

‘Face ao exposto, é posição unânime de um grupo representativo dos

pesquisadores do Sudeste e Sul do Brasil envolvidos com a pesca demersal de que o modelo de ordenamento vigente na região não mais se sustenta. Os recursos pesqueiros vêm sofrendo declínios evidentes de abundância, inclusive com situações claras de colapso de alguns estoques. Mantido o atual modelo, é certo que os poucos recursos ainda subexplotados da região (...) trilharão caminho similar’ (Perez et al., 2001)” (destaques no original e nossos).

Diante dessa realidade, com o máximo respeito, não há como se admitir como acertada a conclusão da monocrática de que “já há política pública

nacional bem estruturada e definida, traçada em iniciativa conjunta com a Organização das Nações Unidas - FAO, que permite a proteção ao meio ambiente e também à economia local”.

Vista a questão sob o prisma internacional, tampouco impressiona o referido Projeto Manejo Sustentável da Fauna Acompanhante na Pesca de

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desnecessária qualquer outra providência em defesa do meio ambiente e, com isso, da atividade pesqueira gaúcha. É mais uma vez o Relatório Técnico acostados aos autos desta ação pela associação Oceana que esclarece qual a posição do Brasil no cenário internacional, quanto ao tema:

“Como se pode notar, o quadro de gestão da pesca no Brasil é ainda mais

desfavorável para o uso sustentável dos recursos pesqueiros do que o observado no final dos anos 1990.

Para fins de comparação, data de 2017 um estudo publicado na revista

Proceedings of the National Academy of Sciences que avaliou a

performance da gestão pesqueira em 28 países. O Brasil ocupou a 26ª posição do ranking, apenas à frente de Myanmar e Tailândia. Países como Bangladesh, Indonésia, Vietnam e Marrocos possuem desempenho de gestão melhores que os observados no Brasil (Melnychuk et al., 2017)

Figura 8.

Portanto, a invocação de uma Portaria editada há quase 40 anos por uma Superintendência de há muito extinta e de um projeto no qual o

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significar que não haja prejuízo ao meio ambiente e à atividade pesqueira, tampouco afasta a percepção de que há evidente retrocesso com a solução preconizada na monocrática, de se restabelecer o ordenamento anterior às previsões da Lei Estadual 15.223/2018.

A decisão ora agravada, supreendentemente não dedicou qualquer atenção a dados técnicos, estampados em relatório elaborado por associação sem fins lucrativos e sem qualquer vinculação a qualquer dos entes envolvidos na controvérsia, preferindo agarrar-se a afirmações feitas em manifestações da Advocacia-Geral da União, do Estado de Santa Catarina e do Município de Penha, todas desacompanhadas de qualquer comprovação científica.

Curiosamente, invocou-se o item 14.b, da Agenda 2030 quanto aos objetivos de desenvolvimento sustentável – “14.b. Proporcionar o acesso dos

pescadores artesanais de pequena escala aos recursos marinhos e mercados” –,

como se tal fosse aspecto a reforçar o acerto na suspensão da eficácia dos dispositivos da lei que instituiu a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul.

Ao admitir de forma irrestrita a pesca de arrasto por embarcações morotorizadas, o comando contido na decisão agravada vai em sentido

diametralmente oposto, autorizando de forma irremediável a falta de proteção

meio ambiente e, com isso, prejudicando sobremaneira os pescadores artesanais de pequena escala.

Foi ecoando mais uma vez a manifestação da Advocacia-Geral da União que a decisão ora agravada preocupou-se em afastar o precedente específico representado pela ADI 861/AP, muito embora o que lá dito acerca da regulação da pesca tenha perfeita aplicação ao caso em apreço. Nem mesmo a referida ausência de existência da Lei Federal 11.959/2009 ao tempo da cautelar deferida naquele caso – circunstância absolutamente desimportante e nada pertinente para a solução da presente controvérsia – resiste à leitura atenta do acórdão recorrido, na matéria que aqui interessa. Colhe-se da ementa, verbis:

“4. Ao orientarem o controle do esforço de pesca em consideração ao poder de

pesca, o desempenho das embarcações e o volume da fauna acompanhante desperdiçada, estipularem limites de aproveitamento da fauna

acompanhante à pesca industrial de arrasto de camarões e veicularem normas destinadas à mitigação do impacto ambiental da atividade, os arts. 1º, § 2º, e 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 64/1993 mantêm-se dentro dos limites da

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competência legislativa concorrente do Estado (art. 24, VI, da CF), além de consonantes com o postulado da proporcionalidade e os imperativos de preservação e defesa do meio ambiente mediante o controle do emprego de técnicas, métodos e práticas potencialmente danosos à fauna (arts. 170, VI, e 225, § 1º, V e VII, da CF) e não destoam das normas gerais sobre a matéria objeto da legislação federal (Lei nº 11.959/2009). Precedente: ADI 2030/SC,

Relator Ministro Gilmar Mendes, em 09.8.2017, DJ 17.10.2018”.

Da leitura dos autos daquela ação recolhe-se que a lei estadual amapaense impugnada continha a seguinte redação, no que aqui interessa:

“Art. 1º - O Poder Executivo Estadual, através dos órgãos públicos, com

atribuições para fiscalizar, controlar e administrar as atividades pesqueiras, de acordo com o art. 220, incisos I, II e III da Constituição do Estado do Amapá, veda a pesca industrial de arrasto dos camarões na costa estadual, nos casos de:

...

II – pesca de arrasto a menos de trinta milhas marítimas da costa;

...” (original sem destaques).

Como, então, defender que o precedente específico da ADI 861, formado por unanimidade de votos, não tem aplicação ao caso? Veja-se que o dispositivo que veda a pesca de arrasto na lei amapaense contém comando

absolutamente análogo ao da lei gaúcha, e está dito, com todas as letras

naquele acórdão unânime do Tribunal Pleno, dentre outros fundamentos, que ele não destoa das normas gerais sobre a matéria objeto da legislação federal (Lei nº 11.959/2009).

Outrossim, é verdade que a lei do Estado do Amapá considerou realidade daquele Estado, como aliás nem poderia deixar de ser. Também o Estado do Rio Grande do Sul editou a lei impugnada na presente ação atento às suas peculiaridades, embasado em amplos estudos técnicos – dos quais se têm amostra mais do que suficiente aos autos –, conduzidos por órgãos multidisciplinares, não se conseguindo visualizar por qual razão, diferentemente da lei amapaense, não seja legítimo o estabelecimento de regramento sobre o tema.

Vênia pela insistência, a manifestação da Advocacia-Geral da União, adotada a todo tempo como razões de decidir, bem assim os pronunciamentos do Estado de Santa Catarina e do Município de Penha, igualmente trazidos à lembrança na monocrática, não vieram instruídos com qualquer documentação

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técnica, surpreendendo que possam de pronto sobrepor-se a solução edificada

mediante amplo embasamento científico.

E, é importante observar, a solução dedicada à ADI 681/AP – transitada em julgado, aliás –, que deveria ser observada no presente caso, essa sim, encontra-se em consonância com a Agenda 2030 da ONU, especificamente com seu item 14, como revela o próprio cadastro do processo no portal eletrônico desse Supremo Tribunal Federal:

Estudos elaborados pelos professores do Instituto de Oceanografia e de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) – cópias instruem as informações apresentadas pelo Governador do Estado4 –, desenvolvidos em três partes (Produtos 1, 2 e 3),

demonstram “os possíveis efeitos positivos para o ecossistema de um

deslocamento da frota de arrasto de fundo para além das 12 milhas náuticas no litoral do Rio Grande do Sul”, tal qual estabelecido pela lei estadual ora

impugnada.

Após discorrerem sobre a metodologia empregada, os dados considerados e os resultados encontrados, os Responsáveis Técnicos pelo estudo, concluem, no Produto 3: Relatório sobre benefícios ambientais da

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proibição do arrasto nas 12mn, para as espécies consideradas ameaçadas de extinção:

“Estes resultados demonstram o potencial de geração de biomassa que

está sendo perdido com as capturas tanto de indivíduos pequenos quanto de fêmeas grávidas pelo arrasto de fundo dentro das 12 milhas náuticas do litoral do Rio Grande do Sul. Atualmente, as populações de ambas as

espécies estão colapsadas em termos pesqueiros (Vooren e Klippel, 2005) e são consideradas criticamente em perigo de extinção, conforme a lista nacional de espécies ameaçadas (MMA, 2014). Embora os desembarques estejam proibidos, a mortalidade de juvenis dentro das 12 milhas continua ocorrendo pela impossibilidade de utilizar redes de arrasto que capturem indivíduos de 30 a 50 cm sem deixar de capturar as espécies alvo, assim como a mortalidade de fêmeas grávidas. O deslocamento das frotas de

arrasto para além das 12 milhas náuticas aceleraria a recuperação dos estoques destas espécies e poderia eventualmente num contexto de maior controle da pesca, permitir, no futuro, estabelecer algum nível sustentável de capturas” (fl. 43).

É o mesmo estudo, ainda, que cuida de demonstrar o desacerto da decisão unipessoal, ao basear-se unicamente em “informações do Estado de

Santa Catarina, do Município de Penha e também da Defensoria Pública da União

– desacompanhadas de qualquer documentação, frise-se –, admitidos no feito

na qualidade de amicus curiae, apontam o impacto na economia de tais localidades”.

Rogando nova vênia, não procede qualquer tentativa daqueles interessados admitidos ao feito de convencer de suposta restrição

desproporcional ou injustificada ao princípio do livre exercício profissional.

No ponto, são elucidativas as conclusões alcançadas pelos pesquisadores da FURG no Produto 3, ao tratarem da Análise Econômica –

Síntese do impacto para o município de Rio Grande e para o estado do Rio Grande do Sul do deslocamento das frotas de arrasto além das 12 mn no litoral do Rio Grande do Sul. Transcreve-se, por oportuno:

“Este estudo utilizou dados básicos pesca de arrasto de fundo, nas

modalidades parelha, tangones-peixes e tangones-camarão, que atuou dentro das 12 milhas náuticas no litoral do Rio Grande do Sul, no ano de 2016. Foram consideradas as cinco espécies economicamente importantes capturadas pelas frotas de arrasto nesta região (pescadinha, castanha,

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pescada, corvina e o camarão). Todos os valores reportados estão atualizados em reais de janeiro de 2018, a partir da correção pelo IGP-FGV. No ano de 2016 estas frotas geraram uma receita de R$ 6 milhões com as vendas de 1,8 mil toneladas, entre pescados e camarão, todos capturados dentro das 12 mn no litoral do RS. Deste montante, a maior parte foi receita gerada pela frota de parelha (68%), ficando a frota de tangones-camarão com 31% deste total, e a frota de tangones-peixes com apenas 1%. Ao realizarem a descarga deste produto, as indústrias pesqueiras do município de Rio Grande, ganharam um montante de R$ 385 mil, sendo 65%, 33% e 2% desta manipulação gerados pelas descargas da pesca das frotas de arrasto de fundo com parelha, tangones-camarão e tangones-peixes, respectivamente. Ainda impactando diretamente na formação de recursos

financeiros do estado do RS, esta pesca de arrasto de fundo gerou em arrecadação, via ICMS, um montante de R$ 660 mil.

No entanto, em um cenário de estabelecimento do deslocamento do arrasto de fundo para além das 12 milhas náuticas no litoral do RS, utilizando a projeção de desembarques potenciais para os anos de 2017 e 2018, obtém-se receitas e arrecadações tributárias com valores expressivamente maiores aos gerados pelas capturas de arrasteiros dentro das 12mn, tais como:

- Receitas potenciais às frotas de emalhe e arrasto de fundo, esta última atuando fora das 12 mn na ordem de R$ 14,3 milhões e R$ 38,5 milhões nos anos de 2017 e 2018, respectivamente, aumentando em 134% e 530% quando comparado às receitas realizadas pelo arrasto de fundo no ano de 2016, de R$ 6,1 milhões. Estas receitas impactariam de forma positiva toda a economia da pesca e economias local/regional (Figura 1-a);

- Receitas potenciais às indústrias pesqueiras de Rio Grande/RS com a manipulação do pescado, na ordem de R$ 796,5 mil e R$ 2,08 milhões, respectivamente nos anos de 2017 e 2018, aumentando em 107% e 441% suas receitas se comparado à receita realizada no ano de 2016, de R$ 385 mil. Este efeito seria direto à economia do município de Rio Grande/RS pelo aumento da manipulação nestas indústrias, impactando positivamente o emprego, com a manutenção e/ou aumento de trabalhadores na atividade de manipulação do pescado (Figura 1-b);

- Arrecadações potenciais de tributos via ICMS, com a venda de pescados

capturados pelas frotas de emalhe e arrasto de fundo, esta última atuando fora das 12mn, nos anos 2017 e 2018 de, respectivamente, R$ 1,5 milhões e R$ 4,2 milhões. Estas receitas significam um potencial de aumento do recolhimento estadual em ICMS da ordem de 134% (em 2017) e 530% (em 2018) se comparado à arrecadação realizada em 2016, refletindo impacto potencial positivo e significativo na arrecadação estadual do deslocamento da pesca de arrasto de fundo para além das 12mn no litoral do RS, (Figura 1-c).

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A partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que ao descolar as frotas de arrasto de fundo para além das 12mn no litoral do RS, tanto a economia da pesca, como toda a economia local e regional seria beneficiada. Os impactos positivos atingiriam os industriais da pesca (donos de embarcações e empresas processadoras), mas também seria produzido um efeito mais amplo, na forma de geração de renda e emprego às economias projetadas pela cadeia produtiva desta atividade”.

Observe-se que se trata de informações colhidas mediante estudo

científico, estampadas em documento técnico, causando surpresa que possam

ser solenemente desconsideradas mediante a tão só afirmação do Estado de Santa Catarina e de um de seus municípios de que a respectiva economia sofreu reflexos com a vigência da lei gaúcha.

Tais dados técnicos constaram, aliás, da Justificativa apresentada no encaminhamento do projeto de lei, antes de sua conversão na Lei Estadual 15.223/2018:

“[...] Segundo este mesmo estudo, uma projeção do afastamento da

pesca de arrasto desta região, considerando apenas quatro espécies capturadas pelo arrasto na zona costeira do Rio Grande do Sul (corvina, castanha, pescada e pescadinha), se em 2016 e 2017 a frota de arrasto não

tivesse atuado nesta região as 1.889 toneladas por ela capturadas, em 2018 se transformariam em 10.174 toneladas de pescado que

potencialmente poderiam ser capturadas e desembarcadas,

representando um aumento potencial de 709%. Isto significaria um potencial aumento na receita para os pescadores de R$ 6,1 milhões em 2016 para R$ 38,5 milhões em 2018. Para as indústrias que realizam os desembarques, o aumento de receita seria de R$ 385 mil em 2016 para R$ 2,08 milhões em 2018. Já em termos de arrecadação para o Estado, a projeção é que se passaria dos R$ 660 mil em 2016 para R$ 4,2 milhões em 2018”.

É a mesma Justificativa, ainda, que invoca a necessidade de atendimento não só à reivindicação do setor pesqueiro do Rio Grande do Sul, mas a recomendações de organismos internacionais como a Food and Agriculture Organizations of the United Nations – FAO, tão enfaticamente lembrada na decisão monocrática impugnada. Eis o que constava no projeto que deu origem à lei impugnada:

“Cabe referir que o presente Projeto atende a uma reivindicação

apresentada de forma unânime pelo setor pesqueiro gaúcho, bem como

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outros estados da Federação e a recomendações de organismos internacionais como a FAO, criando condições objetivas para reerguer o

setor pesqueiro do Rio Grande do Sul, garantindo trabalho e renda para milhares de gaúchos” (original sem destaques).

Em conclusão, tudo examinado, seja sob o ângulo jurídico, seja sob a perspectiva ambiental – e considerada, inclusive, a posição do Brasil no cenário internacional no tocante à pesca sustentável –, ou ainda mediante a análise econômica, nada respalda a alegação de incompatibilidade da Lei Estadual

15.223/2018 com a Constituição Federal de 1988.

III - DO PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO INTERNO

Como é cediço, o recurso de agravo interno não possui, de regra, efeito suspensivo, o qual somente deverá ser postulado e concedido diante da presença dos requisitos para tanto, quais sejam, o periculum in mora e o fumus

boni juris.

E, com o máximo respeito, tais pressupostos encontram-se devidamente preenchidos no caso.

A Lei Estadual 15.223, impugnada na presente ação, foi publicada no Diário Oficial do Estado de 06 de setembro de 2018, tendo entrado em vigor 45 dias mais tarde, como se extrai do seu art. 40:

“Art. 40. Esta Lei entra em vigor em 45 (quarenta e cinco) dias após a sua

publicação”.

Somente quase um ano após sua entrada em vigor é que a referida legislação foi impugnada na presente ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada em 13 de agosto de 2019.

Indeferido o pedido de medida cautelar pelo eminente Ministro Relator originário em 10 de dezembro de 2019, transcorreu mais um ano até que, no último dia 15 de dezembro de 2020, a decisão ora agravada, reconsiderando aquele pronunciamento, resolveu suspender a eficácia dos eficácia dos arts. 1º, parágrafo único; e 30, inciso VI, alínea ‘e’, ambos da Lei n. 15.223, de 5 de setembro de 2018, do Estado do Rio Grande do Sul, ad

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Veja-se que os dispositivos impugnados produziam efeitos há mais

de dois (2) anos e, não obstante acostado aos autos parecer do eminente

Procurador-Geral da República pela improcedência da ação, tiveram sua eficácia abruptamente suspensa, em tão só atenção a alegações de prejuízo por parte do Estado de Santa Catarina.

Como referido no capítulo anterior das presentes razões recursais, não obstante a solução legislativa estivesse calcada em exaustiva análise jurídica – vide o parecer encomendado ao Professor Marcelo Neves em apenso – e técnica – a exemplo dos Estudos elaborados pelos professores do Instituto de Oceanografia e de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) –, preferiu-se homenagear simples

alegações constantes em manifestações do Estado de Santa Catarina, do

Município de Penha e da Defensoria Pública da União, nenhum deles instruído

com qualquer documentação técnica.

E, não bastassem os documentos que acompanharam as informações prestadas pelo Governador do Estado e pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, há robusto estudo técnico trazido aos autos

por associação sem qualquer vinculação com nenhum dos entes públicos envolvidos – a associação civil sem fins lucrativos Oceana Brasil (Peça nº 90) – o

qual dá conta da posição nada honrosa do Brasil no cenário mundial quanto à

pesca sustentável; da obsolescência do regramento invocado na monocrática como apto a afastar o risco de retrocesso e da absoluta pertinência do controle estipulado pelos dispositivos impugnados da Lei 15.223/2018.

Não é demais repetir, não obstante na ausência de qualquer documentação ou estudo apresentado pelo partido político proponente, ou pelo Estado de Santa Catarina, a decisão unipessoal impressionou-se com a simples afirmação constante na inicial de que o alegado dano “decorre dos graves

problemas enfrentados pelos mais de 25 mil pescadores gaúchos e catarinenses que estão sem sua principal fonte de renda, fora toda a cadeia produtiva brasileira” (fl. 13), e de que “existem 3.535 embarcações com permissão para a pesca na região Sul-Sudeste, em que a maior concentração desta operação está na região sul do País. Todos os barcos estão atualmente parados por determinação da lei n. 15.223, de 2018” (fl. 14).

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