• Nenhum resultado encontrado

Bluesman: A representação negra na mídia brasileira sob a narrativa de Baco Exu do Blues

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Bluesman: A representação negra na mídia brasileira sob a narrativa de Baco Exu do Blues"

Copied!
66
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO - DECOM GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

FELIPE MATEUS DE FREITAS DA SILVA

​BLUESMAN​”

A representação negra na mídia brasileira sob a narrativa de ​Baco Exu do Blues

NATAL - RN 2019

(2)

FELIPE MATEUS DE FREITAS DA SILVA ​BLUESMAN​”

A representação negra na mídia brasileira sob a narrativa de ​Baco Exu do Blues

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, sob a orientação da docente Lilian Carla Muneiro, como requisito obrigatório para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda em 2019.2.

Orientadora: Lilian Carla Muneiro. NATAL - RN 2019

(3)

Silva, Felipe Mateus de Freitas da.

Bluesman: a representação negra na mídia brasileira sob a narrativa de Baco Exu do Blues / Felipe Mateus de Freitas da Silva. - 2019.

65f.: il.

Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Comunicação Social- Publicidade e Propaganda,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Natal, RN, 2019.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lilian Carla Muneiro.

1. Publicidade - Monografia. 2. Semiótica - Monografia. 3. Representação - Monografia. I. Muneiro, Lilian Carla. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 659 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA

(4)

FELIPE MATEUS DE FREITAS DA SILVA

​BLUESMAN​”

A representação negra na mídia brasileira sob a narrativa de ​Baco Exu do Blues

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, sob a orientação da docente Lilian Carla Muneiro, como requisito obrigatório para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda em 2019.2.

Natal, 28 de novembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

​​​​​​​​__________________________________

Professora Lilian Carla Muneiro (Orientadora)

​​​​​​​__________________________________ Professor Josenildo Soares Bezerra

(Banca examinadora)

​​​​​​​​__________________________________

Professora Alice Oliveira de Andrade (Banca examinadora)

(5)

AGRADECIMENTOS

Gostaria encarecidamente de fazer um breve agradecimento às pessoas que tiveram um papel bastante importante durante a minha jornada na universidade.

À minha mãe, Tânia Maria de Freitas, mulher negra, que não teve tantas oportunidades de estudo na vida devido ao fato de precisar trabalhar desde os 13 anos de idade, que ainda assim criou seus três filhos com bastante esforço, e hoje poderá contemplar a realização do presente trabalho.

À minha madrinha, Leonor Oliveira, uma das figuras minhas importantes na minha formação intelectual, como professora, conselheira, ou mesmo uma segunda mãe que desde os primeiros anos de minha vida me incentivou a sempre buscar o conhecimento.

À professora Doutora Lilian Muneiro, minha orientadora, pela busca incansável pela melhoria da qualidade do ensino público superior no nosso país. Aos professores com os quais pude aprender nos últimos anos como discente do curso de Comunicação Social, na Habilitação Publicidade e Propaganda na UFRN.

E por fim, aos meus colegas de curso, em especial Tatiane Lourenço, uma amiga que conheci durante a minha jornada na universidade, essa que me prestou suporte em um momento bastante delicado, fazendo com que eu possa seguramente afirmar que, sem ela, este trabalho não seria possível.

(6)

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Cena do filme aos 10 segundos………..​16 Figura 02 - Cena do filme aos 40 segundos, protagonista correndo em meio a

fumaça………..​17

Figura 03 - Cena do filme aos 49 segundos, protagonista correndo para fora da

fumaça………..​17

Figura 04 - Cena do filme aos 01 minuto e 01 segundo, protagonista passa ao lado

de placa da publicidade e prédio

abandonado……….​18

Figura 05 - Cena do filme aos 01 minuto e 07 segundos, protagonista e ancião se encontram em meio a mata………...​19 Figura 06 - Cena do filme aos 01 minuto e 14 segundos, protagonista e ancião se aproximam em meio a mata………..​20 Figura 07 - Cena do filme aos 01 minuto e 29 segundos, protagonista admira as

feições do ancião……….​21

Figura 08 - Cena do filme aos 01 minuto e 34 segundos, homem na loja de jóias de

prata………..​22

Figura 09 - Cena do filme aos 02 minutos e 26 segundos, protagonista coberto pela

névoa……….​23

Figura 10 - Cena do filme aos 02 minutos e 34 segundos, formação do rosto da escultura de prata………...​24 Figura 11 - Cena do filme aos 02 minutos e 40 segundos, formação do corpo da escultura de prata………...​24 Figura 12 - Cena do filme aos, expressões de pessoas negras com o filtro de

(7)

imagem que remete à prata………..​25 Figura 13 - Cena do filme aos 03 minutos e 18 segundos, o protagonista está entrando na igreja………...​26 Figura 14 - Cena do filme aos 03 minutos e 23 segundos, casa do protagonista...​27 Figura 15 - Cena do filme aos 03 minutos e 35 segundos, reunião da família para

almoço no jardim……….​28

Figura 16 - Cena do filme aos 03 minutos e 55 segundos, protagonista se despede

de sua família………...​29

Figura 17 - Cena do filme aos 04 minutos e 21 segundos, protagonista brinca com seus amigos na comunidade……….​30 Figura 18 - Cena do filme aos 04 minutos e 35 segundos, menino estuda na

biblioteca………..​31

Figura 19 - Cena do filme aos 05 minutos e 33 segundos, protagonista em transe

na floresta……….​32

Figura 20 - Cena do filme aos 05 minutos e 58 segundos, protagonista toma banho

de chuva………...​32

Figura 21 - Cena do filme aos 06 minutos e 30 segundos, protagonista toma banho

de chuva………...​33

Figura 22 - Cena do filme aos 07 minutos e 09 segundos, protagonista olha para a

janela……….​34

Figura 23 - Cena do filme aos 07 minutos e 28 segundos, entrevista ao menino durante os créditos……….​35 Figura 24 - Cena do filme aos 03 minutos e 35 segundos, família reunida para

almoço no jardim……….​36

(8)

de prata……….​38 Figura 26 - Cena do filme ao 01 minuto e 09 segundos, protagonista e ancião se

encontram na mata……….​43

Figura 27 - Cena do filme ao 01 minuto e 43 segundos, homem fala diretamente com

enunciatário………..​46

Figura 28 - Cena do filme ao 02 minutos e 34 segundos, formação do rosto da

escultura de prata………​48

Figura 29 - Cena do filme ao 02 minutos e 40 segundos, formação do corpo da

escultura de prata………​49

Figura 30 - Cena do filme aos, expressões de pessoas negras com o filtro de imagem que remete à prata………..​50 Figura 31 - Cena do filme aos 02 minutos e 51 segundos, mulher encara

(9)

RESUMO

O presente trabalho trabalho refere-se a uma análise do vídeo “ ​Bluesman​” do Rapper brasileiro Baco Exu do Blues, vinculado na plataforma de streaming Youtube, em 28 de novembro de 2018. O filme venceu o Grand Prix, no mês de Junho (2019), um dos mais importantes do mercado de publicidade do mundo, cuja realização ocorreu na França, apresentando uma temática de gênero racial, gerando uma crítica à representação nos meios de comunicação. Como metodologia, realizamos pesquisa bibliográfica, através de apontamentos da semiótica greimasiana. Privilegiamos também elementos de audiovisual para compreender mais a respeito das questões de gênero e representação de pessoa negra dispostas na narrativa. Para suporte teórico utilizamos Fiorin (2004), Barros (2005) e Greimas (2008) para tratar de questões relacionadas aos apontamentos relacionados a semiótica, Bakthin apud Brait (2006) para entendermos a intertextualidade presente além de outros autores que foram valorosos para estabelecermos e crítica sobre a questão de gênero no Brasil, através da nos meios de comunicação de massa. Nos valemos da mídia de massa, recortes de notícias geradas pelos grandes meios no Brasil e no mundo, para entendermos a repercussão de ​Bluesman em premiações internacionais além do papel político estabelecido pelos autores do filme sobre a questão racial no Brasil.

Palavras-chave: Representação. Narrativa. Semiótica. Questão Racial. Meios de

(10)

ABSTRACT

The present work refers to an analysis of the video "Bluesman" by Brazilian Rapper Baco Exu do Blues, linked on the Youtube streaming platform, on November 28, 2018. The film won the Grand Prix in June (2019 ), one of the most important of the advertising market in the world, which took place in France, presenting a theme of racial gender, generating a critique of representation in the media. The general objective of this paper is to analyze the issue of black representation in the media, especially Brazilian television, based on the narrative of the Bluesman video by Brazilian artist Baco Exu do Blues, understanding his political role through the semiotic analysis of audiovisual production and narrative discourse. As methodology we perform bibliographic research through greimasian semiotic analysis. We also favor audiovisual elements to understand more about the gender issues and representation of black people arranged in the narrative. For theoretical support we use Fiorin (2004), Barros (2005) and Greimas (2008) to address issues related to notes related to semiotics, Bakthin apud Brait (2006) to understand the present intertextuality and other authors who were valuable to establish and criticism of the gender issue in Brazil through mass media. We use mass media, news clippings generated by the mainstream media in Brazil and around the world, to understand Bluesman's repercussions on international awards as well as the political role established by the film's authors on the racial issue in Brazil.

(11)

1: INTRODUÇÃ​O………....​11

2: DEBRUÇANDO-SE SOBRE A NARRATIVA​………....15

3: ANÁLISE DO VÍDEO - A REPRESENTAÇÃO DA DIVERSIDADE​………..36

3.1: Contexto em que vive​………...38

3.2: A intertextualidade em prol da representação​………..44

3.3: Do aculturamento ao “estado laico”​... 53

4: ESTETIZAÇÃO E CRÍTICA SOCIAL LIGADA À REPRESENTAÇÃO​………....55

CONCLUSÃO:​...62

(12)

1: INTRODUÇÃO

Segundo a Revista Veja, 2019, Diogo Mancorvo (nome original do artista Bacu Exu do Blues), rapper negro brasileiro, baiano, nascido em Salvador, teve dificuldades para se enquadrar no ensino tradicional, repetiu por diversas vezes algumas séries, até que parou os estudos no 6ª série (7º ano nos moldes de ensino atuais). Contudo, mesmo não se encaixando no ensino tradicional, ainda segundo a revista, continuou encantado por literatura, lendo desde os quadrinhos aos livros de sua mãe, que era professora, desde Jorge Amado a Fiódor Dostoievski. Mesmo sem a formação do ensino fundamental completa, após largar a escola, com 16 anos, o jovem se dedicou a música, em especial ao Rap, até que cinco anos depois, aos 23 anos em 2019, vive o seu auge na carreira.

Em 23 de novembro de 2018 foi disponibilizado na plataforma de streaming YouTube, um vídeo de 00:08:15 (oito minutos e quinze segundos), intitulado

BLVUESMAN (ou ​Bluesman​). A produção foi realizada como uma parceria entre Coala (plataforma e música do Coala Festival), AKQA, produtora Stink e o rapper baiano Baco Exu do Blues. O filme, dirigido por Douglas Bernardt, conta com três músicas do rapper ao longo de seus oito minutos, se tratando branded content, produzido para divulgar de maneira mais ampla o segundo álbum do cantor baiano “​Bluesman​”, aclamado pela crítica e público.

Em setembro de 2019 conta com mais de 2 milhões de visualizações, disponibilizando legendas em inglês, algo que se fez necessário visto que o prêmio obtido é de suma importância no cenário internacional, seus concorrentes anteriormente citados, haviam sido filmes de língua inglesa, sendo assim, traduzir para o idioma considerado universal era de suma importância para a compreensão do objetivo discursivo e para fixar a comunicação falada/cantada para que o enunciatário esteja ele onde estiver, possa compreender o propósito comunicativo da obra, possibilitando o alcance de um público ainda superior, mesmo que fora do Brasil.

(13)

Conforme cita o Amuari Terto, do ​Huffspotbrasil.com , 2019, a produção1 superou Beyoncé e Jay-Z no Cannes Lions, faturando o Grand Prix, no mês de Junho, um dos mais importantes do mercado de publicidade do mundo, cuja realização ocorreu na França.

Ainda segundo Terto, o prêmio recebido é inédito para o Brasil na categoria Entertainment for Music (entretenimento para música). No ano de 2019 foram dois ganhadores, além de ​Bluesman​, o cliente ​This is America​, do também rapper

Childish Gambino (codinome de Donald Glover) também foi premiado, ambos desbancando ​Apeshit, vídeo de Beyoncé e Jay-Z, gravado no museu do Louvre, esse que também possuía uma temática de gênero racial.

Em nota ao jornal ​O Globo​, em 18 de junho de 2019, Baco citou “Além disso, o fato de um filme com um discurso negro, com todo elenco negro e que retrata a fragilidade e a força negra conseguir conquistar um prêmio desse tamanho sendo rap brasileiro é muito doido”.

Em uma entrevista realizada pelo cantor Caetano Veloso ao artista Baco Exu do Blues, vinculada no Youtube, pelo canal ​Mídia NINJA​, em 31 de janeiro de 2019, o rapper chegou a citar que entende que a sua produção só chegou ao patamar de divulgação e alcance atual devido a aceitação da população dominante, ou intelectual “branca” nos meios de comunicação de massa, contudo isso não se significa que ele buscará se adequar de maneira restrita aquilo que é exigido pelos paradigmas atuais da indústria, fazendo com que o objetivo seja inserir sua arte no cenário pré-estabelecido.

Além disso, o cantor citou o vocalista do grupo Racionais MCs, Mano Brown, músico, cantor e compositor brasileiro, negro, que cresceu na periferia de São Paulo, e possui músicas que são, há mais de 30 anos, influentes no cenário de Rap nacional, deixando claro o viés político que o grupo Racionais adota, com o posicionamento de luta contra “um sistema pré-estabelecido” que tem uma forte crítica às desigualdades sociais e raciais existentes no Brasil.

1 Disponível em

https://www.huffpostbrasil.com/entry/bluesman-baco-exu-do-blues-cannes_br_5d094 bc4e4b0e560b70ab139

(14)

Tendo em vista o contexto supracitado, eu, Felipe Mateus de Freitas da Silva, 24 anos, negro, morador de um bairro Nossa Senhora da Apresentação, loteamento Vale Dourado, da periferia da zona norte de Natal/RN, estudante no curso de Comunicação Social, na habilitação Publicidade e Propaganda e aprovado no curso através de cotas para candidatos negros, decidi utilizar a obra em questão para realização de uma pesquisa bibliográfica, através de análise semiótica e dos elementos de audiovisual para compreender mais a respeito das questões de gênero e representação de pessoa negra dispostas na obra ​Bluesman​, mais especificamente a narrativa, através da semiótica, para compreender de maneira mais clara a representação de personagens negros feita pela obra.

Antes de trazer à tona a análise mais profunda a respeito da questão principal, que é o processo narrativo, se faz importante ressaltar que proposta pela obra me atinge diretamente, uma vez que durante muito tempo não tive acesso através da mídia comum, em especial aos meios de comunicação de massa representados pela TV aberta, uma demonstração da pessoa negra que me levasse a sentir representado. Para se ter uma noção mais clara, em novelas e jornais a figura negra era exposta através dos escravos, esses que em sua grande maioria não figuravam entre os protagonistas das obras apresentadas, quando se tratavam de situações de época, ou, quando em obras que não eram de épocas e buscavam retratar um cenário mais atual, pessoas negras apareciam como traficantes ou personagens marginalizados que não apresentavam nenhuma importância de fato para o andamento da narrativa, não possuindo um destaque significativo na trama.

Por outro lado, seguindo a ideia de sociedade de espetáculo, bairros como o que resido e cresci, apareciam em programas policiais, sendo sua população, na grande maioria das vezes, representada como pessoas sem muita relevância no cenário social, de modo que as aparições e os poucos momentos de evidência estavam ligados a tragédias e ou situações de violência e caos, algo que muitas vezes era divergente da realidade a qual vivia, das pessoas as quais conhecia e, principalmente, o que considerava me representar.

Pensando nisso, ao analisar o vídeo em questão, percebo uma tentativa de desconstrução do status quo apresentado pelos meios de comunicação de massa, fazendo com que as pessoas negras, humildes, residentes de favelas, comunidades,

(15)

aqueles que, de certa forma estão marginalizados perante a sociedade, possam encontrar-se através, e até mais que isso, para que eles possam, através de uma marca, um filme, uma música, reunir todos esses elementos que faça com que essa grande fatia da população possa enxergar seu valor e suas possibilidades. Com isso, a produção reforça as raízes negras que são tão exploradas na obra “Bluesman”, disco produzido por Baco Exu do Blues, esse para o qual o vídeo foi produzido para promover, uma vez que entre a trilha sonora estão faixas da produção sonora, divulgando a marca “BLVESMAN”.

Este trabalho monográfico está dividido em três capítulos. O primeiro apresenta descrição da narrativa, com algumas ilustrações, para reforçar os aspectos citados no texto. O segundo, vale-se de pesquisa bibliográfica em torno dos elementos expostos no corpus, a utilização de apontamentos semiótica greimasiana como aporte na tentativa, sobretudo, de compreender e explicar a performance da personagem chave do texto . O terceiro capítulo foca de maneira mais profunda na análise do posicionamento político dos autores da produção a respeito da questão da representação.

(16)

2: DEBRUÇANDO-SE SOBRE A NARRATIVA

Neste primeiro capítulo apresentamos a descrição da obra Bluesman, 2

enfatizando os aspectos intencionais apresentados aos consumidores/enunciatários do conteúdo, para que possamos traçar através da análise correspondente um paralelo de como os elementos citados na película foram utilizados para passar uma mensagem com o objetivo de enaltecer a imagem da figura negra perante os meios de comunicação e sociedade. Sendo assim, veremos então a relação do negro com a prata, seus antepassados, seu presente, e a busca da subversão que envolve a representação no cenário nacional.

O vídeo inicia com um plano de fundo preto, o qual no centro uma pequena janela demonstra o jovem Caíque, uma criança de dez anos de idade, negro, morador da Favela do alemão, Rio de Janeiro/RJ, Brasil. A criança responde a3 perguntas simples que remetem aquilo que ele gosta e costuma fazer para ocupar seu tempo, como jogar bola, soltar pipa e desenhar. Em seguida, ao ser perguntado sobre o que ele gostaria de ser quando crescer, responde: “Eu? Ser médico.” E após responder ao questionamento, olha para a pessoa que o perguntou com um ar de esperança em relação ao seu desejo.

2 Vídeo vinculador na plataforma de Streaming Youtube.com, disponível em

<​https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=-xFz8zZo-Dw​>.

3 Complexo do Alemão, ou morro do Alemão, segundo o Wikipédia, é um bairro que abriga um dos

maiores conjuntos de favelas da Zona da Leopoldina, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Local que é bastante citado nos meios de comunicação de massa devido aos altos índices de violência.

(17)

(Figura 01 - Cena do filme aos 10 segundos)

Dando continuidade ao vídeo, aos 30 segundos, podemos ver o mesmo corte de tela, com as bordas estouradas pretas, enquanto novamente no meio da tela está uma outra figura de pessoa negra. Dessa vezes podemos ver um homem, jovem adulto, com aparentemente de 19 a 23 anos correndo com o olhar fixo à frente. Devido ao pequeno espaço em tela que o comporta, não conseguimos focar claramente naquilo que está ao seu redor, apenas ouvimos os seus passos largos e apressados, além de sua respiração acelerada e cansada, mesmo ofegante ele pensa por um momento em olhar para trás, e enquanto a vinheta com o nome da produção é apresentada: Bluesman , ou BLVESMAN. 4

Em seguida aos 41”, ouvimos um ruído sonoro como uma vitrola ou toca disco antigo, que precede o início da música. A trilha sonora empregada é um cântico e um ​riff característico do blues. Dessa vez o plano de imagem é aberto, porém5 praticamente não conseguimos enxergar nada além do personagem e os prédios em volta, que aparentam ser de um local onde a periferia e a cidade se encontram. Aparentemente não temos um tempo fechado, com nuvens e obstrução da luz do

4 Bluesman, é uma referência “ao primeiro ritmo a tornar pretos ricos”, conforme cita a música com o

mesmo nome, a qual consta no álbum do cantor Baco Exu do Blues.

5​Riff ​é uma gíria muito utilizada no mundo da guitarra para descrever um pequeno trecho executado

(18)

sol, ainda assim, embora o plano seja aberto, a imagem não é clara, pois a fumaça continua a cobrir aquilo que está por trás do personagem.

(Figura 02 - Cena do filme aos 40 segundos, protagonista correndo em meio a fumaça)

Ao olharmos para o cenário à esquerda, percebemos um prédio abandonado, cheio de vidros quebrados e pichações.

(19)

Indo adiante, antes que o plano de imagem mude, enquanto continua sua corrida em direção a frente o espectador acompanha o contrário, ou seja, aquilo que o personagem está deixando para trás e após o prédio com as pichações vemos uma placa publicitária de academia, nela existem duas pessoas, um homem e uma mulher brancos, o cartaz tem cores predominantemente brancas.

(Figura 04 - Cena do filme aos 01 minuto e 01 segundo, protagonista passa ao lado de placa da publicidade e prédio abandonado)

Ao iniciar a música temos um novo plano, que aparentemente parece ser desconexo da cena anterior, contudo traz novamente o protagonista. Temos neste momento um plano aberto, a câmera parece filmar distante duas pessoas negras, uma delas é o jovem da cena anterior, ao lado direito da tela e do outro, à esquerda, um homem negro de cabelos e barba grisalhos, ambos sem camisa, vestindo apenas uma calça bege.

(20)

(Figura 05 - Cena do filme aos 01 minuto e 07 segundos, protagonista e ancião se encontram em meio a mata)

O lado esquerdo aparece com a iluminação mais evidente, com a luz natural do sol sobre ele, em destaque mesmo com a vegetação e nuvens acima dele que não tiram o seu brilho. Por outro lado, o mais jovem a direita inicia a cena quase fora do enquadramento, coberto pela vegetação, com a iluminação escura, mesmo com o céu completamente limpo sobre ele.

(21)

(Figura 06 - Cena do filme aos 01 minuto e 14 segundos, protagonista e ancião se aproximam em meio a mata)

Percebemos que ambos caminham em direção um ao outro, porém a postura do negro ancião é firme, ereta, mantendo sua envergadura, as mãos estão fechadas e firmes, contudo ao ponto que ambos se aproximam, a postura do ancião é mantida, mas o jovem demonstra um relaxamento e abre um sorriso, ao ponto que a sua luz também muda mediante a aproximação.

(22)

(Figura 07 - Cena do filme aos 01 minuto e 29 segundos, protagonista admira as feições do ancião) Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos

O primeiro ritmo que tornou pretos livres Anel no dedo em cada um dos cinco Vento na minha cara, eu me sinto vivo A partir de agora considero tudo blues

O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues O funk é blues, o soul é blues, eu sou Exu do Blues Tudo que quando era preto era do demônio

E depois virou branco e foi aceito, eu vou chamar de blues É isso, entenda

Jesus é blues

Falei mermo. 6

Dando continuidade ao vídeo, ao 00:01:34 (um minuto e trinta e quatro segundos), temos agora o homem que era demonstrado como ancião anteriormente com vestimentas diferentes, em uma espécie de balcão de uma loja de joias que irão compor o tema, que segundo a semiótica é uma isotopia, que também pode ser entendido como intertexto, da tomada dessa parte do vídeo. Novamente a iluminação é forte e destaca as feições do homem em questão, ao que acontece pelo fato de que a luz que está batendo nas joias de prata é refletida na pele do homem, o que faz com que o discurso a respeito do poder de reflexão do elemento químico seja demonstrado visivelmente através da imagem.

(23)

(Figura 08 - Cena do filme aos 01 minuto e 34 segundos, homem na loja de jóias de prata)

Em meio ao seu discurso, o ancião fala sobre a prata e, mais uma vez ao citar o termo Argentum, do latim, ele traz a reflexão sobre a origem, que significa “Reflete luz”, e vem a seguinte frase:

“Um brilho tão intenso que eu me pergunto, por que o ouro é tão

querido e a prata subvalorizada? Alguns há de dizer que é porque a

prata é encontrada com maior facilidade. Reflita! O Brasil tem uma

população de negros maior que a de brancos, temos menos valor por

ser maioria? A ironia da maioria virar minoria. A prata é um metal

(24)

(Figura 09 - Cena do filme aos 02 minutos e 26 segundos, protagonista coberto pela névoa)

Em seguida aos 00:02:34 (dois minutos e trinta e quatro segundos), vemos uma escultura digital sendo produzida em meio ao vídeo, a textura da pele tem uma cor cinza, ou prateada, com um fundo preto, ao fim da imagem um corpo humano é esculpido, trazendo a possibilidade de reflexão à respeito da arte do corpo negro.

(25)

(Figura 10 - Cena do filme aos 02 minutos e 34 segundos, formação do rosto da escultura de prata)

(Figura 11 - Cena do filme aos 02 minutos e 40 segundos, formação do corpo da escultura de prata)

Após a escultura ser completada e o corpo humano aparecer, temos uma mudança de tomada de imagem, com o trecho cantado abaixo:

(26)

“Nós vive pela prata tatata tatata, Nós mata pela prata tatata tatata,

Protegemos a prata tatata tatata, Nós negros somos prata tatata

tatata, Nós vive pela prata tatata tatata, Nós mata pela prata tatata

tatata, Protegemos a prata tatata tatata, Nós negros somos prata

tatata tatata" 7

E seguida, no vídeo, à partir dos 00:02:42 (dois minutos e quarenta e dois), vemos várias imagens de pessoas negras, essas que estão em tons de cinza enquanto o trecho da música citado a acima é cantado.

(Figura 12 - Cena do filme aos, expressões de pessoas negras com o filtro de imagem que remete à prata)

Em seguida, temos um trecho da letra, essa demonstrada abaixo:

“Eu amo o céu com a cor mais quente

Eu tenho a cor do meu povo, a cor da minha gente Jovem Basquiat, meu mundo é diferente

Eu sou um dos poucos que não esconde o que sente Choro sempre que eu lembro da gente

Lágrimas são só gotas, o corpo é enchente Exagerado, eu tenho pressa do urgente

Eu não aceito sua prisão, minha loucura me entende Baby, nem todo poeta é sensível

Eu sou o maior inimigo do impossível

(27)

Minha paixão é cativeiro, eu me cativo

O mundo é lento ou eu que sou hiperativo, oh?” 8

(Figura 13 - Cena do filme aos 03 minutos e 18 segundos, o protagonista está entrando na igreja )

Nesse ponto, aos 00:03:18 (três minutos e dezoito segundos), temos uma relação do personagem retratado pelo jovem rapaz que aparece durante todo o filme dois ambientes diferentes e com imagens que trazem a tona tal relação, ao ponto que ao cortar a imagem para uma outra cena percebemos o que parece ser um pequeno altar na sala de uma casa, com duas imagens que seriam comuns a serem vistas em uma igreja como aquela onde estava o personagem.

(28)

(Figura 14 - Cena do filme aos 03 minutos e 23 segundos, casa do protagonista)

Percebemos aos 00:03:35 (três minutos e trinta e cinco segundos) um plano aberto, com uma família que tem os seus anciãos sentados à frente da mesa, um de frente para o outro, além das crianças ao redor, filhos, pais, avós e netos reunidos, há um banquete servindo a fartura, e percebemos ao redor de árvores e plantas, tais como a bananeira, samambaia, entre outras.

(29)

(Figura 15 - Cena do filme aos 03 minutos e 35 segundos, reunião da família para almoço no jardim) Baby, nem todo poeta é sensível

Eu sou o maior inimigo do impossível Minha paixão é cativeiro, eu me cativo

O mundo é lento ou eu que sou hiperativo, oh? 9

Dando continuidade ao vídeo, aos 00:03:55 (três minutos e cinquenta e cinco segundos), vemos o protagonista vestindo sua camisa para sair de casa,

cumprimentando algumas pessoas da família de maneira gentil e carinhosa todos os componentes que estão em cena, numa casa relativamente simples, mas bem

(30)

organizada.

(Figura 16 - Cena do filme aos 03 minutos e 55 segundos, protagonista se despede de sua família)

Após se despedir de todos, vemos o protagonista novamente correndo como no início do vídeo, o seu plano de fundo continua embaçado, não muito legível, porém diferente do início das cenas, não há uma fumaça que o cobre.

Aos 00:04:14 (quatro minutos e quatorze segundos) o protagonista entra num beco ainda correndo. Há um homem atrás de uma parede o observa. Há crianças brincando na rua, com quem o personagem principal interage pulando corda, abraçando e sorrindo para elas. Mais adiante passa por um homem que está com a mangueira na mão, esse que brinca com ele lhe jogando água. Em seguida, cumprimenta um senhor que está sentado na calçada e levanta uma criança no colo sorrindo para ela.

(31)

(Figura 17 - Cena do filme aos 04 minutos e 21 segundos, protagonista brinca com seus amigos na comunidade)

Mais adiante, aos 00:04:30 (quatro minutos e trinta segundos) vemos um menino numa biblioteca, vestido com um terno, lendo um livro sobre a escrivaninha essa que está repleta de livros, assim como as estantes, que além dos materiais de leitura possuem dois cartazes: um deles que diz “NENHUMA ESCOLA A MENOS” e o outro “MENOS PRISÕES, MAIS ESCOLAS”.

(32)

(Figura 18 - Cena do filme aos 04 minutos e 35 segundos, menino estuda na biblioteca)

Dando sequência ao vídeo, aos 00:04:45 (aos quatro minutos e quarenta e cinco segundos), vemos o personagem entrando numa espécie de apartamento que possui pichações na parede. Em seguida encontra outros homens negros de diversas idades diferentes, com vestimentas que remetem a uma estética de vestes das raízes dos povos africanos.

(33)

(Figura 19 - Cena do filme aos 05 minutos e 33 segundos, protagonista em transe na floresta)

Em seguida, aos 00:05:40 (cinco minutos e quarenta segundos), ouvimos uma música mais lenta, o protagonista está com os olhos fechados, um barulho de chuva soa ao fundo, à medida que uma melodia mais lenta começa a tocar junto, a água

que cai da chuva e escorre pelo seu rosto.

(34)

Amor, você é como o sol

Ilumina meu dia, mas queima minha pele Amor, você é como o sol

Ilumina meu dia, mas queima minha pele Queima minha pele (porque)

Queima minha pele

Queima minha pele (porque) Queima minha pele

Queima minha pele (porque) Queima minha pele

Queima minha pele (porque) Ilumina meu dia, mas

Ilumina meu dia, mas queima minha pele

Ilumina meu dia, mas 10

(Figura 21 - Cena do filme aos 06 minutos e 30 segundos, protagonista toma banho de chuva)

Alguns segundos depois, aos 00:06:30 (seis minutos e trinta segundos), ainda em meio a chuva, a música começa a repetir de maneira mais enfática o verso “Queima a minha pele”, a imagem volta a ficar mais escura, com apenas alguns

(35)

pontos iluminados, principalmente a cabeça do protagonista, que está de braços abertos, sorrindo, olhando para o céu, aproveitando a chuva sobre o seu rosto, como se estivesse agradecendo pela sensação de esperança, mesmo que pequena, em meio à escuridão que o cerca.

Até que, por fim, aos 00:06:35 (seis minutos e trinta e cinco segundos), o vemos novamente correndo, com uma tomada muito parecido como foi demonstrado no início do vídeo, até que ouvimos ao fundo um ruído que num primeiro momento não é claro e a imagem vai lentamente girando d (seis minutos e cinquenta segundos), ele chega a seu destino, inicialmente põe a cabeça para o lado de dentro lentamente, como se estivesse observando o que está na sala, enquanto isso o som que ouvíamos como um ruído se torna mais encorpado e audível claramente, é um violino, mas também há uma harpa, instrumentos de percussão. Percebemos que é uma sala de aula de música, ele então pede desculpas pelo atraso já que perdeu a hora, e é recepcionado pelos seus colegas, pegando o seu trompete e, sorridente, antes que os créditos entrem, ele olha para a janela por alguns segundos, sorri e vemos uma tela preta que indica o fim do vídeo.

(Figura 22 - Cena do filme aos 07 minutos e 09 segundos, protagonista olha para a janela)

Durante os créditos, o garoto que atuou durante a cena da biblioteca responde que o que o faz feliz é saber que ainda existem pessoas que se importam

(36)

com as outras, o ator que reproduziu o homem que recepciona o protagonista na entrada da favela cita que é muito feliz, e que sua felicidade é um estado constante, já o artista que dá vida ao personagem de um dos homens que aparece na loja de jóias forjando a prata, ao ser perguntado sobre a felicidade, afirma que esse é um sentimento composto por momentos, e que a felicidade plena pode ser considerada, na opinião dele, uma utopia.

(Figura 23 - Cena do filme aos 07 minutos e 28 segundos, entrevista ao menino durante os créditos)

E para finalizar ao ser perguntada sobre o que é Exu, uma das entrevistadas diz: “Exu ele é um orixá, é um dos mais importantes, ele abre caminhos, ele é protetor, eu não sei te explicar, eu só sinto o que é Exu”.

(37)

3: ANÁLISE DO VÍDEO - A REPRESENTAÇÃO DA DIVERSIDADE

Este capítulo foi formulado com as perspectivas da análise, intertextos: crítica à sociedade, música e religião, com apontamento da semiótica discursiva: a performance do garoto.

(Figura 24 - Cena do filme aos 03 minutos e 35 segundos, família reunida para almoço no jardim)

O sentido gerado por um filme não é diferente daquele criado por um

romance. O que distingue um objeto do outro é apenas a forma de

manifestar essa significação, é o plano da expressão. No entanto, as

teorias semióticas modernas estão buscando analisar as diferentes

manifestações possíveis da significação e, portanto, não são alheias

a nenhuma forma de exprimir o sentido. Ouvem-se às vezes razões

pelas quais é necessário criar uma teoria particular para as mídias.

Vamos aqui elencar três, que são recorrentes: 1) ao contrário dos

textos verbais, os textos midiáticos são produzidos por diferentes

enunciadores (por exemplo, a significação de um filme é criada pelo

iluminador, pelo diretor de fotografia, pelo figurinista etc.) e, por isso,

é preciso uma teoria para explicar o fazer desse sujeito coletivo; 2)

nos meios de comunicação de massa, é preciso ter muita clareza a

respeito do público a quem o produto se dirige (o target, como dizem

os publicitários) e, por isso, o público é um co-enunciador, como

ocorre, por exemplo, nas novelas de televisão; 3) os textos da mídia

são complexos, uma vez que eles são manifestados por diferentes

(38)

fotos, gráficos etc.) e, por isso, é preciso que haja uma teoria específica para esses textos. (FIORIN, 2004, p.15)

Desde os primeiros segundos de vídeo, quando é exibida a entrevista com o Caíque inferimos a primeira crítica apresentada pelo filme: independentemente da cor, gênero, religião, região onde reside, crianças tendem a ter sonhos comuns a muitos, tais como poder aproveitar as brincadeiras e atividades que remetam a sua infância, além do sonho de uma profissão digna e almejada por muitos indivíduos quando adultos, ser médico.

(39)

3.1: Contexto em que vive

Para complementar a o raciocínio gerado pela crítica na primeira tomada do filme, segundo o jornalista Helton Simões Gomes, G1 , matéria veiculada em maio 11

de 2018, os Brancos representam maioria em empregos de elite e negros ocupam vagas sem qualificação, de acordo com o levantamento feito com dados do Ministério do Trabalho. Ainda segundo o estudo, negros ocupam a maioria das vagas em serviços braçais ou que exigem pouco preparo, como operador de Telemarketing, vigilante e cortador de cana-de-açúcar. Por outro lado, em relação às profissões mais altamente qualificadas, tais como engenheiro de computação, docência e medicina, o número de trabalhadores brancos é superior.

(Figura 25 - Cena do filme aos 02 minutos e 06 segundos, homem na loja de jóias de prata) O orador que se utiliza da phrónesis se apresenta como sensato,

ponderado e constrói suas provas muito mais com os recursos do

logos do que com os dos pathos ou do ethos (em outras palavras,

com os recursos discursivos); o que se vale da areté se apresenta

como desbocado, franco, temerário e constrói suas provas muito

mais com os recursos do ethos; o que usa a eúnoia apresenta-se

como alguém solidário com seu enunciatário, como um igual, cheio

11 Disponível em:

https://g1.globo.com/economia/noticia/negros-ganham-r-12-mil-a-menos-que-branco s-em-media-no-brasil-trabalhadores-relatam-dificuldades-e-racismo-velado.ghtml

(40)

de benevolência e de benquerença e erige suas provas muito mais

com base no pathos. (FIORIN, 2004. p.19). 12

Tendo em vista as palavras de Fiorin, por volta dos 30 segundos de vídeo, quando nos deparamos com o personagem correndo em meio a névoa, não conseguimos identificar ao certo se ele está fugindo ou correndo em busca de algo, enquanto lentamente o espaço em tela que já era pequeno, começa a se perder em meio a fumaça, que, como uma metáfora, o sufocaria. Contudo, mesmo parecendo perder o fôlego, ele pensa por um momento em olhar para trás, mas não completa o movimento e segue adiante, sendo assim, o jovem homem concentra as suas forças para continuar seguindo em frente, enquanto a vinheta com o nome da produção é apresentada: Bluesman, ou BLVESMN.

Ação: o percurso narrativo da ação ou percurso narrativo do sujeito

constitui-se pelo encadeamento lógico dos programas da

competência e da performance, ou seja, o sujeito adquire competência para uma dada ação e executa-a.

Ancoragem: é o procedimento semântico do discurso por meio de que

o sujeito da enunciação “concretiza” os atores, os espaços e os

tempos do discurso, atando-os as pessoas, lugares e datas que seu

destinatário reconhece como “reais” ou “existentes” e produzindo,

assim, o efeito de sentido de realidade ou de referente.

Manipulação: o percurso narrativo da manipulação ou percurso

narrativo do destinador-manipulador é aquele em que o destinador

atribui ao destinatário-sujeito a competência semântica e modal

necessárias à ação. Há diferentes modos de manipular, e quatro

grandes tipos de figuras de manipulação podem ser citados: a

tentação, a intimidação, a provocação e a sedução.

Performance: é o programa narrativo que representa a ação do

sujeito que se apropria, por sua própria conta, dos objetos-valor que deseja.

Tematização: é o procedimento semântico do discurso que consiste

na formulação abstrata dos valores narrativos e na sua disseminação

em percursos, por meio da recorrência de traços semânticos.

Valor: é o termo de uma categoria semântica, selecionado e investido

em um objeto com o qual o sujeito mantenha relação. É a relação

com o sujeito que define o valor.

12 (...) Um orador inspira confiança se seus argumentos são razoáveis, ponderados; se ele argumenta

com honestidade e sinceridade; se ele é solidário e amável com o auditório. Podemos, então, ter três espécies de éthe: a) a phrónesis, que significa o bom senso, a prudência, a ponderação, ou seja, que indica se o orador exprime opiniões competentes e razoáveis; b) a areté, que significa a virtude, mas virtude tomada no seu sentido primeiro de “qualidades distintivas do homem” (latim uir, uiri), portanto, a coragem, a justiça, a sinceridade; nesse caso, o orador apresenta-se como alguém simples e sincero, franco ao expor seus pontos de vista; c) a eúnoia, que significa a benevolência e a solidariedade; nesse caso, o orador dá uma imagem agradável de si, porque mostra simpatia pelo auditório.

(41)

Veridicção (ou dizer verdadeiro): um discurso ou um texto será verdadeiro quando for interpretado como verdadeiro, quando for dito verdadeiro.

(BARROS, 2005. p.85 a 90)

Segundo Barros, o personagem passa a criar uma relação de sentido agindo como um actante13 no processo narrativo. Essa é mais uma crítica que podemos observar através das imagens. Até, pela primeira vez no vídeo, conseguimos perceber que daquele ponto em diante a fumaça fica, o protagonista do vídeo continua seguindo, mas dali em diante conseguimos observar ao seu redor, e em meio ao que restou da fumaça lá atrás vemos um personagem coadjuvante, negro, com um carrinho de música, como se introduzisse a música como o passagem de entrada para a outra realidade, fora da fumaça, além da escuridão da névoa.

Discurso: ​é o plano do conteúdo do texto, que resultado na

conversão, pelo sujeito da enunciação, das estruturas

sêmio-narrativas em estruturas discursivas. O discurso é, assim, a

narrativa “enriquecida” pelas opções do sujeito da enunciação que

assinalam os diferentes modos pelos quais a enunciação se

relaciona com o discurso que enuncia.

Enunciação: ​é a instância de mediação entre as estruturas narrativas

e discursivas que, pressuposta no discurso, pode ser reconstruída a

partir das pistas que nele espalha; é também mediadora entre o

discurso e o contexto sócio-histórico e, nesse caso, deixa-se

apreender graças às relações intertextuais.

Enunciado: ​é o objeto-textual resultante de uma enunciação. (BARROS, 2005. p.85 a 90)

Uma vez que percebemos através dos elementos dispostos nas imagens que fazem uma relação do discurso emprego pelo enunciatário, com a disforia 14 da questão da representação negra, além das pistas empregadas pela enunciação. A imagem pequena a que descrevemos anteriormente, por volta dos 40 (quarenta) segundos de vídeo, precisamos compreender o fato de que à partir da construção dos elementos da imagem. Conforme cita Fiorin (2004), estamos nos deparando com uma construção de caráter do personagem que se dá por meio dos elementos

13é uma entidade sintática da narrativa que se define como termo resultante da relação transitiva,

seja ela uma relação de junção ou de transformação. O actante funcional, por sua vez, caracteriza-se pelo conjunto variável dos papéis que assume em percurso narrativo. (BARROS, 2005. p.85 a 90)

14 Disforia: é um dos termos da categoria tímica euforia vs disforia, categoria que modifica as

categorias semânticas. A disforia marca a relação de desconformidade do ser vivo com os conteúdos representados. (BARROS, 2005. p.85 a 90)

(42)

disponibilizados para a elaboração do entendimento por parte do enunciatário, que receberá e decodificá a mensagem de modo a ser atingido e impactado por ela sob alguns possíveis pontos de vista, sendo exemplificações deles o povo negro, que vivenciou de alguma maneira os dilemas que começam a ser propostos no vídeo, através e reflexões que perpassam pelos propósitos traçados pelo personagem, até aqueles que podem ser vistos como antagonistas na realidade exposta, sendo levados a criar uma subversão daquilo que está sendo demonstrando.

Para auxiliar o entendimento, apresentamos os dados expostos pela Alexandra Loras, Mestre em Gestão de Mídia, que em sua coluna na revista ​Claudia

(Abril), ​2017​, que informam que, segundo o IBGE em 2014, a maioria da população brasileira era autodeclarada negra, representando 53,6%. Contudo, não podemos dizer que o negro se encontra representado de maneira digna nos meios de comunicação, já que na televisão, por exemplo, a representatividade é mínima, cerca de 4%, o que nem de perto condiz com o divisão da população no país.

ividade significa representar com efetividade e qualidade o segmento ou o grupo o qual se faz representar, ou seja, por mais que tenhamos uma fração da população predominantemente preta, pessoas negras tendem a não ter destaque nos meios de comunicação brasileiros, reduzindo cada vez mais a visibilidade de identificação desse público.

Dando continuidade a análise do vídeo, vemos a performance do personagem, expondo o seu ponto de vista e argumentos, construídos também através dos elementos não verbais contidos na enunciação, ao se demonstrar solidário à platéia, fazendo com que aqueles que assistem sinta-se receptores ao que estão vendo, e ao discurso que está sendo apresentado, sincero e razoável, apropriando-se da intertextualidade no exercício da divulgação do discurso, logo temos eficácia comunicativa.

Ativista há 18 anos, Link Roots, fala ao site15 Brasil de Fato, em matéria veiculada em 23 de janeiro de 2017, pelo jornalista Luciano Valleda, que a pichação é considerada uma arte, porém o seu intuito é chocar, protestar, trazer a tona para a sociedade, que em muitos momentos tende a se esquivar de sua responsabilidade

15 Disponível em:

https://www.brasildefato.com.br/2017/01/23/com-origem-na-ditadura-pichacao-nasceu-como-forma-de -protesto/

(43)

em relação a realidade vivida por muitos indivíduos marginalizados, que ao “corromper” determinados espaços reforçam a sua presença que em muitos momentos é neutralizada, ignorada e esquecida.

Dessa forma, tendo em vista as pichações representam marcas que embora seja ignoradas, estão no filme presentes e visíveis, como a primeira visão após a fumaça e em meio a elas podemos encontrar três expressões legíveis escritas no prédio que aparece em cena quando o personagem corre contra a névoa aos 49 segundos de vídeo, que são elas: ACTIVA, que embora esteja escrito com uma grafia diferente do usual, está dessa maneira proposital, de forma que nos faz refletir sobre essas marcas estarem ativas, vivas, agindo perante a sociedade; INTERNE (que seria a palavra INTERNET), porém propositalmente o T foi retirado para que a expressão remetesse a palavra INTERNAR, que segundo o dicionário Aurélio, 2010, é um verbo transitivo e pronominal, que significa levar para tratamento, ou seja, uma forma de passar a mensagem que precisamos tratar esse sintoma exposto em nossa sociedade, porém é interessante observar que as letras estão escritas com o preenchimento amarelo, cor que lembra o dourado, ouro, e o plano de fundo o qual o texto está aplicado é branco; além disso vemos em meio a várias pichações aparentemente desordenadas “AMAR CURA”, que traz novamente mais de uma crítica embutida em uma pequena frase.

Indo adiante, aos 00:01:01 (um minuto e um) antes que o plano de imagem mude, enquanto o enunciador continua sua performance em direção a frente, o enunciatário acompanha o contrário, ou seja, aquilo que o personagem está deixando para trás e após o prédio com as pichações vemos uma placa publicitária de academia, nela existem duas pessoas, um homem e uma mulher brancos, o cartaz tem cores predominantemente brancas, os corpos estão sendo valorizados demonstrando os músculos e uma estética que remete a um padrão estético estereotipado. Porém, após o personagem passar alguns passos a frente e sair do plano da imagem, tudo isso passa a ficar turvo, tal como a fumaça deixada para trás, como se o protagonista estivesse deixando para trás, entre tantas coisas, os padrões estéticos estereotipados encontrados nos meios de comunicação de massa.

Mais adiante, quando próximo a 00:01:10 (um minuto e dez segundos) quando ancião e protagonista aparece em cena pela primeira vez, percebemos

(44)

também a postura como um indício evidente da continuação a crítica apresentada pela direção do vídeo, uma vez que ambos caminham em direção um ao outro. A postura do negro ancião é firme, erguida, mantendo sua envergadura, as mãos estão fechadas e firmes, tais como seus passos adiante como um marcha do passado para o futuro, enquanto o negro mais jovem tem seus passos menos firmes, como se estivesse alerta ou intrigado, sua cabeça não está erguida e os seus olhar parece direcionado para baixo, contudo ao ponto que ambos se aproximam, a postura do ancião é mantida, mas o jovem demonstra um relaxamento e abre um sorriso, ao ponto que a sua luz também muda mediante a aproximação, até que os dois se encontram como uma metáfora do passado e o futuro convergindo, e a sensação de desconfiança, ou mesmo curiosidade do mais jovem, transparece admiração relação ao outro, analisando as feições do ancião, e tal encantamento vai além das figuras apresentadas, remete a emoção dos jovens do presente ao se depararem com os passos firmados pelos negros durante toda a sua trajetória em meio a história, essa que de diversas formas é guardada e pouco divulgada pela população branca, ainda que estejamos num país de maioria negra.

(45)

3.2: A intertextualidade em prol da representação

Dentro da obra analisada a intertextualidade é uma ferramenta crucial na construção de sentido, uma vez que através das pistas deixadas durante a narrativa e conseguimos estabelecer uma relação social e histórica, de maneira a compreender de maneira mais evidente o posicionamento político demonstrado no vídeo.

Em 1967, Kristeva publica, na Critique, uma longa discussão acerca

das teorias bakthinianas expostas nas obras Problemas da poética da

Dostoiévski e A obra de François Rebalais (Kristeva, 1967, pp.

438-65). A preocupação da semioticista era discutir o texto literário.

Segundo ela, para Bakthin, o discurso literário “não era um ponto (um

sentido fixo), mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo

de várias escrituras” (Idem, p. 439). Todo texto constrói-se, assim,

“como um mosaico de citações, todo texto é absorção e

transformação de outro texto” (Idem, p. 440). Em sua leitura da obra

de Bakthin, Kristeva identifica o discurso e texto: “O discurso (o texto)

é um cruzamento de discurso (texto)” (Idem, p. 84). Afirma ainda que,

no lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de

intertextualidade (Idem, p. 441). Bakthin opera com a noção de

intertextualidade, porque considera que o “diálogo é a única esfera

possível da vida da linguagem” (Idem, p. 443). Por isso, ele vê “a

escritura como leitura do corpus literário anterior e o texto como

absorção e réplica a um outro texto” (Idem, p. 444). Está aí

entronizada a noção de intertextualidade como procedimento real de

constituição do texto.” (BRAIT, 2006. p. 163)

A letra descrita aos 00:01:11 (um minuto e onze) traz uma questão bastante forte para o resgate histórico/cultural negro, uma vez que todas os gêneros musicais citados acima têm em sua origem com os povos negros que foram espalhados pelo mundo, e que em algum momento sofreram influência dos povos europeus e, através das massas foram disseminados pela elite branca tendo maior evidência e aceitação, não sendo corretamente interligada aos povos negros dos quais foram originados, já que normalmente aquilo que é proveniente da África é visto como algo fora do padrão estabelecido culturalmente, e é visto como maléfico, maligno, do demônio que trará o mal aos seus adeptos.

No entendo, essa intertextualidade generalizada não pode funcionar

se se vê o texto da maneira como tradicionalmente ele foi definido.

(46)

verbete para a edição de 1973 da Encyclopedia universalis, explica, de maneira didática, esse conceito redefinido pela semioticista

búlgara (Barthes, 1994, pp. 1.677-89). Segundo a opinião corrente, o

texto é “a superfície fenomênica da obra literária: é tecido das

palavras utilizadas na obra e organizadas de maneira a import um

sentido estável e tanto quanto possível único” (Idem, p. 1.677). Como

diz Barthes, no fundo, ele não passa de um “objeto perpeptível pelo sentido da visão” (idem, ibid.).BRAIT, Beth. Bakthin: outros conceitos chave/Beth Brait, (org.). – São Paulo: Contexto, 2006. p. 163.

O autor da letra da música embora cite os gêneros musicais derivados do Blues com origem americana, coloca entre eles o Samba, e não é à toa, uma vez que, conforme o texto acima cita, essa é uma modalidade tipicamente brasileira, que está presente em todo o país, a qual foi trazida pelos povos africanos trazidos ao Brasil como escravos na época da colonização do nosso país, sendo ainda nos tempos de hoje uma ritmo que caracteriza o Brasil para o mundo, como uma espécie de cartão postal do país.

Um das possíveis origens, segundo Nei Lopes, seria a etnia quioco,

na qual samba significa cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito. Há

quem diga que vem do banto semba, como o significado de umbigo

ou coração. Parecia aplicar-se a danças nupciais de Angola

caracterizadas pela umbigada, em uma espécie de ritual de

fertilidade. Na Bahia surge a modalidade samba de roda, em que

homens tocam e só as mulheres dançam, uma de cada vez. Há

outras versões, menos rígidas, em que um casal ocupa o centro da

roda. (ALVITO, 2013. p 80).

Durante nossa formação cultural desde a escola até a universidade, os conteúdos os quais somos apresentados nos remetem a uma concepção que, muitas vezes, é fornecida através da concepção histórica construída pela elite branca, de origem europeia, portanto a população negra em tende a não ter a sua história retratada de maneira mais frequente e evidente, não havendo um contato direto com essas informações culturais de maneira natural. Os negros em via de regras são demonstrados como escravos durante o processo de construção histórica do Brasil, não possuindo uma representação correta, o que impacta diretamente a representatividade desses grupos, que são retratados em minoria, uma vez que o

(47)

padrão demonstrado é o do branco com raízes europeias, o que consegue dessa maneira ofuscar o brilho tão intenso quanto o do ouro.

Aos 00:01:46 (um minuto e quarenta e seis segundos) conseguimos perceber através dos elementos dispostos na imagem, a questão da iluminação que torna evidente o que fora dito na fala do ancião a respeito do brilho, uma vez que, mesmo com a baixa iluminação da sala em questão, as feições dele ao serem refletidas pela luz demonstram clareza e sobriedade, sensação essa que percebemos apenas nos elementos de prata disposto no cenário, fazendo uma relação direta da pele negra com o metal precioso citado até então.

(Figura 27 - Cena do filme ao 01 minuto e 43 segundos, homem fala diretamente com enunciatário)

Barthes não desqualifica a Linguística, nem a retórica, nem a

semiótica, nem a semiologia. Apenas propugna a constituição de uma

semanálise, que teria um objeto, um texto, diverso daqueles dos

campos do conhecimento acima citados. A semiótica, por exemplo,

para ele, estudaria o fenotexto. Ora, nesse conjunto de níveis e de

objeto, o que é exatamente a intertextualidade? Qualquer referência

ou Outro, tomado como posição discursiva: paródias, alusões, estilizações, citações, ressonâncias, repetições, reproduções de modelos, de situações narrativas, de personagens, variantes linguísticas, lugares comuns, etc. (BRAIT, 2006. p. 165)

Em seguida, aos 00:02:18 (dois minutos e dezoito segundos), o vídeo retorna ao protagonista inicial, em meio a rua, na realidade a qual nos encontramos após o

(48)

recorte histórico proposto pelo diretor. Observamos novamente a relação do personagem com a névoa, contudo nesse ponto da história ela não está concentrada no passado, ou nas coisas das quais ele supostamente estaria correndo, mas sim aquilo que está a sua frente representa uma névoa, ou seja, se fizermos uma relação do caminho adiante como o futuro, o jovem negro não consegue ver com clareza para onde está indo, ou mesmo os desafios os quais terá de enfrentar em meio a sua jornada.

“Tem que acreditar, desde cedo a mãe da gente fala assim: Filho por

você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor. Aí passados

alguns anos eu pensei: como fazer duas vezes melhor, se você tá

pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses, por tudo o que

aconteceu, duas vezes melhor, como? Ou melhora, ou você é o

melhor ou é o pior de vez. Sempre foi assim, se você tiver que

escolher o que é melhor para você, é o que tá na sua realidade. Você

vai ser duas vezes melhor como? Quem inventou isso aí? Quem foi o

pilantra que inventou isso aí? Acorda para a vida, rapaz!”. 16

No trecho da música ​A vida é Desafio​, do Racionais MCs, citado acima, de

um grupo altamente influente na cultura do Rap, que inspira o artista Baco Exu do Blues, está ligado diretamente com a metáfora das imagens ilustradas no vídeo. Ao ponto que, ao começar a ser tomado completamente pela névoa, ele precisa agir, seguir, para que possa vislumbrar e enfrentar aquilo que está a sua frente, muito embora não saiba ao certo com o que precisará lidar só restando a opção de continuar, já que vimos em outro momento que a sua luta, conforme no início do vídeo, é para fugir constantemente dessa névoa, que ao início do filme estava ficando para trás, mas novamente vemos a frente, e a contorná-lo no presente.

Em seguida aos 00:02:34 (dois minutos e trinta e quatro segundos), após ser feita a correlação da pele negra com a prata e os efeitos gerados pelo alto poder de reflexão, podemos ver uma arte gráfica, do fundo preto vazio começa à partir de uma inserção de tinta prata a formar feições humanas, partindo do rosto, em especial os olhos, até o tronco, braços e principalmente mãos. Percebemos que a escultura digital tem feições bastante marcantes, uma vez que as expressões são perceptíveis, já que a face demonstra sobriedade, cansaço e, principalmente, aquilo

16 Trecho do vídeo DVD 1000 Trutas 1000 Tretas,​ na plataforma de streaming Youtube,pelo canal

(49)

que pode ser compreendido com suor, escorrendo pelos poros, mas também lágrimas que caem dos olhos, esses que parecem vazios, sem direção, uma junção de elementos que demonstra certo cansaço, desolação e tristeza. Por outro lado, o corpo demonstra músculos bem definidos, porte atlético, porém não por uma preparação física bem adequada e regrada, a referência que podemos encontrar é a genética escrava, utilizada para massificação do trabalho escravo em mão de obra pesada em campos de lavoura, no cultivo da cana de açúcar, atividades pesadas na fazenda e afins, genética essa comercializada com utilização de escravos como força de reprodução forçada para dar luz a mais escravo que procriavam para dar continuidade a ao trabalho forçado, sem perspectiva alguma de liberdade.

(Figura 28 - Cena do filme ao 02 minutos e 34 segundos, formação do rosto da escultura de prata)

É importante ressaltarmos também a esse ponto, a exploração estética da relação de luz e sombra que aumenta a sensação de profundidade aplicada à imagem da escultura fortalecendo a relação com os traços e feições supracitadas, enaltecendo o corpo demonstrado e relacionando de maneira bastante eficaz a pele negra e a sua capacidade de reflexão de luz, essa que, dando continuidade às próximas cenas do filme, demonstrará de maneira prática com pessoas reais o mesmo efeito, reforçando o argumento do personagem do ancião.

(50)

(Figura 29 - Cena do filme ao 02 minutos e 40 segundos, formação do corpo da escultura de prata)

Conforme podemos ver no trecho abaixo, o autor reforça a relação da pele negra com a prata, porém vai além disso ao buscar ilustrar a luta dos negros vivendo, morrendo, protegendo e sendo a própria prata. Tal trecho busca representar a luta dos negros em busca do seu direito quanto cidadãos, esses que em muitos momentos são marginalizados e esquecidos perante o restante da sociedade.

“Nós vive pela prata tatata tatata, Nós mata pela prata tatata tatata,

Protegemos a prata tatata tatata, Nós negros somos prata tatata

tatata, Nós vive pela prata tatata tatata, Nós mata pela prata tatata17

tatata, Protegemos a prata tatata tatata, Nós negros somos prata

tatata tatata"

(51)

(Figura 30 - Cena do filme aos, expressões de pessoas negras com o filtro de imagem que remete à prata)

Outra questão que podemos notar à partir das imagens das pessoas retratadas como prata no vídeo, que está em bastante evidência no decorrer dos cortes aplicados às cenas, é a forma como elas estão demonstrando não apenas através de suas expressões, mas principalmente de seus olhares o misto de sentimentos, sendo os mais evidentes: medo, cansaço, intimidação em meio às marcas e cicatrizes adquiridas pelas lutas, vitórias e, principalmente, derrotas em meio à luta pelos direitos, contudo, todos eles estão com o olhar fixo para o espectador, como uma maneira de encarar de frente o preconceito, e demonstrar resistência e força, mesmo mediante às dificuldades apresentadas em meio às dificuldades, como uma demonstração de sobriedade e resiliência, de suma importante na luta por igualdade.

(52)

(Figura 31 - Cena do filme aos 02 minutos e 51 segundos, mulher encara enunciatário)

Outro ponto importante de salientar, ainda a respeito dos aspectos estéticos aplicados às imagens que é comum a todas elas e que conversa diretamente com os aspectos citados anteriormente é o fato de que todas as imagens, independente das emoções que que buscam ser demonstradas, através de aspectos ligados a iluminação e relação de luz e sombra demonstram algo em comum, já que mesmo com feições de sofrimento um brilho no olhar, independentemente de qual seja a perspectiva ou ângulo, todos têm mesmo que de maneira quase imperceptível, o brilho no olhar. Algo que contrasta diretamente com a imagem projetada pela escultura inanimada, já que pessoas reais estão sendo demonstradas, de carne e osso e que, embora possam ter sua imagem ligada a prata como uma metáfora da sua capacidade de brilhar, são de certa forma um outro tipo de jóia preciosa, humana, capaz de reluzir mesmo em situações de completa escuridão, demonstrando através do olhar a capacidade de buscar um fio de esperança em meio ao vazio. Até que enfim, temos a visão do busto do corpo negro, magro, com um cordão de prata no peito, podemos ouvir a respiração funda e as batidas do coração em meio ao silêncio, enquanto o sol reluzente toca sua pele fazendo com que ela reflita em um tom quase semelhante a prata. Essa luz pode ser

(53)

compreendida com o fio de esperança antes da respiração que dará continuidade aos passos da correria que serão demonstrados logo adiante.

(54)

3.3: Do aculturamento ao “estado laico”

No período entre os 00:03:14 (três minutos e quatorze) a etnia demonstrada as imagens religiosas é diferente do considerado usual uma vez que são negros retratados, fazendo uma crítica direta a interferência do homem branco e doutrina europeia, dando feições étnicas características de pessoas do continente, algo que casa diretamente com o discurso disposto na letra da música a aquela altura, a respeito de se tratar de um dos poucos que não esconde o que sente, ou seja, a força de suas origens. uma vez que em determinado momento quando traz a tona o discurso citado na descrição, ele está entrando numa igreja, que se assemelha bastante a um templo católico, com imagens de figuras características aquela doutrina religiosa, contudo, as figuras ali demonstradas parecem, de certa forma, não trazer ao personagem a sensação de representação.

Aos 00:03:15, ao citar um determinado jovem temos um reforço do orgulho negro através de palavras de reforço e orgulho da cor e desse povo. Segundo Ana Lucia Santana, Basquiat, pintor negro estadunidense, citado na música, iniciou por volta de 1977 ainda com 17 anos a sua trajetória na arte através do grafite em prédios não habitados na cidade de Manhattan junto com um de seus amigos, Al Diaz. Uma das características mais marcantes inicialmente em suas artes, era o fato de deixar a marca ‘SAMO’ ou ‘SAMO SHIT’, que representava a “Same old shit”.

Ainda segundo a autoria, embora tenha conseguido desenvolver o seu talento, o artista largou a escola muito cedo e chegou a vender durante algum tempo camisas das as estampas ele mesmo produzia, aos poucos foi se tornando conhecido em meio ao cenário americano. Entretanto, em meio ao seu auge sofreu devido dificuldades com dependência química, em especial heroína, até que em 1988 faleceu, vítima de uma overdose. Após a sua morte, sua história virou filme e suas artes até hoje são referência para artistas contemporâneos e suas obras são vendidas em leilões por valores muito elevados, como ilustra a matéria da revista online ​Isto É, que relatou que um quadro do artista foi vendido Nova Iorque pelo valor recorde de U$ 110,5 milhões (cento e dez e meio) de dólares.

Referências

Documentos relacionados

Desta maneira, vemos que Rousseau conclui do homem natural que este tende a viver sem se aglomerar em grupos, sociedades, e, mesmo quando começa a se agrupar, ou contar

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Ganhos de peso vivo por unidade de área A produção de carne ou os ganhos de peso vivo por hectare proporcionados pelas sete gramíneas são apresentados na Tabela 4. As produções

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Apesar do glicerol ter, também, efeito tóxico sobre a célula, ele tem sido o crioprotetor mais utilizado em protocolos de congelação do sêmen suíno (TONIOLLI

Entre as atividades, parte dos alunos é também conduzida a concertos entoados pela Orquestra Sinfônica de Santo André e OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São

Em 2015, estivemos presentes, através de 17 projetos, em Angola, Moçambique, República Árabe Democrática Sarauí (RASD), Bolívia e Equador, trabalhando com os ministérios da saúde

4 Este processo foi discutido de maneira mais detalhada no subtópico 4.2.2... o desvio estequiométrico de lítio provoca mudanças na intensidade, assim como, um pequeno deslocamento