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Experiências musicais interculturais no Coral Infantil da UFRN

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UNIDADE ACADÊMICA ESPECIALIZADA

ESCOLA DE MÚSICA LICENCIATURA EM MÚSICA

EXPERIÊNCIAS MUSICAIS INTERCULTURAIS NO CORAL INFANTIL DA UFRN

YAGO MARQUES DA ROCHA NEVES MAIA

Natal/RN 2019

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YAGO MARQUES DA ROCHA NEVES MAIA

EXPERIÊNCIAS MUSICAIS INTERCULTURAIS NO CORAL INFANTIL DA UFRN

Monografia apresentada ao curso de graduação em Música (L) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Música.

Orientadora: Profª. Drª. Nan Qi

Natal/RN 2019

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Agradecimentos

Primeiramente, gostaria de agradecer aos meus pais, Heitor e Marlene, e à minha irmã, Gabriela, pelo apoio incondicional durante esta jornada de 4 anos que foi a minha graduação. Nós caminhamos juntos!

Agradeço, com muito amor, à minha melhor amiga e companheira, Ingrid Souto. Obrigado, do fundo do meu coração, pelo seu carinho e incentivo.

À minha orientadora, Nan Qi, agradeço e expresso a minha admiração pelo seu trabalho como professora de Música e supervisora de iniciação científica. We’re a great team!

Agradeço ao Coral Infantil da UFRN pela oportunidade de iniciação científica. Agradeço aos pais e responsáveis dos alunos que participaram deste recorte de pesquisa. Agradeço às crianças (ou melhor, aos cantores!) deste grupo, que me impressionam cada vez mais. Em especial, agradeço ao Prof. Durval Cesetti, coordenador do coral.

Obrigado a todos os meus professores e professoras da Escola de Música da UFRN (EMUFRN), em especial: Profª. Tamar Genz Gaulke, Prof. Danilo Guanais, Prof. Ticiano D’Amore e Prof. Alexandre Viana. Vocês foram essenciais para a minha formação humana e profissional!

Agradeço a toda equipe da Biblioteca Setorial Padre Jaime Diniz (BPJD) por ter me acolhido como bolsista de apoio técnico quando eu ainda cursava a graduação em Engenharia Elétrica. Essa experiência mudou a minha vida e foi fundamental para que eu pudesse escolher pela graduação em Música. Em especial, agradeço a Elizabeth Kanzaki, coordenadora da BPJD. Agradeço a toda equipe do Estúdio Ritornello pela oportunidade de ter atuado como bolsista durante a minha formação técnica em Processos Fonográficos, caminho que trilhei em conjunto com a graduação em Música. Em especial, agradeço ao meu grande amigo Jair Alves. Agradeço ao Núcleo de Educação da Infância (NEI-CAp/UFRN) e ao Curso de Iniciação Artística (CIART) pelas oportunidades de monitoria, estágio curricular e voluntariado. Foram nestas experiências que me descobri professor de Música! Em especial, agradeço à Profª. Carolina Gomes, à Profª Maristela Mosca e ao Prof. Jason Desiderio.

Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) pela oportunidade de cursar uma graduação em Música de qualidade. Em especial, agradeço a todos os funcionários, efetivos e terceirizados, da Escola de Música da UFRN. Viva a educação pública! Enfim, agradeço aos meus amigos Márcio Ruperto, Christian Bari, Matheus Henrique, Gustavo Henrique e Pedro Antunes (in memorian) por sempre terem me incentivado a seguir o caminho da música, e aos meus colegas de curso pelo companheirismo nestes 4 anos.

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RESUMO

Esta pesquisa qualitativa tem como objetivo principal investigar experiências musicais interculturais entre crianças e culture bearers no Coral Infantil da UFRN. Além disso, os objetivos específicos deste trabalho são refletir sobre a educação musical intercultural, sobre a prática de um pesquisador em iniciação científica e sobre a formação pedagógica multicultural e intercultural dos estudantes de licenciatura em Música da UFRN. Neste estudo de caso (YIN, 2005), utilizamos como base teórica os entendimentos de Portera (2013), Antilla (2016) e Queiroz (2017a) sobre interculturalismo e educação musical intercultural, o conceito de self-authorship (KEGAN, 1994; BAXTER MAGOLDA, 1998; 2000; 2001), o Modelo de Maturidade Intercultural (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005; PEREZ et al., 2015), o conceito de aprendizagem transformativa (MEZIROW, 2000; 2003) e o posicionamento de Schippers (2009) para a educação musical numa perspectiva global. Através da análise temática (BRAUN; CLARKE, 2006; 2013) de entrevistas semiestruturadas, observações participantes, diários de pesquisa e gravações de áudio e vídeo, constatamos que a educação musical intercultural no contexto do Coral Infantil da UFRN propiciou o início da maturidade intercultural entre as crianças participantes, sobretudo na dimensão cognitiva, a ampliação dos seus discursos musicais e o desenvolvimento de um orgulho próprio baseado no conhecimento sobre as músicas do mundo. Relativamente, os culture bearers envolvidos nesta pesquisa demonstraram empoderamento ao compartilhar suas identidades culturais, a capacidade de construir relações sociais interdependentes através das diferenças culturais e apreço pelo entendimento do outro sobre as suas identidades culturais, competências que correspondem ao desenvolvimento e consolidação das dimensões intrapessoal e interpessoal. Além disso, através da autonarrativa do autor, concluímos que a sua atuação concomitante enquanto pesquisador de iniciação científica e professor de Música em formação foi um aspecto fundamental para o preenchimento de lacunas teóricas e pedagógicas que convergem para a educação musical intercultural.

Palavras-chave: Educação Musical. Interculturalismo. Coral Infantil. Maturidade Intercultural.

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ABSTRACT

This qualitative research has as its main objective to investigate intercultural musical experiences between children and culture bearers in UFRN Children's Choir. In addition, the specific objectives of this work are to reflect on intercultural music education, on the practice of an undergraduate researcher in scientific initiation, and on the multicultural and intercultural pedagogical training of UFRN’s undergraduate music education students. In this case study (YIN, 2005), we used as theoretical basis Portera’s (2013), Antilla’s (2016) and Queiroz’s (2017a) understandings about interculturalism and intercultural music education, the concept of self-authorship (KEGAN, 1994; BAXTER MAGOLDA, 1998; 2000; 2001), the Intercultural Maturity Model (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005; PEREZ et al., 2015), the concept of transformative learning (MEZIROW, 2000; 2003) and Schippers’s (2009) framework for music education from a global perspective. Through thematic analysis (BRAUN; CLARKE, 2006; 2013) of semi-structured interviews, participant observations, research diaries and audio and video recordings, we observed that intercultural music education in the context of UFRN Children's Choir led to the beginning of intercultural maturity among children, especially in the cognitive dimension, the expansion of their musical discourses and the development of their own pride based on knowledge of world music. Relatively, the culture bearers involved in this research demonstrated empowerment by sharing their cultural identities, the ability to build interdependent social relationships through cultural differences and appreciation for others’ understanding of their cultural identities; all these competences correspond to the development and consolidation of intrapersonal and interpersonal dimensions. In addition, through the author's self-narrative, we conclude that his concurrent practice as undergraduate researcher and undergraduate music teacher was a key aspect in filling theoretical and pedagogical gaps that converge on intercultural music education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – As três dimensões do conceito de self-authorship ... 18

Figura 02 – Estruturação do Modelo de Maturidade Intercultural ... 19

Figura 03 – Aprendizagem transformativa: transformações pessoais e sociais ... 21

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEM - Associação Brasileira de Educação Musical

ANPPOM - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música AT – Análise Temática

BNCC – Base Nacional Comum Curricular BPJD - Biblioteca Setorial Padre Jaime Diniz CIART - Curso de Iniciação Artística

CTM - Curso Técnico em Música

EMUFRN - Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte GLOMUS – Global Music Network

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEB – Música na Educação Básica

MPB - Música Popular Brasileira

NEI-CAp/UFRN - Núcleo de Educação da Infância PPC - Projeto Pedagógico de Curso

SESC - Serviço Social do Comércio

TAG - Termo de Autorização para Gravação

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 12

2.1 Da educação musical multicultural para a interculturalidade ... 12

2.2 Estado do conhecimento: educação musical multicultural e intercultural no Brasil ... 15

2.3 Modelo de Maturidade Intercultural ... 17

2.4 A prática pedagógico-musical no Coral Infantil da UFRN ... 20

3 O CONTEXTO DA PESQUISA ... 23

3.1 Breve histórico da Escola de Música da UFRN ... 23

3.2 Breve histórico do Coral Infantil da UFRN ... 23

4 METODOLOGIA ... 25

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 27

5.1 Crianças: lidando com dissonâncias cognitivas, ampliando os discursos musicais e desenvolvendo orgulho próprio ... 27

5.2 Culture bearers: empoderamento ao compartilhar suas identidades culturais ... 31

5.3 Futuros professores de música: preenchendo lacunas na formação pedagógica intercultural ... 33

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 40

APÊNDICE A – Roteiro para entrevistas semiestruturadas... 45

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ... 48

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1 INTRODUÇÃO

Desde o meu ingresso no curso de Licenciatura em Música na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no ano de 2016, tive oportunidades de estar em contato com manifestações culturais locais, regionais e internacionais, sendo o fazer musical o fio condutor de praticamente todos os momentos em que pude conhecer, apreciar e me envolver com culturas diversas.

Nos livros de etnomusicologia e nos discos que cataloguei enquanto bolsista da Biblioteca Setorial Padre Jaime Diniz (BJPD), antes de optar pela licenciatura – época em que eu cursava Engenharia Elétrica, mas sonhava em estudar Música; na primeira vez em que assisti um concerto de big band (Luther College Jazz Orchestra – Estados Unidos); nas aulas de Linguagem e Estruturação Musical do Prof. Danilo Guanais, quando conheci e ouvi, pela primeira vez, o coco de zambê; nas diversas sessões de gravação com o Prof. Anderson Pessoa e seus convidados internacionais, durante os dois anos em que fui bolsista de apoio técnico no Estúdio Ritornello; nas “viagens” de conhecimento sobre temas de pesquisa (Havaí, música tradicional africana, rock inglês e música pop americana), a partir dos estágios de observação e regência no Núcleo de Educação da Infância (NEI-CAp/UFRN); nos congressos internacionais que trabalhei como voluntário, em especial no encontro Global Music Network (GLOMUS), quando conheci músicos e sonoridades de todos os continentes do planeta; no período em que fui professor monitor no Curso de Iniciação Artística (CIART) e ensinei, aprendi e toquei música popular brasileira (MPB), música potiguar, músicas tradicionais do continente europeu e do Japão. Enfim, não foram raros os momentos em que, durante a licenciatura em Música, interagi com realidades culturais de outros povos, pertos ou distantes, através da música.

Após estas vivências nos primeiros seis semestres de curso, no último ano da graduação fui selecionado como bolsista de um projeto de pesquisa orientado pela Profa. Nan Qi que tem como objeto de estudo o Coral Infantil da UFRN, grupo reconhecido por explorar um repertório em múltiplos idiomas (português, alemão, coreano, chinês, espanhol, inglês, italiano, japonês, tsonga, entre outras línguas).

Foi a partir dos meus primeiros passos como pesquisador em iniciação científica que passei a estudar, de forma mais aprofundada, sobre os caminhos e possibilidades para a prática pedagógica multicultural e intercultural não apenas como mero tokenismo1, mas como uma atividade que busque a compreensão das diversidades culturais e musicais, das relações entre

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culturas, do respeito às diferenças étnico-raciais, de religião e de gênero e de questões sociais e políticas através da educação musical.

Portanto, este trabalho de conclusão de curso representa um recorte da pesquisa “Desenvolvimento sociocultural e intercultural em um coral infantil”, atualmente em andamento. Justifico a escolha deste tema como uma oportunidade para refletir, expandir e divulgar novos conhecimentos sobre educação musical, multiculturalidade e interculturalidade, contribuindo assim com o fomento da nossa comunidade acadêmica e científica de música.

A partir da análise temática dos dados coletados através de entrevistas semiestruturadas, diários de pesquisa, gravações de áudios, filmagens de ensaios e observações, processos estes realizados com autorização prévia da instituição a qual represento, o objetivo principal deste trabalho de monografia é investigar experiências musicais interculturais entre crianças e culture bearers2 no Coral Infantil da UFRN. Além disso, os objetivos específicos deste trabalho são: refletir sobre a educação musical intercultural, sobre a minha atuação enquanto pesquisador de iniciação científica em Música e sobre a formação pedagógica multicultural e intercultural dos estudantes de licenciatura em Música da UFRN.

Dessa forma, este trabalho está dividido em seis capítulos: após uma introdução apresentada no primeiro capítulo, discuto a fundamentação teórica sobre multiculturalismo, interculturalismo, maturidade intercultural e aprendizagem transformativa no segundo capítulo, além das influências e relações destas teorias com a educação musical. No terceiro capítulo, apresento o contexto sociocultural em que este trabalho foi realizado e, no quarto, descrevo os métodos de pesquisa utilizados tanto para a coleta como para a análise dos dados. No quinto capítulo, analiso e discuto os dados obtidos durante a pesquisa. Por fim, no sexto capítulo, realizo as considerações finais e reflito sobre possíveis implicações para além do horizonte deste trabalho de conclusão de curso.

2 No âmbito da educação musical, culture bearer é um indivíduo treinado musicalmente em sua cultura

ou uma pessoa capaz de representar tradições musicais que estão além das experiências e expertises dos professores de música (CAMPBELL, 2002).

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

No início da construção deste trabalho de monografia, nos deparamos com duas correntes teóricas que englobam o ensino de música e diversidade cultural: educação musical multicultural e educação musical intercultural. Moreira (2001, p. 76) atenta para a complexidade de teorizarmos e analisarmos as implicações semânticas dos prefixos multi- e inter- ao trazer o seguinte questionamento: “Não será a concepção de inter/multiculturalismo que adotarmos mais importante que o prefixo a ser empregado?” De fato, esta reflexão nos leva a pensar na importância de abordarmos a educação musical para a compreensão e respeito às diversidades culturais de uma maneira crítica, pois estamos imersos em sociedades “cada vez mais plurais e menos homogêneas, em que convivem diversas etnias, hábitos culturais e valores diferenciados – por vezes em conflitos” (PENNA, 2012, p. 87).

Porém, por reconhecermos a dinamicidade da utilização destes termos nos contextos acadêmico, científico e educacional, ressaltamos a importância de compreendermos primeiramente os aspectos teóricos e históricos da educação multicultural e suas influências para a educação musical, para, em seguida, discorrermos sobre a educação musical intercultural. 2.1 Da educação musical multicultural para a interculturalidade

É comum que os termos multicultural/multiculturalismo e intercultural /interculturalismo sejam entendidos e representados como correntes teóricas consonantes. De maneira geral, historicamente as comunidades acadêmicas da Américas, África, Ásia e Oceania utilizam frequentemente o termo “educação musical multicultural”, enquanto autores e pesquisadores de países europeus dão preferência a “educação musical intercultural” (LEEMAN; REID, 2006; NIETO, 2006;HILL, 2007; PORTERA, 2013).

Kincheloe & Steinberg (1997) categorizam a educação multicultural em cinco abordagens: multiculturalismo conservador, multiculturalismo liberal, multiculturalismo pluralista, multiculturalismo essencialista de esquerda e multiculturalismo crítico. O multiculturalismo conservador representou, por muito tempo, a maneira com que as sociedades (sobretudo as ocidentais) lidavam com as diferenças, simplesmente impondo às minorias uma cultura predominante considerada “superior”.

Os multiculturalismos liberal e pluralista consideram a diversidade cultural, porém ainda sob uma ótica hegemônica; a diferença entre estas duas abordagens é que o multiculturalismo liberal enfatiza as semelhanças entre os indivíduos, enquanto o multiculturalismo pluralista enfoca as suas diferenças. Assim, enquanto a vertente liberal enfatiza que todas as pessoas são

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iguais perante a lei, e que as diferenças culturais são apenas superficiais, o multiculturalismo pluralista aceita a existência de uma “diversidade segura” que não prejudique as culturas dominantes.

O multiculturalismo essencialista de esquerda propõe a reversão de um quadro histórico de opressão às minorias. Entretanto, por repetir um padrão generalista de estereótipos criados por grupos majoritários, acaba reproduzindo um dualismo inverso ao simplificar as diferenças culturais individuais e coletivas.

O multiculturalismo crítico, por sua vez, está ligado à corrente teórica da pedagogia crítica (GIROUX, 1997), a qual defende que o contexto sociocultural dos alunos seja estudado, discutido, questionado e ampliado na sala de aula, tornando assim a educação uma experiência transformadora. May (1999) descreve o multiculturalismo crítico como um conceito “não essencialista e crítico-reflexivo” (p. 24) que desmascara a “normatização e universalização de um conhecimento cultural de grupos étnicos majoritários” (p. 32, tradução minha) e dominantes. Nesta perspectiva freiriana, Abrahams (2005) afirma que o processo educacional centrado na realidade dos estudantes significa “quebrar as barreiras que existem entre as músicas que os estudantes escutam e amam fora da sala de aula e o que os educadores querem que eles aprendam” (p. 3, tradução minha).

Dessa forma, o multiculturalismo crítico não significa simplesmente representar as culturas diversas, sejam dos próprios alunos ou externas, de forma generalizada ou estereotipada. Esta abordagem propõe que os educadores tragam, para a sala de aula – seja no contexto da educação básica, de uma escola especializada de música, no ensino superior ou no terceiro setor – discussões sobre questões como, por exemplo, igualdade social, justiça social, relações de poder e exploração socioeconômica, diversidade étnico-racial, religiosa e de gênero (KINCHELOE; STEINBERG, 1997; GIROUX, 2000; BAXTER, 2007).

Assim, Campbell (2018) valoriza os crescentes esforços dos educadores musicais e etnomusicólogos para tornar o currículo de Música das escolas e instituições de ensino superior não só mais diversificado culturalmente, mas também considerando as especificidades de cada realidade sociomusical. Isso possibilita ao professor conectar o universo cultural dos seus alunos com representações cada vez mais autênticas das músicas do mundo, desvencilhando a educação musical do repertório tradicional eurocêntrico, predominantemente erudito, e que por vezes mensura um tipo de música como sendo “superior” do que outro.

Neste sentido, Volk (2004) indica que o conceito da educação musical multicultural está em desenvolvimento desde a década de 1970. Um dos primeiros estudiosos a discorrer sobre os aspectos filosóficos desta abordagem foi o israelita Abraham Schwadron, ao sugerir um estudo

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comparativo estético que levasse a uma reflexão sobre “(1) as tendências etnocêntricas e atitudes que inibem o desenvolvimento de uma estética plural; (2) a possível revisão da teoria estética ocidental; (3) e suas implicações para a educação, bimusicalidade e comunicação mundial” (p. 11, tradução minha). Entre as décadas de 1980 e 1990, David. J. Elliot aprofundou-se nos estudos de Abraham Schwadron e baaprofundou-seou-aprofundou-se no conceito das Ideologias da Diversidade Cultural (PRATTE, 1979) para propor o que ele denominou de multiculturalismo dinâmico (ELLIOT, 1989).

O multiculturalismo dinâmico enfatiza os aspectos práticos da aprendizagem musical, assim pretendendo dar aos alunos um caminho flexível para aprender as musicalidades de outras culturas da mesma forma como os membros destes grupos culturais compreendem os seus elementos musicais. Como observa Campbell (1994), uma abordagem nesta perspectiva pode representar uma resposta aos críticos que consideram a educação musical multicultural como uma forma simplista de tornar o currículo de música “exótico”, pois oportuniza ao educador respeitar as integridades e essências de outras culturas musicais ao mesmo tempo em que permite aos estudantes o entendimento de que as suas referências habituais não são “neutras” sob o ponto de vista político.

Entretanto, Morton (2001) discute que o multiculturalismo dinâmico pode ser enxergado apenas como uma visão multicultural pluralista caso sejam deixados de lado os aspectos políticos do multiculturalismo crítico, assim como teorizado por Kincheloe & Steinberg (1997). Esta abordagem também se limita ao fato de buscar um ideal ilusório de autenticidade cultural única que esbarra nas autenticidades múltiplas de cada indivíduo, pois as identidades culturais individuais e coletivas são extremamente fluidas e estão correlacionadas a outros aspectos além da etnicidade, como, por exemplo, condição socioeconômica, história pessoal, gênero e nível de escolaridade.

Neste sentido, os aspectos críticos da educação musical multicultural aprofundam-se sob o ponto de vista intercultural, pois o conceito de interculturalidade representa

Um fenômeno que se consolida pelo diálogo e a interação entre diferentes culturas, com vistas a promover, de fato, a composição de um mosaico multifacetado de conhecimentos e saberes compartilhados [...] que emerjam de diferentes culturas e propiciem a integração entre elas, sem o estabelecimento de hierarquias e dominações de uma sobre a outra (QUEIROZ, 2017a, p. 102-103).

Por considerar os aspectos críticos da educação transcultural (educação para os direitos humanos) e multicultural (reconhecer as diferenças e respeitar outras culturas), rejeitar a imobilidade cultural e hierarquia humana e entender a identidade cultural do ser humano como fluida e em constante mudança, a educação para a interculturalidade é uma maneira de

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nutrirmos as diversidades étnicas, culturais, religiosas e linguísticas ao mesmo tempo em que cultivamos valores como equidade, inclusão e justiça social (PORTERA, 2013).

Por isso, Queiroz (2017a, p. 103)realça que

Não se trata mais de conhecer e interagir com a pluralidade de músicas como um exercício de ampliar o conhecimento e a curiosidade. Trata-se, sim, de uma construção de identidades diferentes em espaços compartilhados, em que os diversos sujeitos precisam aprender a respeitar as suas diferenças e fazer delas importantes pilares para a construção e a inter-relação coletivas.

Anttila (2016) relembra que é preciso atentar-se ao fato de que, no contexto da sala de aula, a intenção educacional intercultural pode ser vista pelos alunos como um gesto hostil. Para contornar esta resistência inicial, o educador musical deve promover o diálogo através de uma ponte que interligue a realidade cultural dos estudantes com “a complexidade dos lugares, identidades e modos de expressão em um mundo global” (BURNARD et al., 2018, p. 229, tradução minha).

Portanto, como a educação musical propicia o desenvolvimento de um “imaginário social” (BAXTER, 2007, p. 268, tradução minha), a sua abordagem intercultural objetiva trazer reflexões, por meio da música, sobre valores como, por exemplo, respeito às diferenças e empatia, propiciando aos alunos a capacidade de “se reconhecerem nos outros, e reconhecerem os outros dentro de si” (BRADLEY, 2006, p. 17, tradução minha). Assim, o desenvolvimento de competências musicais interculturais está baseado num constante diálogo e engajamento social com as músicas do mundo, sejam de realidades culturais locais, regionais, nacionais ou globais.

2.2 Estado do conhecimento: educação musical multicultural e intercultural no Brasil No Brasil, o trabalho de Arroyo (1991) foi possivelmente o primeiro a correlacionar interculturalismo e ensino-aprendizagem musical. Em sua dissertação de mestrado, a autora discorreu sobre a importância de compreendermos as diversidades musicais e os processos cognitivos específicos de cada gênero musical, sendo estas etapas fundamentais para que o professor de música possa conceber uma postura crítico-reflexiva através da educação musical intercultural.

Neste sentido, é possível observarmos, nas últimas três décadas, o desenvolvimento de pesquisas no campo da educação musical que possuem como pilar central discussões ancoradas no multiculturalismo, interculturalismo e na importância dos desdobramentos destas correntes teóricas para o ensino de música nos diversos contextos de atuação que os educadores musicais estão inseridos.

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Assim, optamos por fazer uma breve pesquisa bibliográfica sobre trabalhos que englobam educação musical, multiculturalismo e interculturalismo, e foram publicadas, nos últimos cinco anos, nos seguintes veículos: Revista da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), Revista OPUS e Revista Música na Educação Básica (MEB). Também pesquisamos comunicações publicadas nos Anais dos congressos da ABEM e da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM). Elencamos, a seguir, algumas publicações que estão correlacionadas com o tema desta monografia.

Em revisão bibliográfica publicada na Revista da ABEM, Santiago & Ivenicki (2016) constataram 36 artigos publicados, neste mesmo veículo, que possuíam potenciais multiculturais, sendo 9 destas pesquisas (2,43% do total) com um tema explicitamente multicultural. Neste mesmo levantamento, também foram analisados 6 trabalhos (0,84% do total) encontrados nos Anais do Congresso da ANPPOM, além de 4 teses e dissertações que englobam interculturalismo, multiculturalismo e educação musical. O estudo concluiu que esta é uma área ainda pouco contemplada por pesquisas de cunho acadêmico e que a maioria destes trabalhos sustentados pelas teorias do multiculturalismo têm como base os Estudos Culturais.

Soma-se a esta pesquisa de estado do conhecimento o primeiro simpósio brasileiro explicitamente voltado ao tema da educação musical e interculturalidade, publicado nos Anais do XXIII Congresso Nacional da ABEM. Este simpósio relatou as ações de um projeto educacional realizado em escolas do Serviço Social do Comércio (SESC), o qual objetivou ensinar, apreciar, praticar, dialogar e refletir sobre as musicalidades dos povos tradicionais brasileiros, caminhando através da construção das identidades culturais de crianças, adolescentes e jovens do Rio Grande do Sul, Belo Horizonte, Cuiabá, Pará e Ceará. Além de ter reunido relatos de experiência sobre práticas pedagógicas descolonizadoras, este simpósio abrangeu pesquisas em escolas das cinco regiões do nosso país, trazendo assim visões plurais acerca da importância da presença das diversidades culturais e musicais no currículo de Música na educação básica brasileira (BATISTA et al., 2017).

Ainda podemos mencionar o recente trabalho de Reis e Duarte (2018), publicado na Revista da ABEM. Apesar de tratar da realidade educacional portuguesa, este artigo contribuiu com discussões sobre as dimensões teóricas, culturais e curriculares da educação musical, colocando em xeque a tradição conservatorial europeia através da proposição de um ensino de música pautado no aspecto multicultural das escolas.

Mais além, ressaltamos os ensaios de Queiroz (2004; 2017a; 2017b). Apesar de não estarem enquadrados no mesmo critério de busca das publicações supracitadas, os seus trabalhos sobre educação musical e cultura foram de grande valia teórica para esta monografia.

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2.3 Modelo de Maturidade Intercultural

Para investigarmos as experiências musicais interculturais entre crianças e culture bearers no Coral Infantil da UFRN, optamos, como referência para análise, pela utilização do Modelo de Maturidade Intercultural (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005; PEREZ et al., 2015). Este modelo é fundamentado a partir de diversos estudos sobre o desenvolvimento de competências e sensitividades interculturais e multiculturais (POPE-DAVIS et. al, 1994; OTTAVI; POPE-DAVIS; DINGS, 1994; POPE; REYNOLDS, 1997; HOWARD-HAMILTON; RICHARDSON; SHUFORD, 1998; POPE; REYNOLDS; MUELLER, 2004) e tem por objetivo descrever a maturidade intercultural a partir do conceito de self-authorship (KEGAN, 1994), que também foi estudado e aprofundado por Baxter Magolda (1998; 2000; 2001; 2004).

O conceito de self-autorship (autoria própria) é entendido como “a capacidade de definir internamente um sistema de crenças coerente e uma identidade [pessoal] que coordena relações mútuas com outros” (BAXTER MAGOLDA, 2004, p. 8, tradução minha). Assim, é a competência que um indivíduo possui de lidar e equilibrar as influências externas com os seus próprios interesses, tornando-se autor consciente dos seus valores, da forma com que se reconhece enquanto pessoa, das suas próprias atitudes e das relações sociais que exerce durante a vida (BAXTER MAGOLDA, 2000).

No intuito de entender a complexidade das interações humanas, como elas estão pautadas e como transitam entre valores individuais e coletivos, Baxter Magolda (2001) afirma que a autoria própria se constitui a partir de três dimensões: cognitiva, intrapessoal e interpessoal. A dimensão cognitiva diz respeito à maneira como um indivíduo constrói o seu entendimento sobre a natureza do conhecimento: conhecimento como verdade absoluta versus conhecimento enquanto ação crítico-reflexiva. Ou seja, um aluno com baixo desenvolvimento nesta dimensão tende a aceitar qualquer conjunto de valores como absolutos, principalmente se estes partirem de uma figura “autoritária” como o professor. Por outro lado, um estudante em nível maduro de autoria própria cognitiva é capaz de julgar os saberes adquiridos a partir de uma ótica contextualizada, baseada em múltiplas referências de conhecimento que tendem a formar o seu conjunto de valores pessoais e interpessoais.

O aspecto intrapessoal representa a identidade pessoal e o sistema de crenças do ser humano. Neste sentido, enquanto uma pessoa em estágio inicial de desenvolvimento intrapessoal está em constante conflito com a “falta de consciência de valores próprios e identidade social” e a “necessidade de aprovação por outros” (BAXTER MAGOLDA, 2004, p.

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12, tradução minha), um indivíduo lúcido das suas faculdades intrapessoais consegue elaborar a sua própria identidade ao interpretar, refletir e regular as suas escolhas e atitudes. Dito isto, a dimensão intrapessoal é responsável por guiar o comportamento de um indivíduo nos grupos sociais em que convive.

Por último e não menos importante, a dimensão interpessoal caracteriza a interdependência de um indivíduo para a relação social com outros. Este eixo compreende a transição de “relações dependentes com outros similares” e “consciência das limitações de relações dependentes” para a “capacidade de se engajar em relações autênticas e interdependentes com outros diversos nos quais o eu não é ofuscado pela necessidade de aprovação” (BAXTER MAGOLDA, 2004, p. 13, tradução minha). Assim, a dimensão interpessoal corresponde à maneira como um sujeito “se vê em relação a e com outras pessoas (seus pontos de vista, valores, comportamentos, etc.) e como faz escolhas em situações sociais” (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005, p. 574, tradução minha).

Dessa forma, para um indivíduo atingir a autoria própria por completo, é necessária a aptidão em conciliar os valores pessoais e saberes adquiridos ao longo da vida com a noção do eu enquanto sujeito e com a maneira como se relaciona com pessoas de diferentes identidades culturais (FIGURA 01). Por isso, é importante que os educadores musicais encorajem os seus alunos a desenvolver a capacidade de construir os seus conhecimentos de forma crítica e reflexiva, a reconhecer a sua própria identidade como uma organização de valores plurais e a se tornarem autores conscientes dos vínculos sociais que constroem com outras pessoas.

FIGURA 01 – As três dimensões do conceito de self-authorship

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Neste sentido, o Modelo de Maturidade Intercultural (FIGURA 02) engloba as três dimensões do desenvolvimento elaboradas por Kegan (2004), bem como as interrelações e diálogos entre os eixos cognitivo, intrapessoal e interpessoal. Ao reconhecer que os estudantes desenvolvem a maturidade intercultural através de um continuum que tem início na consciência sobre as diferenças culturais e que este processo pode acontecer gradualmente ou celeremente, de acordo com as experiências vivenciadas em múltiplos contextos, o Modelo de Maturidade Intercultural representa a expertise de compreender as diferenças culturais (dimensão cognitiva), a capacidade de não se sentir ameaçado pela diversidade (dimensão intrapessoal) e a competência de exercer relações interdependentes com a pluralidade cultural dos outros (dimensão interpessoal) (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005).

FIGURA 02 – Estruturação do Modelo de Maturidade Intercultural3

FONTE: King & Baxter Magolda (2005).

Assim, King & Baxter Magolda (2005) ressaltam que as ações interculturais nas salas de aulas também demandam o desenvolvimento concreto das dimensões intrapessoal e

3 Mais adiante, iremos retomar o Modelo de Maturidade Intercultural como ferramenta para auxiliar a análise das

interações interculturais no Coral Infantil da UFRN. Entretanto, por não estarmos propondo categorizar o nível de desenvolvimento de maturidade intercultural dos participantes da pesquisa, optamos por utilizar a primeira publicação deste modelo. A sua versão expandida pode ser consultada no trabalho de Perez et al. (2015).

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interpessoal. Não basta apenas que os professores de música apresentem as diferenças culturais e musicais aos seus estudantes: faz-se necessário que sejamos capazes de “olhar através do domínio cognitivo” (HIBBARD; CONWAY, 2015, p. 211, tradução minha) dos nossos alunos para, assim, construirmos a interculturalidade de maneira contextualizada e com enfoque nas interrelações humanas.

Portanto, pensar a maturidade intercultural por meio da educação musical implica em traçar estratégias pedagógicas e pensar o currículo para, no âmbito da diversidade cultural, mover os estudantes além das suas zonas de conforto ao promover, por um repertório plural, ações crítico-reflexivas sobre questões étnico-raciais, sociais e políticas que ultrapassam as barreiras pragmáticas dos conteúdos teórico-musicais estudados em sala. Por isso, este modelo será útil para entendermos como os participantes do Coral Infantil da UFRN ressignificam as suas experiências musicais interculturais.

2.4 A prática pedagógico-musical no Coral Infantil da UFRN

A prática pedagógico-musical no Coral Infantil da UFRN está fundamentada no conceito da aprendizagem transformativa (MEZIROW, 2000; 2003) e no entendimento de Schippers (2009) para a educação musical numa perspectiva global. Partindo das ideias de Mezirow, podemos construir um repertório intercultural que represente um dilema desorientador (Figura 03) para o coral; ou seja, as músicas do mundo movem as crianças, os professores e colaboradores do grupo para um contexto no qual múltiplas perspectivas musicais e culturais coexistem e interagem, em contraponto a um sistema cultural monolítico, conservador e estático.

Pressupomos, assim, que “a música pode empoderar os seus aprendizes para se tornarem agentes ativos em suas vidas”, “que a música pode ser uma atividade importante ao longo da vida” e que o conceito de aprendizagem transformativa representa “um processo no qual o aluno reconhece e entende melhor o seu próprio mundo [...] e reconhece que esse entendimento resultou da experiência do aprendizado” (QI; VEBLEN, 2016, p. 102, tradução minha).

A aprendizagem transformativa através do canto coral também orienta os professores a compreenderem como as transformações pessoais das crianças podem levar a transformações profundas nos contextos sociais em que elas convivem, especialmente no desenvolvimento da capacidade dos alunos de se engajarem de maneira consciente e interdependente em relações com pessoas de realidades culturais diversas, sejam estas diversidades locais ou globais (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005).

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FIGURA 03 – Aprendizagem transformativa: transformações pessoais e sociais

FONTE: Qi & Cesetti (2019).

Portanto, de acordo com o esquemático representado na Figura 03, os dilemas desorientadores promovidos pela educação musical intercultural podem criar um efeito cumulativo para mudanças positivas nas premissas, atitudes e comportamentos dos participantes envolvidos no coro, também afetando outros grupos sociais envolvidos (pais, responsáveis, familiares, amigos, plateia dos concertos, instituições, entidades, etc.) por meio de um processo dialógico social, cultural e musical.

Neste sentido, um dos caminhos pedagógicos praticados no Coral Infantil da UFRN consiste em partir de noções musicais e manifestações culturais que os estudantes já conhecem para, neste sentido, criar um continuum que interligue elementos musicais “familiares” aos “não familiares” (SCHIPPERS, 2009), utilizando o canto coral como principal ferramenta. Assim, o currículo e ensino-aprendizagem são pensados de forma a superar o que Westerlund & Karlsen (2017) definem como ocularcentrismo profissional – “uma maneira unilateral de entender a diversidade que impede os educadores musicais de perceberem os seus preconceitos [musicais]” (p. 78, tradução minha).

Durante as aulas, os professores e colaboradores evitam tratar as músicas e manifestações culturais que são compartilhadas na sala de aula como meros tokens. Assim, os significados das canções ensaiadas são apresentados de forma aprofundada através de

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contextualizações históricas e sociais, vídeos, imagens e debates com os alunos. Além disso, uma prática rotineira no coral consiste em convidar culture bearers (“detentores” ou “portadores” de cultura) para que eles possam expressar as suas identidades culturais e compartilhar as suas experiências musicais com o coral, o que permite que os participantes do grupo estabeleçam uma conexão emocional e interpessoal aprofundada com o repertório estudado.

Este processo tem por objetivo “engajar os estudantes em explorar e gradualmente reformular como eles veem o mundo (eixo cognitivo), como eles se veem (eixo intrapessoal) e como eles se relacionam com outros (eixo interpessoal)” (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005, p. 587, tradução minha). Dessa forma, as experiências e interrelações culturais são tratadas como uma das prioridades na prática do Coral Infantil da UFRN, o que possibilita o desenvolvimento da maturidade e sensitividades interculturais, do pensamento crítico, da empatia e do respeito pela diversidade cultural e musical entre os participantes.

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3 O CONTEXTO DA PESQUISA

3.1 Breve histórico da Escola de Música da UFRN

A UFRN foi criada a partir da Reforma do Ensino Superior (BRASIL, 1968) que consolidou diversas faculdades de ensino em departamentos e centros acadêmicos universitários. A Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN) foi fundada no ano de 1962 e aglutinada ao Instituto de Letras e Artes em 1968, sendo que a sua atual sede, situada no Campus Universitário, foi construída apenas em 1991.

O curso superior de bacharelado em Música da UFRN foi criado no ano de 1997 e, no ano seguinte, o funcionamento do Curso Técnico em Música (CTM) foi autorizado pelo então Ministério da Educação e da Cultura. Em 2002, a EMUFRN passou por uma importante mudança: transformou-se em Unidade Acadêmica Especializada, tendo assim maior independência financeira, de ensino, pesquisa e extensão, o que possibilitou a criação do curso de Licenciatura em Música no ano de 2004.

3.2 Breve histórico do Coral Infantil da UFRN

O Coral Infantil da UFRN é um projeto de extensão vinculado à Escola de Música da UFRN. O grupo foi criado em 2015 pelas professoras Christina Bogiages (oboísta e regente americana) e Nan Qi (pianista e educadora chinesa, naturalizada canadense e brasileira). Durante uma conversa informal, as duas musicistas perceberam o interesse em comum pela criação de um coral infantil com repertório baseado nas músicas do mundo e uma prática pedagógico-musical intercultural, o que se tornou realidade devido à iniciativa das professoras e ao apoio da instituição.

Dessa forma, durante o primeiro ano do coral, a professora Christina Bogiages atuou como regente e professora do coro, enquanto a professora Nan Qi participou como pianista e professora assistente. Nesta época, o grupo contava com a coordenação do professor Durval Cesetti e participação de bolsistas e voluntários dos cursos técnico, de bacharelado e de licenciatura em Música.

Entre 2015 e 2016, as duas professoras mudaram-se do Brasil por motivos profissionais e acadêmicos. Sendo assim, em 2016, o Coral Infantil ficou sob responsabilidade da professora Ana Lúcia Carneiro, mestranda em educação musical pela UFRN e que na ocasião pesquisava a formação de professores de Música no contexto da regência coral. Neste período, o grupo teve um aumento significativo na quantidade de coralistas (de 40 para cerca de 100) e mudanças no

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repertório estudado: a prática musical com canções de diversos países do mundo foi substituída por músicas com temas religiosos, além de canções consagradas da MPB.

No ano seguinte, a professora Nan Qi retornou ao Brasil e retomou as atividades do Coral Infantil da UFRN com foco no aprendizado musical intercultural, o que acontece até a presente data. Assim, em 2017, o coral foi dividido em três turmas: crianças entre 6 e 7 anos de idade; crianças entre 8 e 9 anos de idade e crianças acima de 10 anos de idade, configuração que perdurou até o final do ano de 2018.

Em 2019, no primeiro semestre letivo, o grupo passou a ser dividido entre duas turmas: iniciantes (crianças que estavam entrando no coral) e avançados (crianças que estudaram no coral em anos anteriores). Em seguida, durante o segundo semestre, os professores decidiram modificar a formatação do coro novamente: Turma I (crianças nascidas a partir de 2010) e Turma II (crianças nascidas antes de 2009); ou seja, uma turma com crianças até 9 anos de idade e outra turma com crianças acima desta faixa etária.

Atualmente, o Coral Infantil da UFRN conta com, ao todo, 64 crianças participantes, três bolsistas de extensão, uma preparadora vocal, uma professora colaboradora, um músico colaborador e um bolsista em iniciação científica. O grupo está sob a coordenação do professor Durval Cesetti e coordenação adjunta da professora Nan Qi, sendo que ambos também atuam como pianistas do coral.

FIGURA 02 – Coral Infantil da UFRN em concerto

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4 METODOLOGIA

Por demandar um maior enfoque interpretativo sobre os objetos de estudo, um entendimento aprofundado sobre o contexto sociocultural em que a pesquisa se realiza e uma intimidade do pesquisador com os fatos pesquisados (FONSECA, 2002), este trabalho possui uma abordagem qualitativa.

Quanto aos procedimentos metodológicos, optamos pelo estudo de caso, pois esta pesquisa constitui-se como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real” (YIN, 2005, p. 32), buscando assim entender, descrever e explicar uma situação ou acontecimento particular com o intuito de descobrir relações sistemáticas entre os elementos pesquisados (WIMMER; DOMINICK, 1996).

Além disso, este estudo de caso é formado por projetos de caso único incorporado (YIN, 2005) – ou seja, compreende unidades múltiplas de análise que formam um único caso (investigação de experiências musicais interculturais entre crianças e culture bearers no contexto do Coral Infantil da UFRN). Incluímos, também, a autonarrativa do autor, pois um dos objetivos específicos deste trabalho é refletir enquanto professor de música em formação e estudante em iniciação científica.

Os dados foram coletados entre março e outubro de 2019, ou seja, oito meses de pesquisa corrente. A primeira etapa deste trabalho consistiu em uma profunda revisão bibliográfica sobre educação musical, multiculturalismo, interculturalismo e maturidade intercultural, apresentada nos capítulos anteriores. Concomitantemente, o pesquisador inseriu-se no local de pesquisa desde o começo do seu trabalho, com o objetivo de observar, analisar e entender o contexto socioeducativo estudado.

A partir disso, elaboramos um roteiro (Apêndice A) para entrevistas semiestruturadas, realizadas com as crianças, culture bearers e professores de Música em formação que participam das atividades do coral. As entrevistas semiestruturadas foram organizadas a partir de quatro esferas:

1) Informações pessoais e relação do participante com a música; 2) Histórico sobre a sua participação no Coral Infantil da UFRN; 3) Experiências recentes no Coral Infantil da UFRN;

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Pelo fato deste coral possuir cinco anos de existência, e considerando que alguns participantes fazem parte do grupo desde antes do início desta pesquisa, também foram investigadas experiências anteriores ao ano de 2019. Assim, buscamos um maior aprofundamento sobre os impactos da educação musical intercultural entre alunos, culture bearers e professores em formação.

Após a elaboração do roteiro de entrevistas, redigimos um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice B) e um Termo de Autorização para Gravação (TAG) (Apêndice C), ambos destinados aos responsáveis pelas crianças entrevistadas e aos adultos participantes da pesquisa. Queiroz (2013) afirma que uma postura ética dos pesquisadores em música faz-se essencial na contemporaneidade pois constantemente retratamos “instrumentos, performances e outros elementos da música e de pessoas fazendo música, e, portanto, para serem produzidos, utilizados e/ou divulgados também necessitam de autorização” (p. 13).

Escolhemos não citar nominalmente as crianças e professores em formação que fizeram parte desta pesquisa. Por isso, denominamos nomes fictícios para cada um deles. Em relação aos culture bearers que colaboraram com a nossa pesquisa desenvolvida no Coral Infantil da UFRN, optamos por citá-los nominalmente mediante autorização prévia.

Assim, neste trabalho representamos um recorte de entrevistas com doze crianças, dois culture bearers e dois professores em formação que participaram das atividades do Coral Infantil da UFRN. Neste sentido, o único critério utilizado para seleção das crianças entrevistadas foi a assiduidade nos ensaios do coral.

Em contextos socioeducativos, os elementos observacionais permitem uma compreensão aprofundada dos dados verbais e textuais (YIN, 2005). Por isso, além das entrevistas e questionários, outras fontes de dados foram observações diretas, observações participantes, registros em diários, gravações em áudio e vídeo dos encontros no coral e participações nos concertos do grupo.

Os dados foram analisados através de análise temática (BRAUN; CLARKE, 2006). A análise temática (AT) permite a avaliação, de maneira conjunta, das informações obtidas por meio dos diversos métodos de coleta de dados empregados durante a pesquisa. Por não inferir uma posição teórica, a AT constitui-se como um método analítico “em branco”; ou seja, o pesquisador possui a flexibilidade de integrar os seus referenciais teóricos como ponto de partida para a análise dos dados (BRAUN; CLARKE, 2013). Dessa forma, analisamos significados explícitos, implícitos e temas em comuns que surgiram através dos diversos elementos coletados.

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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1 Crianças: lidando com dissonâncias cognitivas, ampliando os discursos musicais e desenvolvendo orgulho próprio

Quando nos deparamos com um repertório musical diferente do que estamos acostumados no nosso dia-a-dia, precisamos lidar com o que King & Baxter Magolda (2005) descrevem como dissonâncias cognitivas. No contexto do Coral Infantil da UFRN, as dissonâncias cognitivas estão relacionadas ao aspecto desafiador do repertório intercultural, pois esta prática pedagógico-musical causa um “choque cultural” entre os participantes do grupo.

Durante as aulas do coral, uma reação comum entre as crianças consistiu em uma relutância inicial para aprender músicas de outras realidades culturais. Foi possível observarmos um ar de “surpresa” entre muitos alunos, principalmente durante o primeiro contato com novos elementos musicais que contrastavam com as experiências e sonoridades que as crianças já conheciam. Nos primeiros ensaios do ano de 2019, expressões faciais e corporais, por exemplo, principalmente entre as crianças mais novas, revelavam insegurança emocional e imaturidade cognitiva.

Um exemplo que ilustra muito bem como algumas crianças lidaram com as suas dissonâncias cognitivas está no percurso de aprendizagem da canção tradicional coreana “Arirang4”. Durante as primeiras aulas em que “Arirang” foi ensinada ao coral, alguns alunos não assimilaram a letra e melodia, pois entendiam que esta música não era um “canto”, mas apenas “gritos”. Então, os professores do coral convidaram uma imigrante sul-coreana, Kim, para participar das aulas seguintes.

Durante os encontros, Kim explicou às turmas sobre a origem e significado da canção, considerada um dos hinos de resistência do povo coreano contra a ocupação japonesa entre 1910 e 1945. O aspecto emocional desta canção também cativou as crianças, pois “Arirang” possui uma poética musical que, ao representar uma grande montanha entre regiões distintas da Coreia, remete a ideias de separação e de saudade entre pessoas que se amam.

Neste sentido, os professores, em conjunto com os alunos e com a colaboradora Kim, construíram um arranjo que misturava uma das versões tradicionais5 desta canção com a versão

4 Existem mais de 3600 versões de “Arirang”. Cada uma delas representa as diferenças regionais da Coreia do

Norte e Coreia do Sul, sejam em estilo, maneira de cantar, ritmo, letra e forma (PARK, 2013).

5 Uma das versões tradicionais de “Arirang”, interpretada pela cantora sul-coreana Lee Chun-Hee, e utilizada como

referência pelos professores do coral, pode ser conferida no link

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moderna6 do grupo sul-coreano BTS7, que envolve dança e elementos da música pop americana. Dessa forma, aproximar semelhanças e diferenças culturais que interagem através da música tornou-se uma das estratégicas pedagógicas mais efetivas para a educação musical intercultural no contexto do Coral Infantil da UFRN, reafirmando assim o entendimento de Schippers (2009) para a educação musical sob uma perspectiva global.

Outra estratégia adotada pelos professores do coral foi aproveitar a imaginação e criatividade das crianças através de jogos musicais, percussão corporal e contações de histórias, sempre considerando fatos históricos e culturais sobre o repertório estudado. Ao passar dos semestres, notamos que a progressão do repertório e o aprendizado de músicas de outras culturas tornou-se uma atividade divertida para as crianças. Destarte, a interação cognitiva com novos artefatos culturais e musicais já não era mais motivo de relutância.

Uma ocorrência comum ao desenvolvimento cognitivo dos alunos está ligada ao significado das letras das canções que o coral estudou durante os últimos anos. Mesmo com o repertório possuindo uma diversidade linguística ampla, durante as entrevistas a maioria das crianças se identificou mais com as músicas em inglês do que com as canções em outras línguas. Isso relaciona-se com o fato de que todas as crianças entrevistadas citaram o estudo da língua inglesa na escola, ou seja, elementos das culturas americana e inglesa já faziam parte do dia-a-dia destes alunos.

Entretanto, estudar o repertório musical de outros povos foi fundamental para as crianças ampliarem as suas preferências por novos idiomas e, consequentemente, assim os alunos puderam desenvolver as suas aptidões linguísticas de maneira contextualizada:

Eu acho legal porque você às vezes se interessa pela língua que você tá falando e [começa] a traduzir as coisas que você tá cantando. [...] Na nova música, Arirang, eu tenho dificuldade em pronunciar as palavras [...] porque em português você já sabe falar, e em coreano você não sabe de nada! (JULIANA).

Eu sempre quis cantar músicas em outras línguas, e já tô aprendendo. [...] Quando eu tô aqui, aí é músicas de várias línguas. Quando eu tô em casa e paro pra treinar, eu fico: ‘Como é que se lê isso? Como é que eu vou cantar isso?’, aí eu chego lá [no coral] e eles me dizem como é para cantar! (GABRIELA).

6 A versão moderna de “Arirang”, interpretada pelo grupo sul-coreano BTS, e utilizada como referência pelos

professores do coral, pode ser conferida no link <https://www.youtube.com/watch?v=0ZOQ6HjHEC0>. Acesso em: 22 de nov. de 2019.

7 BTS é um grupo de K-POP (música coreana com influências da música pop americana). Uma das motivações

para a escolha desta versão foi a vinda de BTS para uma turnê no Brasil. Na época, o grupo estava em constante exposição na mídia e, consequentemente, era um dos assuntos que as crianças que participam do coral comentavam em sala de aula.

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Eu gosto muito de cantar e de experimentar coisas novas! [...] Além de eu ter dificuldade na língua inglesa, tem outras línguas que eu não sei e tô aprendendo! Coreano, italiano, francês... Eu não sabia e agora tô cantando! É incrível! Eu aprendo a cultura dos povos! (PIETRO).

Se eu for ver, de 10 músicas que eu escuto, 8 são em inglês. [...] Eu comecei a escutar essas músicas [de outras culturas] aqui no coral. [...] Eu até que gostei de Arirang, gostei bastante [de coreano]! Eu vim conhecer [outras línguas] quando entrei aqui (LUCAS).

Estes relatos, também compartilhados por outros alunos, ressaltam a necessidade dos professores do coral em sempre enfatizar e relembrar, de maneira contínua, os significados das letras das canções estudadas durante os ensaios; sendo assim, as crianças não irão apenas cantar e reproduzir sons que para elas não possuem sentido. É importante que os alunos consigam estabelecer conexões cognitivas, emocionais e intrapessoais com o repertório estudado, fatores essenciais para o desenvolvimento pleno da maturidade intercultural.

Entre 2017 e 2019, o repertório do grupo foi construído a partir de canções de 12 diferentes países: Brasil, Alemanha, Argentina, China, Coreia do Sul e Coreia do Norte, Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra, Japão e Moçambique. Uma das músicas mais citadas pelas crianças como preferida foi “Kimi o Nosete8” (Carregando Você), trilha sonora do filme japonês “O Castelo no Céu”. Esta canção foi trazida ao grupo após sugestão de uma criança que, ao conversar sobre o repertório do coral com as suas colegas, descobriu que uma das suas melhores amigas gostava de animes japoneses. Assim, os professores decidiram incluir “Kimi” (como os alunos chamam carinhosamente) entre as músicas estudadas.

Apesar da densidade lírica, fator que levou o grupo a demorar a aprendê-la, esta canção em particular tornou-se uma das favoritas não só entre os alunos, mas também entre as famílias das crianças e o público cativo do coral. Foi comum observar, por exemplo, crianças e adultos chorando após a apresentação desta canção nos recitais. O relato de um dos alunos corrobora a importância de “Kimi o Nosete” para o coral:

É bonita a letra. [...] É uma letra difícil e é bonita a música. Quando eu canto... [Eu lembro] da minha família... Dos meus dois pais, dos meus avôs, também do meu primo... (RAFAEL).

Muitas crianças relataram que o primeiro contato com músicas de outros países e culturas sob uma perspectiva crítico-reflexiva ocorreu no Coral Infantil da UFRN. Para algumas

8 Os arranjos de “Kimi o Nosete” utilizados como referência pelos professores do coral podem ser conferidos em

<https://www.youtube.com/watch?v=1KPqWlluUcI> e <https://www.youtube.com/watch?v=DFQeuSgJJ5w>. Acesso em: 22 de nov. de 2019.

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delas, este repertório plural permitiu refletir sobre a diversidade musical de outros povos e etnias, o que reforça a importância da educação musical intercultural como forma de ampliar os discursos musicais em sala de aula:

Agora eu gosto de ficar pesquisando, na internet, músicas de todo o mundo. Do Japão, das Coreias, da China, países africanos... Eu gosto de pesquisar e assistir crianças desses países cantando! [...] Eu quero visitar um desses países algum dia. Eu vi o Sidney Opera House quando eu fui pesquisar sobre a ópera ‘Carmen’. [...] Eu até descobri que tem um país chamado Albânia! [...] Com as músicas que eu tô aprendendo aqui [no coral], tô aprendendo a gostar [das músicas de outras culturas] [...] Agora eu tô começando a ouvir na rádio: Brasil, China, Japão, tô ouvindo qualquer coisa na rádio! (VINÍCIUS). As amizades e interações entre as crianças do coral foram uma das cenas mais marcantes que nós observamos durante a pesquisa. Antes dos ensaios, por exemplo, os alunos ajudavam uns aos outros a relembrar e praticar o repertório do coral. Um fato importante diz respeito ao desenvolvimento do aspecto interpessoal de algumas crianças, principalmente as novatas: no começo do semestre, alguns alunos mal conversavam ou interagiam entre si. De acordo com as vivências musicais interculturais, principalmente através do contato com culture bearers, os alunos mais tímidos se “soltaram” e passaram a compartilhar as suas identidades culturais e gostos musicais com os colegas.

Nós percebemos que cantar músicas de diversos países e em diferentes idiomas também ajudou na construção de um orgulho próprio, confiança e sentimento de coletividade entre os alunos do coral. As crianças compartilham vídeos, áudios, imagens e músicas de outras culturas, sugerindo aos professores novas canções para integrar o repertório. Os alunos também relataram compartilhar os conhecimentos aprendidos no coral com familiares e amigos da escola:

Eu falo sobre as músicas do Coral com os meus amigos e eles se interessam também! (JULIANA).

Eu canto as músicas do coral para os meus amigos da escola e eles ficam muito impressionados! (GABRIELA).

Neste sentido, ao retomarmos o Modelo de Maturidade Intercultural (KING; BAXTER MAGOLDA, 2005; PEREZ et al., 2015), podemos afirmar que a prática pedagógica no Coral Infantil da UFRN foi fundamental para o início do desenvolvimento da maturidade intercultural das crianças que participam do grupo. Em relação ao eixo cognitivo, no começo desta pesquisa, uma das maiores dificuldades apresentadas pelas crianças era perceber o conceito de diversidade cultural além da demografia ou geografia dos países estudados. Esta concepção lentamente vem se transformando entre os alunos do coral, que passaram a expressar curiosidade sobre a descoberta e interação com a diversidade cultural e musical, buscando

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entender semelhanças e diferenças entre etnias e culturas, organizando múltiplos frames culturais de forma coerente (capacidade de saber diferenciar culturas estereotipadas, por causa de suas semelhanças, no ocidente; por exemplo, as diferenças entre as culturas e músicas japonesas, coreanas e chinesas) e construindo autonomia cognitiva para refletir sobre conhecimentos culturais diversos.

No aspecto intrapessoal, constatamos a transição da falta de conhecimento sobre outras culturas para a imersão e exploração de outras realidades culturais, o reconhecimento da legitimidade de outras culturas e o engajamento pessoal com outras identidades culturais. Além disso, para o eixo interpessoal, observamos que a tendência inicial de algumas crianças de sentirem-se confortáveis apenas ao interagirem com pessoas de identidades culturais similares ou músicas que faziam parte das suas realidades culturais transformou-se na capacidade de interagir com outros através das suas diferenças culturais e construir relações sociais e afetivas de maneira interdependente a partir da apreciação das diferenças humanas.

É preciso afirmar, porém, que estas observações não descrevem todas as crianças do coral, visto que apenas uma amostragem está sendo representada nesta monografia (12 alunos de um total de 64). Ressaltamos, ainda, que o desenvolvimento da maturidade intercultural dos alunos observados e entrevistados ocorreu principalmente no eixo cognitivo, porém o contexto socioeducativo intercultural do coral também favoreceu o desenvolvimento dos aspectos intrapessoal e interpessoal.

Dessa forma, através da análise das entrevistas e observações em campo, é possível afirmarmos que a prática pedagógico-musical intercultural no Coral Infantil da UFRN pode ter sido um dos fatores principais para o desenvolvimento, entre as crianças pesquisadas, de uma postura etnorelativa9 de aceitação, adaptação, integração e interrelação com outras culturas musicais e identidades culturais diversas (BENNET, 1993; 2004), o que pode vir a beneficiar que, futuramente, estes alunos possam construir suas identidades culturais e maturidade intercultural de maneira crítico-reflexiva.

5.2 Culture bearers: empoderamento ao compartilhar suas identidades culturais

Sempre que possível, os professores convidam culture bearers para as atividades do coral. Esta colaboração é uma maneira de criarmos vínculos interculturais e interagirmos de maneira mais aprofundada com o repertório estudado, tornando assim a educação musical

9 Partindo do princípio que nenhuma cultura é superior a outra, etnorelativismo pode ser entendido como a

capacidade que um indivíduo possui de experienciar a sua própria cultura em contexto com a cultura de outros (BENNET, 2004).

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intercultural contextualizada, autêntica e transformadora. No histórico do coral, dois culture bearers foram memoráveis para as crianças e os professores: Micas, moçambicano que morou em Natal enquanto cursava mestrado em Música, e Kim, imigrante sul-coreana que atualmente reside na cidade.

Sobre as experiências interculturais vivenciadas no Coral Infantil da UFRN, Micas discorre:

Quando os adultos me perguntam sobre Moçambique, eu sinto que eles fazem isso por educação. Mas as crianças [do coral] realmente estavam curiosas! [...] Eu pude ver em seus olhos que elas estavam viajando através da imaginação quando nós falamos sobre o significado da música e, mais importante, quando cantamos e dançamos juntos.

[...] As crianças criaram um vínculo com as músicas! Tudo isso se transformou em um maior entendimento sobre a cultura africana, já que as crianças se tornaram abertas às diferenças, respeitando a diversidade cultural e musical (MICAS).

Da mesma forma, Kim relata como se sentiu empoderada ao compartilhar a sua identidade cultural com as crianças e os professores:

Eu me emocionei muito quando entrei na sala [do coral], com o meu filho e o meu marido, e ouvi as crianças ensaiando ‘Arirang’. [Eu amei] ter ajudado o coral a aprender melhor essa música, ter falado sobre o significado dela para a cultura coreana… Eu amei que o meu filho de 4 anos de idade ouviu outras crianças aprendendo a pronunciar coreano. Eu quero que ele valorize a cultura coreana também!

[...] Eu senti muito orgulho em trazer um pouco da minha cultura para o outro lado do mundo! (KIM).

Estes diálogos demonstram que, ao exercerem suas identidades no coral, Micas e Kim foram capazes de construir relações sociais interdependentes por meio das diferenças culturais. Representam, também, apreço pelo entendimento do outro sobre as suas identidades culturais, bem como a compreensão de que as práticas musicais em comunidade podem transformar valores e comportamentos sociais. Interculturalidade implica em uma busca ativa por diálogos culturais, e isso demonstra a importância das interações com indivíduos que representem as diversidades dos discursos musicais estudados em sala de aula, sejam globais ou locais.

Por si só, podemos considerar que a experiência de imigrar para outro país representa um dilema desorientador (MEZIROW, 2000) no qual um indivíduo encontra-se em constante conflito com a maneira por meio da qual a sua identidade é percebida e interpretada em um contexto social e cultural contrastante com a sua terra natal (FURSOVA, 2013). Como apontado por Qi & Veblen (2016), “os imigrantes sentem uma força dupla, mesmo que

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inconscientemente, em suas vidas diárias, um lado puxando suas origens, tradições e costumes e o outro lado puxando a ideia de adaptação, de se tornar um membro de pleno direito de seu novo ambiente” (p. 113, tradução minha).

Dito isso, impossível afirmarmos se apenas as interações de Micas e Kim com o coral foram responsáveis pelo início do desenvolvimento de suas sensitividades interculturais. King & Baxter Magolda (2005) afirmam que este é um processo fluido, complexo, e que pode acontecer de maneira célere ou lentamente, visto que cada pessoa interpreta as interrelações culturais de maneira diferente.

Porém, reconhecemos a importância destas experiências coletivas para a consolidação da maturidade intercultural dos dois culture bearers, pois o aprendizado intercultural é construído, reconstruído e ressignificado ao longo da vida. Entendemos que o Coral Infantil da UFRN representou um espaço no qual Micas e Kim puderam ter as suas identidades culturais reconhecidas e legitimadas, ao mesmo tempo em que eles interagiram com as múltiplas identidades dos alunos e professores do grupo. A educação musical intercultural, portanto, foi uma ferramenta-chave para estas experiências e transformações nos âmbitos cognitivo, intrapessoal e interpessoal.

5.3 Futuros professores de música: preenchendo lacunas na formação pedagógica intercultural

Além de ofertar o ensino de voz e canto para crianças da comunidade externa à universidade, um dos objetivos do Coral Infantil da UFRN é de prover um ambiente contextualizado (laboratório de ensino-aprendizagem) no qual professores de música em formação possam desenvolver as suas aptidões pedagógicas através da educação musical intercultural.

Relembro, assim, o fato de uma ex-bolsista do coral ter relatado aos coordenadores do grupo que só foi capaz de montar um coro em uma escola particular de educação básica após as experiências vivenciadas neste coral. Este exemplo, de fato, corrobora com a importância deste projeto de extensão para a formação de futuros educadores musicais. Por isso, decidi incluir, neste trabalho, um pequeno relato da uma professora de música em formação que atuou no grupo durante 2019.

Além disso, trago também minha autonarrativa, pois durante a construção deste trabalho conciliei as posições de estudante em iniciação científica e educador musical em formação. Neste cenário, considero impossível dissociar estas duas “identidades acadêmicas”, porque ter

Referências

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