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A nova administração pública e mudanças organizacionais*

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Academic year: 2021

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A nova administração pública e mudanças

organizacionais*

Sérgio Nogueira Seabra**

SU M Á R I O : 1. Introdução; 2. A abordagem sistêmica da mudança organi-zacional; 3. A nova administração pública; 4. Considerações metodológicas; 5. Apresentação e discussão dos resultados; 6. Conclusões.

PA L A V R A S - C H A V E: nova administração pública; mudança organizacional; administração gerencial; cultura organizacional; sistema de recompensa; teoria de sistemas; estrutura organizacional.

Um conjunto de idéias administrativas, rotulado por muitos autores como nova administração pública (NAP), vem provocando mudanças em organiza-ções do setor público em muitos países ao redor do mundo. No que tange às mudanças intra-organizacionais, a principal tônica da NAP tem sido o resta-belecimento da primazia de princípios gerenciais (baseados em conceitos modernos de administração do setor privado) sobre o modelo burocrático tradicional. Neste contexto, a principal questão que se levanta é: quais mudanças são necessárias dentro das organizações públicas para que os princípios dessa administração gerencial sejam mais efetivamente assimila-dos pela organização? Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa que, baseada na teoria de sistemas, analisou as mudanças em três importan-tes aspectos organizacionais (cultura, estrutura e sistemas de recompensa) e avaliou a extensão na qual estas são reforçadas pelas mudanças nos outros componentes organizacionais. Mediante a análise quantitativa da correlação entre as respostas aos questionários aplicados numa amostra probabilística de servidores de uma organização pública brasileira, a pesquisa concluiu que as mudanças nesses três aspectos são significantemente correlacionadas entre si. Dessa forma, para que a cultura gerencial da NAP, por exemplo, seja efetivamente assimilada pela organização, mudanças nos outros elementos organizacionais serão também necessárias.

* Artigo recebido em mar. e aceito em ago. 2001.

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The new public management and organisational changes

A set of administrative ideas, labelled by many authors as the new public management (NPM), has been changing public sector organisations in many countries around the world. Regarding the intra-organisational changes, the focus of the NPM has been the re-establishment of the primacy of manage-rial principles (based on modern concepts borrowed from private sector management) over the traditional bureaucratic model. In this context, the main question raised is: what changes are necessary within public organisa-tions so that the principles of this managerial organisation are more effec-tively adopted by the organisation? This article presents the results of a research that, based on systems theory, analysed the changes in three impor-tant organisational aspects (culture, structure, and reward system) and assessed the extent to which a change in one of them is reinforced by changes in the other aspects. Through quantitative analysis of the correla-tion between the responses to a quescorrela-tionnaire applied to a probabilistic sample of civil servants of a Brazilian public organisation, the research con-cluded that the changes in these three aspects are significantly correlated. Hence, in order to have the managerial culture of the NPM, for instance, effectively assimilated by the organisation, changes in the other organisa-tional components are also necessary.

1. Introdução

As últimas duas décadas do milênio testemunharam profundas transforma-ções em burocracias do setor público de países desenvolvidos e em desenvol-vimento. Medidas para melhorar a eficiência de organizações públicas, tais como privatização, criação de agências semi-autônomas, introdução de medi-das de performance, administração gerencial baseada no business style do se-tor privado, ênfase na qualidade e em serviços públicos orientados para o cidadão, para citar apenas alguns exemplos, aparentam ter-se tornado a or-dem do dia em muitos países ao redor do mundo (Dunleavy, 1994). Esse con-junto de idéias, mais tarde conhecido como a nova administração pública (NAP), tornou-se uma das mais impressionantes tendências internacionais em administração pública (Hood, 1991).

Apesar de os estudos sobre a NAP terem avançado em muitas direções nos últimos 10 anos, a importância da análise do processo de mudança sistêmi-ca em organizações públisistêmi-cas, ou seja, da interação entre os subsistemas organi-zacionais devido à introdução de preceitos da NAP, vem sendo, surpreenden-temente, negligenciada ou, pelo menos, subestimada. A análise de mudança sistêmica procura enfatizar a interação/congruência entre os componentes or-ganizacionais depois que mudanças são implementadas em alguns desses com-ponentes. Essa análise viabiliza a investigação de relevantes questões sobre o

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processo de mudança, tais como: as mudanças prescritas pela NAP para um componente organizacional demandarão mudanças em outros componentes? Que combinação de política gerencial “funciona melhor”? Para que seja intro-duzida, por exemplo, uma “cultura gerencial” (baseada em conceitos moder-nos de administração) que outras mudanças se farão necessárias moder-nos outros componentes organizacionais, como estrutura ou sistema de pagamento? É possível existir um modelo híbrido de organização nos moldes propostos pelo plano diretor (ou seja, cultura gerencial dentro de um arcabouço formal buro-crático)?

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em uma organização pública do governo federal com o objetivo de “mapear” o pro-cesso de interação entre os princípios mais importantes da NAP e responder às questões acima. Esse processo de mudança foi analisado através das len-tes da teoria de sistemas, particularmente mediante a aplicação do “modelo de congruência de comportamento organizacional” de Nadler e Tushman (1982). Nas seções 2 e 3 serão explorados os aspectos teóricos da teoria de sistemas e algumas considerações sobre os princípios gerenciais intra-organi-zacionais da NAP. A seção 4 resumirá os aspectos metodológicos utilizados para a realização da pesquisa. Na seção 5 serão apresentados os principais resultados da pesquisa aplicada em uma organização pública federal. Por úl-timo, na seção 6 serão apresentadas as conclusões e considerações finais da pesquisa.

2. A abordagem sistêmica da mudança organizacional

A imagem de uma organização como um sistema advém do desenvolvimento da teoria de sistemas nos anos de 1950 e 1960, principalmente influenciada pelo trabalho do biologista Ludwig Von Bertalanffy (Morgan, 1997; Mullins, 1999). Tomando emprestada a teoria de sistemas vivos da ciência natural (bio-logia), defensores da teoria de sistemas afirmam que as organizações, assim como todos os organismos vivos, são compostas por subsistemas que intera-gem ente si e com o ambiente externo. Esta concepção de abertura (Mullins, 1999:99-101) sugere um processo interativo que permite que as organiza-ções recebam inputs do ambiente, submetam-nos a um processo de transfor-mação e façam retornar ao ambiente produtos e serviços (outputs).

A orientação teórica da pesquisa apresentada neste artigo está centra-da no conceito de organização desenvolvido pela teoria de sistemas, segundo o qual uma organização interage externamente com o ambiente, e seus com-ponentes organizacionais internos (subsistemas) interagem entre si.

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Essas interações levam à suposição de que mudanças no ambiente ex-terno induzem mudanças na organização e que mudanças em um componen-te organizacional (subsiscomponen-tema) componen-terão um impacto nos outros componencomponen-tes, uma vez que eles são inter-relacionados (Burnes, 1996). Pode-se, portanto, inferir que, para uma organização sobreviver em um ambiente cada vez mais competitivo, ela deve se dar conta das mudanças no ambiente externo e agir de acordo. Se, por exemplo, a demanda por um certo produto decrescer dras-ticamente, a companhia deverá adaptar-se internamente para as novas de-mandas dos consumidores.

Por analogia, a introdução de medidas da NAP, bem como as conse-qüentes mudanças em organizações públicas, podem ser analisadas por meio dessa teoria. A idéia de organizações compostas por subsistemas que intera-gem entre si possibilita a análise das questões relacionadas com a comple-mentaridade das medidas da NAP, levantadas na introdução deste artigo.

A teoria de sistemas proporciona um quadro holístico do processo de adoção da NAP, no qual organizações recebem estímulo do ambiente (input), passam por um processo de transformação e transferem para o ambiente o re-sultado desse processo (output). A análise do processo de mudança dentro da organização requer, contudo, um enfoque mais específico. De fato, uma das principais críticas levantadas contra a teoria de sistemas é que ela proporcio-na um alto nível de abstração, de pouca aplicabilidade no mundo real. Tal crí-tica, entretanto, não enfraquece por completo a utilidade prática da teoria de sistemas. Como uma teoria holística, o enfoque sistêmico facilita o entendi-mento do processo como um todo e proporciona o arcabouço geral no qual modelos mais específicos podem ser aplicados.

Dessa forma, a pesquisa de que trata este artigo utilizou o modelo posto por Nadler e Tushman (1982), que, baseado na teoria de sistemas, pro-porciona uma análise mais detalhada do processo de mudança dentro de uma organização específica. No modelo proposto, o processo de mudança que ocorre em uma organização devido à adoção das medidas da NAP pode ser analisado por meio da avaliação do relacionamento entre seus componentes internos. É necessário que haja um adequado “encaixe” entre esses compo-nentes organizacionais, uma vez que eles são inter-relacionados; quanto mais adequado esse encaixe, mais efetivas serão as mudanças na organização (Na-dler & Tushman, 1982). Quando medidas da NAP são introduzidas, devem ser esperadas mudanças em outros componentes organizacionais, de forma que se obtenha uma congruência entre esses componentes. Assim, não se pode esperar que uma cultura gerencial baseada em, por exemplo, flexibilida-de e “propensão para ação” (Peters & Waterman, 1982), entre outras caracte-rísticas modernas de administração, “funcione” dentro de uma estrutura organizacional altamente hierárquica (figura 1).

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F i g u r a 1

Visão sistêmica do processo de mudança dentro de uma organização pública

A importância da teoria de sistemas vai além da sua utilidade como uma metáfora usada por acadêmicos para analisar a mudança organizacio-nal. Suas idéias têm, na prática, sido centrais no processo de mudança que vem acontecendo em organizações do setor público. De fato, nos discursos dos reformadores da NAP prevalece a acusação de que as organizações públi-cas tornaram-se fins nelas mesmas, não respondendo efetivamente às deman-das da sociedade civil. Do ponto de vista da teoria de sistemas, os reforma-dores da NAP vêm procurando adaptar as organizações a seu ambiente, mu-dando a orientação primária de inputs e processos para os outputs e os efeti-vos resultados da organização. O objetivo tem sido evitar que elas se tornem “fins nelas mesmas, um destino comum de muitas organizações” (Morgan, 1997). Na mesma linha, Pollitt (1993) cita alguns exemplos da influência das idéias da teoria de sistemas para a administração pública. Ele enfatiza que “de-cisões e idéias de sistemas, como a administração científica, penetraram exten-sivamente os governos e o setor público, bem como o mundo dos negócios e comércio (...). A linguagem de sistemas — ‘feedback’, ‘inputs’, ‘ambiente’, ‘inter-face’ etc. — foi largamente aprendida e usada, até mesmo onde o impacto des-ses conceitos não passou muito da retórica”.

Input Output Mudança no ambiente externo: contexto econômico, político, social e tecnológico. Serviços mais efici-entes e efi-cazes, maior transparên-cia e accountabi-lity Processo de mudança Estrutura Cultura Processo de pagamento

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3. A nova administração pública

Em janeiro de 1990, durante uma aula inaugural na London School of Econo-mics (LSE), Christopher Hood usou pela primeira vez a expressão nova

admi-nistração pública (new public management) para se referir a um conjunto de

doutrinas administrativas similares em ascendência desde o final dos anos 1970 e que dominou a agenda da administração pública em muitos países (Hood, 1990:5-9). Entretanto, como Hood mesmo reconhece, esta é uma ex-pressão vaga e problemática. Ela não se refere a um movimento de reforma único e coerente, nem muitas de suas doutrinas podem ser consideradas “novas”.

O problema é que esses movimentos de reformas não seguiram o mes-mo padrão em todos os lugares no mundo. Ao contrário, eles tomaram for-mas diferentes, de acordo com o contexto particular de cada país (Hood, 1995:109; Ridley, 1996:19-29). Além disso, as mudanças na administração pública foram rotuladas de formas diversas, refletindo diferentes pontos de vista do fenômeno — alguns exemplos são “governo empreendedor” (Osborne & Gaebler, 1992), “managerialism” (Pollitt, 1993) e “paradigma pós-burocrá-tico” (Barzelay, 1992). A diversidade de padrões de reforma administrativa, adicionada às diferentes interpretações do que NAP vem a ser, dificulta uma identificação precisa do conjunto de características incluídas na expressão NAP. Como resultado, a utilidade do uso da expressão NAP para estudar es-ses movimentos de reformas administrativas é reduzida (Metcalfe, 1999). Barzelay (no prelo) sugere que “o que acadêmicos dizem sobre a Nova Ad-ministração Pública reflete a idiossincrasia das suas especializações discipli-nares”.

Apesar dessa imprecisão, algumas características relacionadas com a retórica da NAP podem ser levantadas. No caso brasileiro, o modelo do que viria a ser essa “nova administração pública” foi descrito no Plano Diretor da Reforma do Estado, editado pelo então Ministério da Administração e Refor-ma do Estado (Brasil, 1995). O plano apresenta as diretrizes para a reforRefor-ma do Estado que propõe mudanças tanto nos arranjos interorganizacionais quanto nos aspectos intra-organizacionais. Entretanto, no que tange às mu-danças dentro das organizações, objeto deste artigo, o plano diretor não forne-ce um relato detalhado das características das organizações da NAP, referindo-se apenas à introdução de uma “cultura gerencial”, voltada para resultados e baseada em conceitos modernos de administração. Um relato detalhado das atitudes e comportamentos que seriam relacionados com essa, para assim di-zer, cultura business-style é, no entanto, omitido.

As mudanças para a administração pública gerencial vêm seguindo os princípios de duas diferentes e, em alguns casos, contraditórias escolas: a nova economia institucional (new institutional economics), influenciando principal-mente os arranjos interorganizacionais, e o gerencialismo (managerialism), in-fluenciando as mudanças intra-organizacionais (Hood, 1991). O gerencialismo pode ser conceituado como a introdução de técnicas e práticas gerenciais para

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atingir objetivos preestabelecidos com mais eficiência, economia e eficácia. Como Pollitt (1993:5) afirma, o “gerencialismo é claramente uma atividade in-timamente relacionada com o direcionamento do fluxo de recursos de forma a atingir objetivos definidos”. Ele difere da administração tradicional na forma de controle adotada. Enquanto a administração tradicional enfatiza a adesão a regras e procedimentos, o gerencialismo focaliza a flexibilidade de procedimen-tos e o maior controle dos resultados. A hipótese por trás dessa teoria é que a forte ênfase que o modelo burocrático tradicional coloca no controle do proces-so, para proteger o “interesse público” contra corrupção e má conduta, tem o efeito de gerar um ambiente ineficiente. O resultado é uma complexa rede de regras e procedimentos que “amarram” os administradores públicos, dificultan-do a efetiva obtenção dificultan-dos resultadificultan-dos almejadificultan-dos. Nesse contexto, medidas de flexibilidade, controle dos resultados, ferramentas originadas no setor privado (tais como management by objectives — MBO — e total quality management — TQM) e uma cultura gerencial típica de organizações privadas têm surgido como uma prescrição para tornar as organizações públicas mais “gerenciais”.

Alguns autores afirmam que a ênfase em resultados e em mecanismos de recompensa representa um retorno à era do gerenciamento científico de Taylor ou, em outras palavras, um “novo taylorismo” (Hughes, 1998:74-6). Há certamente algumas características que lembram o “gerenciamento cientí-fico”, especialmente em relação a medidas de controle e recompensa na pro-visão de serviços públicos (Pollitt, 1993:15-6). Entretanto, caracterizar esse movimento como um “novo taylorismo” é uma incompreensão da noção de gerencialismo. Se aceitarmos o trabalho de Peters e Waterman (1982) como influente no desenvolvimento dessa “cultura gerencial” nas organizações, como provavelmente o foi (Hood, 1991; Lawton & Rose, 1994), referirmo-nos ao gerencialismo como um “novo taylorismo” é simplesmente incoerente. Basea-dos na análise das atitudes e práticas gerenciais em organizações de sucesso Peters e Waterman detalharam oito características de empresas de excelên-cia, que de forma alguma se assemelham com a administração científica de Taylor:

t uma tendência à ação (bias for action);

t proximidade do cliente/consumidor;

t gerentes com autonomia e empreendedorismo;

t produtividade por meio de pessoas (liderança e motivação de equipes);

t pessoas dirigidas e orientadas por valores;

t pessoas que procuram focar suas atividades naquilo que sabem fazer melhor;

t formas simples e aprendizagem em equipe;

t valores centrais controlados no topo da hierarquia e, ao mesmo tempo,

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Outros autores mais pragmáticos, contudo menos sofisticados em ter-mos acadêmicos, apresentaram a NAP como uma “receita de bolo” para resol-ver o problema de ineficiência e accountability de organizações do setor público de qualquer país, não importando as disparidades culturais. Em muitos casos, esta opinião é manifestada na forma de modelos prescritivos ou normativos, es-palhados mundo afora por meio de best-sellers de renomados consultores e au-tores. Reinventing government, de Osborne e Gaebler (1992), é talvez o melhor exemplo dessa categoria. Como um dos mais populares best-sellers nesse assun-to, o livro tem-se tornado a “bíblia” de muitos gerentes públicos ao redor do mundo e influenciado, sem dúvida alguma, os programas de reforma adminis-trativa. Ele apresenta uma receita para “reinventar” governos baseada em 10 vagos, embora persuasivamente apresentados, princípios que, afirmam os auto-res, serão o novo paradigma global para administração pública:

t guiar em vez de remar;

t agir como catalisador de recursos, em vez de servir diretamente;

t injetar competição na provisão de serviços públicos;

t transformar organizações orientadas por regras em organizações

orienta-das por missão;

t criar governos orientados por resultados, financiando os resultados, não os

meios;

t satisfazer as necessidades dos clientes, não da burocracia;

t enfatizar a arrecadação, em vez dos gastos;

t enfatizar a prevenção, e não a cura;

t focalizar a participação e o trabalho de equipe, em vez da hierarquia;

t alavancar mudanças por meio do mercado.

Tais preceitos têm, entretanto, sido altamente criticados por suas con-tradições e poucas evidências empíricas. Stewart (1998) enfatiza que esses “preceitos proporcionam pouca orientação prática porque eles colocam uma série de escolhas (guiar/remar, prevenção/cura, missão/regras) como se elas fossem opostas entre si, enquanto o gerenciamento efetivo requer ambas”. No mesmo sentido, Hood (1995), fazendo uso da teoria da cultura, demonstra que os preceitos de Osborne e Gaebler são muito mais incompatíveis entre si do que baseados em um tema singular coerente.

Muitos desses princípios (além de outros apresentados por outros reno-mados autores, tais como Senge e Druker) estão, de fato, embutidos na retó-rica da NAP no que tange à criação de organizações mais gerenciais e menos burocráticas. A pesquisa aqui apresentada investigou o quanto uma

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organiza-ção pública em particular vem mudando em relaorganiza-ção a alguns princípios facil-mente encontrados na retórica da NAP e avaliou, com base na teoria de sistemas, a extensão em que eles são relacionados entre si. Os aspectos meto-dológicos, bem como os resultados da pesquisa, são apresentados a seguir.

4. Considerações metodológicas

Devemos lembrar que o principal objetivo da pesquisa apresentada neste arti-go é avaliar a “congruência” entre os elementos organizacionais introduzidos na empresa. Muitos autores têm apresentado uma gama de técnicas e mode-los para medir tais congruências, variando de métodos baseados meramente na intuição a modelos matemáticos altamente complexos. Os primeiros apa-rentam não satisfazer o critério de cientificidade exigido em ciências adminis-trativas. Os últimos podem resultar em um trabalho longo e altamente comple-xo. Contudo, dado que congruência ou complementaridade podem ser enten-didas por meio da noção de que fazer mais de uma coisa aumenta o retorno de fazer mais de outra, é possível aplicar ferramentas estatísticas avançadas, embora não tão complexas, tais como análise inferencial (correlação e análi-se de fator), para avaliar tais congruências.

Os dados usados foram obtidos por meio de duas técnicas: análise do-cumental e questionários. As informações sobre a organização foram obtidas do web site da empresa e nas legislações que tratam sobre aspectos da organi-zação. Complementarmente, foi aplicado um questionário composto de 15 questões fechadas, divididas nos seguintes tópicos:

t mudança na natureza das tarefas desenvolvidas na organização (dois itens);

t mudanças quanto aos arranjos formais (três itens);

t mudanças de atitudes e comportamentos (10 itens).

O questionário usou a escala Likert para medir a opinião dos respon-dentes sobre o processo de mudança na organização. A escala Likert foi esco-lhida devido à sua comprovada eficiência em captar atitudes e opiniões dos respondentes (Procter, 1999; Robson, 1997).

A população coberta pela pesquisa compôs-se de 100 gerentes (chefes de divisão) trabalhando nas três diretorias operacionais da unidade central da or-ganização em Brasília, DF. Uma amostra probabilística representativa de 52 chefes de divisão (52%) foi projetada, com os elementos selecionados aleatoria-mente. Os elementos da amostra são representativos de cada coordenação da organização, de forma que a amostra pôde ser seguramente considerada repre-sentativa da organização como um todo. A pesquisa foi aplicada entre junho e

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julho de 2000 e obteve uma taxa de resposta de 100%, garantindo, com isso, a representatividade da amostra.

Todos os cálculos foram realizados por meio do software de estatística SPSS 10.0 for Windows 98. Para os objetivos da pesquisa foram aplicadas três técnicas de análise: análise descritiva (freqüências), análise de correlação e análise de fator.

Apesar de ter sido dada grande atenção em todas as fases da pesquisa empírica no sentido de evitar “tendências”, há limitações ou fontes de possí-veis tendências que merecem ser apontadas. A pesquisa está calcada forte-mente na opinião dos gerentes sobre o processo de mudança na organização e o comportamento deles, conseqüentemente, está sujeito ao efeito do que é socialmente desejável (social desirability effect). Assim, os comportamentos e atitudes reais podem não necessariamente corresponder à imagem que esses gerentes fazem de si mesmos (Bechhofer & Paterson, 2000:77).

Entretanto, para “driblar” este problema, ou pelo menos reduzir seus efei-tos, duas medidas foram adotadas. Primeiro, o questionário foi processado de tal forma que todos os respondentes permanecessem anônimos. Isso pode melhorar significantemente a confiabilidade dos dados, uma vez que os respondentes fi-cam mais confortáveis em expressar suas reais opiniões. Segundo, algumas ques-tões foram propositadamente introduzidas para triangular com outras fechadas, bem como com algumas questões abertas. As questões com respostas conflitan-tes e que apresentaram pouca confiabilidade foram deliberadamente excluídas do processo de análise. Espera-se que essas duas medidas, tomadas conjunta-mente, eliminem a possível tendência nas respostas dos questionários. Os resul-tados, bem como as considerações a respeito, são apresentados a seguir.

5. Apresentação e discussão dos resultados

A pesquisa apresentada neste artigo cobriu os principais aspectos de mudan-ça ligados com a retórica da NAP, no que tange a mudanmudan-ças em três subsiste-mas organizacionais, notadamente: no sistema de remuneração (introdução do pagamento por performance), nos arranjos formais (estrutura) e quanto à cultura organizacional. Neste sentido, avaliou-se a extensão na qual os efei-tos da mudança em um desses elemenefei-tos organizacionais são reforçados pe-las mudanças nos outros elementos.

Mudança no sistema de recompensa

A mudança mais significativa no sistema de pagamento, relacionada com a mudança para a NAP, foi a introdução da gratificação de desempenho e

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pro-dutividade (GDP). Essa gratificação representava um percentual do salário-base do profissional, a ser pago segundo as performances individual e institu-cional (figura 2). Dessa forma, o salário do profissional dependia não somen-te de sua performance individual, mas também da performance do seu setor de trabalho e da instituição como um todo, o que tornou possível a criação de um ambiente organizacional ao mesmo tempo avaliativo e cooperativo. A GDP, portanto, pode ser considerada um instrumento de incentivo concebido tanto para motivar indivíduos a realizar suas tarefas quanto para manter as metas individuais compatíveis com os objetivos gerais da organização.

F i g u r a 2

Composição da gratificação

Uma análise da figura 2 torna claro que a GDP foi projetada para agir como um catalisador das metas individuais (expressas em termos de quanti-dade, qualiquanti-dade, tempestiviquanti-dade, comprometimento e relacionamento inter-pessoal) com os objetivos setoriais e institucionais. Entretanto, tem havido substancial controvérsia quanto à eficácia do pagamento relacionado com

performance (PRP), tanto em motivar profissionais quanto em ajustar metas

individuais e organizacionais. De fato, sua eficácia é altamente dependente da capacidade de os profissionais verem a ligação entre “esforço” e “paga-mento” (Opsahl & Dunnette, 1992:302). Isto é um critério extremamente difí-cil de ser satisfeito na prática, especialmente em organizações do setor público (Dempsey, 1999:150-3). Os resultados da pesquisa realizada confirmam essa assunção. A ligação entre pagamento e performance não estava evidente para a maioria dos respondentes (tabela 1).

Tempestividade Quantidade de Qualidade de Comprometimento Relacionamento/ trabalho 9% trabalho 9% 6% com trabalho 3% comunicação 8% Setorial 35% 30% Global

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Da mesma forma, os resultados mostraram que a maioria dos respon-dentes não se sentia motivada com o atual sistema de performance adotado na organização (tabela 2).

A baixa percentagem de indivíduos que perceberam a ligação entre

per-formance e pagamento poderia ser uma das principais razões para o baixo

percentual de indivíduos cuja resposta confirma que o PRP age como um mo-tivador, como muitos autores argumentam (Dempsey, 1999; Opsahl & Dun-nette, 1992). Entretanto, esses resultados devem ser vistos com cautela. Uma análise mais detalhada dos dois aspectos mencionados (motivação por PRP e

T a b e l a 1

“Eu tenho sido pago de acordo com o resultado do meu trabalho.”

Resposta Freqüência Percentagem Percentual válido % acumulada

Discordo fortemente

7 13,5 13,5 13,5

Discordo 23 44,2 44,2 57,7

Não estou certo 13 25,0 25,0 82,7

Concordo 9 17,3 17,3 100,0

Total 52 100,0 100,0

T a b e l a 2

“O atual sistema de pagamento por performance motiva-me a atingir minhas metas no trabalho.”

Resposta Freqüência Percentagem Percentual válido % acumulada

Discordo fortemente

8 15,4 15,7 15,7

Discordo 19 36,5 37,3 52,9

Não estou certo 7 13,5 13,7 66,7

Concordo 17 32,7 33,3 100,0

Subtotal 51 98,1 100,0

Sem resposta 1 1,9

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percepção da ligação entre esforço e pagamento) mostrou apenas uma mode-rada correlação entre esses dois resultados (coeficiente gama = 0,438;

p<0,004).1 Além disso, a análise de tabulação cruzada entre essas duas variáveis revelou que algumas pessoas que concordaram que tinham sido pa-gas de acordo com os resultados de seu trabalho, ou discordaram ou não esta-vam certas de que o PRP tivesse agido como um motivador. Uma explicação plausível para isso poderia estar relacionada com o fato de que a compensa-ção financeira por si só não é um fator motivador (Dempsey, 1999). Herz-berg (1997), em seu célebre livro Work and the nature of man, mostrou que dinheiro é um “fator higiênico”, capaz de prevenir a insatisfação, mas não de engendrar satisfação.

Alguns autores sugerem que o PRP e a “organização informal” (cultura “gerencial”) são inconsistentes, ou até mesmo contraditórios, entre si. Stewart (1998:16), por exemplo, afirma que uma forte ênfase em metas não combina com “cultura gerencial”, uma vez que tal ênfase inibe a inovação e a flexibili-dade. No mesmo estilo, Kohn (1993) mantém que o PRP desencoraja correr riscos e trabalhar em equipe, características marcantes de uma cultura geren-cial moderna. Os resultados da pesquisa, entretanto, vão contra essas afirma-tivas. Uma análise cruzada entre as duas variáveis relacionadas com o estabe-lecimento de medidas de performance e atitudes arriscadas (risk-taking) mos-trou uma forte correlação positiva entre elas (gama = 0,627; p<0,001). Isso significa que indivíduos que perceberam medidas de padrão e performance es-tabelecidas para avaliar o resultado de suas tarefas também concordaram que eles vinham apresentando um comportamento de assumir riscos na organiza-ção (tabela 3).

1 Esse coeficiente significa que conhecer a percepção de um indivíduo sobre a ligação entre sua

performance e sua recompensa aumentaria nossa estimativa da influência do PRP sobre sua moti-vação em 43,8%. O coeficiente de correlação varia de +1 a –1, onde coeficientes perto desses extremos são considerados fortes, enquanto coeficientes perto de 0 (geralmente entre +3 e –3) não são considerados. O valor p refere-se ao nível de significância. Neste caso, significa que a pro-babilidade de obter essa correlação por mera coincidência (isto é, confirmando a hipótese nula) é menor que 0,004.

T a b e l a 3

Medidas de performance x comportamento risk-taking

Variável/resposta Risk-taking Total Discordo fortemente Discordo Não estou certo Concordo Medidas de performance s Discordo fortemente 4 1 5 s Discordo 1 9 5 1 16

s Não estou certo 2 5 4 11

s Concordo 5 8 7 20

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Uma correlação similar, embora menos forte, pode ser obtida de uma tabulação cruzada entre medidas de performance e comportamento proativo (gama=0,487; p<0,001), indicando que indivíduos que têm medidas de

per-formance estabelecidas para suas tarefas concordam que os gerentes exercem

uma atitude caracterizada como uma “predisposição para ação”. O relaciona-mento entre medidas de performance e trabalho em equipe também foi ava-liado por meio de tabulação cruzada entre as duas variáveis. Embora o coeficiente gama não seja tão alto quanto nas duas correlações anteriores (ga-ma=0,365; p<0,009), ele aponta para uma correlação positiva significante entre essas duas variáveis. A maioria das pessoas que concordaram que vêm sendo avaliadas por meio de medidas de performance também concorda que há um clima organizacional de cooperação (11 de 20). Somente duas discor-daram (tabela 4).

Essas três correlações, tomadas juntas, levantam dúvidas quanto à vali-dade da perspectiva de que o PRP desencoraja o comportamento proativo e

risk-taking. Uma explicação óbvia é que o problema não é o PRP por si só,

mas o que ele está efetivamente medindo. No caso em análise, o PRP foi pro-jetado para compensar a performance do grupo (35%, conforme a figura 2) e habilidades interpessoais e profissionais (por exemplo, comprometimento, co-municação e relacionamento) que encorajam comportamentos proativos na or-ganização.

Mudanças estruturais

T a b e l a 4

Medidas de performance x espírito de cooperação

Variável/resposta Cooperação Total Discordo fortemente Discordo Não estou certo Concordo Concordo fortemente Medidas de performance s Discordo forte-mente 2 2 1 5 s Discordo 2 1 7 6 16

s Não estou certo 3 1 4 2 10

s Concordo 2 5 11 2 20

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Em janeiro de 2000 o desenho estrutural da organização foi mudado substan-cialmente. A principal característica dessa mudança foi uma redução no nú-mero de “funções comissionadas” (DAS) e uma mudança no modo pelo qual as atividades vinham sendo agrupadas. O principal objetivo era reduzir cus-tos administrativos e, ao mesmo tempo, otimizar o agrupamento de ativida-des, de forma a prover serviços mais efetivos e eficientes para os clientes. O desenho organizacional mudou de “funcional” para um que aparentava uma mistura de “produto” e “matriz”.

A cadeia de comando hierárquico na organização, entretanto, aparenta não ter sofrido mudanças significativas, permanecendo com características do modelo burocrático clássico. No modelo weberiano, os trabalhos dos servido-res são organizados em uma hierarquia claramente definida e desenvolvida de acordo com regras, de forma impessoal e formal (Weber, 1997). Uma limi-tada discricionariedade gerencial e um processo formal de comunicação in-terna podem, por conseguinte, ser considerados corolários do modelo de Weber. Os resultados de dois itens do questionário sugerem que tais caracte-rísticas ainda prevalecem na organização. A maioria dos respondentes discor-dou ou fortemente discordiscor-dou que tenha percebido maior liberdade para a tomada de decisões. Um resultado similar foi obtido do item relacionado com a redução de barreiras burocráticas no processo de comunicação vertical e ho-rizontal da organização, embora o percentual de indivíduos que perceberam mudanças nesse sentido seja bem maior (figura 3).

F i g u r a 3

Percepção dos empregados quanto à mudança estrutural

Communication barries 1.92 28.85 17.31 25.00 26.92 Strongly agree Agree

Not sure Disagree

Strongly disagree Flexibility 1.96 17.65 25.49 41.18 15.69 Missing Agree Not sure Disagree Strongly disagree Discordam fortemente Flexibilidade Discordam Discordam Não têm Concordam Ausente 1,96 17,65 15,69 Barreira à comunicação certeza 25,49 41,18 Não têm certeza 17,31 Concordam 28,85 Concordam fortemente 1,92 Discordam fortemente 26,92 25,00

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Isso não implica que essas características do modelo burocrático não se-jam adequadas para a organização em questão. Dependendo da natureza do trabalho realizado pela organização, um processo formal e com uma flexibili-dade gerencial relativamente limitada poderá não só ser esperado como tam-bém necessário para a manutenção de valores públicos (por exemplo, trabalhos desenvolvidos por órgãos de auditoria demandam que os casos recebam trata-mento uniforme e imparcial). Esses resultados também podem ser um reflexo, em parte, da intenção do governo, expressa no Plano Diretor da Reforma do Es-tado, de manter algumas características do modelo burocrático clássico em al-guns setores do Estado, criando um tipo de “organização híbrida”, na qual a “cultura gerencial” é introduzida em uma estrutura organizacional burocrática. A questão agora é avaliar o grau de congruência entre esses elementos.

Parece haver uma contradição entre algumas características da “cultura gerencial” (principalmente comportamento proativo e risk-taking e as caracte-rísticas da estrutura burocrática clássica. Lawton e Rose (1994:179) afirmam que “encorajar indivíduos a serem mais dinâmicos, flexíveis e comprometidos não irá funcionar se a mesma estrutura hierárquica top-down ainda existir”. Os resultados na tabela 5 mostram quanto essas duas características da estrutura organizacional (flexibilidade e processo de comunicação formal) se correlacio-nam com os elementos usados para medir a “cultura gerencial”.

T a b e l a 5

Matriz de correlação:

flexibilidade, comunicação x cultura gerencial

Variável

Flexibilidade Comunicação

Gama Casos p Gama Casos p

Predisposição para ação 0,406* 51 0,024 0,439** 52 0,005

Orientação para o cliente 0,066 51 0,697 0,225 52 0,146

Risk-taking 0,265 51 0,127 0,599**

*

52 0,000

Orientação por missão 0,525**

*

51 0,001 0,678**

*

52 0,000

Ênfase nos resultados 0,307 51 0,057 0,330* 52 0,018

Espírito de cooperação 0,511** * 51 0,001 0,543** * 51 0,000 Comportamento proativo 0,437** 51 0,002 0,281* 51 0,045 Ênfase na qualidade 0,645** * 51 0,000 0,501** * 52 0,000 Comportamento de liderança 0,269 51 0,077 0,348* 52 0,017 Linguagem do setor privado 0,137 51 0,456 0,319* 51 0,038

(17)

A evidência na tabela 5 sugere que a propensão para um comportamento “gerencial” (em relação a “predisposição para ação”, orientação por missão, espí-rito de cooperação, comportamento proativo e ênfase em qualidade) é maior quando os indivíduos experimentam maior liberdade para tomada de decisão (gama>0,4). Da mesma forma, os resultados mostram uma forte correlação en-tre a variável que mede a redução de barreiras burocráticas no processo de co-municação com algumas variáveis que medem o comportamento gerencial (nota-damente “propensão para ação”, risk-taking, orientação por missão, espírito de cooperação e ênfase em qualidade).

Esses resultados confirmam a hipótese de que os indivíduos são menos propensos a mostrar comportamentos proativos, cooperativos e/ou inovado-res em um ambiente organizacional caracterizado por um processo formalísti-co de formalísti-comunicação interna e rigidez de procedimentos. Uma razão óbvia para isso é que a forte ênfase nos procedimentos formais, em contraposição aos efetivos resultados das tarefas, encoraja um comportamento de “jogar seguro”, especialmente nos casos em que erros possam levar à abertura de inquéritos administrativos (Stewart, 1998:162).

A evidência mais marcante refere-se à forte correlação entre esses dois elementos estruturais com a “ênfase na qualidade”. Os resultados revelam que quanto maior o nível de flexibilidade para tomada de decisão e do processo de comunicação informal na organização, maior é a preocupação com a qualidade. A razão associada a este resultado pode estar relacionada com o fato de que a ênfase na qualidade requer, acima de tudo, um ambiente organizacional flexí-vel e de apoio, que pode não se encaixar com o espírito da burocracia racional de Weber (Mullins, 1999: 865-9; Lawton & Rose, 1994:187-91).

Surpreendentemente, entretanto, os resultados não revelaram correla-ção entre os dois aspectos da estrutura organizacional com a variável relaciona-da com “orientação para o cliente”. Seria esperado que, para o indivíduo ser mais reativo às necessidades dos clientes, seria necessário um ambiente organi-zacional mais dinâmico e flexível. Contudo, os resultados sugerem que a preo-cupação com as necessidades dos clientes é independente das formalidades e da carga de regulamentos e regras envolvidas no processo de comunicação e to-mada de decisão na organização. É possível, claro, que esse resultado seja espú-rio. A complexa gama de relacionamentos encapsulada no termo “cliente” pode ter distorcido os resultados da pesquisa. De fato, o termo “cliente” tem sido su-jeito a acirrada controvérsia. Muitos autores afirmam que, na prática, é difícil identificar os clientes de certos serviços no domínio público (para citar alguns: Stewart, 1998:16-7; Stewart & Walsh, 1992:514; Chapman, 1999:215).

Mudança quanto à cultura organizacional

Mudança cultural refere-se às mudanças em comportamentos e valores com-partilhados entre indivíduos na organização. O objetivo aqui é identificar até que ponto as características da cultura “gerencial” têm sido incorporadas na

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organização. O termo “cultura gerencial” foi definido segundo as 10 caracte-rísticas que predominam na retórica da NAP, especialmente nos trabalhos de renomados consultores gerenciais (tais como Peters & Waterman, 1982, e Os-borne & Gaebler, 1992). Dessa forma, a pesquisa mediu quanto os gerentes concordam ou discordam que seus comportamentos e atitudes mudaram em relação aos 10 itens mostrados na figura 4.

A figura 4 apresenta um panorama geral da percepção dos servidores acerca das mudanças nos comportamentos e atitudes gerenciais na organiza-ção. Em geral, os resultados sugerem uma ligeira mudança na cultura organi-zacional no sentido de uma cultura mais “gerencial”, caracterizada por essas 10 variáveis. Se adotarmos a famosa tipologia de Handy (1993), a organi-zação aparentará estar mudando ligeiramente de uma cultura de “papéis” (roles) para uma cultura de “tarefas” (tasks).

F i g u r a 4

Cultura gerencial: percepção dos servidores quanto a mudanças de cultura para 10 características da NAP

Houve, contudo, mudanças significativas em importantes aspectos da cultura organizacional, apontando para alguns avanços em direção a uma cultu-ra mais “gerencial” (houve, por exemplo, maior ênfase na qualidade, um maior

15,4 19,2 28,8 26,9 38,5 40,4 42,3 36,6 42,3 73 25 28,8 19,2 25 23,1 19,2 19,2 32,7 34,6 19,2 59,6 50 51,9 48,1 38,4 38,5 38,4 28,7 23,1 7,7 Ê n f a s e e m q u a l i d a d e E s p í r i t o d e c o o p e r a ç ã o P r e d i s p o s i ç ã o p a r a a ç ã o O r i e n t a ç ã o p a r a o c l i e n t e C o m p o r t a m e n t o d e l i d e r a n ç a C o m p o r t a m e n t o p r ó - a t i v o Ê n f a s e n o s r e s u l t a d o s L i n g u a g e m d o s e t o r p r i v a d o C o m p o r t a m e n t o r i s k - t a k i n g O r i e n t a ç ã o p o r m i s s ã o

Negativo Incerto Positivo

Ênfase em qualidade Espírito de cooperação

Predisposição para ação Orientação para o cliente Comportamento de liderança Comportamento proativo

Ênfase nos resultados

Linguagem do setor privado Comportamento risk-taking

Orientação por missão

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espírito de cooperação, um aumento na propensão para ação e uma maior orientação para as necessidades do cliente). Os respondentes, entretanto, mos-traram uma percepção altamente polarizada no que tange a alguns aspectos da cultura organizacional (comportamento de liderança, comportamento proati-vo, ênfase em resultados e uso de linguagem do setor privado para caracterizar procedimentos gerenciais). Isso indica que esses preceitos têm sido implemen-tados de forma vacilante ou foram parcialmente assimilados na organização, possivelmente devido a resistências à mudança e/ou diferenças de estilos de gerenciamento dentro da organização.

Os dois últimos aspectos (risk-taking e comportamento orientado por missão) não aparentam ter exercido um impacto significativo na organização. Uma razão possível para o baixo nível de resposta positiva associada com com-portamento risk-taking já foi sugerida na seção anterior. O último aspecto (comportamento orientado por missão) mostrou um quadro muito interessan-te do processo de mudança cultural. Embora a organização interessan-tenha estabelecido um enfoque de “missão organizacional”, a maioria dos gerentes percebe uma clara definição de crenças e valores na organização que seja compartilhada pelo corpo funcional. Esse resultado se encaixa com os achados da pesquisa realiza-da por Talbot (1994:48), segundo os quais “embora as organizações públicas tenham introduzido a declaração de missão, muito poucas realmente conta-riam com o senso de missão de seus funcionários para realizá-la”. Uma possível explicação pode ser que a ênfase em processos, que caracteriza o “espírito da racional burocracia” de Weber, tende a sobrepor-se ao real senso de “declara-ção de missão”. De fato, uma análise da tabula“declara-ção cruzada entre as variáveis que medem o comportamento orientado por missão e dois aspectos dos arran-jos estruturais (flexibilidade para tomada de decisões e formalidades no processo de comunicação) mostrou que eles têm uma forte correlação entre si (gama= 0,53 e 0,68, respectivamente, conforme tabela 5).

Embora a figura 4 demonstre, em geral, uma mudança para uma cultu-ra “mais gerencial”, tais resultados devem ser vistos com cautela. A simples soma dos escores dados a cada variável não leva em consideração as diferen-ças nos pesos que cada uma delas oferece para a formação do conceito de cul-tura gerencial como um todo. Muito menos pode ser assumido que todas as variáveis estão, de fato, medindo os mesmos conceitos, ou, em outras pala-vras, que elas estão embasadas por um mesmo “fator”.

Para avaliar a ocorrência deste efeito potencialmente confuso, uma

análise de fator foi conduzida para identificar o número de fatores

embasan-do as 10 variáveis usadas para medir o conceito de cultura gerencial. Tal aná-lise tem um duplo objetivo: testar “se as variáveis são um indicador confiável de uma dimensão de conceito a ser medida” e identificar “quais dimensões embasam uma série de indicadores” (Pennings et alii, 1999). O método de ex-tração de fator usado foi a análise do componente principal (principal

(20)

e, por conseguinte, o detalhamento do processo de extração é um tanto com-plexo para ser explicado em um artigo como este. É suficiente dizer que, ao correlacionar cada par das 10 variáveis em uma matriz, a análise de fator

ex-traiu dois fatores com eigenvalues2 maiores que 1,00. A variável linguagem do

setor privado foi excluída da análise, uma vez que não demonstrou forte

cor-relação com qualquer outra variável da matriz de corcor-relação. Os resultados obtidos do SPSS são mostrados na tabela 6.

Os números na tabela 6 indicam o quanto as variáveis são determinadas pelos fatores indicados nas colunas. Em outras palavras, eles mostram o peso de cada variável de acordo com sua contribuição para os dois fatores identifica-dos. Para dar uma percepção mais clara do grupo de variáveis que são embasa-dos pelo mesmo fator, as variáveis da tabela 6 foram ordenadas de modo que aquelas com peso elevado sobre o mesmo fator aparecessem juntas (tabela 7). Nenhum peso menor que 0,5 em valor absoluto foi mostrado.

2 Eingenvalue é uma medida do total da variância que cada fator explica. Ela indica a

importân-cia de cada fator em explicar as variáveis em questão. Fatores com um eigenvalue menor que 1,00 são desconsiderados (Pennings et alii, 1999:99).

T a b e l a 6

Matriz de fatores girada

Variável

Fator

1 2

Propensão para ação 0,54 0,38

Orientação para clientes -0,04 0,67

Risk-taking 0,49 0,59

Orientação por missão 0,45 0,58

Ênfase nos resultados 0,04 0,78

Comportamento cooperativo 0,72 0,25

Comportamento proativo 0,81 0,02

Ênfase na qualidade 0,87 0,00

Comportamento de liderança 0,72 0,10

Obs.: Método de extração — análise do componente principal; método de rotação — varimax com Kaiser-normalização.

(21)

Os dados da tabela 7 tornam claro que essas 10 variáveis que predomi-nam na retórica da NAP em relação à cultura organizacional aparentam estar medindo conceitos diferentes. As 10 questões usadas para identificar cultura gerencial não podem, portanto, ser resolvidas dentro de uma única variável. Entretanto, torna-se difícil interpretar o significado de cada fator, de forma que qualquer tentativa de rotulá-lo pode resultar em uma escolha arbitrária. Contudo, o fator 1 pode ser interpretado como medida de algo como um “comportamento/perfil gerencial” dos servidores. O fator 2 aparenta estar as-sociado com “valores compartilhados” na organização.

Essa análise torna-se altamente importante porque permite a identifica-ção de dois conjuntos ou padrões diferentes da cultura da NAP e, assim, ava-liar a congruência da cultura gerencial com outros elementos organizacionais por meio dessas duas dimensões, em vez de confiar em uma única variável multidimensional, que pode não ser composta de um conjunto de itens relacio-nados. Mudanças em certos elementos organizacionais, por exemplo, podem exercer um forte impacto em uma dimensão da cultura, mas um impacto in-significante na outra. Desse modo, medimos a congruência entre os dois as-pectos da estrutura organizacional (flexibilidade e comunicação formal) e as duas dimensões da cultura gerencial (fatores), mediante a análise da correla-ção entre eles (tabela 8).

T a b e l a 7

Rotated component matrix: ordenação das variáveis

Variável Fator 1 2 Ênfase na qualidade 0,87 Comportamento proativo 0,81 Comportamento de liderança 0,72 Comportamento cooperativo 0,72

Propensão para ação 0,54

Risk-taking 0,50 0,59

Orientação por missão 0,58

Orientação para resultados 0,78

(22)

Os números na tabela 8 sugerem que uma maior flexibilidade para to-mada de decisão tem uma correlação significante com a parte relacionada com o perfil gerencial dos indivíduos, mas não pode informar muito sobre mudanças nas variáveis que compõem o grupo de comportamento rotulado aqui como valores compartilhados na organização. Dessa forma, quanto maior a discricionariedade gerencial que o indivíduo tem para tomada de decisão, maior a possibilidade de demonstrar um comportamento gerencial. Por outro lado, há uma significante associação entre redução de barreiras burocráticas no processo de comunicação com mudanças tanto na parte da cultura relacio-nada com comportamento gerencial quanto naquela relativa a valores com-partilhados na organização.

6. Conclusões

Este artigo examinou como os principais preceitos da nova administração pú-blica relacionados com o gerenciamento intra-organizacional interagem en-tre si e com outros elementos organizacionais.

Particularmente, analisamos a interação das mudanças quanto à cultura organizacional, estrutura e sistema de remuneração. Por meio da análise de correlação entre os efeitos da mudança em um aspecto sobre os outros aspec-tos organizacionais, procuramos avaliar o nível de congruência que os elemen-tos traduzidos da retórica da NAP guardam entre si e com outros subsistemas organizacionais. Concluímos que o efeito de algumas mudanças em um dos três aspectos relacionados é maior na companhia de mudanças nos outros. O efeito da mudança para alguns aspectos da cultura gerencial da NAP, por exemplo,

T a b e l a 8

Flexibilidade, comunicação x fator 1, fator 2

Aspecto Comportamento gerencial (fator 1) Valores compartilhados (fator 2) Flexibilidade s Coeficiente de Pearson 50,44* 50,24 s Significância (2-tailed) 50,00 50,09 s N 51,00 51,00 Barreiras de comunicação s Coeficiente de Pearson 50,42* 50,46* s Significância (2-tailed) 50,00 50,00 s N 51,00 51,00

(23)

será maior quando houver mudanças nos arranjos formais da organização, no sentido de maior flexibilidade nas tomadas de decisão, menos barreiras buro-cráticas no processo de comunicação e um sistema de pagamento que remune-re remune-resultados individuais e institucionais.

A pesquisa mostrou também que o efeito de mudanças no arranjo formal da organização sobre a cultura gerencial poderá ser mais efetivamente avalia-do consideranavalia-do as várias dimensões que estão embutidas nesse conceito de cultura gerencial. Por meio da análise de fator, concluímos que a cultura geren-cial (nos termos definidos neste artigo) poderá ser decomposta em duas dimen-sões e o impacto das mudanças organizacionais na cultura da organização será mais efetivamente avaliado se correlacionado com essas duas dimensões.

Portanto, uma adoção acrítica de preceitos e modismos que compõem a retórica da NAP poderá ser inócua. Se a “cultura gerencial”, nos termos pres-critos por autores e consultores internacionais de renome (tais como Peters e Waterman e Osborne e Gaebler, para citar somente dois), é para ser efetiva-mente implementada, mudanças no sentido de grande flexibilidade e uma re-dução de barreiras burocráticas parecem ser necessárias. A figura 5 fornece um “mapa” de como os três elementos organizacionais investigados podem interagir em um contexto de mudanças organizacionais.

F i g u r a 5

Associação entre elementos organizacionais

PERFORMANCE (avaliação, ESTRUTURA (flexibilidade e formalidade) CULTURA GERENCI AL (perfil gerencial e valores Eficácia do PRP em motivar está

fortemente associada com flexibilidade, mas é

insignificantemente correlacionada com formalidades no processo de

A flexibilidade tem uma correlação positiva moderada com o comportamento gerencial, mas não pode informar muito sobre os valores compartilhados. Formalidades têm moderada correlação positiva com a

Correlação positiva moderada entre medidas de performance e ambos os aspectos da cultura da NAP

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