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A teoria de Transformações e àreas de não sonho Transformações autísticas: uma ampliação do paradigma Celia Fix Korbivcher 1

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Academic year: 2021

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A teoria de Transformações e àreas de não sonho

Transformações autísticas: uma ampliação do paradigma Celia Fix Korbivcher1

I- Sabemos que o psicanalista em seu trabalho clínico, assim como o arqueólogo em suas escavações, descobre entre as manifestações mentais de seus pacientes fenômenos de diferentes camadas, desde as mais desenvolvidas até mais as primitivas e nessas últimas, ainda aquelas de natureza primordial. Sabemos, também, como nos lembra Bion (1957) que por traz de um funcionamento mental predominantemente neurótico, o psicanalista encontra partes psicóticas da personalidade e poderá encontrar também, partes autísticas (Tustin, 1990) e partes não integradas da personalidade (Korbivcher, 2009).

Quando predominam as partes psicóticas o individuo não é capaz de exercer a função alfa; ele registra apenas dados sensoriais brutos, elementos beta, sem diferenciar os experimentados no sonho daqueles que ocorrem na vigília. Isto resulta num estado em que o paciente não sabe se está acordado ou sonhando. (Ogden, 2010. Em níveis autísticos o paciente não tem contato com emoções. Ele não é capaz de transformar sensações corporais em elementos psíquicos permanecendo absorto num mundo dominado por sensações, sem representação na mente.

Torna-se indispensável ao analista identificar à cada movimento na sessão se o paciente está operando em níveis neuróticos, psicóticos, autísticos ou não integrados de modo a alcançar a comunicação de seu paciente. As características dos fenômenos em cada um desses níveis, como vimos, são distintas, e requerem uma abordagem específica.

O meu propósito neste trabalho é examinar áreas primitivas da mente nas quais a capacidade para sonhar encontra-se comprometida. Para isso recorro à teoria de Transformações, de Bion (1965) -transformações projetivas, em alucinose- e intruduzo a idéia da constituição de um novo grupo de transformações -transformações autísticas- (Korbivcher, 2005) de modo a ampliar esta teoria para abarcar a àrea dominada por sensações. Apresento material clinico ilustrando esses tipos de funcionamento mental e discuto a respeito das especificidades de cada um deles.

II-Bion (1962a) introduz a noção de função alfa; uma função da mente que transforma as impressões sensoriais brutas -elementos beta- em elementos alfa. Os elementos alfa armazenados possibilitam o desenvolvimento dos pensamentos, do sonhar, do devanear e do aprender com a experiência. Elemento beta são elementos sensoriais que não sofreram transformação ao nível

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psíquico pela função alfa e, portanto, não são passíveis de serem utilizados para pensamento, apenas para serem evacuados. A mãe com a sua capacidade de reverie e função alfa transforma esses elementos sensoriais em elementos psíquicos, elementos alfa, de modo a possibilitar que sejam mantidos na mente e não mais descarregados. A função alfa da mãe pode fracassar e se isto ocorrer, como diz Bion,

“o paciente não pode sonhar, e, portanto, não pode dormir. À medida que a função alfa não torna as impressões sensoriais brutas disponíveis para pensamento consciente e onírico o paciente que não é capaz de

sonhar, não pode adormecer e não pode acordar.” (p.6-7 )

Bion propõe que o sonhar capacita o individuo á adormecer e acordar e não o oposto como se supunha até então. O sonhar no estado de sono como na vigília gera uma barreira de contato que separa consciente e inconsciente. Na ausência desta, a descriminação entre mundo interno e externo, fantasia e realidade, torna-se pertubada. Aquilo que seria um sonho passa a ser um estado de alucinose; uma criação da mente do individuo independente dos fatos reais.

Bion, (1962a) define o campo de trabalho do analista é o do aprender com a experiência emocional compartilhada na sessão e Transformações (Bion,1965) um metodo de observação dos fenômenos mentais neste campo. Bion destaca diferentes tipos de transformações: tranformações em movimento rígido, transformações projetivas, em alucinose,transformações em K e -K, e em O, (ser). Nas transformações projetivas predominam os mecanismos de clivagem e identificação projetiva Nas transformações em alucinose, o indivíduo, para evitar o contato com a situação intolerável a que está submetido substitu-na por alguma outra criada por ele, independente da sua existência real. Rivalidade, inveja, avidez, roubo, juntamente com o sentido de ser inocente, são consideradas como invariantes sob alucinose.

A abordagem de Bion de uma mente multidimensional oferece a base para o desenvolvimento da idéia de outras transformações, lado a lado com as transformações neuróticas (movimento rígido) e as psicóticas (transformações projetivas e em alucinose). (Braga J. C. comunicação pessoal

III- Alguns pacientes, embora predomine neles um funcionamento neurótico, eles mantém núcleos encapsulados impenetráveis, impedindo o acesso a determinados aspectos mentais seus, semelhantes às defesas autisticas. A finalidade dessas defesas é proteger o self primordial de estados intoleráveis de não-integração. (Tustin 1990; Klein, S. 1981) Tais indivíduos apresentam uma sensibilidade e uma auto-sensualidade exacerbadas. Neles a consciência da separação corporal do objeto ocorreu de maneira abrupta, sem que tivessem meios para suportá-la. Eles vivenciam a

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separação como se partes do próprio corpo tivessem sido arrancadas, acarretando uma constante de ameaça de aniquilamento. A relação que estabelece entre eu e não eu, dá-se por meio de “objetos-sensação”; “objetos e formas autísticas” (Tustin,1986,1990). O contato sensorial com o objeto é essencial, não por representar outro objeto ou pela fantasia que ele desencadeia, mas por se tornar o próprio objeto. A falta do objeto é tampada por objetos e formas autísticas, de modo que os sentimentos de terror advindos da sua ausência sejam suprimidos. Esses indivíduos frente à vivências aterrorizadoras tendem a aderir às superfícies em contiguidade. Eles se relacionam por identificação adesiva (Bick,1986) evitando o surgimento de espaços.

Em trabalhos anteriores (Korbivcher, 2005) propus introduzir na teoria de Transformações os fenômenos autísticos. Propus acrescentar-lhe um novo grupo de transformações; as “transformações autísticas”. As transformações autísticas se desenvolvem num meio autístico, o que implica a ausência da noção de objeto. As relações entre eu e não-eu ocorrem por meio de objetos/sensação, objetos e formas autísticas sem representação na mente. Algumas das suas invariantes seriam a experiência de ausência de vida afetiva, experiência de vazio afetivo, presença de atividades auto-sensuais. Penso que com este acréscimo o analista poderá, eventualmente, se instrumentar para identificar na clínica a área de fenômenos não metalizados, dominados por sensações tão presentes em seu trabalho analítico.

IV- Material Clínico:

Pedro, 6 anos foi trazido pelos pais porque não consegue dormir. É um menino franzino. O seu andar é curvado para frente, dando a impressão de carregar um enorme peso na cabeça e nos ombros. Em nosso primeiro encontro disse; “A minha mãe me trouxe aqui porque eu não consigo dormir. Eu tenho medo dos meus sonhos. Ela disse que você poderia ajudar”! Pedro nas sessões expressa por meio de desenhos o estado mental sobrecarregado e excitado em que se encontra. Preenche com muita agitação toda a folha de papel, queixando-se que não vai caber tudo na folha de papel. Demonstra estados de muita desorganização mental e de ameaça de ruptura de seu aparelho psíquico.

André, 8 anos é um menino que apresenta dificuldades escolares. Ao entrar na sala abre a caixa de brinquedos, pega os carrinhos e se joga sobre o divã, transformando-o numa pista de corrida.. Emite sons de motor de carro intercalados com narrativas ligadas aos movimentos que fazem ao percorrerem a pista. Outras vezes enche a lata de lixo com água e coloca dentro dela diversos brinquedos e muito papel picado. Mexe tudo aquilo e diz que é uma “sopa”. Fica absorto

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observando o movimento da água, parecendo ignorar a minha presença. Tenho dificuldade em me manter ligada, sou acometida por um estado de intenso torpor. O clima é parado, sem vida. Numa dada sessão ele me pergunta: “Celia você conhece a Biblioteca do Mar Morto? É uma biblioteca onde guardam os mapas do Mar Morto, pedaços de gesso, de vasos, tudo o que sobrou. Explica que o sol bateu no mar, secou todo o mar ficando apenas sal e não existe mais vida lá.

Pedro e André apresentam características marcantes da mente primitiva, embora, o nível de desenvolvimento mental de cada um seja diferente. Pedro teme o contato com os seus sonhos e a ruptura de seu aparelho psiquico. André fala de seu mundo interior, de um Mar Morto, sem vida onde há apenas fragmentos de tudo o que sobrou. Pedro não produz propriamente sonhos, uma atividade onírica, mas uma descarga do acúmulo de elementos concreto -transformações em alucinose- que ocupam o espaço mental, o que o impossibilita de dormir, de sonhar e mesmo de acordar. André vive num mundo dominado por sensações não mentalizadas-transformações autísticas- incapazes de serem sonhadas.

V- Alguns pontos para Discussão.

1- O universo autístico é organizado por leis diferentes das encontradas nas áreas neuróticas e psicóticas. É um universo não mentalizado, dominado por sensações e não por sonhos, fantasias e emoções. Nele os parâmetros são outros. O individuo não tem a noção de um objeto separado, o que faz com que révèrie e função alfa não operem e a vida psíquica e a onírica não se desenvolva. Embora ele guarde semelhança com o fenômeno de alucinose, ele é de natureza diversa. O paciente imerso tanto em estados autísticos, quanto em alucinose não inclui nem exclui a figura do analista na sessão, ele ignora a sua presença, entretanto a qualidade da experiência emocional em ambas situações é distinta. Nas transformações autísticas o paciente permanece absorto com sensações geradas no próprio corpo de modo a manter um estado de continuidade com o objeto. Nas transformações em alucinose o paciente permanece imerso em um estado de alucinose, um estado criado por ele, independente do real.

2- Os fenômenos autísticos e os elementos beta embora guardem alguma semelhança, apresentam diferenças de qualidade. Os elementos beta servem apenas para serem evacuados de modo a aliviar o aparelho psíquico do acúmulo de tensão. O fenômeno autístico, por outro lado, é caracterizado pela sua natureza estática e por pertencer ao mundo inanimado. Diferentemente dos elementos beta, os elementos autísticos não têm a função de descarga ou de alívio, mas de proteção, principalmente em

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situações de terror diante da ameaça de não existência psíquica (Korbivcher, 2008). Assim como os elementos alfa e beta que ao serem agrupados constituem respectivamente a barreira de contato e a Tela beta, também os elementos autísticos ao serem agrupados formam uma barreira; a barreira autística. O individuo procura proteção nesta barreira, onde através de atividades auto-sensuais ele gera o objeto, um objeto com características autísticas.

3- A experiência emocional do analista nas transformações autísticas é de vazio, de falta de emoção, estimulando-o a evadir-se, enquanto nas transformações em alucinose a atmosfera na sala é intensa, plena de emoção. Nesta ultima o analista é convidado á alucinar juntamente com o paciente aqueles produtos de sua criação, devendo em seguida criart uma distância e informar ao paciente que aquelas vivências são criações da sua mente e que não correspondem aos fatos reais. Caso o paciente se conscientize deste fato o estado de alucinose poderá se atenuar e o paciente passar a operar em outro nível. Diante das transformações autísticas, entretanto, o analista necessita penetrar a barreira autística do paciente e tentar se aproximar de seu mundo inanimado conferindo-lhe vida psíquica. Só assim o paciente poderá experimentar emoções, se humanizar sem se sentir tão ameaçado .

Resumo:

A teoria de Transformações e àreas de não sonho Transformações autísticas: uma ampliação do paradigma Celia Fix Korbivcher1 Resumo A autora neste trabalho examina o comprometimento da função alfa e da capacidade para sonhar em áreas em que prevalecem estados primitivos da mente. O foco recai em níveis de funcionamento psicótico e autistico. A autora recorre à teoria de Transformações de Bion (1965), como uma teoria de observação dos fenômenos mentais na sessão. Destaca as transformações em alucinose próprias da àrea psicótica e as transformações autísticas presentes em áreas autisticas dominadas por sensações (Korbivcher, 2005). Nesses grupos de transformações a função alfa não opera, e a capacidade para sonhar está comprometida devido ao predomínio, respectivamente, de elementos beta e elementos autisticos. São apresentados materiais clínicos de duas crianças ilustrando esses dois tipos de transformações. Nas transformações em alucinose o paciente não pode dormir, nem sonhar ou mesmo acordar e nas transformações autisticas o que se verifica é a ausência de vida afetiva – um “Mar morto” Esses materiais propiciam a discussão sobre os limites do universo autistico e da psicose e suas respectivas especificidades. Esta discriminação poderá favorecer ao analista se orientar diante desse fenômenos.

Bibliografia

BICK, E. (1986). Further considerations on the function of the skin in early object relations: findings from infant observation integrated into child and adult analysis. Brit. J. Psychotherapy, v.2, n.4, p.292-9.

BION, W.R. (1957). Differentiation of the psychotic from the non-psychotic personalities. In

Second Thoughts. London: Heinemann, 1967. p. 43-64.

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_________. (1965). Transformações: Mudança do Aprendizado ao Crescimento. Rio de Janeiro: Imago, 1983

KLEIN S. (1980). Autistic phenomena in neurotic patients. Int J Psychoanal 61:395

KORBIVCHER, C. F. (2005) The Theory of Transformations and autistic states. Autistic transformations: a proposal. International Journal of Psychoanalysis, 86: 1595-1610

___________( 2009) O referencial de Bion e os fenômenos não integrados. Diluição e Queda. (Trabalho não publicado)

____________ (2010) Transformações Autísticas. O referencial de Bion e os fenômenos autísticos. Rio de Janeiro. Ed. Imago.

OGDEN , T ( 2010) Esta arte da psicanálise Sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos. Artmed Ed. Porto Alegre. RS

TUSTIN, F. (1981). Estados Autísticos em Crianças. Rio de Janeiro: Imago, 1984.

_________ (1986). Barreiras Autistas em Pacientes Neuróticos. Porto Alegre: Artes Médicas,

1990. ________(1990). The Protective Shell in Children and Adults. Karnac Books London:.

Celia Fix Korbivcher email-celiafix@uol.com.bR

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