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Crimes contra a ordem tributária: análise dos efeitos do parcelamento e do pagamento do crédito tributário no processo penal, perante o princípio da isonomia

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DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ABNER PEREIRA MATOS

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA:

ANÁLISE DOS EFEITOS DO PARCELAMENTO E PAGAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NO PROCESSO PENAL, PERANTE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

NATAL/RN 2019

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CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA:

ANÁLISE DOS EFEITOS DO PARCELAMENTO E PAGAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NO PROCESSO PENAL, PERANTE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito básico para a conclusão do Curso de Direito.

Orientador: Prof. Dr. Ivan Lira de Carvalho

NATAL/RN 2019

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Matos, Abner Pereira.

Crimes contra a ordem tributária:análise dos efeitos do parcelamento e do pagamento do crédito tributário no processo penal, perante o princípio da isonomia / Abner Pereira Matos. -2019.

46f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Ivan Lira de Carvalho.

1. Crimes contra a ordem tributária - Monografia. 2.

Parcelamento Crédito tributário Monografia. 3. Pagamento Crédito tributário Monografia. 4. Suspensão processual -Monografia. 5. e extinção de punibilidade - -Monografia. 6. Princípio da isonomia - Monografia. I. Carvalho, Ivan Lira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 34:336.2

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O presente trabalho visa estudar a disciplina dada pelo art. 83, §§ 2º, 3º e 4º, da Lei n.º 9.430/96, com redação dada pela Lei n.º 12.382/11, aos crimes contra a ordem tributária, eis que este diploma legal prevê regras excepcionais de suspensão processual e de extinção de punibilidade, as quais se materializam quando o sonegador parcela ou paga integralmente o crédito tributário devido ao Fisco. Todavia, tais regras trazem tratamento diferenciado aos agentes dos crimes tributários, em detrimento dos agentes dos demais crimes de fraude, o que pode gerar ofensa ao princípio da isonomia. Assim, mediante pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, buscou-se entender os aspectos básicos dos crimes contra a ordem tributária, os efeitos do parcelamento e do pagamento do crédito tributário na esfera penal, bem como analisar se os regramentos excepcionais comentados ferem, ou não, a igualdade. Para estudar a possível ofensa à isonomia, comparou-se os crimes tributários com o crime de estelionato, devido à semelhança que mantém entre si. Além disso, utilizou-se dos critérios estabelecidos por Celso Antônio Bandeira de Mello, na obra “O conteúdo jurídico do princípio da igualdade” (2000), a saber, o fator de diferenciação, a justificativa racional para a distinção, e a harmonia da desigualdade com os princípios do direito penal. Portanto, analisou-se se os crimes contra a ordem tributária se encaixam nesses critérios, para determinar a disciplina da Lei n.º 9.430/96 viola, ou não, a igualdade.

Palavras-chave: Crimes contra a ordem tributária. Parcelamento e pagamento integral do

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The present study aims to understand the discipline given by article 83, §§ 2, 3 and 4, of Lei n.º 9.430/96, with wording given by Lei n.º 12.382/11, to tax order crimes, because this Law provides exceptional rules of process suspension and punitive extinguishment, which happens when the criminal install or pay the tax credit due to the Treasury. However, these rules bring different treatment to tax crimes agents, compared to other fraud crimes agents, which may offend the isonomy principle. So, through bibliographical and jurisprudential research, it was sought to understand the basic aspects of tax order crimes, the effects of the installment payment and the tax credit payment on the criminal ambit, as well as to analyze whether the commented exceptional rules offend, or not, equality. In order to study the eventual isonomy offense, the tax crimes were compared to estelionato crime, due to the similarity between them. In addition, the criteria established by Celso Antônio Bandeira de Mello were used, in his book, called "The juridical content of the equality principle" (2000), namely, the differentiation factor, the rational justification for the distinction, and the harmony of the inequality with the criminal law principles. Therefore, it was analyzed if crimes against the tax order fit in these criteria, to determine if Lei n.º 9.430/96 discipline violates, or not, equality.

Keywords: Tax order crimes. Installment and tax credit payment. Process suspension.

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1 INTRODUÇÃO ... 6

2 DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ... 9

2.1 Das Leis que regem os crimes contra a ordem tributária ...10

2.2 Dos crimes tributários em espécie ...11

3 DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS ... 15

3.1 Da constituição do crédito tributário ...17

4 PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO... 20

4.1 O parcelamento nos crimes contra a ordem tributária ...21

4.2 Os efeitos do parcelamento e do pagamento integral do crédito tributário nos processos criminais que envolvem crimes contra a ordem tributária ...25

5 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE 26 5.1 Do princípio da igualdade ...27

5.2 O princípio da igualdade perante os crimes contra a ordem tributária ...28

5.2.1 O primeiro critério do princípio da igualdade: o fator de diferenciação ...29

5.2.2 O segundo critério do princípio da igualdade: a justificativa racional ...29

5.2.2.1 A real justificativa para o tratamento diferenciado ...32

5.2.3 O terceiro critério do princípio da igualdade: a compatibilidade da distinção com os princípios penais ...36

5.2.3.1 Questões acerca da tipicidade criminal ...37

5.2.3.2 Tipicidade material e os crimes contra a ordem tributária ...38

6 CONCLUSÃO ... 40

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1 INTRODUÇÃO

Direito penal e Direito Tributário são disciplinas jurídicas autônomas, com seus próprios sistemas normativos e metodologia. Conceitua-se direito penal como “o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como as regras atinentes à sua aplicação” (NUCCI, 2014, p. 48). Ou seja, o Estado, detentor do ius punniendi, pune aqueles que cometem delitos penais, aplicando-lhes a devida sanção. Nesse contexto, o Direito Penal visa justamente regular esse poder através de princípios e regras que garantirão, concomitantemente, a persecução criminal e os direitos do agente criminoso.

Por sua vez, o Direito Tributário é o complexo de normas que visam “o plexo de relações jurídicas que imantam o elo ‘Estado versus contribuinte’, na atividade financeira do Estado, quanto à instituição, fiscalização e arrecadação de tributos” (SABBAG, 2016, p. 52). Trata-se, portanto, da regulamentação que visa o controle do poder estatal de tributar. Faz isso através da imposição de limites principiológicos e normativos, de forma a conciliar a tributação e os direitos fundamentais do contribuinte.

Mesmo assim, ainda que autônomos, tais ramos do Direito poderão estabelecer alguma comunicação, entrelaçando seus institutos. Nesse aspecto, da intersecção entre o Direito Penal e Direito Tributário, surgem duas classes jurídicas: o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário.

Paralelo à Nogueira, “o próprio Direito Tributário contém sanções ou penalidades próprias que formam o chamado Direito Tributário Penal, enquanto o Direito Penal Tributário dispõe sobre os delitos fiscais e sanções e estão contidas no Código Penal” (1954, p. 3). Andrade Filho (2009) vai além, lecionando que a maior diferença entre o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário é a natureza da pena (sanção administrativa ou privação de liberdade, respectivamente), pois o fato que enseja a aplicação de ambas as ordens é o inadimplemento de uma obrigação tributária.

Conceituando, o Direito Tributário Penal diz respeito à aplicação de sanções àqueles que cometem infrações tributárias. Não se trata da aplicação de uma pena criminal propriamente dita, mas de penas administrativas, geralmente de cunho pecuniário, revestindo-se de natureza reparatória e punitiva. Assim, apesar da nomeclatura, bem como da aplicação de penas repressivas e punitivas, não é um ramo que estabelece comunicação estreita com o Direito Penal, acabando por ter maior relação com o Direito Administrativo e o poder de

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polícia, já que as reprimendas desse ramo atingem o patrimônio do infrator. Com efeito, na seara Tributária Penal, é comum a aplicação de medidas sancionatórias como a restrição de incentivos fiscais, a apreensão e perda de mercadorias e as multas.

Já o Direito Penal Tributário é o ramo do Direito Penal que se utiliza de institutos tributários para a configuração da infração penal. Nas palavras de Nogueira, “aí, entretanto, a figura é de Direito Penal, mas entram em relação porque o próprio Direito Tributário irá fornecer conceitos como o de imposto, taxa ou emolumento a que o Direito Penal se reporta e que são figuras de Direito Tributário” (1954, p.3). É o caso, por exemplo, do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, prevendo que “constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo [...]”. Aqui, o instituto tributário do tributo compõe um dos elementos constitutivos do núcleo do tipo, sem o qual o crime não encontra tipicidade.

Contudo, salienta-se que a referida divisão tem meros fins didáticos, a fim de facilitar o entendimento da matéria, pois na prática o Direito se utiliza constantemente de institutos de outros ramos para alcançar a adequada tutela jurisdicional. Nesse sentido, no Código Penal serão encontrados crimes que são constituídos por conceitos do Direito Comercial, Civil, Trabalhista, Administrativo, entre outros.

Entendida a possível conexão entre o Direito Tributário e o Direito Penal, faz-se menção à regra do art. 83, § 2º, da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei nº 12.382/11, cujo teor deu origem ao presente estudo, dispondo o seguinte:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e

aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada

ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010).

[...]

§ 2o é suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos

no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

Do texto legal, verifica-se a imposição de duas regras peculiares, esculpidas nos §§ 2º, 3º e 4º da norma supracitada. Nos §§ 2º e 3º, percebe-se que o parcelamento, instituto do Direito Tributário previsto no art. 151, inciso VI, e art. 155-A, ambos do Código Tributário

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Nacional, produz efeitos na persecução criminal, ensejando a suspensão do poder punitivo estatal. Já da leitura do § 4o, tem-se que o pagamento integral do crédito tributário, isto é, a adimplência do contribuinte perante o Fisco, extingue a punibilidade do agente dos crimes tributários. Logo, as normas acima colacionadas integram o ramo do Direito Penal Tributário, eis que a Lei determina a incidência de um instituto tributário em um tipo penal, causando efeitos neste último.

Superada a questão acerca da diferença entre Direito Tributário Penal e Direito Penal Tributário, bem como enquadrada a norma supramencionada no segundo ramo, é necessário agora adentrar ao mérito do estudo.

Com efeito, viu-se que o art. 83, § 2º, da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei nº 12.382/11, prevê a suspensão da pretensão punitiva do Estado mediante o parcelamento do crédito tributário devido. Ocorre que o dispositivo determina que o parcelamento somente suspenderá o ius puniendi quando feito antes do recebimento da denúncia.

Disso decorre que, se feito após o recebimento da peça acusatória, o parcelamento do crédito tributário não surte nenhum efeito na esfera penal, restando ao réu somente a garantia de extinção da punibilidade pelo pagamento integral do crédito tributário sonegado, nos moldes do § 4o do mesmo dispositivo legal.

Assim, percebe-se que as normas em comento proporcionam tratamento diferenciado aos agentes dos crimes contra a ordem tributária, visto que têm força para ilidir a persecução penal, ao contrário do que ocorre nos demais crimes de falsidade. Nesse passo, é possível, com respaldo no princípio da isonomia, estabelecer tratamentos distintos a indivíduos diferentes, desde que haja fundamento jurídico para tal.

Considerando isso, o objetivo deste trabalho é verificar se o tratamento diferenciado estabelecido pelo art. 83, §§ 2º e 4º, da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei nº 12.382/11, fere, ou não, a isonomia ao estabelecer diferentes regimes entre os sonegadores e os agentes dos demais crimes de fraude. Para isso, buscar-se-á entender os crimes contra a ordem tributária esculpidos nos arts. 1º e 2º da Lei n.º 8.137/90, bem como os institutos do parcelamento e pagamento integral do crédito tributário. Depois, analisar-se-á os efeitos desses institutos na seara criminal, com base no art. 83. §§ 2º, 3º e 4º da Lei n.º 9.430/96, com redação dada pela Lei n.º 12.382/11, para, então, com base no princípio da isonomia, verificar se há justificativa racional para se fazer a distinção entre os sonegadores e os demais defraudadores.

A metodologia utilizada é bibliográfica, com o intuito de identificar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.

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Salienta-se, por fim, que a escolha do presente tema é fruto das experiências do autor no Ministério Público Federal, eis que atuou na instituição como estagiário e se deparou diversas vezes com processos criminais que envolvem crimes contra a ordem tributária.

2 DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Inicialmente, é válido esboçar alguns comentários sobre os crimes contra a ordem tributária.

Observando a estrutura e organização do Código Penal, vê-se que inexiste título ou capítulo destinado à tipificação de crimes contra a ordem tributária. Tais crimes são tratados por lei extravagante, a Lei n.º 8.137/90. Não obstante, o Diploma Repressor apresenta alguns tipos que ferem diretamente ou indiretamente o campo tributário, por exemplo, o art. 334, que trata do crime de descaminho, o art. 337-A, que prevê o crime sonegação de contribuição previdenciária, o art. 168-A, relativo ao delito de apropriação indébita previdenciária, o art. 316, §1º, sobre o crime de excesso de exação, e art. 318, que trata do crime de facilitação de contrabando ou descaminho.

Ainda, dependendo do caso concreto, os crimes de falsidade podem ser interpretados como crimes-meio, necessários à execução completa de um crime-fim. É a hipótese, por exemplo, do crime de estelionato, que exige que o agente se utilize de uma falsidade para obter vantagem ilícita em prejuízo alheio. Sendo o dolo final do agente a obtenção da vantagem ilícita, a jurisprudência entende que é aplicável o princípio da consunção, desde que o falso se exaure no crime-fim, isto é, perca sua potencialidade lesiva. Tal entendimento foi, inclusive, consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula n.º 17.

Da mesma forma ocorre nos crimes contra a ordem tributária. Para a execução de tais crimes, o agente necessariamente precisa cometer um dos crimes de falsidade previstos nos arts. 293, 298, 299 e 304, todos do Código Penal, falsificando documentos a fim de ludibriar as autoridades fazendárias e escapar das responsabilidades tributárias. Assim, considerando o dolo específico de sonegar do agente, após cometida a infração penal, ao invés de puni-lo pelo crime de falsidade cometido, aplica-se o princípio da consunção, punindo-o pelo crime-fim, a saber, o crime contra a ordem tributária. Nesse sentido:

Consoante se percebe, o crime-fim é a sonegação fiscal, mas, para atingi-la, atos anteriores podem ser aplicados, e eventualmente caracterizam outros delitos, como, por exemplo, a falsidade ideológica ou material. Estes atos que se consideram crimes-meios, como amplamente sustentado neste trabalho, não caracterizam outros delitos de forma a se considerar presente concurso formal ou material. É que se

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aplica o princípio do concurso de normas, na modalidade da consunção, em que estes crimes-meios são absorvidos pela norma final, que pode até ser apenada com menor rigor que aqueles meios utilizados pelo agente e que servem para alcançar o fim (CORRÊA, 1996, p. 163).

Nesse contexto, observando as disposições da Lei n.º 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária, especialmente os arts. 1º e 2º, percebe-se que os crimes lá previstos são crimes de falso, na medida que exigem a prática de ações ou omissões fraudulentas, com fim específico de suprimir ou reduzir tributos.

A lógica ora explanada fica ainda mais nítida diante do art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, o qual dispõe ser também crime contra a ordem tributária “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”. Como se lê, o simples fato de fazer uma declaração falsa com a finalidade de sonegar constitui crime, sendo desnecessário que a sonegação se concretize. Sendo assim, tal dispositivo prevê uma espécie de crime de falsificação, diferente daquelas previstas nos arts. 293, 298, 299 e 304, todos do Código Penal, a qual será aplicada caso o agente não tenha sucesso em sonegar. Logo, já que não conseguiu consumar o crime-fim, a saber, a supressão ou redução do tributo, o agente responderá pelo crime-meio, a saber, a falsificação que cometeu ao fraudar os documentos destinados às autoridades fazendárias.

Assim, deixa-se claro que, para a execução dos crimes contra a ordem tributária, o agente criminoso necessita lançar mão da falsidade, eis que seu objetivo é ludibriar as autoridades fazendárias, suprimindo ou reduzindo a prestação tributária que lhe é exigível.

2.1 Das Leis que regem os crimes contra a ordem tributária

A matéria criminal tributária sempre foi disciplinada por leis extravagantes: primeiramente, pela Lei nº 4.729/65, que definiu o crime de sonegação fiscal, e posteriormente pela Lei nº 8.137/90. Ainda, e para realizar os fins do presente trabalho, faz-se necessária a menção da Lei nº 9.430/96, inicialmente apresentada, que dispõe sobre a legislação tributária federal e prevê regras aplicáveis aos crimes contra a ordem tributária, das quais se destacam as contidas no art. 83, disciplinando questões relativas à representação fiscal para fins penais, bem como a suspensão da pretensão punitiva estatal pelo parcelamento e a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do crédito tributário.

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Nesse prisma, o art. 83 do referido diploma legal contempla expressamente os crimes elencados nos arts. 1º e 2º, da Lei nº 8.137/90, e os crimes dos arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal. Ou seja, as regras do art. 83 da Lei n.º 9.430/96, que tratam da representação fiscal para fins penais, da suspensão processual e prescricional e da extinção da punibilidade, são aplicáveis tanto aos crimes tributários tipificados na Lei n.º 8.137/90, como aos previstos no Código Penal, e serão aqui estudadas.

2.2 Dos crimes tributários em espécie

Observando o teor dos arts. 1º e 2º, da Lei nº 8.137/90, tem-se que o bem jurídico tutelado por esses tipos penais não é facilmente depreendido do texto da lei, eis que a expressão “ordem tributária” é muito vaga. Assim, a doutrina e a jurisprudência entendem que o bem protegido é a integridade do Erário e a arrecadação, pois é do interesse do Estado a coleta de tributos.

Em outras palavras, os crimes contra a ordem tributária albergam a tributação, entendida como a atividade estatal que visa à instituição, fiscalização e arrecadação dos tributos, tratando-se de um poder-dever, visto que o Estado tem o poder de invadir a esfera privada, retirando parte de patrimônio do contribuinte, e tem o dever de recolher recursos para perseguir o interesse público. O Direito Tributário visa justamente conciliar o “poder” e o “dever”, estabelecendo limites principiológicos e legais à tributação, de forma a permitir que o aparelho estatal tenha meios de concretizar os objetivos da República Federativa do Brasil, bem como garantir a manutenção dos direitos essenciais ao indivíduo e coletividade. Logo, para que o poder tributário subsista, e para que as finalidades da tributação sejam alcançadas em prol da sociedade, o Legislador tipificou os crimes contra a ordem tributária, a fim de reprimir as condutas que visam lesar a atividade fazendária.

Os núcleos o objeto do tipo penal insculpido no art. 1º são “suprimir” ou “reduzir” tributo, contribuição social e qualquer acessório, mediante as condutas elencadas nos incisos do texto, os quais descrevem fraudes, tais como: omissão ou declaração falsa de informações, fraude à fiscalização tributária, alteração ou falsificação de documento relativo à operação tributável. A supressão se resume ao não pagamento, e a redução, ao recolhimento parcial do tributo. Assim, o agente deve suprimir ou reduzir o tributo mediante alguma conduta fraudulenta. Disso conclui-se que o crime em questão somente é admitido na modalidade dolosa, devendo o julgador ter a diligência de verificar se realmente houve a intenção de fraudar por parte do infrator, haja vista que um mero erro na prestação dos valores tributários

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constitui simples irregularidade que pode ser facilmente solvida no âmbito administrativo, afastando-se assim a necessidade do Direito Penal. Ademais, o dispositivo legal em estudo não prevê a modalidade culposa, razão pela qual se aplica o parágrafo único do art. 18 do Código Penal: “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.

Nas palavras de Baltazar:

O crime contra a ordem tributária [...] pressupõe, além do inadimplemento, alguma forma de fraude, que poderá estar consubstanciada na omissão de alguma declaração, na falsificação material ou ideológica de documentos, no uso de documentos material ou ideologicamente falsos, na simulação, etc. As condutas fraudulentas estão descritas nos incisos dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137. Eis aí a distinção entre inadimplência e sonegação: a fraude. [...] Sem um ou outro desses elementos, a saber, supressão ou redução no pagamento de tributo e fraude, não há sonegação fiscal. (BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 797).

Os crimes do art. 1º são materiais e de dano, isto é, somente se consumam quando o agente consegue, através da fraude perpetrada, produzir o resultado naturalístico, a saber, a supressão ou redução do tributo e o posterior lesão ao Erário. Excetua-se dessa classificação o inciso V do mesmo dispositivo, eis que alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça afirmam que se trata de crime formal, aquele que não exige a produção de resultado naturalístico para ser consumado (HC 195.824/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 28/05/2013, Dje 06/06/2013 e Agrg no Resp 1477691/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 11/10/2016, Dje 28/10/2016).

Como ressaltado anteriormente, caso o resultado não seja produzido e a sonegação não ocorra no plano fático, ainda assim o agente responderá por crime contra a ordem tributária. Porém, não responderá pela sonegação, e sim pela falsidade de perpetrou, incidindo, nesse caso, o art. 2º, inciso, da Lei n.º 8.137/90. Os crimes previstos no art. 2º e incisos são classificados como formais. Portanto, não é necessária a produção do resultado para que sejam configurados, mas a mera prática da conduta já a torna típica. Assim, por exemplo, constitui crime o simples fato de prestar declaração falsa para se eximir de pagamento de tributo ou de deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social.

Noutro aspecto, a Lei nº 9.430/96 também faz referência aos crimes dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, pertencentes ao âmbito dos crimes que afetam a previdência social. Assim, também é necessário tecer breves comentários sobre esses delitos.

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Aquele que deixa de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, comete o crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no art. 168-A do Código Penal. Assim, é conduta delituosa cometida somente por quem “tem a obrigação legal ou contratual de receber valores por conta e ordem do órgão legal encarregado de arrecadar as contribuições devidas à Previdência Social” (ANDRADE FILHO, 2009, p. 55). O § 1º também traz figuras delitivas que se equiparam à apropriação indébita previdenciária e consistem em deixar de recolher contribuição ou outra exação previdenciária e deixar de pagar benefício a segurado, nos contornos da lei penal.

Nota-se que o art. 168-A do Código Penal traz regras próprias relativas à extinção da punibilidade. Com efeito, o § 2º diz que a punibilidade será extinta se o agente efetuar o pagamento das prestações previdenciárias devidas antes do início da execução fiscal. Aqui, o lapso temporal no qual o pagamento do crédito tributário acarretará a extinção da punibilidade se dá até o início da ação fiscal. Todavia, como será apresentado ao longo do trabalho, a doutrina e a jurisprudência entendem que a Lei n.º 9.430/96, com redação dada pela Lei n.º 12.382/11, permite que o pagamento integral do crédito tributário, e a consequente extinção da punibilidade, ocorra em qualquer momento do processo penal. Assim, a norma do § 2º do art. 168-A do Código Penal acaba perdendo sua eficácia diante da abrangência da norma instituída pela Lei nº 12.382/11, fazendo com que o pagamento da prestação tributária extingua a punibilidade não somente se realizado antes do início da ação fiscal, mas também se realizado a qualquer tempo.

Noutro passo, os §§ 3º e 4º do at. 168-A do Código Penal fazem referência ao princípio da insignificância, na medida em que determinam que o juiz possui a faculdade de deixar de aplicar a pena, ou de aplicar somente a pena de multa, quando o valor do tributo sonegado “seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais”. Nesse contexto, salienta-se que a jurisprudência, em face das portarias 75, de 22 de março de 2012, e 130, de 19 de abril de 2012, ambas do Ministério da Fazenda, vem admitindo a aplicação do princípio da bagatela nos crimes contra a ordem tributária, quando os valores sonegados não ultrapassem R$ 20.000,00 (vinte e mil reais). Tal exceção se justifica ao passo que tais portarias prevêem que não serão ajuizadas execuções fiscais quando os valores exigíveis foram iguais ou inferiores a R$ 20.000,00 (vinte e mil reais). Nesse sentido:

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RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF - R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). ADEQUAÇÃO. 1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO - Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF - R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da

insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. 3.

Recurso especial provido para cassar o acórdão proferido no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0000196-17.2015.4.01.3803/MG, restabelecendo a decisão do Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia - SJ/MG, que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do recorrente pela suposta prática do crime previsto no art. 334 do Código Penal, ante a atipicidade material da conduta (princípio da insignificância). Tema 157 modificado nos termos da tese ora fixada (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1709029 2017.02.51879-9, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:04/04/2018, grifos nossos).

Dessa forma, o princípio da bagatela configura mais um benefício garantido aos agentes dos crimes contra a ordem tributária, os quais só serão responsabilizados criminalmente caso os valores sonegados forem superiores a R$ 20.000,00 (vinte e mil reais). Por outro lado, o art. 337-A do estatuto repressor traz infrações penais que se assemelham aos crimes contra a ordem tributária, eis que rechaça a prática de suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante condutas as condutas fraudulentas taxadas no texto legal, retratando-se algumas delas diretamente à empresa, considerada como “a firma individual ou sociedade que assume o risco da atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional” (ANDRADE FILHO, 2009, p. 59).

No § 1º do art 337 do Código Penal, também há referência à possibilidade de ser extinta a punibilidade se o agente pagar integralmente o crédito tributário devido antes do início da ação fiscal. Nesse ponto, como destacado anteriormente, aplicam-se as disposições da Lei n.º 9.430/96, com redação dada pela Lei n.º 12.382/11, sendo possível a extinção da punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo. Ainda, o § 2º da norma em comento também faz referência ao princípio da insignificância, admitindo que o juiz deixe de aplicar pena, ou aplique somente pena de multa, quando, dentre outros requisitos, for verificado que o valor

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sonegado não ultrapasse R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme o entendimento já explanado há pouco.

Sendo assim, os crimes dos arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, tutelam a previdência social, a qual tem proteção constitucional, conforme art. 201 da Constituição Federal. Então, resguardam o patrimônio de todos aqueles que estão incluídos no sistema previdenciário. A previdência social deve ser entendida como:

O sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduos (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços [...]. É, pois, uma política governamental (CASTRO, 2017, p. 67).

Há certa discussão acerca da classificação do delito de apropriação indébita previdenciária, se material ou formal. Nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal entendia que a apropriação indébita previdenciária era um crime formal, sendo desnecessária a consumação do delito com a ocorrência do dano ao sistema previdenciário. Assim, bastava a simples supressão ou redução da contribuição para que a conduta delituosa fosse configurada. Todavia, nos autos do AgRg no Inq 2.537/GO, a Excelsa Corte passou a considerar o crime em questão como material. Tal detalhe é de suma importância para a apuração dos crimes contra a ordem tributária, pois, como será visto mais adiante, o poder punitivo estatal somente pode ser exercido após a constituição do crédito tributária na esfera administrativa.

Quanto ao delito previsto no art. 337-A do Código Penal, é pacífico que se trata de crime material, exigindo-se a produção do resultado, a saber, a supressão ou redução de contribuição social destinada ao custeio da previdência.

Ante o exposto, verifica-se que os crimes contra a ordem tributária têm como bens jurídicos tutelados a tributação e a previdência social, os quais são necessários para a plena execução da vontade do povo através do Estado, bem como a manutenção deste.

3 DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS

Como se sabe, após ter notícia da possível ocorrência de um crime, as autoridades estatais constitucionalmente autorizadas se mobilizam para apurar a veracidade das suspeitas. Nesse passo, tanto a Polícia quanto o Ministério Público tem poderes investigativos que os permitem colher elementos informativos que consubstanciam a materialidade e autoria

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delitivas, formando então a opinio delicti ministerial, da qual decorrerá o arquivamento do procedimento investigatório ou o oferecimento da denúncia.

Da mesma forma se procede diante da prática de crimes contra a ordem tributária. Ocorre que dificilmente esses órgãos investigarão a ocorrência dos crimes tributários por conta própria, dada a complexidade e tecnicidade da matéria. Diante disso, mostra-se importante a denominada “representação fiscal para fins penais”. Este instrumento é confeccionado por Auditor Fiscal, quem, ao verificar irregularidades tributárias caracterizadas como crime no exercício de sua atividade, encaminha ao Ministério Público os fatos suspeitos. Como o referido servidor público tem conhecimentos técnicos suficientes sobre o Direito Tributário, ele se mostra como o mais competente para apurar ilícitos tributários. Nas palavras de Andrade Filho:

Do exposto deflui que os auditores fiscais revestem-se das características de verdadeiros policiais, pois ficam com a responsabilidade de reunir grande quantidade de informações e elementos judiciários, destinados a apurar a conduta criminosa e sua autoria. Embora o propósito do procedimento descrito seja o de dar celeridade ao processo de instrução nos crimes contra a ordem tributária, a polícia judiciária é que tem, por natureza, melhores condições técnicas de conduzir a apuração dos fatos (ANDRADE FILHO, 2009, p. 168).

Ainda assim, se a notícia do crime for dada diretamente à polícia ou ao Ministério Público, estes podem iniciar os trabalhos investigativos, solicitando, sempre que necessário, o auxílio dos servidores fazendários.

No âmbito federal, a representação fiscal para fins penais é regulada pela Portaria da Receita Federal do Brasil nº 1.750, de 12 de novembro de 2018. Esta espécie legislativa dispõe, em seu art. 2º, sobre o dever de representar que o Auditor Fiscal possui. Caso não cumpra com essa obrigação, o agente público responderá administrativamente, nos moldes da Lei n. 8.112/90, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, conforme o art. 19º. Assim, sempre que o servidor fazendário identificar atos ou fatos supostamente criminosos contra a ordem tributária, ele deverá formalizar a representação, a qual deve ser instruída com os elementos de prova, a saber, a exposição dos fatos, a prova material do ilícito penal, os depoimentos, declarações e perícias, a identificação dos possíveis autores, as testemunhas, entre outros, nos termos do art. 5º e seguintes.

Vê-se, portanto, que a representação apresenta informações que proporcionam verdadeira segurança acerca da materialidade e autoria delitiva, assemelhando-se à denúncia, haja vista que a peça acusatória deverá conter, por força do art. 41, Código de Processo Penal, “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado

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ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Mesmo assim, ainda que possuam conteúdo informativo robusto, “a chamada representação fiscal para fins penais ordenada à administração fiscal pelo dispositivo atacado [art. 83, da Lei n.º 9.430/96], é mera noticia criminis, posto que obrigatória, e não condição necessária da propositura da ação penal” (Resp - Recurso Especial - 617383 2003.01.61460-2, Min. Laurita Vaz, STJ - Quinta Turma, Dje: 17/09/2007). Logo, cabe ao Ministério Público, após receber os autos da representação fiscal, verificar se há justa causa que fundamente o oferecimento da peça acusatória.

No mesmo passo, a Lei nº 9.430/96 também produz regra atinente à representação ora estudada, conforme o texto a seguir:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e

aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada

ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010).

O dispositivo apenas reforça a obrigação que a administração tem de encaminhar a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, após terminado todo o procedimento de apuração. Nota-se que a lei ressalta que o encaminhamento será feito apenas após “proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente”. É um mandamento direto à Administração, e quer dizer que o instrumento representativo somente pode ser recebido pelo órgão ministerial após o crédito tributário ser constituído definitivamente. Essa ordem também é reproduzida na supracitada no art. 2º, § 1º, da Portaria da Receita Federal do Brasil nº 1.750/18, determinando que a representação será formalizada pelo Auditor Fiscal somente após a respectiva constituição do crédito.

3.1 Da constituição do crédito tributário

Até que todas as instâncias administrativas sejam esgotadas e o crédito tributário seja devidamente constituído, o Estado está impedido de exercer o ius puniendi. Percebe-se disso a importância de constituir o crédito definitivamente para então fazer uso do direito penal e punir os crimes contra a ordem tributária. Sobre a imprescindibilidade do lançamento definitivo para a viabilidade da persecução penal, o Supremo Tribunal Federal, através da

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Súmula Vinculante nº 24, consolidou o entendimento de que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”. Ressalta-se que a súmula ora apresentada somente se aplica aos crimes materiais do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, excetuando-se dessa regra a modalidade de fraude explícita no inciso V, eis que é entendido como crime formal.

A razão disso é que a constituição definitiva do crédito tributário solidifica a relação jurídica tributária. Nos termos do art. 142 e parágrafo único, do Código Tributário Nacional:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Sabe-se que, em primeiro lugar, a lei tributária prevê uma hipótese de incidência, entendida como “a descrição que a lei faz de um fato tributário que, quando ocorrer, fará nascer a obrigação tributária” (CASSONE, 2018, p. 189). Na hipótese de incidência, está incluído o fato gerador, isto é, “a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede” (SABBAG, 2016, p. 1392).

A doutrina ainda afirma que a lei e o fato gerador são compostos por cinco aspectos: pessoal (referente ao sujeito ativo, ou seja, ao ente federativo competente), temporal (determina o momento exato no qual a previsão legal ocorreu), espacial (aponta o lugar no qual o fato tributário deverá ocorrer), material (descrição da conduta material que compõe a hipótese de incidência, a ser praticada pelo contribuinte) e quantitativo (indica a base de cálculo e a alíquota).

Então, com a subsunção da norma à realidade, ocorrendo o fato gerador que está previsto na hipótese de incidência, delineia-se o credor, o lugar, data e modo em que os fatos tributários ocorreram, apurando-se também o valor do tributo devido.

Estabelecidos esses requisitos, surge então a obrigação tributária, isto é, o dever que o contribuinte, devedor, tem de pagar o tributo ao respectivo ente federativo competente, credor. Porém, nesse momento, aquela obrigação ainda é ilíquida, sendo necessário que a Administração Fazendária realize o procedimento administrativo vinculado chamado lançamento, a fim de dar a devida segurança de que a relação jurídica entre o contribuinte e o Estado existe, tornando a obrigação tributária líquida, certa e exigível.

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O lançamento é, então, a formalização do liame obrigacional existente entre o crédito e o débito tributários, sendo dever da autoridade fazendária responsável pelo tributo realizá-lo, cabendo-lhe, antes de fazê-lo, notificar o contribuinte, nos termos do art. 11, Decreto nº 70.235/721. Nas palavras de Otávio Loureiro da Luz:

Note-se que o lançamento como ato imprescindível para o processo de positivação do direito, necessário para constituição do crédito tributário, nada mais é, repita-se, do que um ato de alçada exclusiva do agente público competente, com o escopo único de proceder a verificação da realização de um fato descrito na lei e sua realização concreta no mundo fenomênico (ocorrência do fato oponível), a valoração dos elementos que integram esse fato concreto (base de cálculo), aplicação da alíquota prevista em lei para apuração do montante do tributo devido, a identificação do sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação de penalidade cabível (LUZ, 2014, p. 54).

Ocorre que, por força do art. 145 do Código Tributário Nacional, o lançamento devidamente notificado poderá ser alterado pela impugnação do contribuinte, pelo recurso de ofício ou por iniciativa do ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos em lei. Em face disso, o lançamento por si só não é suficiente para dar a efetiva segurança de que a relação jurídica tributária está configurada, motivo pelo qual a constituição definitiva do crédito tributário se torna importante, eis que, alcançada a irrecorribilidade da decisão administrativa que reconhece o elo entre os sujeitos ativo e passivo, a exigibilidade creditícia é certa e fatal.

Logo, é necessário que o processo administrativo tributário seja finalizado, a fim de se obter a segurança de que o fato gerador realmente ocorreu e, caso haja fraude por parte do contribuinte visando burlar as regras tributárias, que o agente seja responsabilizado criminalmente por sua conduta delituosa.

Relembre-se que o raciocínio aqui narrado se aplica aos crimes materiais contra a ordem tributária, excetuando-se da regra os crimes formais. Assim, tomando como exemplo o art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, basta que o contribuinte faça declaração falsa ou omita informações perante a autoridade fazendária, com o intuito de se eximir de pagamento de tributo, para que o crime seja configurado, sem ser necessário o trâmite processual administrativo.

Por fim, caso a ação penal seja recebida antes de finalizado o processo administrativo, há constrangimento ilegal, conforme se depreende da seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

1 Art. 11, Decreto n.º 70.235/72. A notificação de lançamento será expedida pelo órgão que administra o tributo

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PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO FISCAL. CONDIÇÃO OBJETIVA DE PROCEDIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE N.º 24/STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. I. As Cortes Superiores entendem ser ilegal a instauração de

qualquer ato investigatório tendente a apurar delitos tributários, antes que se tenha notícia da instauração de procedimento administrativo fiscal que redunde na constituição definitiva do crédito equivalente, pois só então haverá condição objetiva de punibilidade naquelas infrações penais. II. Não há justa causa para a apuração de qualquer figura típica prevista no art. 1º, da Lei n.º 8.137/90, enquanto o crédito tributário não for constituído definitivamente pelas autoridades fazendárias. Súmula Vinculante n.º 24/STF. III. Hipótese na

qual o Tribunal a quo inverteu o ônus probandi, entendendo não vislumbrar a comprovação de plano, pelos impetrantes, da inexistência da constituição de crédito fiscal. IV. Eventual desdobramento do Inquérito Policial n.º 044-04023/2010, instaurado pela 44ª DP de Inhaúma/RJ, somente será legítimo se o ato que lhe der origem for instruído, obrigatoriamente, da constituição definitiva do tributo devido, condição objetiva de procedibilidade da atuação estatal. V. Recurso provido. (RHC - Recurso Ordinário em Habeas Corpus - 31173 2011.02.24319-3, Min. Gilson Dipp, STJ - Quinta Turma, Dje: 24/05/2012, grifos nossos).

Sendo assim, “tendo sido devidamente constituído o crédito tributário e exaurida a instância administrativa, está preenchida a condição de procedibilidade para a ação penal nos crimes contra a ordem tributária” (HC - Habeas Corpus - 212931 2011.01.60586-1, Min. Nefi Cordeiro, STJ - Sexta Turma, Dje: 16/11/2015

)

. Destarte, com a constituição definitiva do crédito tributário, inicia-se o prazo prescricional no qual o Estado pode exercer sua pretensão punitiva legitimamente em juízo e oferecer a denúncia.

4 PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO

Como dito inicialmente, no Direito Penal Tributário, há comunicação entre os institutos do Direito Penal e Direito Tributário. Nesse compasso, um dos intuitos do presente trabalho é abordar os efeitos do parcelamento do crédito tributário nas ações penais cujo objeto é a penalização das condutas caracterizadas como crime contra a ordem tributária.

O parcelamento tributário está previsto no art. 151, inciso VI2, e art. 155-A3, ambos do Código Tributário Nacional, e é uma das hipóteses legais que suspendem a exigibilidade do crédito tributário e, consequentemente, impedem a Administração de executar a obrigação

2 Art. 151 do Código Tributário Nacional. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: [...] IV - o

parcelamento.

3 Art. 155-A do Código Tributário Nacional. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas

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tributária através de provimento jurisdicional. Eduardo Sabbag diz o seguinte sobre o instituto:

O parcelamento é procedimento suspensivo do crédito, caracterizado pelo comportamento comissivo do contribuinte, que se predispõe a carrear recursos para o Fisco, mas não de uma vez, o que conduz tão somente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e não à sua extinção. Extinção seria se “pagamento” fosse (SABBAG, 2016, p. 1833).

Assim, o contribuinte tem a opção de dividir o valor do débito tributário em parcelas e ir pagando aos poucos, até que se torne adimplente perante o Fisco, extinguindo-se então o crédito tributário pelo pagamento, conforme dicção do art. 156, inciso I, do Código Tributário Nacional4. Ressalta-se que a concessão do parcelamento parte de decisão discricionária da administração fazendária, a partir da análise do caso concreto. O art. 10 da Lei nº 10.522/02, por exemplo, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais – Cadin (vista como a “lei geral” do parcelamento), disciplina que “os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária”, obedecendo, é claro, as demais disposições legais previstas no diploma.

4.1 O parcelamento nos crimes contra a ordem tributária

Conforme as evoluções experimentadas pelo ordenamento jurídico pátrio, explicadas apropriadamente por Baltazar Junior (2017), o parcelamento e seus efeitos só foram reconhecidos na seara penal através do art. 34 da Lei nº 9.249/95, o qual determinava que a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária seria extinta quando o agente promovesse o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia. A princípio, o texto de lei não fala expressamente sobre o parcelamento, mas ficou entendido que a exigência legal abordada não era o pagamento propriamente dito, e sim a sua promoção, dando-se então lugar à interpretação de que o parcelamento seria uma forma de promoção de pagamento, ensejando assim a extinção da punibilidade. Antes disso, a Lei nº 8.137/90 previa em seu art. 14 a extinção da punibilidade caso o agente promovesse o pagamento do tributo sonegado antes do recebimento da denúncia. Posteriormente, a regra veio a ser revogada pela Lei nº 8.383/91 e restabelecida pelo art. 34 da Lei nº 9.249/95, já comentado.

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Em seguida, o parcelamento foi previsto na Lei nº 9.964/00 (REFIS), Lei nº 10.684/03 (PAES) e Lei nº 11.941/09 (PAEX), diplomas que instituíram programas de regularização tributária no âmbito federal (podendo os demais entes federativos implementar seus próprios programas), pelos quais o contribuinte inadimplente poderia aderir a um programa de parcelamento, pagando a dívida em parcelas e regularizando sua situação perante o Fisco. Mais tarde, a regra do parcelamento foi afetada pela Lei nº 12.382/11, que incluiu os parágrafos do art. 83 da Lei nº 9.430/96 e, com isso, alterou consideravelmente as regras da extinção da punibilidade em matéria penal tributária, como será visto a seguir. Salienta-se que, no regime da Lei nº 10.684/03 (PAES), o parcelamento poderia ser feito a qualquer momento, nos termos do art. 9º5.

Malgrado o excesso de diplomas regulando a matéria, depreende-se, resumidamente, que o parcelamento do crédito tributário poderia ser feito a qualquer momento, suspendendo-se a pretensão punitiva estatal. Doutro lado, para que a punibilidade fossuspendendo-se extinta, dever-suspendendo-se-ia não somente parcelar o crédito, como ocorria na sistemática da Lei nº 9.249/95, mas também pagar as verbas tributárias parceladas. Adianta-se que a regra da extinção da punibilidade continua da mesma forma, podendo ser declarada a qualquer tempo, se o débito tributário for integralmente adimplido. No entanto, as regras relativas ao parcelamento e a respectiva suspensão da pretensão punitiva sofreram mudanças.

Veja-se abaixo o teor da novidade legislativa incorporada pela Lei nº 12.382/11 à temática dos crimes contra a ordem tributária e ao parcelamento:

Art. 83. (…) § 1o Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.

§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

§ 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.

5 Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no

8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940

– Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

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§ 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz (grifos nossos).

A principal mudança foi a restrição temporal dada ao parcelamento, tendo este a força de suspender o prosseguimento da ação penal apenas se realizado antes do recebimento da denúncia. Baltazar Junior (2018) defende que o recebimento referido na regra legal supracitada é o previsto no art. 399 do código de Processo Penal, pois o réu já teria apresentado resposta à acusação, e poderia manifestar nesse momento, se quisesse, a pretensão de parcelar o crédito tributário. Todavia, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o recebimento da denúncia ocorre após o oferecimento da peça acusatória e antes da apresentação de resposta à acusação, paralelo ao art. 396 do Código Processual Penal (RHC 92.866/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 22/03/2018, Dje 02/04/2018).

A discussão é acirrada, pois muitos postulam que o recebimento da denúncia antes da resposta do acusado fere o seu direito de defesa. No caso, de fato, o recebimento após a resposta à acusação seria benéfico ao denunciado, eis que teria a oportunidade de manifestar seu interesse em parcelar o crédito tributário. Ocorre que, nos moldes da Portaria Receita Federal do Brasil Nº 1.750, de 12 de novembro de 2018, durante a formalização da representação fiscal para fins penais, o contribuinte faltoso é notificado da representação instaurada em seu desfavor, tendo inclusive a oportunidade de apresentar esclarecimentos sobre os fatos. Assim, no âmbito administrativo, o agente já possui a ciência da falta cometida, podendo propor o parcelamento do crédito tributário desde já.

Logo, não configura prejuízo ao réu o recebimento da denúncia nos termos do art. 393 do Código de Processo Penal. Além disso, conforme visto, o art. 10 da Lei nº 10.522/02 determina que o parcelamento será concedido a “exclusivo critério da autoridade fazendária”, devendo portanto o pedido de parcelamento ser feito no âmbito administrativo.

Ainda, há a questão da intertemporaliedade, visto que os limites trazidos pelas inovações da Lei nº 12.382/11 são mais gravosas ao réu. Nesse passo, tem-se que o parcelamento do crédito tributário ora tratado afeta diretamente a pretensão punitiva estatal e a punibilidade do agente, traços que demarcam a natureza penal da norma. Logo, considerando que a Lei nº 12.382/11 entrou em vigor no dia 01 de março de 2011, aos crimes contra a ordem tributária que foram cometidos antes dessa data, aplicam-se os dispositivos mais benéficos, que não previam qualquer marco temporal para a formalização do parcelamento, podendo, a fim de suspender o prazo prescricional, ser feito a qualquer tempo.

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Relembre-se que nos crimes materiais que afetam a ordem tributária, para estar configurada a justa causa da persecução penal, é necessária a constituição do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante 24. Assim, os limites dados ao parcelamento somente serão aplicáveis se a constituição do crédito tributário ocorreu depois da entrada em vigor da Lei nº 12.382/11.

Fernando Capez (2016) explica resumidamente e com maestria as conseqüências oriundas das inovações legislativas estudadas até o presente momento:

No tocante ao parcelamento e pagamento do crédito tributário e seus efeitos na esfera penal, a Lei n. 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, acabou por propiciar contornos mais rígidos à matéria. A partir de agora, somente se admitirá a extinção da punibilidade se o pedido de parcelamento de créditos oriundos de tributos e seus acessórios for formalizado antes do recebimento da denúncia criminal (cf. art. 83, p 2º, da Lei n. 9.430/94). Antes, no regime da Lei n. 10.684/2003, que instituiu o parcelamento especial (PAES), a qualquer tempo o contribuinte poderia realizar o pedido de parcelamento (inquérito, fase processual ou fase recursal), momento em que se operava a suspensão da pretensão punitiva estatal e da prescrição, até o pagamento integral do débito, quando então sucedia a extinção da punibilidade do agente. Agora, a partir do novo regime legal, só mesmo até antes do recebimento da denúncia o pedido de parcelamento surtirá efeitos na esfera criminal (suspensão da pretensão punitiva e suspensão da prescrição), com a consequente extinção da punibilidade pelo pagamento integral (art. 83, p 4º). [...] O novo Diploma Legal acabou por alargar a pretensão punitiva estatal, na medida em que, se antes não havia qualquer marco temporal para formular o pedido de parcelamento, a fim de trazer s benefícios da extinção da punibilidade pelo pagamento na esfera criminal, agora, só poderá ser postulado até antes do recebimento da denúncia. Por essa razão, trata-se de novatio legis in pejus, não podendo retroagir para alcançar os fatos praticados antes de sua entrada em vigor (CAPEZ, 2016, pags. 271-272).

Já em sede jurisprudencial, o posicionamento dominante é o demonstrado até agora, conforme se depreende do julgado a seguir:

REVOGAÇÃO EXPRESSA PELA LEI 12.382/2011. EXISTÊNCIA DE

PREVISÃO CONTRÁRIA NO NOVO DISPOSITIVO LEGAL.

IMPOSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL SE A ADESÃO AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO OCORRE APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. COAÇÃO INEXISTENTE. 1. Tendo a Lei

12.382/2011 previsto, no artigo seu 6º, que a suspensão da pretensão punitiva estatal ocorre apenas quando há o ingresso no programa de parcelamento antes do recebimento da denúncia, consideram-se revogadas as disposições em sentido contrário, notadamente o artigo 9º da Lei 10.684/2003. 2. Na própria

exposição de motivos da Lei 12.382/2011, esclareceu-se que a suspensão da pretensão punitiva estatal fica suspensa "durante o período em que o agente enquadrado nos crimes a que se refere o art. 83 estiver incluído no parcelamento, desde que o requerimento desta transação tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal". 3. Por conseguinte, revela-se ilegítima a

pretensão da defesa, no sentido de que a persecução penal em tela seja suspensa em decorrência do parcelamento dos tributos devidos após o acolhimento da inicial. [...] (STJ, HC 201303271393, Jorge Mussi - Quinta Turma, DJe de

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“Tal circunstância permite concluir que o art. 83, § 2º, da Lei 9.430/1996, alterado pela Lei 12.382/2011, revogou tacitamente o art. 9º, caput e § 1º, da Lei 10.684/2003. A revogação do dispositivo da Lei 10.684/2003 deu-se para os

parcelamentos posteriores à entrada em vigor da Lei 12.382/2011, porquanto mais gravosa do que a legislação anterior, haja vista que exige que o parcelamento seja realizado antes do recebimento da denúncia. A partir da entrada em vigor da Lei 12.382/2011, 1º.3.2011, há duas possibilidades distintas: a) sendo o caso de extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito, incide o art. 9º, § 2º, da Lei 10.864/2003, reproduzido pelo art. 83, § 4º, da Lei 9.430/1996, alterado pela Lei 12.382/2011; b) tratando-se de suspensão da punibilidade pelo parcelamento do débito, aplica-se o art. 83, § 2º, da Lei 9.430/1996, alterado pela Lei 12.382/2011” (STJ, Trecho do voto do relator

proferido nos autos do HC 20160070079-4, Nefi Cordeiro - Sexta Turma, DJe: 17/06/2016, grifos nossos).

4.2 Os efeitos do parcelamento e do pagamento integral do crédito tributário nos processos criminais que envolvem crimes contra a ordem tributária

A temática do presente trabalho envolve os institutos do parcelamento tributário e do pagamento integral do crédito tributário, previstos na Lei nº 9.430/90, com redação dada pela Lei n.º 12.382/11, e disciplinados pelo art. 83, §§ 2º, 3º e 4º, segundo os quais a pretensão punitiva estatal e a prescrição criminal são suspensas enquanto o agente que cometeu crime contra a ordem tributária estiver incluído no parcelamento, desde que este seja realizado antes do recebimento da peça acusatória, e que, pagas todas as parcelas (ou pago o crédito tributário integralmente, a qualquer tempo, nos moldes do art. 9º da Lei nº 10.684/03), declara-se a extinção da punibilidade do agente.

Dessa forma, se o agente criminoso aderir ao parcelamento do crédito tributário antes do recebimento da denúncia, estará temporariamente livre da persecução penal, pois o processo e a prescrição criminais serão suspensos. A suspensão processual ocorre devido à desnecessidade de manter o ritmo do feito, eis que, como dito, o parcelamento é causa de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, e sem exigibilidade, não há que se falar em justa causa para a ação penal. Já a prescrição é suspensa para resguardar o direito de punir do Estado. Nesse lapso temporal, o Ministério Público, como titular da ação penal, tem o dever de fiscalizar se o réu está pagando as parcelas devidas regularmente, requisitando, para isso, informações da autoridade fazendária. Caso verifique que o réu se tornou inadimplente, deverá requerer ao Juízo a retomada da marcha processual.

Em suma, têm-se estas duas situações: a) o réu parcela o crédito tributário antes do recebimento da denúncia e o curso da ação penal é suspenso, bem como o prazo prescricional; b) a denúncia é recebida sem proposta de parcelamento, escapando das mãos do réu a garantia de suspensão processual e prescricional (mesmo que faça o parcelamento após o recebimento

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da peça acusatória, este não terá a força suspensiva aqui discutida). No mais, em ambos os casos, se o débito tributário for totalmente adimplido, extingue-se a punibilidade do agente em qualquer fase do processo. Veja, na prática judicial, a aplicação do raciocínio ora demonstrado:

PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO. PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E DA PRESCRIÇÃO PENAL. 1. No caso concreto, após o oferecimento da denúncia pela suposta prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, mas antes mesmo do seu recebimento, o débito objeto desta demanda foi incluído em programa de parcelamento fiscal, com regular pagamento das prestações mensais. 2. Tendo em vista que o parcelamento ocorreu antes do recebimento da denúncia, deve-se suspender a pretensão punitiva estatal e, consequentemente, também a prescrição criminal, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do art. 83 da Lei nº 9.430/96, incluídos pela Lei nº 12.383/2011. 3. Pedido do MPF deferido, suspendendo-se a pretensão punitiva estatal e a prescrição criminal, desde 09/03/2015, cabendo o acautelamento dos autos ao próprio Parquet Federal, que deverá acompanhar o cumprimento do parcelamento e tomar as medidas que reputar cabíveis em caso do seu descumprimento (PIMP - Procedimento Investigatório do MP - 191 0003292-89.2015.4.05.0000, Desembargador Federal Roberto Machado, TRF5 - Pleno, julgamento em 21/07/2016).

5 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Foi esclarecido inicialmente que o presente trabalho é fruto das experiências do autor como estagiário no Ministério Público Federal. Nesta função, o autor se deparou, diversas vezes, com ações penais que apuram os crimes contra a ordem tributária. Nesse contexto, percebeu-se serem comuns discussões acerca da incidência dos efeitos de suspensão da marcha processual e do prazo prescricional em razão do parcelamento do crédito tributário. A princípio, estranhou-se o fato de a lei prever, em favor dos agentes desses crimes, garantias não gozadas pelos agentes de outros crimes de fraude, as quais ensejam a suspensão prescricional e a extinção da punibilidade.

Com efeito, como abordado inicialmente, os crimes contra a ordem tributária se consumam mediante o implemento da falsidade. Todavia, se são crimes que envolvem falsidade, assim como outros previstos no Código Penal, por que somente as leis referentes aos crimes tributários prevêem tais garantias? Por que o crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal, por exemplo, que também é praticado mediante emprego de falsidade, não ostenta regras que beneficiam o réu com a suspensão da prescrição, ou com a extinção da punibilidade?

Referências

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