• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 METODOLOGIA

2.1 Paradigmas metodológicos adotados na pesquisa

Uma pesquisa não acontece de forma artificial, mas situa-se em um contexto social. Em outras palavras, ocorre em uma comunidade de pesquisadores que compartilham concepções similares em determinadas questões, métodos, técnicas, etc. (SPARKES, 1992 apud MOREIRA e CALEFFE, 2008).

Moreira e Caleffe, analisando as reflexões de Shulman (1986) sobre paradigma, sustentam a ideia de que esse é o termo mais utilizado para descrever essas comunidades, bem como, as concepções e métodos que elas partilham. É dessa forma que diferentes paradigmas proporcionam diferentes maneiras para ver o mundo e dar-lhe sentido.

Em educação, Moreira e Caleffe (2008, p. 39) dizem que:

A pesquisa educacional sempre teve vínculos muito fortes com as tradições da pesquisa nas ciências sociais. [...] A pesquisa e seus resultados facilitam a reflexão, a crítica e a maior compreensão do processo educacional, que por sua vez ajudam a melhorar a prática pedagógica.

Por esse olhar, podemos afirmar que, em educação, as pesquisas se fundamentam no desejo de conhecer com vistas a fazer algo mais eficiente ou eficaz (GIL, 2010). Também confirmam essa afirmação Lankshear e Knobel (2008, p. 14) quando afirmam:

Vários autores [...] agruparam uma série de visões amplamente compartilhadas sobre os propósitos e ideais da pesquisa pedagógica, em torno de dois conceitos fundamentais. Um deles diz respeito a melhorar a percepção do papel e da identidade profissional dos professores. O outro é a ideia de que o envolvimento com a pesquisa pedagógica pode contribuir para um ensino e uma aprendizagem de melhor qualidade nas salas de aula.

É importante registrar que a pesquisa em educação nem sempre foi desenvolvida por meio de uma perspectiva sociológica. Durante décadas, por meio do paradigma clássico, cuja

68 característica era a racionalidade técnica e instrumental, que se legitimou como modelo científico, “as diferenças, as especificidades e os detalhes dos fenômenos em estudo não tinham importância: o que valia eram exatamente as regularidades e as uniformidades observadas [...]” (SUASSUNA, 2008, p. 342). Nessa abordagem, a realidade é externa ao indivíduo.

Autores como Morin (apud Suassuna, 2008a) criticam fortemente essa abordagem da ciência clássica, registrando que alguns atributos dessa ciência são: a sustentação nos três pilares da certeza (ordem, separabilidade e lógica); a identificação da contradição com o erro científico; a separação operada entre sujeito e objeto, sendo a subjetividade tomada como fonte de erros.

Nessa mesma perspectiva, Santos (apud Suassuna, 2008), numa crítica à racionalidade científica, mostra que ela supõe a previsão do comportamento futuro dos fenômenos e tem por pressuposto a ideia de ordem e de estabilidade do mundo.

Compreendendo que esses aspectos não se aplicam à pesquisa em educação e que, nesse sentido, uma pesquisa nesse campo necessita ter outros critérios de rigor metodológico20 que ajudem o pesquisador a compreender as diversas situações de linguagem; considerando também que a subjetividade é um dos elementos inerentes à pesquisa de cunho social, adotamos um paradigma proposto em oposição à visão positivista da ciência moderna: um paradigma que “busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados” (ANDRÉ, 2007, p. 17). De acordo com essa autora, estamos falando da pesquisa descritiva, interpretativa e qualitativa.

Essa abordagem metodológica permite que o pesquisador se aproxime da escola, tentando compreender as relações e interações que constituem o seu cotidiano, os modos de organização do trabalho escolar e o papel de atuação de cada sujeito nesse espaço social (ANDRÉ, 2007).

No que se refere à pesquisa descritiva, Faria et al (2008) esclarecem que esse método possibilita ao pesquisador apresentar o seu objeto de pesquisa, procurando descrever e demonstrar como um determinado fenômeno ocorre, quais são suas características e relações com outros fenômenos.

20 Referindo-se à pesquisa qualitativa, Duarte (2000) apud Suassuna (2008a, p. 348) lembra que o rigor de uma

pesquisa dessa natureza não se mede apenas por comprovações e estatísticas, mas justamente pela amplitude e pertinência das explicações e teorias, ainda que estas não sejam definitivas nem sejam generalizáveis os resultados alcançados.

69 Cervo e Bervian (1983) acrescentam que na pesquisa descritiva o investigador observa, registra, analisa e correlaciona os fatos sem manipulá-los. Ela pode ser realizada, em particular, por técnica de coleta de dados como os questionários e a observação sistemática.

Por esses pressupostos, a nossa pesquisa se apoia nos fundamentos da pesquisa descritiva, já que nela procuramos analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas utilizadas pelos alunos.

Acerca da pesquisa interpretativa, Moreira e Caleffe (2008, p. 61) lembram:

Os pesquisadores interpretativos rejeitam a visão dos positivistas de que o mundo social pode ser entendido em termos de relações causais expressas em generalizações. Para eles, as ações humanas são baseadas nos significados sociais, tais como crenças e intenções. As pessoas que vivem juntas interpretam os significados entre elas e esses significados transformam-se por meio da interação social.

Defendem ao mesmo tempo que para alguns autores (ERICKSON, 1986; SPARKES, 1992 apud MOREIRA e CALEFFE, 2008), o termo “interpretativo” refere-se a uma família de abordagens e é muito útil por três razões, das quais destacamos: o fato de o paradigma interpretativo agregar características comuns às várias abordagens; o fato de o interesse central de todas as pesquisas nesse paradigma ser o significado humano da vida social; a sua elucidação e exposição pelo pesquisador.

Interessante é que, de acordo com Moreira e Caleffe (2008, p 61):

Os pesquisadores interpretativistas inevitavelmente estudam particularidades, mas eles diferem nas suas visões sobre até que ponto as evidências examinadas de várias particularidades possam ser expressas na forma de generalizações.

E esse é um cuidado necessário a toda pesquisa, a fim de evitarem-se as generalizações indevidas. Beck (apud Moreira e Caleffe, 2008, p. 62) explica que, no paradigma interpretativo, “o propósito da ciência social é entender a realidade social, como diferentes pessoas a veem e demonstrar como essas visões determinam suas ações dentro desta realidade”.

Acerca da pesquisa qualitativa, Lüdke e André (1986) sustentam algumas posições nas quais também fundamentamos a nossa escolha. São elas:

70 i. a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com

o ambiente e a situação que está sendo investigada;

ii. os dados coletados são predominantemente descritivos; citações são frequentemente usadas para subsidiar uma afirmação ou esclarecer um ponto de vista e todos os dados da realidade são considerados importantes;

iii. a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; nesse caso, o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas;

iv. o significado que as pessoas atribuem às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador; recorre-se, pois, às concepções dos participantes sobre o fenômeno pesquisado;

v. a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo; em outras palavras, o pesquisador não se preocupa em buscar evidências que comprovem hipóteses previamente definidas para o estudo.

Segundo esses mesmos autores, entre as várias formas que uma pesquisa qualitativa pode assumir, destaca-se a pesquisa do tipo etnográfico. Esse é um outro paradigma adotado no nosso estudo, cujo foco é “descrever, analisar e interpretar uma faceta ou segmento da vida social de um grupo e como isso se relaciona com a educação” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p. 86).

Eles seguem definindo algumas características dessa abordagem, tais como: é uma pesquisa sem igual, pois enfoca o comportamento social no cenário natural; dá crédito a dados qualitativos; tem uma perspectiva holística, que toma por base a observação e a interpretação realizadas no contexto das interações humanas; dá abertura para iniciar-se uma pesquisa com hipóteses; no procedimento e na análise dos dados envolve-se a contextualização em que os resultados da pesquisa são interpretados. Essas mesmas características foram também descritas por André (2007).

Sobre a pesquisa etnográfica, encontramos em Lopes (2006, p. 88) a seguinte definição:

A etnografia da sala de aula é uma descrição narrativa dos padrões característicos da vida diária dos participantes sociais (professores e alunos) na sala de aula de línguas na tentativa de compreender os processos de ensinar/aprender línguas. Para fazer este tipo de pesquisa é necessário participar na sala de aula como observador participante, escrever diários,

71

entrevistar alunos e professores, gravar aulas em áudio e vídeo etc., para então, tentar descobrir: a) o que está acontecendo neste contexto; b) como esses acontecimentos estão organizados; c) o que significam para alunos e professores...

Para Moreira e Caleffe (2008, p. 88) “o maior apelo da pesquisa etnográfica é poder construir, melhor do que qualquer outro tipo de pesquisa, um retrato rico e detalhado da vida humana”.

Perante o exposto, decidimos por uma abordagem interpretativa e qualitativa, do tipo etnográfico e, tendo por base as características pontuadas por Moreira e Caleffe (2008), assim como por André (2007), estabelecemos a seguinte correlação com os nossos objetivos de estudo: (1) investigamos a prática de dois professores de língua portuguesa no contexto da sala de aula em diferentes escolas; (2) as aulas observadas foram registradas em diários de campo e algumas delas, gravadas em áudio, havendo ainda entrevistas com os professores; (3) mesmo com enfoque na prática pedagógica do professor, as observações e as interpretações foram feitas tendo em conta as interações que ocorriam no espaço da sala de aula; (4) nosso estudo contou com uma hipótese inicial, ainda que não buscássemos a comprovação ou negação da mesma ao longo da pesquisa; (5) por meio das observações, buscamos compreender se os procedimentos pedagógicos davam conta daquilo a que se propunham so professores no ensino da argumentação escrita; (6) e por meio das entrevistas, observamos as concepções de professores sobre língua, texto, argumentação e ensino da produção escrita de texto argumentativo.

Gil (2010, p. 41), sobre a pesquisa etnográfica, acrescenta:

A pesquisa etnográfica apresenta uma série de vantagens em relação a outros delineamentos. Como ela é realizada no próprio local em que ocorre o fenômeno, seus resultados costumam ser mais fidedignos. [...] Como o pesquisador apresenta maior nível de participação, torna-se maior a probabilidade de os sujeitos oferecerem respostas mais confiáveis.

Esse estudioso nos diz que, embora algumas pesquisas etnográficas possam ser caracterizadas como estudos de comunidade, a maioria se realiza no âmbito de unidades menores, tais como as escolas. Em educação, as pesquisas etnográficas podem se utilizar ainda de técnicas de coletas de dados complementares como a análise de documentos e de fotografias, e a realização de filmagens.

No que diz respeito aos aspectos da indução e da descrição, André (2007) esclarece que, na pesquisa etnográfica, o pesquisador faz uso de um produtivo trabalho de descrição e

72 análise de situações de campo, sujeitos, documentos, depoimentos, etc., que por ele são reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais.

Por essas circunstâncias, a pesquisa etnográfica nos permitiu acompanhar e compreender o cotidiano de aulas de língua portuguesa na instância pública da rede estadual, em particular, o eixo da produção de textos. Assim, para além do senso comum que se estabelece sobre a prática docente e sobre o perfil dos alunos da rede pública, o acompanhamento realizado nos permitiu um novo olhar sobre o objeto de pesquisa, de forma a observar conteúdos e competências que são privilegiados no ensino de língua materna, bem como a resposta dos alunos mediante as práticas exercidas por seus professores.

Adotamos ainda na nossa pesquisa o paradigma metodológico indiciário, que pode ser também considerado “um tipo específico de pesquisa qualitativa”. (SUASSUNA, 2008a, p. 362).

Esse paradigma foi proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg a partir da ideia de que a História tradicional deixou de considerar uma série de detalhes que eram relevantes para a explicação dos fatos históricos. Nessa direção, Ginzburg (1998) apud Suassuna (2008a) buscou valorizar as ideias, as crenças e as percepções dos indivíduos ou de grupos sociais diante dos acontecimentos históricos. Em uma de suas obras, ele defende o princípio de que o historiador poderia, por esse viés, operar com pistas, sintomas e indícios, e não somente com fatos explícitos (SUASSUNA, ibidem).

Ginzburg registra que esse paradigma começou a revelar-se nas Ciências Humanas no século XIX, mas suas origens datam de períodos mais antigos. Suassuna (2008a, p. 364) afirma que “o que caracteriza esse saber é a possibilidade de o pesquisador, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa, não experimental diretamente”.

Ainda segundo essa autora (ibidem, p. 364), “o paradigma indiciário se apoia na ideia de que, sendo a realidade opaca, alguns de seus sinais e indícios permitiriam ‘decifrá-la’, no sentido de que indícios mínimos podem ser reveladores de fenômenos gerais”. Segundo Suassuna (ibidem), Ginzburg se utiliza do termo “rigor flexível” para caracterizar o paradigma indiciário. Assim, esse paradigma não trabalha com regras explícitas ou preexistentes, mas com pistas, indícios que possibilitam perceber elementos da realidade que possivelmente seriam difíceis de serem captados por outros meios de investigação. É sobre esse paradigma que Fiad (1997) apud Suassuna (2004, p. 178) argumenta:

73

Dentro do paradigma indiciário, dados singulares e particulares que, em outra perspectiva teórica, seriam considerados marginais podem vir a tornar- se reveladores e significativos. Assim, o paradigma indiciário recupera a possibilidade de examinar pormenores e marcas individuais presentes nas várias atividades humanas, entre elas, a linguagem: [...] permite ao analista ir em busca de explicações, mais do que tentar encontrar evidências para explicações e teorias já existentes.

Um exemplo interessante que encontramos a respeito do paradigma indiciário está em Pimentel (apud Suassuna, 2008a). A primeira pesquisadora, numa investigação sobre a produção de textos na escola e partindo da hipótese de que elementos constitutivos da experiência anterior dos alunos com a linguagem são reconstruídos nos textos que eles escrevem, procurou verificar nos textos indícios de leituras realizadas na escola e fora dela.

O paradigma indiciário na nossa pesquisa foi fundamental por nos permitir verificar que não foi a repetição de certas ocorrências que nos ajudou a compreender a realidade do contexto escolar de produção de texto, e sim o que havia de significativo nessas situações de produção. Isso porque “o mundo social é um mundo significativo em que os autores constroem e reconstroem as realidades de suas vidas. Qualquer ordem encontrada é criada pelos próprios atores [...]” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p. 52). À luz do paradigma indiciário pudemos observar que elementos constitutivos de experiências anteriores dos professores sobre o ensino da produção de textos foram evidenciados na sua prática pedagógica. Ao mesmo tempo, verificamos de que forma as orientações dadas por esses professores (manifestações verbais sobre como os textos deveriam ser produzidos, modelos apresentados, estrutura textual a ser seguida etc.) se expressaram como eventuais aprendizagens significativas nos textos dos alunos. É a defesa de Ginzburg (1999) apud Suassuna (2008a, p. 368) quando afirma que “manifestações singulares materializam algo das complexas relações entre os alunos, a língua e a escola”.

Em linhas gerais, portanto o nosso estudo se constitui numa pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva, interpretativa, de cunho etnográfico e indiciário, e que traz como questão central: o ensino da argumentação tem permitido o desenvolvimento de habilidades argumentativas?

Documentos relacionados