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A produção escrita de textos argumentativos: reflexões sobre a prática docente e aprendizagem dos alunos

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A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS:

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ALBANEIDE DE SOUZA CAMPOS

A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS:

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DE ALUNOS

Orientadora: Profª Drª Lívia Suassuna

RECIFE 2012

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Katia Tavares, CRB-4/1431

C198p Campos, Albaneide de Souza.

A produção escrita de textos argumentativos: reflexões sobre a prática docente e aprendizagem dos alunos / Albaneide de Souza Campos. – Recife: O autor, 2012.

195 f.: il, 30 cm.

Orientador: Lívia Suassuna.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.

Inclui Referências e Apêndices.

I. Prática de ensino. 2. Produção de textos. 3. Texto escrito Argumentativo. 4. UFPE – Pós-graduação. I. Suassuna, Lívia. II. Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________________ Profª. Drª. Lívia Suassuna

1º Examinadora/Presidente

_________________________________________________ Profª. Drª. Ivanda Maria Martins Silva

2º Examinadora

_________________________________________________ Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa

3º Examinadora

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Saber argumentar não é um luxo, mas uma necessidade. Não saber argumentar não seria, aliás, uma das grandes causas recorrentes da desigualdade cultural, que se sobrepõe às tradicionais desigualdades sociais e econômicas, reforçando-as? [...] Uma sociedade que não propõe a todos os seus membros os meios para serem cidadãos, isto é, para terem uma verdadeira competência ao tomar a palavra, seria verdadeiramente democrática?

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu Pai.

A meu marido, Geziel Campos, e a minha filha, Carol,

pelo cuidado, pela paciência e compreensão nos momentos de minha ausência e de meus aperreios.

À Profª Drª Lívia Suassuna,

que, para além da orientação, é uma profissional ímpar.

A meus pais, Nino e Luíza, por me ensinarem a buscar conhecimento.

Às minhas sobrinhas agregadas,

Ana Luíza, Jéssica, Natália e Andréa, que me ajudaram de forma particular.

A meus irmãos e, em especial, a Maria Albênia, minha segunda mãe.

Aos amigos da Secretaria de Educação de Camaragibe,

que sempre dividiram comigo a responsabilidade da administração pública.

A Leide, Claudemir e Fátima Honorato,

meus irmãos e incentivadores, especialmente, nos momentos mais difíceis.

A todos os professores da Rede Pública Estadual de Pernambuco que, gentilmente, permitiram a minha inserção no campo de pesquisa.

Às Profªs Drªs Maria Lúcia Figueirêdo Barbosa e Ivanda Martins Silva, pela gentileza de participarem da minha banca de defesa.

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5 RESUMO

Este estudo teve por finalidade analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas mobilizadas pelos alunos. Nesse sentido, buscou identificar as concepções de língua, texto e argumentação que fundamentavam a prática de professores de português; analisar as situações didáticas em que eram propostas as produções de texto e analisar as produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa de campo com duas professoras que atuavam em duas diferentes escolas da rede pública estadual do município de Camaragibe (PE) em turmas de 3º ano do ensino médio regular. Da mesma forma, analisamos os textos produzidos pelos estudantes dessas turmas. Nossos instrumentos de coleta de dados foram a entrevista semiestruturada, a observação participante e a análise documental. No nosso referencial teórico, apoiamo-nos na concepção de língua como prática sócio-histórica (BAKHTIN, 2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto da atividade verbal (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005); de gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual modo, adotamos os conceitos de argumentação como ação de linguagem que possibilita aos sujeitos maior inserção social, tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Gregolin (1993), Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008, 2009), Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para lidarmos com questões que envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas perspectivas metodológicas para o ensino de língua portuguesa. No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos uma abordagem qualitativa e etnográfica com base nas considerações de André (2008) e Lopes (2006). Para a análise dos dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG apud SUASSUNA, 2004, 2008a). Em linhas gerais, os resultados indicaram que: (1) o texto tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua inserção tem sido equivocada; (2) alguns professores se apropriaram do discurso sobre um sistemático trabalho com gêneros textuais com vistas ao desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas dos alunos, mas não têm conseguido efetivar uma prática diferenciada, de modo a atender à nova proposta para o ensino de língua portuguesa; (3) as situações de produção de texto argumentativo distanciam-se das finalidades propostas no currículo para o ensino-aprendizagem desse gênero, de forma a não favorecer significativamente o desenvolvimento das habilidades argumentativas escritas dos alunos; (4) situações artificiais de produção de texto conduzem a produções igualmente artificiais; (5) em virtude da ausência de reflexão sobre os aspectos linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as especificidades dos gêneros que lhes foram solicitados a escrever; (6) diferentes sujeitos expostos às mesmas condições de produção escolar de texto se constituem quase que em sujeitos semelhantes na elaboração de seus textos: atendem ao discurso da escola, ainda que semanticamente as suas produções possam ser consideradas como vazias de sentidos.

PALAVRAS-CHAVE: Texto. Ensino da produção de textos; Argumentação; Texto escrito argumentativo.

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ABSTRACT

This study aimed to examine teaching practices of producing argumentative texts written and determine possible relationships between these practices and the argumentative strategies deployed by the students. Accordingly, we sought to identify the conceptions of language, text and arguments underpinning the practice of Portuguese teachers; analyze teaching situations in which the productions were proposed text and analyze students' productions, checking the argumentative strategies deployed by them. We develop a field study with two teachers who worked in two different schools in the public schools of the city of Camaragibe (PE) classes in 3rd year high school regular. Similarly, we analyze the texts produced by the students of these classes. Our instruments for data collection were semi-structured interview, participant observation and document analysis. In our theoretical framework, we rely on the concept of language as a socio-historical practice (BAKHTIN, 2010); text as linguistic unity and sociocomunicativa product of verbal activity (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005 ) of textual genres as products of language activity in operation (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). Similarly, we adopt the concepts of argument as action language that allows individuals greater social inclusion, based on considerations of Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005), Gregolin (1993), Breton (2003). Although the study was supported in Suassuna (2008, 2009), Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal and Morais (2006) and Antunes (2003) to deal with issues involving the production of didactic situations and new text methodological perspectives to the teaching of the Portuguese language. With regard to methodological aspects, we made a qualitative and ethnographic approach based on considerations of Andrew (2008) and Lopes (2006). For data analysis, we used the evidential paradigm (SUASSUNA apud GINZBURG, 2004, 2008a). In general, the results indicated that: (1) the text has occupied a prominent place in the Portuguese classes, but their inclusion has been wrong, (2) some teachers appropriated the discourse on a systematic work with text genres with views the development of linguistic and discursive skills of students, but have been unable to effect a differentiated practice in order to meet the new proposal for the teaching of Portuguese language, (3) the production situations of argumentative text aims distance themselves from proposals the curriculum for the teaching and learning of this kind, so as not to significantly promote the development of argumentative writing skills of students, (4) artificial situations of text production also lead to artificial productions, (5) because of the lack of reflection on aspects involved in linguistic-discursive texts, the students were unaware of the specific genres they were asked to write; (6) different individuals exposed to the same conditions of production school text constitute almost similar in subjects in preparing their texts: attending the school discourse, albeit semantically their production can be regarded as empty of meaning.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

CAPÍTULO 1 - REFERENCIAL TEÓRICO ... 15

1.1 Concepção de língua ... 15

1.1.1 A língua para Saussure ... 16

1.1.2 A língua na visão de Chomsky ... 17

1.1.3 A língua na perspectiva de Bakhtin ... 19

1.2 Concepção de língua e ensino de português ... 21

1.3 Concepção de texto, tipo e gênero textual ... 26

1.4 O texto como objeto de ensino nas aulas de português ... 30

1.5 Gêneros textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita ... 32

1.6 Contextos de produção de texto: reflexões sobre o ensino da produção textual ... 38

1.6.1 Fatores que interferem na lógica interna e externa do texto ... 43

1.7 Argumentação: breve histórico e conceito ... 48

1.8 O texto argumentativo ... 54

1.8.1 A dissertação argumentativa ... 57

1.9 A escrita de textos argumentativos: reflexões a partir do que se ensina na escola ... 60

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA ... 66

2.1 Paradigmas metodológicos adotados na pesquisa ... 67

2.2 Métodos e instrumentos de coleta de dados ... 73

2.2.1 Entrevista ... 74

2.2.2 Observação ... 76

2.2.3 Análise documental ... 79

2.3 Caracterização das etapas e critérios para a escolha dos sujeitos/campos de pesquisa 81 CAPÍTULO 3 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 87

3.1 As entrevistas semiestruturadas ... 87

3.2 As aulas observadas: situando o leitor ... 95

3.2 1 As aulas observadas da professora A ... 97

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3.3. Análise documental: os textos dos alunos ... 127

3.3.1 Análise dos textos do 3º ano A ... 128

3.3.2 Análise dos textos do 3º ano B ... 148

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 179

APÊNDICE ... 186

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9 INTRODUÇÃO

As discussões sobre o ensino de produção de texto não são novas, sobretudo, porque, com o desenvolvimento de pesquisas na área das ciências da linguagem − como a Linguística Textual, a Análise do Discurso, a Pragmática, a Sociolinguística − e em virtude do que se chamou virada pragmática, o texto vem sendo posto ou proposto como objeto central no ensino de língua portuguesa.

Publicações como a de Marcuschi (Linguística de Texto: o que é e como se faz?, 2003 [1983]) e a de Geraldi (O texto na sala de aula, 2004 [1984]) se destacam por abordarem, respectivamente, o texto como unidade linguística superior à frase e como ponto de partida no ensino de língua. Nesta última obra, considera-se o texto sob diversos aspectos e se apresentam novas possibilidades de desenvolvimento de um trabalho amplo em linguagem, inclusive através de ações voltadas para a oralidade, a leitura, a escrita e a análise linguística1.

Considerando ainda a existência de diversos outros estudos que colocam o texto nessa perspectiva, podemos afirmar que dispomos de vasta literatura que trata da inserção do texto na sala de aula e, por consequência, apontam novas perspectivas para o ensino de português. Essa literatura abrange não somente resultados de estudos empíricos diversos, como também propostas curriculares que norteiam o ensino de língua materna em nosso país. Como exemplo, podemos mencionar os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 1999) e os PCN+ (BRASIL, 2002). O primeiro documento explicita que o ensino de português deve ter por fundamento a língua como interação e que, dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem deve pressupor uma visão sobre o que seja a linguagem verbal. Esta, por sua vez, é caracterizada como um construto humano e histórico de um sistema linguístico e comunicativo cuja unidade básica é o texto.

Mais especificamente em nosso estado (PE), dispomos de dois documentos oficiais que orientam o currículo básico para o ensino de língua portuguesa − a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008) e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b) – e que também situam o texto como centro do ensino de português. Dessa forma, temos:

1 De acordo com Geraldi (2004), a análise linguística corresponde a uma nova proposta de trabalho que abrange

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Toda língua somente se atualiza sob a forma de textos, que se manifestam para além da palavra ou da frase isoladas, de onde se pode concluir que, no estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica, até porque essas atividades constituem também habilidades fundamentais no estudo de qualquer domínio do saber. (PERNAMBUCO, 2008a, p. 69).

De igual modo, as Orientações Teórico-Metodológicas para o Ensino Médio/Língua Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008b, p. 6) registram:

As orientações teórico-metodológicas da prática pedagógica do professor de Língua Portuguesa são voltadas para a formação de estudantes nos contextos de interação autor-texto-leitor e nas práticas socioculturais contemporâneas de usos da escrita. Através da linguagem como uma atividade de interação social, os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma comunidade determinada. Sob essa ótica, tais orientações são vistas como referenciais estruturadores das práticas de ensino da leitura e da escrita pautadas por eixos e por objetivos. (Grifo nosso)

Nessa mesma linha de abordagem do texto, há inúmeras pesquisas e documentos curriculares que versam especificamente sobre o ensino da produção escrita e, num enfoque mais restrito, sobre o ensino da argumentação, apontando essa competência como um aspecto fundamentalmente inerente às ações de linguagem.

É assim que temos os estudos de Pécora (2003) e Val (2006), autores que lidam diretamente com elementos da argumentação e da textualidade em textos dissertativos produzidos por sujeitos em contextos de vestibular. A pesquisa do primeiro estudioso pretendeu demonstrar que os problemas de redação escolar constituem, sobretudo, os efeitos da cristalização de uma atitude que retira a escrita da linguagem e esta, do mundo e da ação intersubjetiva.

No estudo de Val (2006), por sua vez, foi observado que as redações dos vestibulandos apresentavam deficiências que se situavam na estrutura lógico-semântico-cognitiva subjacente aos textos.

Temos ainda estudos empíricos de Leal e Morais (2006) que tratam de aspectos da argumentação escrita em textos de crianças. Esses autores, após a observação de situações de produção em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental e da análise dos textos desses alunos, constataram que o que acontece na sala de aula no momento de produção interfere na escrita dos produtores.

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11 Numa situação semelhante, Souza (2003) desenvolveu um estudo longitudinal, investigando o desenvolvimento da argumentação escrita com crianças que estavam em fase de alfabetização (primeiro ano do ensino fundamental). A autora evidenciou que a produção de textos de opinião, na escola, depende de um conjunto de fatores implicados nos contextos de produção e não apenas de uma instrução escrita desvinculada de um trabalho anterior.

Temos ainda a pesquisa de Viana Filho (2006), que investigou elementos da referenciação em textos dissertativos de estudantes de 3º ano do ensino médio, tendo como resultado a produção de textos marcados pela descontinuidade textual e pela presença de frases soltas. De acordo com esse pesquisador, fatores como coesão e coerência pouco se faziam presentes nos textos, embora nem sempre comprometessem a textualidade das produções.

Contudo, ao realizarmos um levantamento bibliográfico acerca do ensino da argumentação e sua possível relação com os textos elaborados por alunos em situações de produção escolar na última etapa da escolaridade básica (3º ano do ensino médio), pouco material foi encontrado. Não estamos nos referindo a pesquisas desenvolvidas por meio da realização de sequências didáticas com textos argumentativos sugeridas ou propostas por pesquisadores, mas àquelas que professores de língua portuguesa, pensando na argumentação como prática de linguagem, desenvolveram no cotidiano de suas salas de aula.

Somando-se a isso, a nossa experiência docente com alunos dos últimos anos do ensino médio e com alunos universitários nos revelou que as produções de textos argumentativos (especialmente dissertações argumentativas e resenhas) apresentavam vários problemas que diziam respeito não só a questões linguísticas (domínio do código escrito, pontuação, acentuação), mas, sobretudo, a aspectos discursivos (dificuldade dos estudantes de se posicionarem diante de um tema, de justificarem suas escolhas, de adequarem as suas estratégias discursivas ao gênero proposto e às intenções de comunicação nele implicadas).

Desse modo, sustentando-nos em alguns princípios da argumentação, tais como, (1) a argumentação é dialógica; (2) é preciso alguma qualidade para tomar a palavrar e ser ouvido; (3) o objetivo de toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que apresentam a seu assentimento (PERELMAN e OLBRECTHS-TYTECA, 2005), compreendíamos que existia alguma lacuna no ensino da argumentação nas nossas unidades de ensino, mais especificamente: no ensino da argumentação escrita.

Tomando em conta esses pressupostos e apoiando-nos na argumentação como uma ação linguística fundamental inerente a qualquer texto (GREGOLIN, 1993), justificamos a

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12 nossa decisão por estudar aspectos relacionados à produção escrita de textos argumentativos em contextos escolares de produção. Acreditamos na necessidade de aprofundamento teórico sobre o ensino de textos argumentativos, bem como sobre um trabalho sistemático com esse gênero em nossas salas de aula.

Nesse caminho, propusemo-nos a investigar práticas de professores de língua portuguesa no que se refere ao eixo produção de textos argumentativos, verificando as possíveis relações entre as metodologias adotadas e os textos elaborados pelos seus alunos. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa etnográfica com duas professoras que atuam em duas diferentes escolas da rede pública estadual de Pernambuco, no município de Camaragibe (PE) em turmas de 3º ano do ensino médio regular. Nossos instrumentos de coleta de dados foram a entrevista semiestruturada, a observação participante e a análise documental.

Partimos das hipóteses iniciais de que professores de língua portuguesa julgam a argumentação como um importante ato de linguagem, mas, em suas práticas, não conseguem se desvincular de um ensino de produção de textos com base nos aspectos estritamente formais. De igual modo, supomos que não seja frequente nas salas de aula um trabalho mais sistemático sobre a atividade de produção de textos e de textos argumentativos.

Mediante o exposto, nosso estudo buscou responder basicamente a uma questão: o ensino da argumentação escrita tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades argumentativas?

Dessa forma, tentando responder à nossa pergunta de pesquisa, elencamos os seguintes objetivos:

1. Geral:

1.1 Analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas utilizadas pelos alunos;

2. Específicos:

2.1 Identificar as concepções de língua, texto e argumentação que fundamentam a prática de professores de português;

2.2 Analisar as situações didáticas em que são propostas as produções de texto, tendo por base:

a) os gêneros textuais trabalhados; b) os objetivos traçados para as aulas;

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13 c) os conteúdos privilegiados pelas docentes;

d) a relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o ensino de produção de textos.

2.3 Analisar as produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles na produção desses textos. Para isso, observamos se os textos:

a) apresentavam ponto de vista claro;

b) se os autores se posicionavam com vistas a um interlocutor real/virtual;

No nosso referencial teórico, adotamos a concepção de língua como prática sócio-histórica (BAKHTIN, 2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto da atividade verbal (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005); de gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual modo, adotamos os conceitos de argumentação como ação de linguagem que possibilita aos sujeitos maior inserção social, tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Gregolin (1993), Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008, 2009), Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para lidarmos com questões que envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas perspectivas metodológicas para o ensino de língua portuguesa.

No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos uma abordagem qualitativa e etnográfica com base nas considerações de André (2008) e Lopes (2006). Para a análise dos dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG apud SUASSUNA, 2004, 2008a).

Por esses termos, no primeiro capítulo apresentamos aspectos teóricos que fundamentaram nosso estudo em termos de concepções de língua, texto, tipo e gênero textual e suas relações com o ensino de português. No mesmo direcionamento, discorremos sobre aspectos referentes aos contextos de produção de texto e a fatores que interferem na produção textual. Por fim, ainda nesse capítulo, fizemos uma exposição sobre argumentação, texto argumentativo e texto dissertativo-argumentativo.

O segundo capítulo foi destinado ao detalhamento do percurso metodológico de nossa pesquisa. Nele estão definidos os paradigmas metodológicos adotados e suas respectivas justificativas, os métodos e instrumentos de coleta de dados, assim como, as explicações sobre as etapas e os critérios para a escolha dos sujeitos e dos campos de pesquisa. Estão

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14 explicitados também os critérios de análise adotados em função de cada objetivo delineado para o estudo.

No terceiro capítulo, apresentamos a análise e a discussão dos dados levantados, fundamentando-nos nos paradigmas adotados e nos critérios de análise definidos. De uma forma geral, buscamos compreender o cotidiano das aulas de língua portuguesa, por meio das concepções e das práticas apresentadas pelas professoras envolvidas neste trabalho, verificando as possíveis relações entre o ensino e a aprendizagem da produção escrita argumentativa.

Nas nossas considerações finais, expomos as nossas principais impressões acerca do ensino-aprendizagem da produção de textos escritos argumentativos, apontando alguns possíveis caminhos a serem percorridos no ensino de língua materna com vistas ao desenvolvimento da competência argumentativa de nossos educandos. Ainda, sem fechar as nossas conclusões nem generalizá-las, deixamos também registrados mais alguns questionamentos que emergiram no decorrer desta pesquisa e que poderão ser objeto (quem sabe) de outros estudos desdobrados a partir deste.

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15 1 REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo focaliza teoricamente o eixo principal do nosso trabalho – a produção escrita de textos argumentativos. Para tanto, o mesmo está dividido nos seguintes tópicos: (1) concepção de língua; (2) concepção de língua e ensino de português; (3) concepção de texto, tipo e gênero textual; (4) o texto como objeto de ensino nas aulas de português; (5) gêneros textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita; (6) contextos de produção de texto; (7) argumentação (histórico e conceito); (8) o texto argumentativo; (9) a dissertação argumentativa; (10) a escrita de textos argumentativos.

As teorias por ora apresentadas servirão de base para nortear as discussões sobre a mediação docente e a escrita dos alunos, o que será feito no capítulo 3 desta pesquisa.

No tópico que segue, trataremos de algumas concepções de língua e, a partir dessa discussão, indicaremos aquela que orientará o nosso trabalho.

1.1 Concepções de língua

Refletir sobre as concepções de língua num estudo que lida diretamente com o ensino da produção escrita de textos implica muitas questões, dentre as quais a de reconhecer que toda e qualquer opção metodológica de ensino ancora-se numa forma de percepção da língua (ANTUNES, 2003; GERALDI, 2004), e de igual modo, admitir que a forma como percebemos a língua se correlaciona à maneira como compreendemos e desenvolvemos o trabalho com textos em sala de aula.

Nesse sentido, apoiando-nos nos estudos das ciências da linguagem (especificamente da linguística histórica e da linguística aplicada) é que trouxemos ao nosso trabalho algumas contribuições de Saussure, Chomsky e Bakhtin, por julgarmos que as teorias desses linguistas influenciaram mais fortemente o ensino de língua portuguesa, seja por causa do foco na língua como estrutura ou na língua como elemento de interação social.

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16 1.1.1 A língua para Saussure

Estudiosos da história da linguística costumam apresentar Ferdinand de Saussure como o fundador da linguística científica. Isso porque, antes da divulgação de suas pesquisas, no Cours de linguistique générale (1916), obra póstuma, a linguística era marcada por estudos cujo foco era a análise dos aspectos fonético-fonológicos e morfológicos das línguas, numa abordagem comparativa e histórica.

De acordo com Faraco (2005), o método comparativo estabelecia uma série de blocos de correspondência entre línguas e subfamílias de línguas. Foi por meio dele que se instituiu o parentesco entre línguas; o pressuposto básico dessa corrente era a ideia de que, entre elementos gramaticais de línguas aparentadas, existiam correspondências sistemáticas. Suas análises, contudo, eram restritas a comparações entre diferentes línguas, na tentativa de classificá-las segundo as semelhanças que existiam entre elas.

Com o objetivo de atribuir aos estudos da linguagem a característica de ciência autônoma, Saussure procurou definir um objeto de estudos propriamente linguístico.

Nesse sentido, em relação à língua, encontramos em Saussure (2006, p. 22):

Ela é um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos de linguagem. Pode-se localizá-la na porção determinada do circuito em que uma imagem auditiva vem associar-se a um conceito. Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade. [...] A língua é uma coisa de tal modo distinta que um homem privado do uso da fala conserva a língua, contanto que compreenda os signos vocais que ouve. A língua, distinta da fala, é um objeto que se pode estudar separadamente.

Percebemos que Saussure (2006) aborda a língua como um fato social, cuja existência se constitui nas necessidades de comunicação, e a fala como realidade individual. Ao mesmo tempo, trata a língua como um objeto abstrato, rejeitando as manifestações individuais.

Para ele, “a língua existe na coletividade sob forma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários” (SAUSSURE, 2006, p. 27).

A concepção de língua apresentada por Saussure sugeria a eliminação de tudo o que fosse estranho ao organismo, ao seu sistema. Defendia ele que os fatores externos à língua

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17 associavam-se a ela, mas, na realidade, não a afetavam internamente. A língua, em Saussure, é concebida, pois, como um sistema que conhece somente sua ordem própria; um sistema de regras passíveis de descrição, formada por uma estrutura relacional distinta dos enunciados reais. Essa concepção embasa o estruturalismo, trazendo a noção de estrutura (o todo sistematizado em partes que apresentam uma dependência recíproca).

Para Saussure, todo falante absorveria as regularidades do léxico, da gramática e da fonologia ao ser criado numa comunidade particular de fala e, nesse sentido, a preocupação dos linguistas deveria ser a de estudar sobre essas regularidades da língua; o foco seria o sistema linguístico.

Ao definir um objeto de investigação para a linguística, Saussure marcou de forma significativa essa ciência. Entretanto, mesmo com a sua grande contribuição, a língua em Saussure não situa o papel que o sujeito desempenha na língua, deixando-se de observar, por exemplo, as funções que este assume no momento da interlocução.

1.1.2 A língua na visão de Chomsky

Outra concepção de língua que ganhou notório espaço nos estudos da linguística foi a desenvolvida por Noam Chomsky. Esse estudioso defende que o conhecimento potencial e inato que uma pessoa tem do sistema de regras de uma língua (denominado por ele competência) deveria ser o objeto de estudo da linguística, e não o uso efetivo dessa língua em situações reais (desempenho).

Em Chomsky (2008, p. 23), encontramos: “Podemos considerar que uma língua não é outra coisa senão um estado da faculdade de linguagem”, uma faculdade mental inata, geneticamente transmitida pela espécie, e não um fenômeno social. Nesse sentido, esse autor atenta para a caracterização dos estados mentais correspondentes ao conhecimento gramatical que todos os indivíduos normais têm. Seu interesse está em descobrir as realidades mentais subjacentes ao modo como as pessoas usam a língua.

Chomsky acredita que não será possível chegar às regularidades próprias de cada língua através da observação e, criticando o estruturalismo de Saussure, tenta mostrar que as análises sintáticas da frase praticadas até então eram inadequadas em diversos aspectos,

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18 especialmente porque deixavam de considerar a diferença entre os níveis superficial e profundo da estrutura gramatical. Segundo ele, todas as línguas possuem uma estrutura superficial, que representa a forma como as sentenças vão se materializar, e uma estrutura profunda, que encerra o conteúdo semântico desta e forma o elemento gramatical básico que o falante de uma língua possui.

Para Chomsky (2009, p. 68), “o conhecimento de uma língua implica a capacidade de atribuir estruturas superficiais e profundas a um número infinito de sentenças, de relacionar essas estruturas adequadamente”. Chomsky analisa, dessa forma, a sintaxe da língua dissociada de outros aspectos e tenta comprovar a existência de algo anterior à língua; ele chama a atenção para a capacidade que os falantes têm de produzir sentenças independentemente do contexto de produção.

É a competência que ele aponta como seu objeto de estudo, e o ponto de partida de seu modelo teórico foi a criatividade do falante, isto é, sua capacidade inata de construir e interpretar um número infinito de enunciados com base em um conjunto finito de unidades linguísticas. Baseado nessa relação criatividade-enunciados, Chomsky afirmou que aquilo que havia de realmente criativo na língua era sintático. (SUASSUNA, 2010, p. 73)

Oliveira (2005) também registra que, para Chomsky, a sintaxe funciona como um sistema autônomo, ou seja, como uma máquina que origina sentenças bem formadas, independentemente da semântica (e certamente da pragmática), com um modo de operar característico.

De acordo com Chomsky, seria preciso apresentar um novo nível de estruturas linguísticas que possibilitasse explicar todo o conjunto de sentenças da língua. Com esse intuito, apresentou a noção das regras gerativo-transformacionais, por meio das quais as sentenças podem ser relacionadas umas às outras; explicava-se, assim, como uma sentença pode se converter ou transformar em outra. O autor confirma, pois, a ênfase no estudo dos aspectos sintáticos da língua e, embora, reconheça o caráter histórico e social desta2, não o considera objeto de estudo da linguística.

Em Marcuschi (2009, p. 36), encontramos que “o preço pago por Chomsky para implantar essa perspectiva foi a eliminação dos estudos ligados à vida social da linguagem,

2

Em Chomsky (2009, p. 194), temos: Todavia, é igualmente claro que o uso real observado da linguagem – o

desempenho real – não reflete apenas as ligações intrínsecas de som-significado estabelecidas pelo sistema de

regras linguísticas. O desempenho envolve muitos outros fatores. [...] As crenças extralinguísticas acerca do falante desempenham um papel fundamental na determinação de como a fala é produzida, identificada e entendida.

(21)

19 isto é, a pragmática, a sociolinguística, a interação verbal, o discurso etc., ligados ao uso, funcionamento ou desempenho linguístico.”

Nessa concepção de língua, considera-se a ação do sujeito à revelia do contexto.

1.1.3 A língua na perspectiva de Bakhtin

A terceira concepção de língua que ora apresentamos se constitui numa perspectiva diferente das anteriormente apresentadas, especialmente, no que se refere ao modo como se situa o papel do sujeito no desenvolvimento dos atos de linguagem. Estamos falando da concepção de língua difundida, entre outros, por Mikhail Bakhtin, um pesquisador russo que, nomeando o estruturalismo de Saussure de objetivismo abstrato, opôs-se a este.

Em Bakhtin3 (2010, p. 111), temos:

Para o objetivismo abstrato, a língua, como produto acabado, transmite-se de geração a geração. [...] Configurando o sistema de língua e tratando as línguas vivas como se fossem mortas e estrangeiras, o objetivismo abstrato coloca a língua fora do fluxo da comunicação verbal.

Bakhtin (2010), assim como Saussure, define a língua como fato social, mas, diferentemente dos estruturalistas que têm a língua como um sistema sincrônico e homogêneo, e rejeitam as suas manifestações individuais, Bakhtin valoriza basicamente a fala, a enunciação. Para esse linguista, a fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação, e estas por sua vez, ligam-se sempre às estruturas sociais.

Nesse sentido, Bakhtin (2011) afirma:

i. todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva; é a posição ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido;

ii. só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o contato da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera o entendimento da expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva existente fora de nós;

3 A 1ª edição de Marxismo e Filosofia da Linguagem data de 1929. Lidamos neste estudo com a 14ª edição

(22)

20 iii. quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado, nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra, lexicográfica; costumamos tirá-las de outros enunciados.

Desse modo, a forma linguística é percebida como um signo mutável, vivo e móvel, que tem como centro organizador de toda enunciação o meio social que envolve o indivíduo. Na visão desse estudioso, a língua não reside no pensamento do falante nem é um sistema abstrato externo às condições sociais4, mas um trabalho desenvolvido conjuntamente pelos interlocutores, uma atividade social.

Segundo Bakhtin,

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os sujeitos não “adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência. (2010, p. 111)

É assim que seu conceito de língua tem a ver com o conceito de dialogismo, o qual decorre do processo da interação verbal5 entre enunciador e enunciatário e constitui-se, portanto, na observância da existência do outro dentro do processo de comunicação.

Para Bakhtin, a dialogicidade existe:

i. nas relações entre os textos e no interior de um texto; ii. entre enunciados e enunciação;

iii. entre os gêneros do discurso;

iv. na interação verbal entre eu e o outro.

Segundo ele, “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor”. (BAKHTIN, 2010, p.117).

Importante destacar que o outro apontado por Bakhtin não é um indivíduo inerte, passivo, pronto para receber informações; e sim um sujeito (interlocutor) capaz de interagir, de se envolver, ativamente, no processo de comunicação social.

4

Em Bakhtin (2010, p. 93) lê-se: “Na verdade, se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e lançarmos sobre a língua um olhar verdadeiramente objetivo, um olhar, digamos, oblíquo, ou melhor, de cima, não encontraremos nenhum indício de um sistema de normas imutáveis”.

5

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da

interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a

(23)

21 De acordo com essa forma de abordar a língua, a consciência do sujeito é despertada nas relações de interação com o seu interlocutor, através da relação do eu com a palavra do outro6, o que nos faz pressupor que a grande contribuição de Bakhtin foi pensar a língua/linguagem a partir de sua natureza sócio-histórica.

Por esse caminho, consideramos que perceber a língua como um processo de mudança ininterrupta, que se realiza através da interação verbal entre locutores, tem implicação para a forma como percebemos a escrita de textos. Como implicação, o ensino da produção textual não deve ser visto como uma atividade isolada, mas como uma atividade em que o sujeito usa a linguagem numa perspectiva dialógica. Assim, é fundamental considerar sempre a existência do outro e os contextos de realização de seus discursos. Conforme assumido por Bakhtin (2011, p. 294), ao afirmar que “[...] a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros”.

É nesse sentido que nos apoiamos ao longo deste estudo na terceira concepção de língua aqui apresentada.

1.2 Concepção de língua e ensino de português

Ao tratarmos sobre o ensino de língua portuguesa, não poderíamos deixar de o associarmos às concepções de língua que apresentamos, já que os eventos que ocorrem na sala de aula estão intimamente relacionados à postura teórica e ideológica assumida por cada professor.

De acordo com Antunes (2003, p. 39), “desde a definição dos objetivos, passando pela seleção dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua”.

Por esse caminho, alguns estudiosos consideram que ideologias diferentes implicam atitudes pedagógicas diferentes (GERALDI, 2004; MARCUSCHI, 2009).

6 Para Bakhtin (2010), toda palavra abrange duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de

(24)

22 Na tradição escolar, o ensino de língua tem sido relacionado ao ensino de gramática e, sobre esse aspecto Silva e outros apud Suassuna (2010, p. 121) indicam que “uma postura diferente diante da língua provocaria uma abordagem diferente da gramática e uma prática de ensino de língua também diferente”.

Seguindo nessa perspectiva, faremos uma abordagem na qual analisaremos as possíveis relações entre o objeto de estudo privilegiado no ensino de português e a concepção de língua adotada por professores de língua materna, observando que a cada instância de utilização de uma língua nos apropriamos da gramática dessa língua (NEVES, 2009).

Antes porém, observamos como Antunes (2003) que duas grandes tendências têm marcado o ensino de português: uma, centrada na língua como um conjunto abstrato de signos e desvinculado de suas condições de uso; outra, centrada na língua como interação social, vinculada às suas situações de realização.

Isso posto, à primeira concepção de língua relacionamos um ensino cuja base é a gramática tradicional7 com a transmissão de regras de uma língua uniforme e imutável. O ensino da gramática da língua, nessa abordagem, restringe-se fundamentalmente ao reconhecimento de nomenclaturas de termos e classificação das unidades da língua.

O ensino de português centrado na língua como um conjunto de regras pressupõe a existência de um modelo de língua único (o padrão), que deverá ser apreendido por todos e, por se considerar que a língua tem um caráter homogêneo, o distanciamento da norma, nessa abordagem, equivale o erro.

Antunes (2003), ao refletir sobre as atividades em torno do ensino da gramática normativa, declara que temos um ensino fundamentado numa

Gramática predominantemente prescritiva, preocupada apenas com marcar o “certo” e o “errado”, dicotomicamente extremados, como se falar e escrever bem fosse corretamente, não importando o que se diz, como se diz, quando se diz, e se se tem algo a dizer. Por essa gramática, professores e alunos só veem a língua pelo prisma da correção e, o que é pior, deixam de ver outros muitíssimos fatos e aspectos linguísticos (os fatos textuais e discursivos, por exemplo), realmente relevantes. (ANTUNES, 2003, p. 33).

De acordo com Suassuna (2009), no ensino tradicional, as próprias gramáticas (normalmente compostas de três partes: definição das unidades e elementos; exemplificação de regras de bom uso, e exercícios de identificação e aplicação de regras) são tomadas como

7 Com o termo “gramática tradicional” referimo-nos todo o corpo de doutrina gramatical elaborado na Europa e

na América, antes do aparecimento da linguística moderna no século XX. A tradição gramatical europeia teve início com os gregos e continuou com os romanos, interessados em descrever suas próprias línguas. (ILARI, 2011).

(25)

23 parâmetros para a ação pedagógica. Ora, nessa dimensão, “se a língua é um código fechado, o ensino da língua deve ter como meta essencial a capacidade de manipular esse código” (SUASSUNA, 2009, p. 74).

No modelo estruturalista do ensino de língua, os aspectos semânticos e pragmáticos praticamente são desconsiderados. Não verificamos assim oportunidades para o aluno refletir sobre os usos da língua e, por se tratar de um ensino predominantemente prescritivo8, um bom usuário da língua é aquele que se apropria das regras gramaticais. Aprender gramática implica falar e escrever bem, e não usar a gramática da língua para ampliar suas possibilidades de participação social.

A ideologia que sustenta a visão instrumentalista do ensino de língua acaba por separar forma de conteúdo, como se houvesse dois momentos: um primeiro em que se aprende a linguagem no sentido formal e um segundo em que se aprende o conteúdo transmitido por essa linguagem. (GERALDI, 2009, p. 34)

A segunda concepção de língua tem por fundamento o conjunto de regras que o falante domina e usa de forma intuitiva ao falar ou entender sua língua e está associada ao ensino de uma gramática internalizada. Essa gramática se refere a hipóteses sobre os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases e sequências de palavras de modo que suas construções sejam compreensíveis como pertencentes a uma determinada língua (POSSENTI, 2009).

Com base na maneira como os sujeitos identificam e interpretam sequências sonoras com determinadas características, supõe-se que na mente dos falantes exista um conhecimento específico capaz de lhes possibilitar esse equilíbrio. Esse conhecimento é, basicamente, de caráter lexical (capacidade dos falantes de usar as palavras adequadas aos processos), semântico (efeito de sentido que poderá ser obtido com o emprego de determinada palavra) e sintático (correta utilização da palavra na construção da sentença).

Como essa noção de língua atribui à sintaxe papel de relevância, já que na visão de Chomsky a sintaxe é o elemento criativo responsável por gerar sentenças, percebemos uma ênfase dada ao ensino dos componentes sintáticos das frases. Não raro, verificamos em nossas salas de aula a realização de atividades voltadas para a identificação de termos das orações, associada à classificação e à função desses termos de acordo com a posição que ocupam nas sentenças. Nessas atividades, distanciam-se as reflexões sobre as razões pelas quais o

8 Sobre o ensino de caráter prescritivo, Neves (2009) comenta que as gramáticas tradicionais não explicitam a

prescrição, já que normalmente não encontramos claramente as marcas injuntivas “use isto e não aquilo” ou “deve-se usar isto e não aquilo”; mas, na apresentação das regras, depreendem-se os exemplos que dizem o que a língua deve ser.

(26)

24 enunciador organizou as sentenças, sobre os efeitos de sentido construídos a partir da utilização de determinados termos dispostos numa determinada ordem; enfim, sobre os aspectos discursivos inerentes ao processo de produção textual.

Nesse contexto, Antunes (2003, p. 46) assinala que:

O grande equívoco em torno do ensino da língua tem sido o de acreditar que, ensinando análise sintática, ensinando nomenclatura gramatical, conseguimos deixar os alunos suficientemente competentes para ler e escrever textos, conforme as diversificadas situações sociais.

Isso porque, assim como a primeira, essa segunda concepção de língua também apresenta limitações, pois exclui os parâmetros externos da ação de linguagem (os enunciados, os contextos de produção,...), situa a língua numa perspectiva homogênea e nega a dimensão sócio-histórica da linguagem.

Por tudo o que já foi exposto, num ensino cujas bases são as duas noções de língua explicitadas, não são raras as atividades que privilegiam o estudo da gramática normativa e prescritiva, assim como, os aspectos sintáticos relegando-se as atividades de leitura e produção de texto a um plano secundário.

Não pretendemos aqui desconsiderar a importância do ensino da gramática da língua, mas observar o lugar de destaque dado à gramática (discurso sobre a língua) nas aulas de português; o ensino de uma gramática desvinculada dos usos reais da língua escrita ou falada, centrado em frases isoladas, sem sujeitos, sem interlocutores.

Como nos chama a atenção Antunes apud Marcuschi (2009, p. 56), “(...) não existe língua sem gramática”. Compreendemos que os discursos não são construídos de forma aleatória, existindo algumas regularidades na construção dos enunciados de forma a torná-los compreensíveis. O problema está na intensidade com que se ensinam as normas gramaticais, exigindo-se com veemência que os alunos usem as regras e justifiquem por que as usam, sem que antes seja observada a necessidade de empregá-las e a compreensão dos seus usos.

Geraldi (2003) relata que um dos grandes problemas observados é que o ensino pautado nos percursos da gramática começa pelas definições, pelas regras abstratas. Para ele, não é a gramática abstrata que nos deu uma língua em comum e, nesse sentido, importa ensinar a língua e não a gramática.

À terceira concepção de língua corresponde um ensino que se distancia das análises dos elementos internos da língua e se aproxima dos contextos de uso. Ao mesmo tempo, aponta a possibilidade de novos caminhos para as aulas de português.

(27)

25 De acordo com Suassuna (2009, p.40), “primeiramente, podemos dizer que uma nova concepção de linguagem implica uma mudança no objetivo da ação pedagógica. À luz da noção de interação, formulamos, então, a seguinte meta para o ensino de português: ampliar as formas de interação por meio da linguagem”.

Com base nessa afirmação, entendemos que uma nova metodologia de ensino está de alguma forma vinculada a um novo posicionamento sobre a concepção de língua que adotamos em nossas aulas. No ensino fundamentado na concepção de língua idealizada por Bakhtin (2010), o foco está na proposta de atividades que objetivam o domínio das habilidades de uso da língua em diversas situações concretas de produção, por meio das quais os alunos possam entender e produzir enunciados, refletindo sobre as diferentes formas de se expressar em uma língua.

Para Mendonça (2006), essa concepção de linguagem pode ajudar a repensar a atividade de produção de textos na escola, já que o texto funcionaria como o próprio espaço de interação.

Com postura semelhante, Geraldi (1997) nos diz que adotar essa nova concepção implica o reconhecimento de uma dialogicidade constante e o abandono de crenças cristalizadas por parte do professor e do aluno.

Nessa visão, “o trabalho em língua portuguesa parte do enunciado e suas condições de produção para entender e bem produzir textos” (MARCUSCHI, 2009, p.55). É dado um novo direcionamento ao ensino que terá como foco de trabalho a língua no contexto da compreensão, produção e análise textual.

Consideramos pertinente registrar que as diferentes concepções de língua correspondem a diferentes posturas no ensino de língua portuguesa e, na observação desse aspecto, concordamos com Marcuschi (2009, p. 50), quando este afirma que:

Sempre que ensinamos algo, estamos motivados por algum interesse, algum objetivo, alguma intenção central, o que dará o caminho para a produção tanto do objeto como da perspectiva. Esse fato esclarece a pluralidade de teorias e a impossibilidade de se dizer qual é a verdadeira. Todas têm sua motivação, algumas podem estar mais bem fundamentadas e outras podem ser mais explicativas. Mas nenhuma vai ser a única capaz de conter toda a verdade.

Ao mesmo tempo, não podemos deixar de registrar o que expressa Suassuna (2010, p.119): “chega a ser uma heresia pensar na linguagem sem pensar, juntamente, na natureza

(28)

26 dialógica da enunciação”, porque concebemos a língua como uma possibilidade de nos posicionar diante do mundo, de interagir no espaço social onde nos encontramos.

1.3 Concepção de texto, tipo e gênero textual

Neste estudo, consideramos importante abordar os conceitos de texto, tipo e gênero textual, apoiando-nos no fato de que, após a divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais − PCN (BRASIL, 1999)9, não só os livros didáticos começaram a diversificar os tipos e os gêneros textuais neles apresentados, como também os professores, apropriando-se do discurso da necessidade de oferecer aos alunos uma ampla diversidade de textos, começaram por inserir uma variedade desses recursos nas aulas de língua.

Para Guimarães (apud Suassuna, 2008, p. 4):

A entrada do texto em sala de aula é que veio assegurar a recuperação dos fatos reais da língua em uso [...] a leitura e a produção textual devem levar ao aperfeiçoamento da competência comunicativa do aprendiz,e , portanto, é preciso condicionar uma e outra ao conhecimento das circunstâncias que as motivam. Como todo e qualquer texto existe numa situação comunicativa, ele cumprirá sua função quanto mais atingir o nível de significação pretendido nesse contexto comunicativo.

Contudo, a introdução dos textos nem sempre veio acompanhada de uma reflexão sobre as reais contribuições destes para a ampliação da capacidade comunicativa dos alunos. Nesse processo, expressões como tipo de texto e gênero textual começaram a emergir no dia a dia dos professores e o que verificamos, no contato com docentes de língua materna, foi a falta de clareza sobre o que seria uma e outra forma de trabalho com o texto.

Mas, o que seria necessariamente um texto?

Tomando-se por base a concepção de língua como uma atividade discursiva, chegamos a encontrar certa concordância entre os estudiosos acerca da concepção de texto, tais como: o texto “é uma unidade linguística comunicativa fundamental, produto da atividade humana, que possui sempre caráter social” (BERNÁRDEZ apud SAUTCHUK, 2003, p. 3); o

9 Encontramos nos PCN para o Ensino Médio, área de Linguagens e suas Tecnologias, a seguinte informação em

relação a esse documento: cabe ao leitor entender que o documento é de natureza indicativa e interpretativa, propondo a interatividade, o diálogo, a construção de significados na, com e pela linguagem (BRASIL, 1999, p. 4)

(29)

27 texto é “o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2009, p. 71); “ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal” (VAL, 2006, p.03); texto é “toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e autossuficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação)” (BRONCKART, 2007, p. 75); “um texto é, pois, um todo organizado de sentido, [...] e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo” (SAVIOLI e FIORIN, 2001, p. 18); “tende-se a falar de texto quando se trata de produções verbais orais ou escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu contexto original” (MAINGUENEAU, 2005, p. 57).

Dessa maneira, podemos encontrar, ao menos, três aspectos comuns nas definições apresentadas: a) o texto possui uma função comunicativa e social; b) e é produto da atividade verbal; c) é situado historicamente.

Assim, partindo da concepção de língua por nós adotada (a concepção sociointeracionista), optamos por nos basear num conceito de texto que expressasse, de igual modo, a importância das relações interativas entre os interlocutores na atividade discursiva.

Para tanto, apresentamos a definição de texto de Koch (2011, p. 31):

O texto é considerado como manifestação verbal, constituída de elementos linguísticos de diversas ordens, selecionados e dispostos de acordo com as virtualidades que cada língua põe à disposição dos falantes no curso de uma atividade verbal, de modo a facultar aos interactantes não apenas a produção de sentidos, como a fundear a própria interação como prática sociocultural.

Ainda sobre a definição de texto, é importante registrar o que nos diz Bronckart (2007); para ele, se é possível nos dotarmos de uma definição genérica de texto, é interessante lembrar que os exemplares de textos observáveis10 se caracterizam por uma grande diversidade e, dessa forma, por um conjunto de características diferenciais.

Relacionando essa afirmação às atividades discursivas, percebemos que continuamente usamos diferentes formas de texto para interagir. Podemos afirmar ainda que, dada a necessidade de nos expressarmos, essas formas vão se diversificando cada vez mais.

10

(30)

28 Sobre essa diversidade textual, Marcuschi (2009) nos apresenta alguns conceitos que talvez nos ajudem a compreender melhor as formas de tratamento do texto nas aulas de língua portuguesa. Estamos nos referindo às noções de tipo e de gênero textuais já mencionadas.

O tipo textual, segundo esse pesquisador, designa uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo), caracterizando-se muito mais como sequências linguísticas do que como textos materializados.

Para Marcuschi (2009, p. 154), os tipos, “a rigor, são modos textuais”, que, geralmente, englobam poucas categorias, tais como, a narração, a argumentação, a injunção, a descrição e a exposição; o autor nos chama a atenção para o reduzido número de categorias de tipos textuais, lembrando, ainda, que não há uma expectativa de aumento para essa categorização.

A outra noção diz respeito aos gêneros textuais e tem por base a ideia de gêneros do discurso de Bakhtin (2011).

Segundo esse linguista:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.[...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferido pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. [...] Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2011, p. 261).

Nesse sentido, de acordo com Bakhtin, todos os enunciados se baseiam nos gêneros, os quais se relacionam às diferentes situações sociais.

Sobre os gêneros do discurso, Bakhtin faz várias considerações das quais destacamos: i. os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que

o organizam as formas gramaticais (sintáticas);

ii. nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras;

iii. se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos que recriá-los pela primeira vez no processo do discurso, de

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29 construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível.

Assim, a cada situação corresponde um gênero com características próprias composicionais, funcionais e estilísticas, que são responsáveis pela comunicação humana.

Para Dolz, Gagnon e Decândio (2010), uma vez que a nossa comunicação se estabelece por meio de textos,11 o texto é considerado como a unidade básica do ensino de produção e se constitui no instrumento de mediação necessário para o trabalho com a produção escrita. Os gêneros se configurariam, pois, como entidades intermediárias que permitiriam estabilizar os elementos formais e as práticas discursivas.

Tendo por fundamento as considerações de Bakhtin, é de certa forma consensual entre alguns estudiosos da linguística o conceito de gênero textual: “o gênero é apenas a realização visível de um complexo de dinâmicas sociais e psicológicas” (BAZERMAN, 2011, p. 29); “são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas” (MARCUSCHI, 2009, p. 155); “[...] postula-se, atualmente, que os gêneros textuais são artefatos culturais bastante diversificados, com uma evidente dimensão comunicativa” (SUASSUNA, 2008, p. 5). Em todos esses conceitos percebemos a estreita relação dos gêneros com a ação de linguagem e, nesse sentido, Bronckart (2007, p. 137) afirma que:

[...] Na escala sócio-histórica, os textos são produtos da atividade de linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais: em função de seus objetivos, interesses e questões específicas, essas formações elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características relativamente estáveis (justificando-se que sejam chamadas de gêneros de texto) e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados, para os contemporâneos e para as gerações posteriores.

Marcuschi (2009), enfatizando o aspecto social dos gêneros, registra que toda vez que desejamos produzir alguma ação linguística em situação real, recorremos a algum gênero textual. Segundo ele, os gêneros são parte integrante da sociedade e não apenas elementos que se sobrepõem a ela. É ainda Marcuschi (ibidem) que comenta sobre a fluidez das noções de tipo e de gênero textual, chamando-nos a atenção para evitarmos os extremismos dicotômicos que podem surgir em função dessas nomenclaturas.

Para esse autor, os gêneros não se opõem aos tipos e vice-versa; ambos são dois aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações de comunicação da vida

11 Em Marcuschi (2009, p. 27) também encontramos: “O texto torna-se a unidade linguística por excelência, pois

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30 diária. De acordo com Marcuschi (2009), as definições por ele apontadas acerca de tipo e de gênero são muito mais operacionais do que formais. Desse modo, para a noção de tipo textual predominaria a identificação de sequências linguísticas como norteadora, e para a noção de gênero textual, predominam os critérios de padrões comunicativos, ações, propósitos e inserção sócio-histórica. Em outras palavras, de maneira geral, vamos perceber que há uma grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2009).

Definidos pois esses conceitos, no tópico seguinte trataremos sobre a inserção do texto (ou dos gêneros) nas aulas de português.

1.4 O texto como objeto de ensino nas aulas de português

O texto nem sempre foi objeto de ensino nas aulas de língua, mas, sobretudo, a partir da década de 1960 nos primórdios da Linguística Textual (LT), um novo lugar foi vislumbrado para ele.

Segundo Marcuschi (2009, p. 73), esse ramo da Linguística teve como motivação inicial “a certeza de que as teorias linguísticas tradicionais não davam conta de alguns fenômenos linguísticos que apareciam no texto”. Esse mesmo autor também afirma que a LT:

Desenvolveu-se rapidamente e em várias direções [...] Dispõe, porém, de um dogma de fé: o texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à frase. E uma certeza: a gramática de frase não dá conta do texto. (idem, 2009a, p. 16)

Nesse mesmo caminho, Suassuna (2008, p. 4) afirma:

O texto como unidade de sentido passou a ser o centro do trabalho pedagógico com a língua portuguesa a partir da constatação de que o ensino tradicional, baseado na descrição e normatização do código escrito padrão, pouco contribuía para a formação do leitor e produtor de textos.

Somando-se a isso, em meados da década de 1980, com o desenvolvimento de estudos sobre a Pragmática e num momento chamado por alguns estudiosos de virada pragmática e por outros de virada discursiva, o texto passou a ser visto como unidade básica de interação humana.

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31 No Brasil, a ideia de que o texto é a base do ensino-aprendizagem de língua portuguesa contou com uma importante obra de divulgação desse princípio: O texto na sala de aula, publicado em 1984 por João Wanderley Geraldi.

Nessa obra, além de o texto ser abordado como um objeto sobre o qual se desdobra um ensino processual em leitura e produção de textos, propugna-se um deslocamento dos eixos de ensino, que se distanciam do ensino normativo e se direcionam aos processos de leitura, produção de texto e da análise gramatical ligada aos usos da língua.

Em livro mais recente, Geraldi (2003, p. 105) registra que “o trabalho com a linguagem, na escola, vem se caracterizando cada vez mais pela presença do texto, quer enquanto objeto de leituras, quer enquanto trabalho de produção”.

Contudo, esse mesmo pesquisador considera que nem sempre o texto teve a relevância que tem hoje no ensino de língua portuguesa, e sua presença nas aulas acontecia de forma muito peculiar: o texto era utilizado como modelo em vários sentidos. Segundo esse estudioso, o texto era utilizado como objeto de leitura vozeada (ou oralização do texto escrito); objeto de imitação (texto lido como modelo para a produção de texto dos alunos) e objeto de fixação de sentidos (o significado do texto era o significado dado pelo professor). Essas formas de inserção, por sua vez, afastando-se dos contextos de uso, revelam como, na atividade de sala de aula, o que poderia levar à pluralidade pode se tornar uno (GERALDI, 2003).

Acerca da inserção do texto com ênfase no trabalho de produção, o que temos observado é que, entre outras razões, numa tentativa de acompanhar as mudanças que vêm sendo propostas no ensino de línguas, alguns professores tentam lançar mão de uma prática diferenciada com o texto em sala de aula, mas sem efetivamente situá-lo na perspectiva da linguagem como interação, nem na produção de texto como uma atividade dialógica.

Por esse direcionamento, acabam por centrar o ensino da produção textual num movimento que vai desde a exposição de um modelo a ser seguido, passando pelo estudo dos aspectos composicionais desse modelo até a proposta de produção de um texto. Essa prática nos revela uma possível compreensão de que, para alguns docentes, essa metodologia já garante a formação de bons produtores de texto.

Se nos apoiarmos em algumas reflexões de Bunzen (2006), pensamos haver uma aproximação dessa prática a uma outra já difundida até meados do século XIX, na qual o

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