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Efeitos Sucessórios da Multiparentalidade

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Academic year: 2021

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

Isadora Siqueira Mesquita

Efeitos sucessórios da multiparentalidade

Florianópolis 2020

(2)

Isadora Siqueira Mesquita

Efeitos sucessórios da multiparentalidade

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Drª. Renata Raupp Gomes

Florianópolis 2020

(3)

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço à Solange Siqueira Mesquita, pelo incentivo a sempre buscar ser a minha melhor versão e pela inspiração que foi e sempre será para mim, tanto na escolha do curso de Direito, quanto nas escolhas de vida. Obrigada, mãe.

Não posso deixar de enaltecer a minha melhor amiga e irmã, Júlia Siqueira Mesquita, a qual representa para mim uma referência a ser seguida por toda vida, por sua bondade, inteligência e modo de encarar o mundo.

Agradeço também à toda minha família, por me apoiar e vibrar comigo em cada conquista que obtive até hoje, incluindo a conclusão deste trabalho.

Ao meu namorado, Gustavo Santana, que iniciou comigo essa parceria maravilhosa em meados de 2015, exatamente no período em que comecei a jornada acadêmica. Me faz feliz e não mede esforços para que eu possa conquistar meus sonhos.

Aos meus colegas e queridos amigos de faculdade, que sentirei imensa falta nos meus dias. Obrigada por tornarem a graduação uma experiência inesquecível, melhor do que qualquer expectativa, não consigo imaginá-la sem vocês.

Aos amigos da vida, que apesar de não haver contatos diários e contínuos, ainda contribuíram de forma concreta para minha evolução como pessoa.

À minha orientadora, Renata Raupp, uma mentora maravilhosa, que me encantou com seus ensinamentos sobre Direito de Família e Sucessões, logo na quinta fase da graduação, sempre esteve disponível e disposta a me ajudar da melhor forma possível. Obrigada.

Por fim, agradeço a todos os outros que puderam de alguma forma contribuir para minha formação pessoal e profissional.

(4)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

COORDENADORIA DE MONOGRAFIA

ATA DE SESSÃO DE DEFESA DE TCC (VIRTUAL) (Autorizada pela Portaria 002/2020/PROGRAD)

Aos ​quatro​ dias do mês de ​dezembro ​do ano de ​2020​, às ​14​ horas e ​30​ minutos, foi realizada a defesa pública do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no modo virtual, através do link: “http://meet.google.com/bsj-smku-cgw” intitulado ​“Efeitos Sucessórios

da Multiparentalidade”, ​elaborado pela acadêmica ​Isadora Siqueira Mesquita​,

matrícula ​nº 15200055​, composta pelos membros ​Renata Raupp Gomes, Aline

Beltrame de Moura e Dóris Ghilardi ​, abaixo assinados, obteve a aprovação com nota ​10

(dez), cumprindo o requisito legal previsto no art. 10 da Resolução nº 09/2004/CES/CNE, regulamentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução nº 01/CCGD/CCJ/2014.

( ) Aprovação Integral

( ) Aprovação Condicionada aos seguintes reparos, sob fiscalização do Prof. Orientador Florianópolis, ​07 de Dezembro de 2020​.

________________________________________________

Renata Raupp Gomes​ (ASSINATURA DIGITAL)

Professora Orientadora

________________________________________________

Aline Beltrame de Moura​ (ASSINATURA DIGITAL)

Membro de Banca

________________________________________________

Dóris Ghilardi​ (ASSINATURA DIGITAL)

(5)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

COLEGIADO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

TERMO DE APROVAÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado ​“Efeitos Sucessórios da

Multiparentalidade”,​ elaborado pela acadêmica ​“Isadora Siqueira Mesquita”​,

defendido em ​04/12/2020 e aprovado pela Banca Examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve aprovação com nota ​10 (dez) cumprindo o requisito legal previsto no art. 10 da Resolução nº 09/2004/CES/CNE, regulamentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução nº 01/CCGD/CCJ/2014.

Florianópolis, 07 de Dezembro de 2020.

________________________________________________

Renata Raupp Gomes

Professora Orientadora

________________________________________________

Aline Beltrame de Moura

Membro de Banca

________________________________________________

Dóris Ghilardi

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas

COORDENADORIA DO CURSO DE DIREITO

TERMO DE RESPONSABILIDADE PELO INEDITISMO DO TCC E ORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA

Aluno(a):​ Isadora Siqueira Mesquita RG: 7.099.868

CPF: 099.606.019-78 Matrícula: 15200055

Título do TCC: Efeitos Sucessórios da Multiparentalidade Orientador(a): ​Renata Raupp Gomes

Eu, Isadora Siqueira Mesquita, acima qualificada, venho, pelo presente termo, assumir integral responsabilidade pela originalidade e conteúdo ideológico apresentado no TCC de minha autoria, acima referido.

Florianópolis, 07 de Dezembro de 2020.

________________________________________________

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RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso propõe-se a analisar os efeitos sucessórios da multiparentalidade, notadamente em relação a sucessão dos descendentes e dos ascendentes. Serão abordados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, utilizando-se do método dedutivo para o deslinde da discussão. De forma a possibilitar tal estudo, inicialmente será abordado o histórico da concepção de família e de filiação no Brasil nas últimas décadas e os conceitos atribuídos por autores e estudiosos do tema. Seguidamente, o trabalho se dispõe a analisar o instituto da multiparentalidade, transpassando por seu surgimento, conceituação, reconhecimento, bem como seus efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família. Além disso, far-se-á uma análise de casos concretos julgados pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina acerca da multiparentalidade. Por fim, há o exame dos efeitos da multiparentalidade na esfera sucessória, principalmente no que diz respeito à sucessão legítima de descendentes e de ascendentes multiparentais.

(8)

ABSTRACT

This Course Conclusion Paper proposes to analyze the succession effects of multiparenting, notably in relation to the succession of descendants and ascendants. They will be doctrinal and jurisprudential understandings, using the deductive method to settle the discussion. In order to enable such a study, the history of the concept of family and affiliation in Brazil in the last decades and the concepts named by authors and scholars of the theme will be addressed. Then, the paper sets out to analyze the multi-parenting institute, going through its emergence, conceptualization, recognition, as well as its legal effects within the scope of Family Law. In addition, an analysis will be made of specific cases judged by the Santa Catarina Court of Justice regarding multiparenting. Finally, the examination of the effects of multiparenting on the succession sphere, mainly with regard to the legitimate succession of multiparent descendants and ascendants.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 4

1 A FAMÍLIA E A FILIAÇÃO NA ATUALIDADE: de um modelo único e exclusivo ao paradigma plural e igualitário ... 6

1.1 Breve hitórico da família nas Constituições Republicanas anteriores a de 1988 e no Código Civil de 1916 ... 6

1.2 A família na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro de 2002 ... 8

1.3 A evolução dos conceitos de filho e afetividade no Brasil ... 12

1.3.1 Filhos legítimos e ilegítimos... 14

1.3.2 Filhos adotivos ... 16

1.3.3 Filhos biológicos ... 18

1.3.4 Filhos socioafetivos ... 19

2 A MULTIPARENTALIDADE ... 21

2.1 Conceito e histórico da multiparentalidade ... 21

2.2 Reflexos jurídicos familiares da multiparentalidade ... 27

2.3 Repercussão Geral n. 622 do Supremo Tribunal Federal e alguns desdobramentos jurisprudenciais em Santa Catarina ... 30

3 EFEITOS SUCESSÓRIOS DA MULTIPARENTALIDADE ... 44

3.1 Sucessão legítima ... 45

3.1.1 Herdeiros necessários ... 48

3.1.2 Sucessão na linha reta descendente ... 49

3.1.2.1 Sucessão na linha reta descendente em casos de multiparentalidade ... 53

3.1.3 Sucessão na linha reta ascendente ... 55

3.1.3.1 Sucessão na linha reta ascendente em casos de multiparentalidade ... 57

CONCLUSÃO ... 61

(10)

INTRODUÇÃO

O instituto da família como conhecido atualmente passou por diversas mudanças nos últimos séculos. Inicialmente, considerada família apenas aquela gerada pelo casamento civil entre o homem e a mulher, o centro da entidade familiar era o homem, em seu papel de marido e pai, evidenciando a cultura do patriarcado.

Nesse contexto, a filiação reconhecida era somente aquela decorrente do vínculo biológico entre os pais casados, em que nem todos os filhos poderiam usufruir dos mesmos direitos em relação a sua família.

Após o surgimento da Constituição da República de 1988 houve a quebra dos padrões antes fixados pelo Código Civil de 1916, culminando em uma considerável mudança no cenário anteriormente vivenciado na sociedade civil.

No novo texto constitucional, além de estabelecer que a família não seria mais apenas aquela advinda do casamento, também afirmou que se trata de uma união entre pessoas que compartilham a intenção de constituir família baseada no afeto entre seus integrantes, considerados cada um na sua individualidade.

Introduziu-se a igualdade de direitos entre todos os filhos, independentemente da origem da filiação dos mesmos, seja biológica ou socioafetiva, surgidos ou não dentro da relação conjugal.

A partir disso, foram surgindo os novos arranjos familiares, em que o núcleo familiar era formado pelos pais e seus filhos comuns e de relacionamentos anteriores, emergindo, assim, a multiparentalidade e a necessidade de seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Com isso, a diversidade de vínculos de filiação de origens distintas dentro do núcleo familiar ganhou relevância através da decisão do Supremo Tribunal Federal em 2016, em sede de Repercussão Geral 622, que concedeu às famílias a possibilidade da coexistência da filiação biológica e socioafetiva, bem como concedeu todos seus efeitos jurídicos.

Sob esse enfoque que surgiu o interesse no desenvolvimento deste trabalho. A ideia de que haja um reconhecimento das famílias atuais na sua pluralidade e afetividade gerou na autora o questionamento acerca de como se dá a sucessão em casos de multiparentalidade, uma vez que o tema, além de recente, é muito interessante.

Assim, a pesquisa objetiva analisar e refletir, a partir dos estudos doutrinários e jurisprudenciais brasileiros, acerca dos efeitos sucessórios da multiparentalidade, notadamente

(11)

em relação a sucessão dos descendentes e dos ascendentes. Para isso, será utilizado o método dedutivo para o desenvolvimento do trabalho.

Assim, o estudo foi dividido em três capítulos.

No primeiro, será feito um traçado sobre a concepção de família no Brasil ao longo das últimas décadas, partindo-se do Código Civil de 1916 e das Constituições Republicanas anteriores à de 1988, as quais molduravam a família dentro de um único modelo, sendo matrimonial e com objetivo único de procracionar e preservar o patrimônio familiar.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 é que se chega a concepção democrática da família, agora baseada na solidariedade e afetividade entre seus membros, podendo ser homoparental, multiparental, monoparental, entre outras.

Além disso, o primeiro capítulo também irá tratar sobre a filiação e a afetividade. Conceitos e histórico serão abordados nesta seção, bem como serão trazidas as diferentes classes de filhos conhecidas hoje, além daquelas que hoje inexistem, como a dos filhos ilegítimos, por exemplo.

O segundo capítulo será dedicado à multiparentalidade, analisando-se o histórico do instituto e seu surgimento, os conceitos conferidos por doutrinadores e estudiosos do tema, bem como os reflexos jurídicos da pluriparentalidade no âmbito do Direito de Família, como o direito de pleitear alimentos, direito de guarda, entre outros. Também será feito um exame de casos concretos, a partir de sete acórdãos de apelação cível julgados pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

O terceiro e último capítulo abordará os efeitos sucessórios da multiparentalidade. Inicialmente estabelecerá com se dá a sucessão legítima dos descendentes e dos ascendentes atualmente. Após, serão analisadas as possibilidades de divisão da herança trazidas por doutrinadores nas hipóteses de morte dos descendentes e ascendentes multiparentais, bem como sua concorrência com eventual cônjuge ou companheiro sobrevivente.

(12)

1 A FAMÍLIA E A FILIAÇÃO NA ATUALIDADE: de um modelo único e exclusivo ao paradigma plural e igualitário

Dentre os agrupamentos humanos havidos desde os primórdios, sabe-se que a família é um dos mais antigos e, portanto, considera-se um instituto que passou por diversos cenários sociais, políticos, culturais e econômicos para chegar àquilo que se conhece hoje.

Tendo em vista toda a trajetória da família, passando pela ideia de unidade produtiva com o único intuito procracional e de proteção patrimonial, ao que hoje pode ser interpretada em um contexto plural, aberto e multifacetário, é possível vislumbrar as inúmeras configurações possíveis para sua formação.

Assim, embora ainda existam vestígios do patriarcalismo e da hierarquização nas famílias atuais, por outro lado cada vez mais há o reconhecimento das novas composições familiares surgidas no cenário plural vivenciado hoje como, por exemplo, a família pluriparental, a família monoparental, a família homoafetiva e a família socioafetiva.

1.1 Breve hitórico da família nas Constituições Republicanas anteriores a de 1988 e no Código Civil de 1916

Para compreender a concepção do Direito de Família e dos institutos familiares conhecidos atualmente, é preciso primeiro entender as importantes alterações ocorridas no cenário econômico, cultural e social brasileiro em relação a esses temas antes do advento da Constituição Republicana de 1988 e no Código Civil de 1916.

Diante disso, toma-se como ponto de partida o mesmo adotado por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald1, qual seja, a Revolução Francesa (1799), período em que houve uma considerável evolução no conceito de família, influenciando o modelo patriarcal, hierarquizado e transpessoal presente no Código Civil brasileiro de 1916.

A família seguia os moldes romanos, em que um único chefe (o pater) possuía o poder familiar e o poder de mando em relação a todos os descendentes e a mulher, a qual era considerada em condição análoga a uma filha.2

1

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 40.

2

(13)

Inscrito na ideia do Estado Liberal, este período foi marcado pela garantia dos direitos fundamentais, os quais traziam a ideia de que cada cidadão possuía liberdade para agir e havia igualdade no tratamento de todos.

Importante ressaltar que vigorava a Monarquia e, portanto, ainda havia escravidão no Brasil, com isso a cidadania não era aplicada a todas as pessoas, mas somente aos homens brancos e livres.

Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues3 destacam que o Estado Liberal era conhecido como sistema negativo, uma vez que garantia a cada um ampla liberdade de alcançar seus interesses e suas inclinações frente ao Estado e aos outros cidadãos, assegurando-se assim o progresso e o desenvolvimento humano.

No contexto do Liberalismo, a família (conforme moldes herdados das famílias romanas) era circunscrita no matrimônio monogâmico, hierárquico e patriarcal, em que detinha o propósito de reproduzir e preservar seu patrimônio.

Conforme Paulo Lôbo4, a entidade familiar então era vista apenas como uma unidade econômica, religiosa e política, onde o patriarca exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes.

Entretanto, apesar de ampla inovação de pensamento com a introdução do Liberalismo, a liberdade em si, em verdade era voltada somente para a compra e venda, ou seja, para o domínio da propriedade, não sendo incluídos nesta liberdade, na prática, as opiniões, o livre fluxo das pessoas, pensamentos e expressões religiosas e culturais.

Além disso, a igualdade manifestava-se na ideia de igualdade formal entre todos os cidadãos, isto é, todos são iguais perante a lei, no entanto, não existia igualdade frente ao conteúdo desta.5

Com a proclamação da república (1889), houveram mudanças no contexto familiar, como por exemplo, a desvinculação do direito de família frente à religião e redução (ainda que pequena) do modelo patriarcal.6 Porém, a mulher ainda era relativamente incapaz,

3

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O Direito das Famílias entre a Norma

e a Realidade. São Paulo: Atlas, 2010.

4 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 37

5 PRETTO, Gabriela Camila. Multiparentalidade: possibilidade jurídica e efeitos sucessórios. Monografia.

Florianópolis, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117154>. Acesso em: 21 jul. 2020.

6

(14)

devendo ser assistida pelo marido, situação que veio a mudar com o advento do Estatuto da Mulher Casada em 1962.7

1.2 A família na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro de 2002

Uma mudança realmente significativa no instituto familiar veio ocorrer de fato quando o Estado Liberal deu lugar ao Estado Social, em que a concepção de uma unidade econômica é substituída por uma construção solidária e afetiva. Com o surgimento de novos valores sociais, pode-se observar também a culminação da constitucionalização do Direito de Família.8

Ademais, de acordo com Lôbo9, a família passou por profunda evolução em sua função, natureza, composição e, por consequência, de concepção, mormente após o advento do Estado Social, ao longo do século XX.

Com isso, a sociedade passou a ser regida pelo ideal da solidariedade social e pela promoção da justiça social, primando pela proteção das comunidades menos favorecidas e vulneráveis através da intervenção estatal nas relações de cunho privado.

Até o final dos anos 1970, aos casais, era admitido apenas o desquite como forma de extinguir com a vida conjugal, porém essa modalidade não abrangia um rompimento por completo, pois impedia que os ex-cônjuges pudessem contrair novo matrimônio.10

Apenas no ano de 1977, com a promulgação da Lei do Divórcio11, é que foi permitida a dissolução definitiva do vínculo conjugal, embora ainda exigisse a prévia separação judicial (consensual ou litigiosa) de aos menos um ano. Esta exigência da separação judicial veio a ser retirada do ordenamento jurídico apenas com a Constituição Federal de 1988, através da Emenda Constitucional n. 66 (mas apenas para casos em que o casal estava separado de fato há mais de dois anos).

7

BRASIL. Estatuto da Mulher Casada. Brasília, DF: Senado Federal, 1962. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4121.htm>. Acesso em 21 jul. 2020.

8

CARNEIRO, Aline Barradas. A possibilidade jurídica da pluriparentalidade. Disponível em: <https://www.bahianoticias.com.br/app/imprime.php?tabela=justica_artigos&cod=8>. Acesso em: 22 jul. 2020.

9

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 18

10

PRETTO, Gabriela Camila. Multiparentalidade: possibilidade jurídica e efeitos sucessórios. Monografia. Florianópolis, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117154>. Acesso em: 22 jul. 2020. p. 10.

11

(15)

Nesse viés, Lôbo12 afirma que os dois principais fatores que levaram ao desaparecimento da família patriarcal ao longo do século XX seriam a urbanização acelerada e a emancipação feminina (econômica e profissional), passando a ser o afeto o elo entre cada unidade familiar.

O autor declara ainda, que com esse fenômeno de conversão da família como sendo agora um instituto formado pela realização da afetividade entre os indivíduos, ocorre o abandono daquela função que possuía, isto é, a função econômica, política, religiosa e procracional.

Percebe-se, então, a concretização da chamada “privatização da família”, uma vez que a família deixa de ser um instrumento de interesses do Estado e da Igreja, e torna-se ao seu próprio interior, onde se busca a realização e felicidade de cada um que, de forma individual, colabora para sua formação.13

Diante desta nova concepção, considerando a presença da democracia familiar em que o indivíduo passa a ser visto como livre para seguir seus interesses conforme suas concepções, surge a necessidade de uniformizar as atribuições e capacidade civil dos cônjuges.

A Constituição Federal de 1988 apresenta um novo caminho interpretativo aos juristas, quando determina que a base do ordenamento jurídico passa a ser a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), a solidariedade social e a erradicação da pobreza (Art. 3º) e a igualdade substancial (Arts. 3º e 5º).

Com isso, aquela família com carácter institucional e vista como unidade de produção e reprodução, presente no Código Civil de 1916, deixar de existir. Afinal, a família há de ser “mais que fotos nas paredes, quadros de sentido”.14

Para Sílvio de Salvo Venosa15, a Constituição de 1988 representou para o país, indubitavelmente, um grande divisor de águas no direito privado e, principalmente, mas não exclusivamente, no ramo do Direito de Família.

De acordo com Farias e Rosenvald16, a família, agora ancorada na segurança constitucional, passa a ser igualitária, democrática e plural, contando com a proteção de todo e qualquer modelo de vivência afetiva, forjada nos laços de solidariedade entre aqueles que a compõe.

12 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21.

13VILLELA, João Batista. Liberdade e família. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. v. 3. Belo

Horizonte: UFMG, 1980.

14

FACHIN, Luiz Edson, cf. Elementos Críticos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 14.

15

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 6. p. 7.

16

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 47.

(16)

Neste novo texto constitucional, além de estabelecer que a família não seria mais apenas aquela advinda do casamento, mas da união entre duas pessoas que compartilham a intenção de constituir família, também admitiu a possibilidade de ser monoparental - comunidade de ascendentes e descendentes -, bem como ser criada por outros núcleos balizados no afeto e na solidariedade.17

A Carta Magna apresenta uma nova concepção da família, quando a posiciona como base da sociedade civil e a atribui especial proteção do Estado (Art. 226), bem como a assegura assistência na pessoa de cada um dos que a integram (Art. 226, § 8º).

Os parágrafos do referido artigo trazem importantes visões sobre a família, como também compreender-se uma entidade familiar composta por qualquer um dos pais e seus descendentes, presente no § 4º, bem como que os direitos e deveres presentes na sociedade conjugal devem ser exercidos de forma igualitária entre seus membros, conforme o § 5º.18

Além disso, o planejamento familiar torna a ser de livre decisão do casal, fundando-se nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável, devendo o Estado fornecer recursos educacionais e científicos para o exercício de tal direito (Art. 226, § 7º, CF/88).

Ademais, é possível fazer uma comparação acerca da ideia de família ao vislumbrar o artigo 229 do Código Civil de 1916 e o artigo 1.593 do Código Civil de 2002, em que aquele estipulava que o casamento civil criava a família legítima e legitimava os filhos comuns concebidos ou nascidos antes dele, e este afirma que o parentesco pode ser natural, civil (podendo ser resultante da consanguinidade) ou de outra origem.

Com a determinação de respeito à individualidade de cada um, não há mais razões legais para negar ou não reconhecer qualquer tipo de família que venha a ser criada, seja ela heterossexual, homossexual, monoparental, multiparental, afetiva, sem filhos, sem pais. Todas elas cabem perfeitamente no esquadro constitucional, que não mais oferece uma única moldura formal.19

Conforme aduz Venosa20, o Código Civil de 2002 não trouxe um conceito para família, mas seria importante considerar em seu sentido amplo, ou seja, como parentesco, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, e também em seu

17

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 50.

18

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 25 jul. 2020.

19

PRETTO, Gabriela Camila. Multiparentalidade: possibilidade jurídica e efeitos sucessórios. Monografia. Florianópolis, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117154>. Acesso em: 25 jul. 2020. p. 15.

20

(17)

sentido restrito, como núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o poder familiar, ou aquele formado por qualquer dos pais e seus descendentes, definida pela Carta Magna de 1988.

Belmiro Pedro Welter21 traz que, na visão psicanalítica, a família é um grupo cultural, negando-se que tenha nascido naturalmente constituída apenas por homem, mulher e filhos, mas que cada membro familiar possui uma função e lugar próprios sem que haja necessidade de um laço biológico.

A ciência jurídica, em sentido amplíssimo, compreende a família com base em uma abrangente relação, interligando diferentes pessoas que compõem um mesmo núcleo afetivo, nele inseridos (inclusive terceiros agregados como empregados domésticos).22

Já em compreensão ampla, a expressão família é usada para se referir às pessoas que se uniram afetivamente e aos parentes de cada uma delas entre si, havendo uma preocupação em limitar a conceituação ao alcance normativo.

Por sua vez, o Direito considera família, em sentido restrito, tão somente ao conjunto de pessoas unidas através do laço de afetividade, seja pelo casamento ou união estável por exemplo, e sua eventual prole. Não se leva em consideração aqui os terceiros agregados.

Estas percepções trazidas apresentam as várias interpretações encontradas nas legislações infraconstitucionais acerca do instituto familiar conhecido hoje. Porém, nenhumas delas pode colidir com a opção ideológica inclusiva e aberta presente na Carta Constitucional de 1988, a qual coloca a família como meio de proteção e realização da dignidade da pessoa humana, não podendo ser usada com função restrita, de modo a subtrair direitos de seus componentes.23

A mais recente configuração familiar a ser reconhecida foi a união homoafetiva que, através de mutação constitucional, o Supremo Tribunal Federal a reconheceu como sendo uma forma de família, como o julgamento na ADI 4.277 e ADPF 132 no ano de 2012.

No caso, a Corte Constitucional determinou que o art. 226, § 3º, CF deve ser interpretado de forma sistemática-teleológica a fim de compatibilizar o dispositivo com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica - princípios básicos que regem qualquer constituição familiar.

21 WELTER, Belmiro Pedro. Teoria Tridimensional do Direito de Família. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2009. p. 34.

22

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 51.

23

(18)

Assim, evidente a evolução e transformação pela qual a entidade familiar passou, tendo em vista as inúmeras configurações que surgiram ao longo dos anos, as quais cada vez mais são reconhecidas pelo ordenamento jurídico, sendo a afetividade o elo principal que une as pessoas que formam a família, com intuito de buscar seus interesses e alcançar sua felicidade, através da concretização da dignidade da pessoa humana assegurada na Carta Magna.

1.3 A evolução dos conceitos de filho e afetividade no Brasil

Assim como ocorreram diversas mudanças em relação ao instituto da família, a filiação e a afetividade também passaram por mutações conceituais ao longo do tempo, até chegarem a concepção e compreensão que sem tem atualmente sobre tais institutos.

Até a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, a única fonte jurídica que continha regras acerca dos filhos era o Código Civil de 1916 que, ao seguir os moldes romanos, regulamentava a família advinda somente do matrimônio monogâmico, sendo hierárquica e patriarcal, formada com o propósito de reproduzir e preservar seu patrimônio.

A legislação da época trazia de maneira expressa a discriminação, ao passo que proibia o reconhecimento dos filhos oriundos de relações extramatrimoniais, os chamados filhos ilegítimos, que se classificavam, por sua vez, em naturais e espúrios, e estes últimos poderiam ser adulterinos ou incestuosos.

Além disso, a afetividade não estava presente no ordenamento jurídico, visto que a família era constituída com objetivo de procriar e resguardar seu patrimônio, estando ausente a preocupação com cada indivíduo, mas somente com o núcleo familiar em um todo.

Com a chegada da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, houveram espantosas mudanças no cenário jurídico do Direito de Família, uma vez que a sociedade da época precisava de uma legislação que de fato a representasse, tendo em vista a evolução fática ocorrida nas últimas décadas.

A Carta Magna trouxe os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre todos como base da sociedade, bem como abriu o leque de possibilidades de ser para cada família.24 Ainda, deixou claro que os grupos familiares não mais eram somente criados pela consanguinidade, mas principalmente pelo afeto e a solidariedade entre seus membros.

24

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 27 jul. 2020.

(19)

A Lei maior tornou a vedar absolutamente qualquer discriminação e diferenciação entre os filhos, sejam eles concebidos dentro ou fora da relação matrimonial ou união estável, e também quanto ao aspecto genético, isto é, os filhos biológicos e adotivos passaram a ser detentores dos mesmo direitos e deveres, sendo extinta a hierarquização entre eles (Art. 227, § 6º).25

O Código Civil de 2002, em consonância com o texto constitucional, determinou a igualdade entre os filhos, não importando mais a origem de cada um, e o reconhecimento da família gerada através do matrimônio, da união estável, da socioafetividade, entre outras (Art. 1.596).26

Para Farias e Rosenvald27, a filiação é a relação de parentesco estabelecida entre as pessoas que estão no primeiro grau em linha reta, entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a acolheram e criaram, tendo como base dessa relação o afeto e a solidariedade.

Conforme os autores, é facilmente notável a relação jurídica multifacetária da filiação, uma vez que, em um só tempo, envolve três diferentes perspectivas: a filiação pela ótica do filho (filiação propriamente dita), do pai (paternidade) e da mãe (maternidade).

Além disso, essas relações e perspectivas entre pais e filhos passam a se dar de forma a buscar sempre a realização de cada indivíduo do núcleo familiar formado pela afetividade, sem que seja necessária a transmissão de carga genética entre eles.

Lobo28 afirma, no mesmo sentido, que a filiação pode ser entendida como uma relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada ou vinculada através da posse de estado de filho, ou ainda por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga.

Pelo ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro, a filiação pode ser biológica ou não, pois é uma construção cultural, que resulta da convivência familiar e da afetividade, sendo considerada como um fenômeno socioafetivo.

Assim, diante da amplitude do conceito de filiação e as diversas formas possíveis de constituição de um vínculo filial, se faz necessária uma análise dos critérios que determinam a classificação dos filhos, levando em consideração que à luz da atual legislação é vedada qualquer tipo de hierarquização e discriminação entre os mesmos.

25

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 27. jul. 2020.

26 BRASIL, Código Civil. Brasília, DF: Senado Federal, 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 27. jul. 2020.

27

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 637.

28

(20)

1.3.1 Filhos legítimos e ilegítimos

Como exposto anteriormente, a filiação era dividida principalmente entre filhos legítimos e ilegítimos em que o reconhecimento do casamento civil entre os genitores era o requisito usado para sua classificação.

De acordo com Venosa29, o Código Civil de 1916 centrava suas normas e atribuía preferência à família legítima, ou seja, aquela formada através do casamento civil, simplesmente ignorando a existência de filhos havidos fora das núpcias, situação social que sempre existiu, principalmente no Brasil - país caracterizado pela miscigenação natural e incentivada.

Desta forma, a filiação legítima era baseada no casamento (válido ou putativo) dos pais quando da concepção. Nesse sentido, conforme expressa o art. 337 do Código Civil de 1916, eram legítimos os filhos concebidos na constância do casamento (ainda que nulo ou anulado), se contraído de boa-fé. O casamento subsequente ocasionava a legitimação dos filhos havidos pelo casal.

Assim, seria legítimo o filho quando se presumia que o pai e a mãe eram casados um com o outro, e que o filho tinha sido concebido durante esse casamento ou que a legitimação tenha ocorrido com o casamento ulterior.

Já os filhos havidos fora da constância do casamento eram chamados de ilegítimos, os quais não possuíam seus direitos e deveres reconhecidos no ordenamento jurídico da época, e poderiam ser naturais ou espúrios.

Os filhos ilegítimos naturais eram aqueles concebidos por pessoas desimpedidas de celebrar o casamento civil, ou seja, os pais não possuíam qualquer impedimento matrimonial, seja decorrente de parentesco, seja de casamento anterior. Caso os genitores, desimpedidos, resolvessem casar após a concepção, ocorria a chamada legitimação, em que passavam a ser equiparados aos filhos legítimos e superiores aos espúrios.

Por sua vez, os filhos ilegítimos espúrios resultavam de uma relação entre pessoas que estavam legalmente impedidas de se relacionar uma com a outra, e eram classificados em adulterinos ou incestuosos.

Os filhos espúrios adulterinos decorriam de uma relação em que pelo menos um dos pais estava legalmente impedido de constituir o matrimônio com qualquer pessoa, em razão

29

(21)

de casamento civil pré-existente com terceiros. Esta regra aplicava-se, inclusive, às pessoas separadas de fato, mas não de direito.

A adulterinidade dos filhos sofria, ainda, uma divisão em bilateral ou unilateral, em razão de qual dos pais estivesse impedido para o casamento. A patre eram os adulterinos gerados por homem casado e por mulher solteira, viúva ou divorciada. A matre, os gerados por mulher casada.30

Por fim, os filhos espúrios incestuosos eram aqueles havidos entre pessoas que estavam impedidas legalmente de celebrar o casamento entre si, isto é, os pais não poderiam se casar em razão da existência parentesco entre eles, seja ele natural ou civil.

Importante ressaltar que, para que o filho seja considerado espúrio e incestuoso, o impedimento destacado anteriormente deve existir no momento da concepção, pois, caso este impedimento surja após, ele não atingiria o filho, que passaria a ser considerado ilegítimo natural.31

Nesse sentido, a Constituição de 1934 foi a primeira a destinar um capítulo destinado a família. Embora ainda atrelasse o instituto familiar ao casamento e sua indissolubilidade, permitiu reconhecer os filhos naturais e atribuí-los os mesmos direitos hereditários dos filhos legítimos (Art. 147)32. Com a Constituição de 1937, foi garantida igualdade de todos os direitos entre filhos legítimos e naturais.

Em 1941 houveram mudanças significativas, como a proibição da qualificação do filho em sua certidão de nascimento (Decreto-Lei n. 3.200) e a autorização da guarda do filho natural reconhecido pelo pai.33

Em 1942, com o Decreto-Lei n. 4.737, passou a ser possibilitado o reconhecimento (voluntário ou através da investigação de paternidade) dos filhos havidos fora do casamento, pelo cônjuge adúltero. Porém, esse reconhecimento deveria respeitar algumas regras, como a condição de haver obrigatoriamente o desquite do cônjuge infiel previamente.

O desquite, previsto no Código Civil de 1916, no entanto, era permitido apenas em situações excepcionalíssimas como, por exemplo, a prática de delitos por um cônjuge contra o outro, e não passava de mera separação de corpos.

30

PRETTO, Gabriela Camila. Multiparentalidade: possibilidade jurídica e efeitos sucessórios. Monografia. Florianópolis, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117154>. Acesso em: 26 jul. 2020.

31

_____. Multiparentalidade: possibilidade jurídica e efeitos sucessórios. Monografia. Florianópolis, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117154>. Acesso em: 27 jul. 2020.

32 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1934. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em 27 jul. 2020.

33

BRASIL. Estatuto da Mulher Casada. Brasília, DF: Senado Federal, 1962. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4121.htm>. Acesso em 27 jul. 2020.

(22)

A Lei n. 833 de 1949 passou a permitir que os filhos naturais pleiteassem a investigação de sua paternidade, mesmo o pai indigitado ainda estando casado. Porém, aos filhos adulterinos, somente era possível investigar sua paternidade depois de dissolvida a sociedade conjugal ou da separação de fato dos genitores por, no mínimo, cinco anos contínuos.

Entretanto, o fim da discriminação e hierarquização entre os filhos veio a acontecer somente com a Constituição Federal de 1988, a qual revolucionou o Direito de Família, conferindo igualdade de direitos a todos os filhos e proibindo quaisquer designações discriminatórias - como a classificação dos filhos em legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios, adotivos, entre outros (Art. 227, § 6º).34

Assim, atualmente todos os filhos, independente da relação existente ou não entre seus genitores, têm o direito de serem reconhecidos, seja de forma voluntária ou judicial, bem como possuem todos os direitos familiares e sucessórios decorrentes da filiação.

1.3.2 Filhos adotivos

A adoção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente35 e no Código Civil atual36, equipara-se à vinculação biológica, mesmo inexistindo contato anterior ao início do processo de adoção.

Para Farias e Rosenvald37, trata-se de mecanismo de determinação de uma relação jurídica filiatória que, através do critério socioafetivo, fundamenta-se no afeto, na ética e na dignidade das pessoas envolvidas, em que o adotado é inserido em uma família substituta, de acordo com seu melhor interesse e sua proteção integral, com a chancela do Poder Judiciário.

De acordo com os autores, a adoção está assentada na ideia de se oportunizar a uma pessoa a sua inserção em um núcleo familiar, com a sua integração efetiva e plena, de modo a atender às suas necessidades de desenvolvimento da personalidade, bem como pelo prisma psíquico, educacional e afetivo.

34

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 27 jul. 2020.

35

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 27 jul. 2020.

36 BRASIL, Código Civil. Brasília, DF: Senado Federal, 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 27. jul. 2020.

37

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 1.055.

(23)

Nesse sentido, Maria Helena Diniz38 define que adoção é “o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”. Na visão de Fachin39, a adoção pode ser compreendida como uma “modalidade de filiação construída no amor”.

Em atenção aos princípios do melhor interesse da criança e da proteção integral, a legislação atual fixou requisitos para possibilitar a adoção no Brasil, como, por exemplo, a obrigatoriedade de os candidatos à adoção frequentarem cursos e acompanhamento psicológico.

Quanto aos efeitos pessoais da adoção, Farias e Rosenvald40 asseveram que ocorre a extinção da relação familiar mantida pelo adotando com o seu núcleo anterior, conferindo segurança jurídica estabelecida e garantindo a proteção integral e prioritária do interessado.

Uma vez iniciado o processo judicial de adoção, os pais adotivos constituem a relação de forma definitiva, através do trânsito em julgado da sentença judicial, a qual irá resultar na exclusão completa do vínculo familiar com a família biológica e a alteração do registro civil do adotado, conforme preceitua o art. 47, § 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente41.

Portanto, cessará todo e qualquer vínculo, direitos e deveres, em relação ao núcleo anterior do adotado, não se cogitando em efeitos relacionados aos alimentos e à sucessão, por exemplo, exceto os impedimentos matrimoniais que permanecem em relação à família biológica.

Por fim, cumpre salientar que, tanto o art. 227, § 6º da Constituição Federal42 quanto o art. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente43, preceituam de forma clara que os filhos adotivos possuem os mesmos direitos e deveres que qualquer outro filho, sendo expressamente vedada qualquer distinção entre eles.

38 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 5. p. 522.

39

FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos de Direito de Família. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 219.

40

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 1.078.

41

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 28 jul. 2020.

42

_____. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 28 jul. 2020.

43

_____. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 28 jul. 2020.

(24)

1.3.3 Filhos biológicos

A filiação biológica é resultado da transferência de material genético dos genitores aos seus filhos, isto é, possui ligação direta com os laços sanguíneos entre pais e filhos, sendo a forma mais comum de construção do vínculo familiar.

Conforme lecionam Farias e Rosenvald44, esse tipo de filiação é determinada através do critério científico, pelo qual a maternidade ou paternidade são definidas tendo como base a carga genética (vínculo biológico existente), sendo, portanto, uma forma determinativa fria e puramente técnica.

Inicialmente, compreende-se que os filhos biológicos decorrem do coito entre os pais, resultando na gravidez. Entretanto, em virtudes dos avanços científicos, existem outras formas de concepção.

A fertilização in vitro é um grande exemplo de concepção independente de relação sexual entre os genitores, em que se une de forma artificial o material genético de ambos os pais em uma proveta e, após, os óvulos fecundados são implantados no útero da mulher, a fim de provocar sua gestação.

Acerca da comprovação de parentalidade, o Código Civil45 ainda apresenta o critério da presunção, o qual é embasado nos deveres dos cônjuges, sendo o principal o dever de fidelidade recíproca, presente no art. 1.566, inciso I.

Além disso, o art. 1.597 do Código Civil expõe situações em que se presumem filhos quando concebidos na constância do casamento, como, por exemplo, aqueles nascidos cento e oitenta dias depois do início da convivência conjugal (inciso I), e aqueles nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal (inciso II).

No entanto, graças aos avanços tecnológicos, a comprovação da filiação passou a ser possibilitada através do exame de DNA, o qual permite revelar a verdade sobre o vínculo existente entre pais e filhos, e o resultado possui praticamente 100% de exatidão.

Com isso, esse método tem sido reconhecido pacificamente por parte da doutrina e da jurisprudência brasileiras como prova de vínculo de filiação entre um indivíduo e seus genitores.

44 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador:

Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 688.

45

BRASIL, Código Civil. Brasília, DF: Senado Federal, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 29 jul. 2020.

(25)

A realização do exame de DNA tornou a ser de extrema importância para a realização da perícia genética, porém, embora a grande relevância, o exame não é considerado imprescindível para a comprovação de parentalidade, tampouco é condição à procedência da ação, pois dificuldades, como a oposição do réu ou carência de recursos, são possíveis nesse tipo de processo.

Acerca da oposição do réu, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 30146, a qual dispõe que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

Diante do enunciado, conclui-se que, caso o réu e suposto pai vier a recusar de forma injustificada seu comparecimento para realização do exame, comprovar-se-á a paternidade por meio de análise dos indícios e presunções existentes nos autos.

Assim, a referida Súmula não vincula a decisão do juiz, o qual poderá apreciar a demanda judicial através de outros critérios para que se chegue na paternidade, como o critério da afetividade.

1.3.4 Filhos socioafetivos

Presente em todas as relações familiares, a afetividade, mais do que a consanguinidade, é a criação e a alimentação diária da convivência e do respeito que há entre pessoas que se enxergam e vivem como pais e filhos.47

A filiação socioafetiva decorre da alteração da concepção da entidade familiar, em que é reconhecido o mesmo status de filiação em razão do afeto, mesmo que inexistente a relação sanguínea.

Para Farias e Rosenvald48, a filiação socioafetiva não está relacionada ao nascimento (fato biológico), mas em ato de vontade, no qual consiste no tratamento e publicidade exercidos cotidianamente por meio de um respeito recíproco entre pai e filho.

46

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 301. j. 18/10/2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula301.pdf>. Acesso em 29 jul. 2020.

47

PRETTO, Gabriela Camila. Multiparentalidade: possibilidade jurídica e efeitos sucessórios. Monografia. Florianópolis, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117154>. Acesso em: 29 jul. 2020. p. 29.

48

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 5. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2013. v. 6. p. 691.

(26)

Nesse sentido, quando é exercida a função de pai em relação a uma pessoa que não transmitiu os caracteres biológicos, e o principal elemento presente é o afeto, fica claro que se está diante de uma hipótese de filiação socioafetiva.

O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar e função de pai. É aquele que passa a dar o carinho, abrigo, educação e amor necessários, expondo o foro íntimo da filiação em relação àquele filho.

No que tange ao reconhecimento da filiação em razão de relação socioafetiva, existem alguns requisitos construídos doutrinariamente. Entre eles o mais relevante seria o requisito da posse de estado de filho, o qual é expressado no Enunciado n. 7 do Instituto Brasileiro de Direito de Família, que dispõe que “a posse de estado de filho pode constituir a paternidade e a maternidade”.

De acordo com Maria Berenice Dias49, para o reconhecimento da posse de estado de filho, a doutrina se atenta a três aspectos: (a) tractatus - quando o filho é tratado como tal, criado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio - quando o filho usa o nome da família para se identificar; e (c) reputatio - quando o filho é conhecido publicamente como pertencente àquela família.

Assim, tendo em vista a construção da ideia de que a família é mais que um grupo natural, mas sim cultural, é que se encontra a parentalidade socioafetiva. O instituto está diretamente ligado à liberdade que todos possuem de se unir com quem desejar, de acordo com a afetividade presente entre essas pessoas.

49

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 406.

(27)

2 A MULTIPARENTALIDADE

No capítulo anterior, foram expostos os aspectos históricos e conceituais do instituto da família, a qual deixou de ser uma unidade constituída com objetivo principal de procriação para tomar a forma que conhecemos hoje, isto é, uma família plural em que as relações são em sua essência baseadas no afeto entre seus integrantes.

Nesse viés, percebe-se a extrema importância da Constituição Federal de 1988 em relação ao tratamento dos filhos. Em seu art. 227, § 6º, trouxe a concretização do princípio da igualdade entre os filhos, ao afirmar que todos terão igualdade de direitos e qualificações, proibindo qualquer forma de discriminação.

A partir disso, este capítulo será dedicado ao instituto da multiparentalidade, com exposição de seu histórico e conceituação, bem como de diversos aspectos relevantes ao seu reconhecimento.

Por fim, serão analisados casos concretos retirados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina acerca do tema, após o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 898.060 pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral n. 622 em 2016.

2.1 Conceito e histórico da multiparentalidade

O surgimento da multiparentalidade deveu-se à construção doutrinária e jurisprudencial da tese de que a história de vida do indivíduo deveria ter reflexo em seu patrimônio jurídico e contou com uma evolução gradual e lenta até seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro.

As novas configurações familiares que foram tomando espaço em nossa sociedade atual permitiram que cada indivíduo passasse a se relacionar conforme seus desejos e o sentimento de afeto existente entre eles.

Nesse sentido, em atenção aos princípios da afetividade e da liberdade de constituir família, é que nascem os novos arranjos familiares, os quais são advindos das relações entre pais e seus filhos comuns e advindos de relacionamentos anteriores.

As famílias reconstituídas geraram a necessidade do reconhecimento da existência da filiação baseada no afeto concomitantemente a filiação de origem biológica, que são cada vez mais comuns na realidade fática atual.

(28)

A multiparentalidade consiste em um fato jurídico decorrente da alteração do paradigma norteador da família, em que a afetividade passou a ser o liame principal para a constituição das unidades familiares.

A pluriparentalidade, como também é conhecida, se resume em abarcar a concomitância entre a paternidade ou maternidade socioafetiva sem que seja necessário desconsiderar a paternidade biológica, ou vice-versa, e que as duas formas de parentalidade sejam tratadas igualmente.

Nesse sentido, mesmo que o pai/mãe presente no registro seja de origem socioafetiva, não há impedimento que, após a comprovação da descoberta do pai ou da mãe biológica, essas duas filiações de origem distintas possam estar averbadas na certidão de nascimento da criança ou adolescente.

Dias50 afirma que a filiação pluriparental é reconhecida quando é possível flagrar o estabelecimento de filiação com mais de duas pessoas. Com isso, existindo isocronicamente vínculos parentais biológicos e afetivos, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, tendo em vista que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo a dignidade e a afetividade da pessoa humana.

Ainda, conforme afirmam Teixeira e Rodrigues, a essência da socioafetividade pode ser verificada quando há:

O exercício fático da autoridade parental, ou seja, é o fato de alguém, que não é o genitor biológico, desincumbir-se de praticar as condutas necessárias para criar e educar filhos menores, com o escopo de edificar sua personalidade, independentemente de vínculos consanguíneos que geram tal obrigação legal. Portanto, nesse novo vínculo de parentesco, não é a paternidade ou a maternidade que ocasiona a titularidade da autoridade parental e o dever de exercê-la em prol dos filhos menores. É o próprio exercício da autoridade parental, externado sob a roupagem de condutas objetivas como criar, educar e assistir a prole, que acaba por gerar o vínculo jurídico da parentalidade51.

De acordo com Christiano Cassettari52, o embasamento para a existência da multiparentalidade é a necessidade de ser estabelecida uma igualdade entre a filiação biológica e a filiação afetiva. O autor afirma, no entanto, que nem sempre foi assim.

O entendimento predominante era de que a filiação biológica se sobrepunha à afetiva e que ambas não poderiam coexistir no registro civil da criança ou do adolescente. Para ilustrar tal entendimento, Cassettari destaca o seguinte julgado:

50

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 409.

51 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O Direito das Famílias entre a Norma e a Realidade. São Paulo: Atlas, 2010. p. 194.

52

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: Efeitos Jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 214.

(29)

Apelação cível. Recurso adesivo. Investigação de paternidade cumulada com anulação de registro civil. Adoção à brasileira e paternidade socioafetiva caracterizadas. Alimentos a serem pagos pelo pai biológico. Impossibilidade.

Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento do autor, descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai biológico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade socioafetiva, ela apaga a paternidade biológica, não podendo coexistir duas paternidades para a mesma pessoa. Agravo retido provido, à unanimidade. Apelação provida, por maioria. Recurso adesivo desprovido, à unanimidade (TJRS; Apelação Cível 70017530965; 8ª Câmara; Rel. Des. José S. Trindade; j. 28.6.2007; p. 5.7.2007). (sem grifo no original) 53

No voto direcionado a defesa de que a paternidade socioafetiva se sobrepõe e prevalece à biológica, o Relator se baseou no argumento de que não poderiam coexistir duas paternidades sobre uma pessoa, pois à vista disso geraria uma confusão e isto sim afrontaria o direito da personalidade.

Flávio Tartuce54, ao defender a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, expõe sua crítica às decisões semelhantes a citada acima, em que ocorre uma escolha entre a filiação biológica e socioafetiva, o que não pode mais prosperar.

Hoje não há legislação infraconstitucional específica que regule a questão da multiparentalidade, isto é, não existe expressamente a possibilidade de reconhecimento de dois pais ou duas mães no registro civil.

No entanto, ao longo dos anos surgiram diversos autores e precedentes nas Cortes Estaduais e Superiores defendendo o reconhecimento da multiparentalidade. Nesse sentido, o instituto pode ser analisado através de outras fontes do Direito, que não a estritamente legal.

Neste viés, importante estudar o reconhecimento da multiparentalidade através dos princípios constitucionais. Entre os principais princípios que embasam a multiparentalidade, podem ser destacados o da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, do pluralismo das entidades familiares, da convivência familiar, da paternidade responsável e, fundamentalmente, o da afetividade. Todos esses estão inclinados a aceitação da cumulação da parentalidade socioafetiva com a biológica.

O Código Civil55 atual, apesar de não haver previsão expressa, prevê no art. 1.593 possibilidades além daquelas descritas em seu dispositivo, tornando possível a existência da multiparentalidade, ao afirmar que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem”.

53

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: Efeitos Jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 214.

54

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 5. p. 433.

55

BRASIL, Código Civil. Brasília, DF: Senado Federal, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 25 ago. 2020.

(30)

Neste contexto, a interpretação tirada do texto legal permite enquadrar o parentesco socioafetivo, baseado na convivência afetiva entre pai e filho, como sendo resultado de “outra origem”, conforme afirma o art. 1.593.

Por sua vez, o instituto da multiparentalidade passou a ser reconhecido expressamente pela jurisprudência, através do precedente criado pelo julgamento do Recurso Extraordinário n. 898.060 no dia 21 de setembro de 2016, com a Relatoria do Ministro Luiz Fux.

Na esteira do julgamento do Recurso Extraordinário n. 898.060, foi reconhecida a Repercussão Geral n. 622, em que o Supremo Tribunal Federal aprovou uma tese de carácter histórico e, como alguns autores caracterizam, revolucionário56.

A Corte Suprema decidiu, através da maioria dos membros, que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Em plenário, o Supremo Tribunal Federal analisou apenas a questão da filiação biológica e da filiação socioafetiva, não mencionando acerca de outras situações circunscritas ao tema, como a possibilidade de haver dois pais socioafetivos no registro civil de forma simultânea, por exemplo.

No entanto, a conclusão do referido julgamento se mostrou de extrema importância, visto que, conforme Anderson Schreiber57, de uma só vez, (a) reconheceu expressamente o instituto da paternidade socioafetiva (mesmo com a falta de registro) - tema que ainda encontrava considerável resistência no Direito de Família; (b) afirmou que a paternidade socioafetiva não representa uma paternidade de segunda categoria à frente da paternidade biológica; e, por fim, (c) abriu portas no sistema judiciário brasileiro para a multiparentalidade.

Diante disso, oportuno destacar um trecho da ementa do Recurso Extraordinário n. 898.060, citada acima:

Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos.58

56

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 21 set. 2016.

57

SCHREIBER, Anderson. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. JusBrasil, 2016. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos>. Acesso em: 25 ago. 2020.

58

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 21 set. 2016.

(31)

O “leading case” que culminou o julgamento do RE n. 898.060 teve origem na Comarca de Florianópolis, em que se discutiu o reconhecimento da existência de dois pais da autora, diante da comprovação via exame de DNA da paternidade biológica, ao mesmo tempo em que a autora havia vínculo afetivo de seu pai socioafetivo que a registrou e criou como se filha fosse por mais de vinte anos.

Diante disso, o julgamento concluiu pelo reconhecimento da multiparentalidade, isto é, da dupla paternidade, uma de origem socioafetiva, existente desde o nascimento da autora, e outra de origem biológica, descoberta e comprovada através de exame de DNA elaborado no processo judicial de origem, bem como reconheceu todos os efeitos jurídicos relativos ao nome, alimentos e herança.

Insta salientar a publicação do Provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça de 201759. O Provimento unifica no território nacional o reconhecimento voluntário dos filhos socioafetivos em cartório, ou seja, extrajudicialmente, tornando desnecessária a provocação das varas de família e da infância e juventude.

Além disso, o Conselho Nacional de Justiça avançou mais ao admitir expressamente a pluriparentalidade, exigindo apenas o respeito ao limite registral de dois pais e de duas mães no campo da filiação. Posicionamento inovador que reitera e solidifica a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no julgamento do RE n. 898.060.60

Conforme exposto nos parágrafos do art. 10 do Provimento n. 63, o reconhecimento voluntário é irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, quando for comprovada a presença de vício de vontade, fraude ou simulação. Ainda, exige que o pretenso pai ou mãe deve ser dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

Para a comprovação do vínculo socioafetivo, se verifica a existência da chamada posse de estado de filho. Para a afirmação da posse de estado de filho, é necessária a comprovação de três fatores: nome, tratamento e fama.

Assim, seria considerado filho aquele que utilizasse o nome da família (nominatio) – requisito não mais exigido hoje, fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e fruísse do reconhecimento da sua condição de descendente diante da sociedade (reputatio).

59

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento N. 63 de 14/11/2017, 17 nov. 2017. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525>. Acesso em: 24 ago. 2020.

60

BARANSKI, Julia Almeida. A parentalidade socioafetiva no Provimento 63/2017 do CNJ. ConJur, 19 jun. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-19/tribuna-defensoria-parentalidade-socioafetiva-provimento-632017-cnj>. Acesso em: 25 ago. 2020.

(32)

Ou seja, além de dar o nome ao filho e tratá-lo como tal em sua convivência, deve-se fazer conhecido a todos. Seria, portanto, um comportamento notório, contínuo e confesso da relação entre as partes.

De outro modo, para que a multiparentalidade seja reconhecida de forma judicial, de início será necessária uma análise completa do caso concreto. Se a parte autora pleiteia pela inserção do pai biológico em seu registro em conjunto com o pai afetivo, deve ser realizado exame de DNA, ou até mesmo pode haver o reconhecimento espontâneo do pai biológico durante a demanda.

Caso a discussão seja pelo reconhecimento de uma nova paternidade, agora baseada na afetividade, deve ser observado se de fato houve a criação e sedimentação de um vínculo de parentalidade, baseada no afeto, em que as partes se consideram pais e filhos. Tal vínculo será comprovado através das relações cotidianas, bem como as vivências entre eles vividas pelo afeto.

Por fim, importante destacar a aprovação de um enunciado do Instituto Brasileiro de Direito de Família aprovado sobre a dupla paternidade. O Enunciado n. 9 aprovado em 2015, no X Congresso Brasileiro de Direito de Família, dispõe que “a multiparentalidade gera efeitos jurídicos”.61

Assim, resta clara a imprescindibilidade do reconhecimento da multiparentalidade pelo ordenamento jurídico brasileiro, com intuito de abarcar e regular as situações já vividas em nossa sociedade por muitos anos.

Desta forma, torna-se possível que o pai/mãe socioafetiva tenha legitimidade para registrar o filho que cria como se seu fosse, sem, entretanto, desconsiderar o pai ou mãe biológicos.62

Nada mais é do que de fato externar e colocar em prática os princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente, ao passo que se reconhece a afetividade como o principal elo de formação e reconstrução das famílias atuais.

61

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Enunciado n. 9, Belo Horizonte. 2015. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 31 ago. 2020.

62 PARANHOS, Vinícius Lucas; MARES, Flávio Miranda. Multiparentalidade e seus efeitos na sucessão.

DIREITO & JUSTIÇA: A revista da Escola de Direito da PUCRS, Porto Alegre, v. 42, n. 01, p. 52-87, jan-jun 2016. ID 21991. p. 64.

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