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ECLI:PT:STJ:2009:09A0449.F2

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ECLI:PT:STJ:2009:09A0449.F2

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2009:09A0449.F2

Relator Nº do Documento

Fonseca Ramos sj2009042104496

Apenso Data do Acordão

21/04/2009

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Revista unanimidade

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

seguro de acidentes pessoais; interpretação do contrato; doença; acidente; conceitos indeterminados; causalidade adequada;

(2)

Sumário:

I) - Estipulando a apólice de um contrato de seguro de acidentes pessoais que o risco coberto é o de acidente aí definido como “o acontecimento fortuito, súbito, anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade do Autor e que nele origine lesões físicas”, constitui acidente e não doença, o facto do segurado ter durante a execução do seu trabalho, em circunstâncias climatéricas hostis e em estado de cansaço e stress, ter sido acometido subitamente de sintomas reveladores da existência de um acidente vascular cerebral (AVC).

II) – A “causa exterior estranha à vontade da pessoa segura”, para efeitos daquela cláusula da apólice, não é apenas um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, [como seria o facto de alguém caminhando na via pública ser

subitamente atropelado ou lesionado pela queda de um muro ou atacado fisicamente] pode ser um conjunto de circunstâncias, próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento que se manifestou.

III) – O acidente pessoal é externo à vítima, a doença é um facto que ocorre no interior do seu corpo por factores vários que nem sequer o estado da ciência pode determinar com rigor, pense-se no caso do cancro. Este critério não exclui que factores que possam ocorrer no decurso de

actividade profissional, possam ser incluídos no conceito de acidente pessoal, se pelo seu carácter fortuito, imprevisível e alheio à vontade do segurado causarem danos na sua saúde, como será o caso da existência de enfarto de miocárdio, num quadro em que a vítima não apresentava sinais de doença ou factores predisponentes.

IV) – A utilização de conceitos indeterminados ou normas em branco num contrato proporcionam ao julgador uma maior latitude de subsunção e adequação ao caso concreto, sempre em obediência a uma sã e proficiente interpretação da vontade negocial.

V) - Em termos de causalidade adequada, não se tendo provado que o Autor/segurado adoptou comportamento que voluntariamente concorreu para o acidente, antes sendo patente que as consequências para si drásticas, se deveram a factores imprevisíveis, súbitos e imprevistos,

importa concluir que as sequelas das lesões foram consequência do acidente que sofreu enquanto desempenhava a sua actividade, pelo que estamos, ainda aí, no domínio de uma causalidade indirecta que o art. 563º do Código Civil não exclui.

Decisão Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA intentou, em 26.11.1997, pelos Tribunais Cíveis da Comarca de Lisboa actualmente 9ª Vara -acção declarativa comum de condenação, sob a forma ordinária, contra:

“BB – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.”. Pedindo a condenação da Ré no pagamento de:

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ao ano, desde 05/04/1994 até integral pagamento;

2) as prestações mensais vencidas de 350.000$00 desde 05/04/1995 até à propositura da acção, acrescidas de indemnização pela mora à taxa de 10% ao ano até integral pagamento;

3) as prestações vincendas de 350.000$00 mensais até 05/04/2000, perfazendo 9.800.000$00, acrescida de indemnização pela mora à taxa legal de 10% ao ano, até integral pagamento.

4) a condenação da Ré como litigante de má fé numa indemnização não inferior a 1.000.000$00. Para tanto alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um seguro de acidentes pessoais que lhe confere o direito a, em caso de acidente gerador de invalidez permanente, receber de imediato 2 mil contos, seguido de uma renda mensal de 350 contos durante cinco anos.

Em finais de 2004 o Autor foi contratado por uma firma como despenseiro numa plataforma petrolífera, para a qual se deslocou, iniciando desde logo trabalho intenso.

Quando inventariava existências numa câmara frigorífica teve um desmaio, seguido de dormência de um braço e cefaleias, impedindo-o de trabalhar.

Deitou-se e acordou no dia seguinte paralisado do lado direito.

Foi internado num Hospital, transferido para outra Clínica e daí para Portugal, onde ficou internado em Santa Maria. Teve alta, algum tempo depois, mas ficou com uma atrofia dos músculos deltóides e hipostemia do lado esquerdo, o que significa uma quase paralisia total dos membros superiores. Apesar de efectuar tratamentos e novos exames, o Autor jamais conseguiu melhoras significativas. Contactada a Ré, esta deu a conhecer que entendia que a situação não era abrangida pelo

seguro, por se tratar de doença profissional.

Mais tarde veio a Ré a recusar o pagamento defendendo que a situação não constitui acidente por resultar de uma acção continuada, previsível e evitável. Apesar de ter apanhado paludismo em África, o qual lhe foi detectado mal teve cuidados médicos, não foi esta a causa da paralisia que sofreu.

A Ré contestou, pugnando pela absolvição do pedido.

Defende que a incapacidade que afecta o Autor resulta de doença e não de acidente, tal como definido nas condições particulares do seguro em causa, pois resulta de acção continuada, previsível e evitável.

Realizou-se audiência preliminar onde, frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, não tendo havido

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Realizou-se perícia médico-legal. Foi rejeitado articulado superveniente apresentado pelo autor. Determinou-se a realização de nova perícia.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida decisão quanto à matéria de facto, que não mereceu reclamação.

***

A final foi proferida sentença nos seguintes termos:

“ Pelo exposto, julgo procedente a acção e, consequentemente:

a) Condeno a Ré no pagamento da quantia de € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, às sucessivamente vigentes taxa supletivas para os juros comerciais, desde a data da participação, 5 de Abril de 1995, e até integral pagamento.

b) Condeno a Ré no pagamento da quantia de € 104.747,40 (cento e quatro mil, setecentos e quarenta e sete euros e quarenta cêntimos), correspondentes a cinco anos de rendas mensais de € 1.745,79 (mil, setecentos e quarenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescidas de juros de mora, às sucessivamente vigentes taxas supletivas para os juros comerciais, desde a data de vencimento de cada uma das rendas, ou seja, de 5 de Abril de 1995 a 5 de Março de 2000, e até integral pagamento.

c) Absolvo a Ré da peticionada condenação como litigante de má fé. […]”.

***

Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 9.10.2008, fls. 788 a 807 – IV Volume – negou provimento ao recurso e confirmou a sentença apelada.

***

De novo inconformada a Ré recorreu para este Supremo Tribunal, [juntando dois Pareceres de Eminentes Professores de Direito – fls. 889 a 933 e 934 a 974 –] e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Entre a ora Recorrente e o Recorrido foi celebrado um Seguro de Grupo, do Ramo Acidentes Pessoais, denominado “Seguro Preciso”, titulado pela apólice n.°00000003, a que corresponde o certificado Individual n.°0000032;

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sofridas pela Pessoa Segura, em consequência de Acidente emergente de Risco Profissional e Extra-Profissional, incluindo a utilização de meios de transporte regular e prática acidental de desporto como amador (cfr. Doc. n.°3 junto com a p.i.);

3. Sendo o «acidente» o factor que, no seguro de acidentes pessoais, faz surgir a obrigação de prestar a cargo da seguradora, ele foi definido pelas partes, na cláusula 2•a, § 2, das condições particulares, como sendo: o “acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da Pessoa Segura”.

4. Para extrair um sentido interpretativo da definição de «acidente» que as partes realizaram no contrato, deve socorrer-se o intérprete do regime constante dos artigos 236.° a 239.° do Código Civil, que, na ausência de qualquer específica disposição das partes sobre a interpretação das suas declarações de vontade, configura o repositório dos instrumentos a utilizar na interpretação do negócio jurídico.

5. Nos termos do artigo 236.° do Código Civil, a interpretação de uma cláusula negocial deve ser feita em sentido objectivo, tal como seria entendida por «(...) um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (...)”

6. Assim, determina-se, no artigo 236.°, n.° 1, do Código Civil, que a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, teria deduzido do comportamento do declarante.

7. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência com o texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.

8. Analisada a definição de acidente de que as partes se socorreram, ressalta desde logo a circunstância de que optaram por utilizar na definição determinados conceitos de que o legislador também se socorre como elemento de normas jurídicas que consagra; utilizaram, portanto,

conceitos jurídicos: «acontecimento fortuito»; «acontecimento súbito»; «acontecimento anormal»; «acontecimento devido a causa exterior» e «estranha à vontade da pessoa segura».

9. Ora, esses conceitos são conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, são conceitos cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos, e que o legislador utiliza frequentemente nas normas que elabora como meio de consagrar um modelo de decisão, ao aplicador do Direito, que lhe permita adequar a rigidez das soluções consagradas nas normas jurídicas às características dos casos concretos.

10. As partes, no contrato constante dos Autos, utilizaram determinados conceitos jurídicos para a caracterização de uma determinada realidade, tendo pretendido socorrer-se do sentido que aqueles conceitos assumem nas normas em que se integram como um elemento da previsão das mesmas. 11. Por conseguinte, as partes socorreram-se da lei para utilizar conceitos no mesmo sentido que estes têm para aquela.

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12. Ora, o conceito de evento fortuito significa o evento que o homem não pode prever, nem desviar naturalmente, ou seja, é um facto imprevisível e irresistível.

13. Para além da noção de “evento fortuito”, de que se socorreram as partes, é patente a

proximidade dos demais conceitos utilizados (evento súbito, anormal, derivado de causa exterior) dos que estão patentes, também na lei, a propósito dos acidentes de trabalho.

14. Tanto a sucessão de diversos diplomas legais sobre o tema, bem como o labor doutrinário e jurisprudencial, permitem fixar o acidente de trabalho como o que pressupõe que seja súbito o seu aparecimento.

15. O qual assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e deriva de factores exteriores.

16. O acidente de trabalho é, normalmente, causa de uma lesão corporal, física ou psíquica; mas, em determinados casos, pode estar na origem de uma doença.

17. Por seu turno, as doenças profissionais, que se encontram reguladas nos artigos 27.° e ss. da Lei n.°100/97 e no Decreto-Lei n.° 248/99, de 2 de Julho, resultam do exercício de uma actividade profissional.

18. Daí que, por via de regra, a doença profissional é de produção lenta e progressiva surgindo «de modo imperceptível».

19. Relativamente a tais conceitos, no domínio dos acidentes de trabalho, a subitaneidade não carece de ser absoluta, bastando que a ocorrência não seja de aparecimento lento e progressivo, por oposição ao que acontece com as doenças profissionais, como se referiu; e que a exterioridade deve ser vista como não inerente à própria pessoa da vítima.

20. Tendo em conta o sentido dos conceitos jurídicos utilizados pelas partes na definição de

«acidente», constante do 2 da cláusula 2•a das condições particulares, há que compatibilizar duas situações: por um lado, a noção de evento fortuito com a noção de evento anormal, já que as duas situações podem apontar no sentido de imprevisibilidade, não sendo razoável aceitar que as partes tivessem utilizado dois conceitos distintos para significar uma mesma realidade;

21. Por outro lado, será necessário distinguir a «causa exterior» da que é «estanha à vontade da pessoa segura», já que um dos entendimentos de causa exterior, no regime dos acidentes de trabalho, é, precisamente, a independência relativamente à vontade da vítima do acidente. 22. Nessa linha, acidente, tal qual as partes o configuraram, é o evento inevitável e imprevisível, que se apresenta em desvio marcante ao curso regular das circunstâncias habituais e que, sendo provocado por circunstância exterior ao organismo do lesado, sem que ele tenha culpa na sua produção é, por si só, adequada a causar-lhe lesão corporal.

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ao longo de três dias no interior do seu corpo, não tendo sido despoletado mas antes concatenado nas suas causas pois que as sequelas deveram-se a oclusão dos vasos associada a processo inflamatório dos plexos braquiais (resposta ao quesito 1° do objecto da perícia).

24. A palavra processo, - seja ele patológico ou inflamatório - pressupõe um encadeamento, uma sucessão de acções; processo, significa o acto de proceder ou agir, é uma realidade dinâmica, carece do decurso de um certo lapso de tempo.

25. Nos autos consta que o ora Apelado ressentindo-se do esforço despendido (ponto 76), tivesse ido para a cama repousar (ponto 78), aí tendo permanecido o resto do dia 22.12.1994 e toda a madrugada do dia 23.12.1994 (ponto 79), e só no dia seguinte, 23/12/1994, é que acordou paralisado do lado direito (ponto 80).

26. Essa sucessão de factos e o lapso de tempo que entretanto decorreu, estão em oposição com a subitaneidade que a definição de Acidente do contrato dos autos exige.

27. O Acórdão agora sub judice fundamentou a sua decisão essencialmente na constatação de que a pessoa segura sofreu determinadas lesões na sequência de uma plexite braquial bilateral, ou seja, uma inflamação do plexo nervoso que, como tal, se não pode qualificar, em termos médicos, como sendo uma doença, mas antes como «o sintoma de uma doença ou manifestação de outros tipos de causa».

28. Porém, um AVC-Acidente Vascular Cerebral e plexite braquial bilateral, de causa vascular orgânica e definida corresponde a uma doença objectivamente comprovada (Conf. resposta ao quesito 7° do objecto da perícia);

29. No entanto, o que releva é a qualificação de acidente em sentido técnico-jurídico, tendo em conta a definição realizada pelas partes nas condições particulares, e não em sentido médico, pois o que em linguagem médica pode ser apelidado de «acidente» (por exemplo, acidente vascular), pode ou não ser acidente em sentido jurídico.

30. Assim, para efeito de determinação da existência de um acidente pessoal importará basicamente atender a três aspectos da ocorrência: a sua subitaneidade, exterioridade e imprevisibilidade.

31. De acordo com os factos provados, as lesões de que padece a pessoa segura pelo contrato de acidentes pessoais em análise — atrofia dos músculos deltóides e bipostemia do lado esquerdo, ou seja, uma paralisia quase total dos músculos superiores — foram desencadeadas por «um processo patológico que ocorreu no interior do corpo do Autor» ( 83 dos factos provados) ou, sendo mais específico, por uma «plexite braquial bilateral, de causa vascular, orgânica».

32. A plexite braquial bilateral configura efectivamente uma circunstância (evento) súbita, no sentido de que a sua produção ocorreu em período curto, delimitado no tempo.

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factores exteriores: a conjugação de esforço físico, a variação de temperaturas, o stress emocional, etc.

34. Em razão do que será necessário concluir que, no caso em análise, aqueles factores exteriores se conjugaram com determinados outros factores, que são desconhecidos, e que configuravam predisposições orgânicas da pessoa segura para que o resultado se produzisse.

35. Nesse sentido, considerando que a causa exterior deve ser entendida como uma causa estranha ao organismo da pessoa segura, esta deverá ainda ser, por si só, idónea a causar tal lesão. Porém, no caso dos presentes autos, a lesão não foi causada em virtude de causa exterior, nos termos constantes do 2 da cláusula 2a das condições particulares.

36. Deve para mais referir-se que as circunstâncias exteriores causadoras das lesões se configuraram de acordo com o que é normal acontecer, tendo em conta o constante no 58 dos factos provados.

37. Não se pode afirmar que o evento surgiu como uma realidade imprevisível, inevitável e anormal, nos termos supra caracterizados.

38. A actividade na plataforma petrolífera é, pela sua própria natureza, e de forma constante,

bastante intensa; implica regularmente desgaste, stress e sujeição a elevadas amplitudes térmicas, como se deu por provado no caso em análise.

39. O risco de verificação de problemas de saúde, nessas circunstâncias em que o corpo humano é sujeito a adversidades extremas, é elevado, conforme decorre das regras de experiência: a

verificação de um acidente vascular cerebral nessas circunstâncias não é, de todo, completamente inesperado, ainda que não seja de verificação frequente.

40. Tais conclusões retiram-se por processo exegético de toda a matéria de facto dada como provada nos presentes Autos, pelo que a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa antes resultou de uma pura e simples aplicação judiciária do silogismo jurídico, remetendo-se a uma tarefa exegética que, salvo o devido respeito, ademais de pouco elaborada é também pouco consentânea com as chamadas apreciações requeridas.

41. Conforme bem refere Karl Larenz “o peso decisivo da aplicação da lei não reside na subsunção final, mas na apreciação, que a antecede, dos elementos particulares da situação de facto

enquanto tal, que correspondem às notas distintivas mencionadas na previsão [da norma]” (in Metodologia da Ciência do Direito, Munique, Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª edição, 1997, p. 399).

42. Ficaram, portanto, por concluir e densificar no Acórdão ora recorrido, “juízos baseados na percepção”, “juízos baseados na interpretação da conduta humana”, “juízos de valor”, bem como “outros juízos proporcionados pela experiência social” (idem, pp. 399 a 413), os quais impõem necessariamente ao julgador o abandono do conceito de óbvio e a sua reverência ao conceito construtivo de julgar.

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43. Nesse sentido, verifica-se que aquele evento não era verdadeiramente imprevisível e anormal e poderia ter sido evitado, se adoptadas adequadas medidas de acompanhamento médico que

permitissem avaliar a aptidão do organismo da pessoa segura ao desgaste a que seria sujeito e mesmo que possibilitassem avaliar, de forma periódica, o impacto que esse desgaste estaria a causar no organismo.

44. Por conseguinte, o caso em análise não configura um acidente, tendo em conta a definição do § 2 da cláusula 2ª das condições particulares do contrato de seguro de acidentes pessoais em

análise.

45. Em suma, ao decidir como decidiu, além de ter violado o texto da Apólice contratada entre as partes, o Acórdão ora colocado em crise violou, também, o disposto no art. 427° do Código Comercial, o disposto nos arts. 236.°, 342.° e 405.° do Código Civil, bem como o art. 659.°, nº2, do Código de Processo Civil (ex-vi do art. 713.°, nº2, do mesmo Código).

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso de Revista, revogando-se o Acórdão recorrido.

O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que o Acórdão considerou provados os seguintes factos:

1. O Autor tem o curso de chefe de cozinha da Escola de Hotelaria de Lisboa - (alínea A).

2. O Autor encontrava-se abrangido por um Seguro do Grupo de Acidentes Pessoais da Ré, desde 26.09.90, primeiro com o certificado individual n.º 373/2, depois n.º 597/4 e actualmente n.º

41099632 – cfr. documentos de fls. 24 a 29 - (alínea B).

3. Esse Seguro cobre os riscos de morte ou invalidez permanente do Autor, equiparando-se à invalidez a 100% a incapacidade ou desvalorização superior a 50% - (alínea C).

4. O Seguro cobre ainda as despesas de tratamento decorrentes de acidente do Autor - (alínea D). 5. Em caso de invalidez permanente, o Autor tem direito a receber, de imediato, uma quantia de Esc. 2.000.000$00 e uma renda de Esc. 350.000$00/mês durante 5 anos, num total de

23.000.000$00 - (alínea E).

6. O referido Seguro cobre as lesões corporais do Autor, em consequência de acidente emergente de Risco Profissional e Extra-Profissional, considerando-se acidente, nos termos clausulados, o acontecimento fortuito, súbito, anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade do Autor e

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que nele origine lesões físicas - (alínea F).

7. Em meados de Dezembro de 1994, o Autor foi contactado pela CATERMAR – Companhia Hoteleira Marítima, S.A., para trabalhar como despenseiro (Boss Camp) da plataforma petrolífera SELDEX10, em Cabinda – (alínea G).

8 . A CATERMAR, S.A. é uma empresa que presta serviços de fornecimento e confecção de refeições a empresas industriais em todo o mundo – (alínea H).

9. O Autor foi contactado para trabalhar em Cabinda, Angola, chefiando e coordenando uma equipa que confeccionava as refeições para os trabalhadores daquela plataforma petrolífera - (alínea I). 10. Em 19.12.94 o Autor assinou contrato de trabalho como despenseiro para trabalhar na plataforma petrolífera Seldex 10, em Cabinda – cfr. doc. de fls. 30 a 32 - (alínea J).

11. Tais contratos normalmente têm a duração de 6 meses, após os quais os trabalhadores são substituídos por novos contratados - (alínea L).

12. O Autor ia substituir um despenseiro que findara o seu contrato de 6 meses com aquela Catermar - (alínea M).

13. À 01.00 hora da manhã de 20.12.94, o Autor viajou de avião, directo de Lisboa para Angola, escalando Luanda e seguindo de imediato para a plataforma petrolífera em Cabinda, onde chegou no mesmo dia, após mais de 12 horas de voo e transferências de avião - (alínea N).

14. No dia 20.12.94, o Autor começou o seu trabalho como despenseiro na plataforma petrolífera - (alínea O).

15. No dia 22.12.94 procedeu, conjuntamente com o despenseiro que foi substituir, ao inventário das existências alimentares numa Câmara frigorífica, desenvolvendo esforços intensos, com a deslocação de carcaças de reses - (alínea P).

16. Nesse mesmo dia, o Autor desmaiou, e ao acordar revelava dormência do braço direito e cefaleias intensas - (alínea Q).

17. No dia seguinte, em 23.12.94, o Autor acordou com paralisação total do lado direito, sendo internado no Hospital de Malongo, Cabinda, onde lhe prestaram os primeiros cuidados - (alínea R). 18. No dia seguinte, em 24.12.94, foi transferido para Luanda e internado na Clínica Sagrada Esperança, uma vez que em Cabinda não podiam dispensar-lhe os cuidados médicos que necessitava - (alínea S).

19. Na Clínica da Sagrada Esperança esteve internado 5 dias e em 29.12.94, após exames clínicos, foi elaborado o relatório médico no qual se aventam as várias hipóteses explicativas do acidente e se conclui pela necessidade de outros exames, indisponíveis em Angola, sugerindo-se a

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evacuação do Autor para Portugal – cfr. doc. de fls. 34 a 36 - (alínea T).

20. Nesse relatório historia-se o acidente, fixando-se os primeiros efeitos físicos no Autor, detectando-se também paludismo (plasmodium falciparum) - (alínea U).

21. O Autor deslocou-se em trabalho para Angola, sem vacinação especial - (alínea V). 22. Em 29.12.94 o Autor foi evacuado, via aérea, de Angola para Portugal, a expensas e acompanhado por médico da Catermar, com destino ao aeroporto da Portela – (alínea X). 23. O Autor chegou a Lisboa em 30.12.94, sendo recebido no Aeroporto da Portela pela sua entidade patronal e internado no mesmo dia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa - (alínea Z). 24. No Hospital de Santa Maria realizaram-se vários exames médicos complementares,

necessários ao esclarecimento das causas do acidente, mantendo-se o internamento do Autor na unidade de cuidados intensivos até 15.02.95 - (alínea AA).

25. Em 24.02.95 o Autor recebeu alta clínica do Hospital de Santa Maria, com indicação para manter actividade de reabilitação - (alínea AB).

26. No relatório de alta, conclui-se que o Autor mostrava atrofia marcada dos músculos deltóides bilateral e hipostemia do hemicorpo esquerdo, o que significa em termos práticos, que o Autor estava paralisado, quase totalmente, dos membros superiores - (alínea AC).

27. Após a alta hospitalar o Autor continuou com acompanhamento médico e sessões de

fisioterapia às zonas afectadas mas sem quaisquer resultados quanto á recuperação da tonicidade dos músculos e mobilidade geral - (alínea AD).

28. Em 05.04.1995 o Autor escreveu à Ré uma carta participando o seu acidente e exigindo o cumprimento do clausulado do seguro de acidentes quanto à indemnização e tratamentos – fls. 141 -(alínea AE).

29. Em 13.04.1995 a Ré respondeu por carta, afirmando que o acidente do Autor não estava

coberto pelo seguro, entendendo existir antes uma situação de doença profissional – cfr. doc. de fls. 41 - (alínea AF).

30. Em 08-05.1995, após nova série de exames no Hospital de Santa Maria, foi elaborado novo relatório clínico, do qual se retira a inexistência de melhoras no Autor – cfr. doc. de fls. 42 e 43. -(alínea AG)

31. Toda a musculatura deltóide do Autor se encontra atrofiada, sem hipótese de recuperação -(alínea AH)

32. Apesar da sua resposta negativa, a Ré propôs ao Autor que se deslocasse a Navarra, à Clínica Universitária, com quem tem protocolo, para ser submetido a testes médicos exaustivos e a

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avaliar-se da sua situação física.

33. De 11.05.1995 a 27.05.1995, o Autor foi examinado por especialistas daquela Clínica Universitária e submetido a exames médicos rigorosos, concluindo-se em 20.05.95, provisoriamente, pela sua invalidez dos membros superiores - (alínea AJ).

34. Esse relatório viria a ser confirmado por outro, definitivo, de 27.05.1995, mantendo-se o diagnóstico, confirmando-se as lesões físicas e as conclusões profundamente negativas quanto à sua evolução, esclarecendo que o Autor necessitava de auxílio de terceiros para a sua vida quotidiana – cfr. doc. de fls. 50 a 57 - (alínea AL).

35. Em 10.07.95, novamente em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, o Autor foi submetido a novos testes clínicos e físicos para avaliar das suas melhoras, considerando-se como diagnóstico final um acidente vascular cerebral e plexite braquial bilateral, originados pelo esforço desenvolvido no trabalho em Cabinda, pelas súbitas mudanças de temperatura, stress e cansaço, conjuntamente o paludismo – cfr. doc. de fls. 58 - (alínea AM).

36. Em 14.07.1995, após observação, o Centro de Estudos Egas Moniz emitiu relatório de

electromiografia, concluindo também pelas mesmas lesões no Autor – cfr. doc. de fls. 59 - (alínea NA).

37. Novamente em 14.05.1995 o Autor escreveu à Ré apelando ao cumprimento do contrato de seguro de acidentes pessoais, conforme os relatórios da Clínica de Navarra – cfr. doc. de fls. 60. -(alínea AO).

38. Com esta carta o Autor juntou também os relatórios do Hospital de Santa Maria, pronunciando-se pela existência de acidente e descrevendo as causas e efeitos - (alínea AP).

39. Juntou ainda um relatório clínico da Profª Dr.ª Lourdes Sales Luís, Docente Universitária de Neurologia e Directora dos Serviços de Neurologia do Hospital de Santa Maria, pronunciando-se pela existência de um acidente, suas causas e efeitos – (alínea AQ).

40. Em 26.09.1995 no Hospital de Santa Maria, Lisboa, foi elaborado novo relatório clínico do estado de saúde do Autor, indicando-se as causas do acidente e a sua incapacidade actual – cfr. doc. de fls. 61 - (alínea AR).

41. Dele resulta também a incapacidade permanente absoluta em mais de 60% da sua capacidade de trabalho, ocasionada pelo acidente - (alínea AS).

42. Em 16.11.1995 novamente o Autor se submeteu a exames na Clínica recomendada pela Ré em Espanha, considerando-se existirem fracas melhoras – cfr. doc. de fls. 62 a 66 - (alínea AT).

43. No âmbito da sua relação laboral, em 05.12.95 o Autor participou o acidente aos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho da Comarca de Almada, por ser aquela onde então residia – cfr. doc. de fls. 67 a 68. - (alínea AU).

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44. Em 20.03.1996 foi promovido pelo Ministério Público no âmbito do processo 80/96-AT uma tentativa de conciliação com exame médico, no qual se definem as lesões físicas do Autor ocasionadas por esforço físico intenso, cansaço e stress emocional, em exposição a mudanças bruscas de temperatura, estabelecendo-se uma IPP (Incapacidade Profissional Permanente) de 67% - cfr. doc. de fls. 69 a 73 - (alínea AV).

45. Em 10.04.1996 novamente no Hospital de Santa Maria, foi elaborado relatório clínico,

concluindo manterem-se as lesões do Autor descrevendo-se as circunstâncias do acidente – cfr. doc. de fls. 74 - (alínea AX).

46. Em 24.04.1996, mais uma vez o Autor aceitou submeter-se a exames em Espanha, na Clínica da Ré, mantendo-se as mesmas conclusões anteriores quanto ao seu estado físico – cf. doc. de fls. 76 - (alínea AZ).

47. Em 07.05.1996 a Ré escreveu ao Autor assumindo as despesas com os tratamentos e

diagnósticos na Clínica Universitária de Navarra, mas ao abrigo de um outro seguro, este de saúde, que o Autor mantém com aquela, negando-se ao cumprimento do Seguro de Acidentes Pessoais – cfr. doc. de fls. 80 - (alínea BA).

48. Em 13.05.1996 novamente a Ré escreveu ao Autor, negando-se ao pagamento no âmbito do seguro de Acidentes Pessoais, mas desta vez com novo entendimento quanto ao acidente do Autor – cfr. doc. de fls. 81 - (alínea BB).

49. Nessa mesma carta escreveu a Ré que “não sendo a lesão em questão um acidente de

trabalho mas sim uma doença verificada no trabalho e por não se ter encontrado (em qualquer dos relatórios apresentados) algum nexo de causalidade entre a lesão sofrida e as condições físicas do segurado, o stress, as variações de temperatura e demais circunstancialismos, reiteramos a nossa posição de que neste caso não se enquadra na previsão do Seguro “Preciso” – Acidentes

Pessoais, pelo que iremos, nesta data, encerrar o processo aberto aquando da sua participação -(alínea BC).

50. O Autor é profissional de restauração há muito tempo - (alínea BD).

51. Para além da sua vida profissional, o Autor sempre foi um desportista ao longo da sua vida, entrando em campeonatos e competições oficiais, praticando várias modalidades, p. ex. o Rugby, o Judo, etc. de grande exigência física e sem nunca ter quaisquer problemas - (alínea BE).

52. Em 03.06.1996 mais uma vez o Autor escreveu à Ré, repudiando a sua versão e exigindo o pagamento da indemnização a que entende ter direito, juntando peritagem médica realizada no âmbito do processo do Tribunal do Trabalho de Almada – cfr. doc. de fls. 82 - (alínea BF).

53. Em 27.11.1996, por insistência da Ré, o Autor foi novamente examinado pela sua Clínica em Espanha, sem alterações em relação aos relatórios anteriores - cfr. doc. de fls. 83 - (alínea BG). 54. Em 17.02.1997 o Autor foi submetido a junta médica de Neurologia no Hospital de Santa Maria,

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em Lisboa, decidindo-se por uma incapacidade permanente para o trabalho de 60% desde a data da alta – cfr. doc. de fls. 87- (alínea BH).

55. Em 07.03.1997, o Autor foi notificado pelo Tribunal de Almada da decisão em apenso de fixação de incapacidade ao processo 473/95AT do 1º Juízo, que decidiu que o Autor sofreu no dia 22.12.1994 uma encéfalo-mielo-radiculopatia da qual resultou lesão hemimedular direita 8

(síndrome de Brown) e radiculopatia bilateral C4 e C5, que lhe determinou uma IPP de 60% desde a alta definitiva, fixada em 20.03.1996 – cfr. doc. de fls. 88 - (alínea BI).

56. Em 14.11.1997 o Autor foi notificado da sentença do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho da Comarca de Almada, Processo 473-A/95 decidindo a existência de um acidente de trabalho e responsabilizando a entidade patronal e a sua seguradora, a Companhia de Seguros Tranquilidade, pelos prejuízos do Autor – cfr. doc. de fls. 90 - (alínea BJ).

O Autor enviou à Ré a carta datada de 05.04.1995, na qual refere que no período decorrido entre 23.12.1994 estava acometido de forte ataque de febre palúdica - (alínea BL).

57. De acordo com as condições particulares do seguro, celebrado entre Autor e Ré, existe uma tabela de incapacidades própria - (alínea BM).

58. A actividade laboral numa plataforma petrolífera é bastante intensa, sem tempos de paragem, à excepção das horas de sono e sob uma temperatura média de 30 graus centígrados positivos no exterior. - (resposta ao quesito 1º)

59. A actividade do autor, tendo de organizar a confecção das refeições (pequeno-almoço, almoço e jantar) para mais de 500 homens foi extenuante, desde o princípio – (resposta ao quesito 2º) 60. Além de organizar todas as refeições, chefiando a sua equipa, o Autor tinha ainda de supervisionar as existências, encomendando a reposição de stocks de alimentos (resposta ao quesito 3º)

61. Dentro desta última função, o Autor, como despenseiro, diariamente tinha de inspeccionar as reservas alimentares dentro de câmaras frigoríficas, com temperaturas médias de 30 graus centígrados negativos. - (resposta ao quesito 4º)

62. Os factos aludidos em Q) / 16 impediram por completo o Autor de prestar trabalho no dia ali referido.- (resposta ao quesito 5º)

63. Tendo recolhido à cama - (resposta ao quesito 6º)

64. O paludismo é desencadeado pela picada de um mosquito que existe de forma endémica em determinadas regiões africanas e o prazo de incubação da doença dentro do organismo humano demora, no mínimo 7 dias após a inoculação - (resposta ao quesito 7º).

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entorpecimento geral e incapacidade para o trabalho. - (resposta ao quesito 8º)

66. Até à incubação completa, o ser humano infectado sente-se em perfeito estado de saúde -(resposta ao quesito 9º)

67. O Autor jamais padeceu de paludismo antes de se deslocar a Angola. - (resposta ao quesito 10º)

68. O Autor foi contaminado em solo angolano. - (resposta ao quesito 11º)

69. O paludismo é uma doença impeditiva do trabalho com a intensidade exigida numa plataforma petrolífera. - (resposta ao quesito 14º)

70. Até à carta que constitui o documento de fls. 81, a Ré sempre afirmou existir uma doença e não um acidente. - (resposta ao quesito 16º)

71. Quando o Autor iniciou o seu trabalho em 20/12/1994, não havia qualquer manifestação física, nem forte nem fraca, de febre palúdica. - (resposta ao quesito 19º)

72. O paludismo foi um factor insignificante ou mesmo desprezível na ocorrência dos factos assentes sob as alíneas Q) e R) - (resposta ao quesito 20º).

73. Na região onde o Autor foi trabalhar o paludismo é uma doença holoendémica - (resposta ao quesito 21º).

74. Noutros lugares em que o Autor exerceu as mesmas funções que na plataforma petrolífera jamais lhe sucedeu qualquer percalço. - (resposta ao quesito 24º).

75. O Autor desenvolveu esforços intensos deslocando carcaças de reses durante dois dias de forma ininterrupta, apenas com paragens para dormir. - (resposta ao quesito 28º)

76. Tais factos determinaram que no dia 22 de Dezembro de 1994, se ressentisse fisicamente do esforço até aí dispendido. - (resposta ao quesito 29º).

77. O Autor não recorreu a qualquer auxílio, apesar de existir um enfermeiro na plataforma.-(resposta ao quesito 31º).

78. Limitou-se a ir para a cama repousar. - (resposta ao quesito 32º).

79. Aí tendo permanecido o resto do dia 22.12.1994 e toda a madrugada do dia 23.12.1994. -(resposta ao quesito 33º).

80. Acordou na manhã do dia 23/12/1994 paralisado do lado direito - (resposta ao quesito 34º). 81. Foi nas circunstâncias atrás mencionadas e pelos motivos descritos que o Autor sofreu uma

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plexite braquial bilateral, de causa vascular, orgânica - (resposta ao quesito 35º).

82. O Autor sofreu lesões nas raízes da C5 (5ª cervical) a D1 (1ª dorsal) - (resposta ao quesito 36º).

83. As lesões resultaram de um processo patológico que ocorreu no interior do corpo do Autor -(resposta ao quesito 37º).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se as lesões sofridas pelo Autor estão abrangidas pelo contrato de seguro celebrado com a Ré, ou seja, se as lesões corporais que sofreu se deveram a um acidente, ou a outra causa não abrangida pela previsão do risco inserta na

apólice.

Não se discute que, o Autor estava abrangido por um “Seguro de Grupo de Acidentes Pessoais” da Ré, desde 20.6.90. Na definição legal, de contrato de seguro, contida no art. 426º do Código Comercial – ao tempo vigente – trata-se de contrato formal que, para valer, tem de ser reduzido a escrito – apólice – dela constando como menções obrigatórias, as referidas naquele normativo, de que importa destacar as referentes à identidade do segurador, do segurado, ao objecto do seguro, sua natureza e valor, os riscos salvaguardados, o período de duração do contrato, e a quantia ou objecto segurado, bem como o prémio do seguro. A apólice deve ser datada e assinada pelo segurador.

O contrato de seguro na definição de Moitinho de Almeida, in “Contrato de Seguro”, 23:

“É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao tratando-segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada”.

O contrato de seguro rege-se pelas estipulações constantes da respectiva apólice, desde que não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições legais aplicáveis – art. 427º do C. Comercial.

Como consta dos factos provados, o Autor encontrava-se abrangido por um Seguro do Grupo de Acidentes Pessoais da Ré, desde 26.09.90, primeiro com o certificado individual n.º373/2, depois n.º597/4 e actualmente n.º 41099632 – cfr. documentos de fls. 24 a 29 (alínea B).

Esse Seguro cobre os riscos de morte ou invalidez permanente do Autor, equiparando-se à invalidez a 100% a incapacidade ou desvalorização superior a 50% (alínea C).

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Em caso de invalidez permanente, o Autor tem direito a receber, de imediato, uma quantia de 2.000.000$00 e uma renda de 350.000$00/mês durante cinco anos, num total de 23.000.000$00 (alínea E).

O referido Seguro cobre as lesões corporais do Autor, em consequência de acidente emergente de Risco Profissional e Extra-Profissional, considerando-se acidente, nos termos clausulados, o

acontecimento fortuito, súbito, anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade do Autor e que nele origine lesões físicas (alínea F).

Trata-se, desde logo, de um seguro pessoal que foi contratado pela Ré e do qual é beneficiário o Autor, sendo que o risco era o de acidente definido este, nos termos da apólice, como “O

acontecimento fortuito, súbito, anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade do Autor e que nele origine lesões físicas”.

O Autor sustenta que o evento ocorrido no dia 22.12.1994, em Cabinda, Angola, foi um acidente abrangido pela Apólice.

A Ré, como se acha provado, em 13.04.1995, respondeu à carta do Autor em que este solicitava o pagamento das prestações previstas no contrato, afirmando-lhe que o sinistro não estava coberto pelo seguro, entendendo existir, antes, uma situação de doença – cfr. doc. de fls. 41 (alínea AF). Na rigorosa síntese da posição assumida pela Ré, constante da sentença da 1ª Instância, a seguradora considerou que não se estava perante um acidente pessoal com base na seguinte alegação: “…a incapacidade advém de doença e não de acidente (art. 2º da contestação); resultou de acção continuada, previsível, evitável (art. 7º); resultou de causa interna (art. 9º); foi causado pela conduta do Autor que trabalhou muito, não descansou, não foi logo ao médico (artigos 6º a 22º); e finalmente: teve uma causa vascular, orgânica, logo é uma doença (artigos 23º e 24º)”. A magna questão que, desde 1994, opõe o Autor à Ré é a de saber se o Autor foi vítima de um acidente ou de uma doença.

Se se considerar, como as instâncias consideraram que foi um acidente, a Ré será responsável nos termos previstos no contrato.

Se se considerar que o Autor foi vítima de uma doença, ou que as circunstâncias em que o Autor sofreu permanente incapacidade não se deveram a um acidente tal como o define a apólice, então a Ré não deverá ser condenada.

A Ré e os doutos Pareceres em que se apoia, sustentam que o evento não se pode considerar acidente em função dos conceitos/requisitos que constam da apólice.

“Epidemiologia é o ramo da medicina que estuda os diferentes factores que intervêm na difusão e propagação de doenças, na sua frequência, no seu modo de distribuição, na sua evolução e na colocação dos meios necessários à sua prevenção” – Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

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O objectivo principal da epidemiologia é a descoberta das causas e dos factores que influenciam a ocorrência de eventos relacionados no processo “saúde-doença”.

Remontam aos tempos de Hipócrates, na Grécia Antiga, os primeiros registos da epidemiologia que o século XX consolidou como disciplina científica.

É questão da maior complexidade saber quais as causas e os factores que influenciam a relação saúde-doença, em termos de relação causal.

Assim, pondo de parte as teorias místicas dos antepassados que atribuíam a saúde e a doença a factores sobrenaturais, construção superada pelo entendimento que a doença se deve a factores ambientais, passando pela teoria dos miasmas que prevaleceu até aos estudos de Pasteur que tornou preponderante a “teoria da unicausalidade”, com a descoberta dos micróbios como agentes etiológicos das doenças, é hoje pacífico o entendimento da epidemiologia social que a saúde e a doença são estados de um complexo processo em que intervêm factores biológicos, económicos, ambientais, culturais e sociais.

A saúde e a doença não são, hoje, considerados estados estanques antes postulando um processo causal.

Não se está saudável ou doente por mero acaso.

Superada aquela concepção do modelo monocausal é consensual a consideração de uma rede de causalidade.

A primeira referência à rede de causalidade surgiu em 1960, em “Epidemiology: Principies and Methods”, livro texto de Mac Mahon e Pugh, onde toda a evolução conceitual e metodológica da Epidemiologia é catalogada e organizada.

Em 1965, Hill propôs nove critérios (ou aspectos de associação, segundo ele próprio) a serem considerados na distinção entre uma associação causal e uma não causal – 1. força da associação; 2. consistência; 3. especificidade; 4. temporalidade; 5.gradiente biológico; 6. plausibilidade;

7.coerência; 8. evidência experimental; 9. analogia. (1) – Hill AB, “The Environment and Disease: Association or Causation?”, 1965:58 295-300.

Esta sucinta digressão histórica visa alertar para a dificuldade existente em definir os conceitos de saúde e de doença na base dos quais está a diferente perspectiva dos pleiteantes quanto à

qualificação do fenómeno ocorrido no corpo do Autor.

Não esquecemos que, para lá da abordagem científica da medicina, teremos que versar a questão na sua componente jurídica que, queira-se ou não, não é indissociável daqueloutra, como

exuberantemente demonstram os vários exames médicos e pareceres de especialidade incorporados no processo.

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Segundo se provou:

“Foi um “processo patológico que ocorreu no interior do corpo do Autor” (ponto 83), uma “plexite braquial bilateral, de causa vascular, orgânica” (ponto 81).

As causas do evento foram várias: o cansaço do Autor, que efectuou mais de 12 horas de viagens de avião e trabalhou intensamente, mal chegou, designadamente transportando carcaças de reses para dentro de uma câmara frigorífica e efectuando esforços intensos.

As diferenças de temperatura, de 30º do exterior e -30º no interior da câmara frigorífica (pontos 13 a 15, 58 a 61, 75).

As consequências foram as lesões apuradas: atrofia dos músculos deltóides bilateral e hipostemia do hemicorpo esquerdo (ponto 26 e 31), lesões nas raízes da C5 (5ª cervical) a D1 (1ª dorsal) (ponto 82)”.

Ora, tendo em conta que no processo saúde-doença intervêm um conjunto de causas, desde logo, importa excluir – porque não se provou – a existência no corpo do Autor de qualquer causa

predisponente para o acidente que sofreu, ou seja, não se provou que preexistisse qualquer patologia que apontasse para o risco de eclosão do evento e para as consequências que para ele advieram.

Importa, agora, afirmar que a Ré sustentou e, ainda o insinua, que o evento se deveu ao facto do Autor ter sofrido paludismo em solo angolano e que a existência desse facto implica que estava doente, não sendo de excluir que o AVC que sofreu, no dia 22.12.94, tivesse uma relação com esse facto.

Há que dizer que a Ré, que alegou esse facto, não o provou como era do seu ónus de prova – art. 342º, nº2, do Código Civil (2)

– por se tratar senão de facto extintivo, pelo menos modificativo do direito alegado; se tivesse provado qualquer relação de causa-efeito entre o paludismo e o acidente, então,

inquestionavelmente, estaríamos perante um caso de doença, sendo, desde logo, de excluir a existência de um acidente tal como o define a apólice.

Como consta dos autos e é facto notório, o paludismo (3)

é doença erradicada em Portugal, pelo que tendo o Autor deixado Lisboa em direcção a Angola onde chegou a Luanda, em 20.12.94, em trânsito para Cabinda e tendo tido sintomas de AVC no dia 22.12. quando estava no desempenho das funções para que fora contratado, o paludismo, por ter um período de incubação de sete dias, só produziu efeitos danosos na saúde do Autor

posteriormente ao evento ocorrido no dia 20.12.94 – dia da chegada a Cabinda e primeiro dia de trabalho do Autor – sendo assim indiscutido que o paludismo nenhuma relação teve com o desmaio do Autor, no dia 22.12.1994, e, com o facto de, no dia seguinte, ter acordado com paralisação total do lado direito, o que levou ao seu internamento no Hospital de Malongo, em Cabinda, onde lhe prestaram os primeiros socorros.

Voltando à qualificação do evento em aproximação à subsunção da definição de acidente que consta da apólice.

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É inquestionável que estamos perante um seguro de acidentes pessoais (4) , importando

abstractamente, primeiro, defini-lo e ao conceito de acidente, para depois lidarmos com a concreta situação, em termos de inclusão ou exclusão do risco.

José Vasques, in “Contrato de Seguro”, 1999, págs. 60 e 61, afirma:

“O seguro de acidentes pessoais tem por objecto a reparação, seja em forma de indemnização ou renda, seja em forma de assistência médica, dos danos sofridos pelo segurado na sua pessoa em virtude de acidente acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a acção de uma causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura e que nesta origine lesões corporais”.

“ Conceito de acidente.

O conceito de acidente (…) parece dever construir-se a partir dos seus elementos integradores, isto é: a lesão corporal há-de consubstanciar-se na invalidez (parcial ou total) ou na morte, e resultar de um evento involuntário, externo, violento e súbito.

O carácter involuntário não pretende excluir os actos voluntários, mas apenas os intencionais, já que devem considerar-se cobertas as lesões que produzam como consequência imprevista de actos voluntários (neste sentido hão-de considerar-se voluntárias as lesões resultantes de um esforço físico contínuo ou repetido).

A exterioridade do evento relativamente ao corpo afasta os danos sofridos sem intervenção de forças exteriores (sirva de exemplo a doença).

A violência não consistirá necessariamente em lesão traumática, devendo entender-se que são violentas, designadamente, as descargas eléctricas, as mordeduras ou picadas de animais e as insolações.

Finalmente, o carácter súbito afasta as lesões resultantes da reiteração de factos, pelo que, também por este critério, ficaria afastada a doença, embora devam considerar-se incluídos os transtornos orgânicos e as doenças que sejam consequentes a factos repentinos […]”.

Afirma a recorrente que o contrato de seguro se socorreu de conceitos jurídicos indeterminados, reconhecendo que “são conceitos cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos” – conclusão – 9ª – afirmando não só que a declaração negocial plasmada no contrato deve ser interpretada de harmonia com as boas regras da hermenêutica negocial – arts. 236º, nº1 e 239º do Código Civil – mas também que, ao socorrerem-se de conceitos indeterminados como

“acontecimento fortuito”; “acontecimento súbito”; “acontecimento devido a causa exterior” e “estranha à vontade da pessoa segura”, – conclusão 10ª – “As partes, no contrato constante dos Autos, utilizaram determinados conceitos jurídicos para a caracterização de uma determinada

realidade, tendo pretendido socorrer-se do sentido que aqueles conceitos assumem nas normas em que se integram como um elemento da previsão das mesmas”.

Sem dúvida que a utilização de conceitos indeterminados ou normas em branco, proporcionam ao julgador uma maior latitude de subsunção e adequação ao caso concreto, sempre em obediência a uma sã e proficiente interpretação da vontade negocial.

O mesmo não diríamos em relação ao declaratário normal, colocado na posição de real

declaratário, já que deste não é exigir para interpretar o sentido da declaração negocial que lhe é comunicada, uma super diligência ou, sequer, preparação jurídica que o habilite a conhecer o sentido normativo das expressões usadas, os conceitos indeterminados, como parece

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depreender-se da tedepreender-se da recorrente.

No que concerne à interpretação da declaração negocial, rege o art. 236º do Código Civil que dispõe:

“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder

razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

Deve pois, enjeitar-se o entendimento que se apegue, somente, à estrita literalidade do texto – “quantum verba sonant” – menorizando a autêntica pretensão das partes e os fins económicos que com o contrato visavam.

Todavia, porque a pesquisa do sentido verdadeiramente querido pelas partes nem sempre é fácil, importa que a ponderação e equilíbrio dos interesses em causa sejam sopesados.

Na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, "a vontade real do declarante", sempre que for conhecida do declaratário.

Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (...)”. – Ac. deste STJ, de 14.1.1997, in CJSTJ, 1997, 1, 47.

Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil, ensinam:

“... A regra estabelecida no nº l, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do

declaratário real, em face do comportamento do declarante.

Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

(...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.

Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista.

(...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” Por se tratar de um contrato formal, as regras de interpretação aplicáveis constam do art. 238º do Código Civil:

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de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”

Heirinch Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português -Teoria Geral do Direito Civil”, 1992, pág.512, escreve:

“Quanto aos negócios formais, seja legal ou voluntária a forma adoptada, determina o nº1 do art. 238º que em princípio a declaração negocial não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento (...).No entanto, um sentido que não tenha esta correspondência sempre pode valer se corresponder à vontade real das partes do negócio e as razões determinantes de forma se não opuserem a essa validade (art. 238, nº 2). Quer dizer, a regra “falsa demonstratio non nocet”, também se aplica a negócios formais (...). O declaratário normal deve ser uma pessoa com “Razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” – Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, 208.

Partindo daquela afirmação que foi vontade das partes a inclusão, no contrato de seguro, de conceitos jurídicos indeterminados a que deve ser emprestado conteúdo normativo, a recorrente afirma conclusivamente que:

“Nessa linha, acidente, tal qual as partes o configuraram, é o evento inevitável e imprevisível, que se apresenta em desvio marcante ao curso regular das circunstâncias habituais e que, sendo provocado por circunstância exterior ao organismo do lesado, sem que ele tenha culpa na sua produção é, por si só, adequada a causar-lhe lesão corporal…A lesão sofrida pelo Recorrido foi determinada por um processo que ocorreu, paulatinamente, ao longo de três dias no interior do seu corpo, não tendo sido despoletado mas antes concatenado nas suas causas pois que as sequelas deveram-se a oclusão dos vasos associada a processo inflamatório dos plexos braquiais (resposta ao quesito 1° do objecto da perícia)…A palavra processo, – seja ele patológico ou inflamatório – pressupõe um encadeamento, uma sucessão de acções; processo, significa o acto de proceder ou agir, é uma realidade dinâmica, carece do decurso de um certo lapso de tempo”.

Importa afirmar, desde logo, que o Autor não interveio no contrato como outorgante, e que o apelo à interpretação normativa, torna a interpretação da declaração negocial, mormente dos conceitos que encerra, mais difícil para um declaratário normal.

Basta lembrar que a Ré se socorre de Pareceres de Ilustríssimos Professores de Direito para definir os conceitos de “acontecimento fortuito”; “acontecimento súbito”; “acontecimento anormal”; “acontecimento devido a causa exterior” e “estranho à vontade da pessoa segura”, não sendo descabido perguntar se um declaratário normal dominaria esses conceitos da mesma forma elaborada.

(23)

Cremos, que sem menosprezar o recurso a conceitos indeterminados, devemos socorrer-nos dos critérios interpretativos legais não podendo desconsiderar a dificuldade que o paradigma do declaratário normal, tal como a lei o define, teria severas dificuldades em interpretá-los. O apelo a conceitos indeterminados e a sua interpretação há-de fazer, também na lógica da execução do contrato, tendo em conta o paradigma da actuação de boa-fé, – art. 762º,nº2, do Código Civil – princípio basilar da sempre reclamada eticização do direito.

Não há, pois, qualquer “sujeição” do segurado à interpretação daqueles conceitos que, na acepção normativa, nem sequer lhe é exigível conhecer.

Dito isto e sempre enquadrados nos factos provados, importa saber se nas concretas

circunstâncias em que o Autor actuava naqueles dias 20 e 22.12.1994, foi vítima de um acidente ou de uma doença.

São convocados os conceitos de lesão corporal, o seu carácter involuntário – estranho à pessoa segura; a exterioridade do evento, a violência, e a subitaneidade.

Não divergem as partes em considerar que o Autor sofreu lesões corporais que lhe acarretaram uma severa incapacidade permanente.

Acidente, em sentido comum, é um acontecimento casual, fortuito, inesperado.

Doença é a alteração biológica do estado de saúde de um ser, manifesta-se por um conjunto de sintomas perceptíveis ou não; a doença aguda é a alteração do organismo como um todo ou de qualquer das suas partes, marcada por rápida evolução dos sintomas que têm carácter mais ou menos violento, terminando (geralmente em período curto) na recuperação ou morte – citado Dicionário Houaiss.

A recorrente aceita que o acidente foi fortuito e anormal – cfr. fls. 708 das suas alegações para a Relação.

Mas não aceita a “subitaneidade do mesmo”.

A recorrente exclui a subitaneidade e o carácter repentino do evento e considera que a plexite braquial bilateral “configura efectivamente uma circunstância (evento) súbita, no sentido de que a sua produção ocorreu em período curto, delimitado no tempo”. – conclusão 32ª das alegações de revista.

Todavia, afirma que a causa eficiente dessa plexite, decorreu da conjugação de factores exteriores: conjugação de esforço físico, variação de temperaturas, o stress emocional, etc., “em razão do que será necessário concluir que, no caso em análise, aqueles factores exteriores se conjugaram com determinados outros factores, que são desconhecidos, e que configuravam predisposições

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A plexite manifestou-se num quadro factual de esforço físico, variação de temperaturas e stress emocional, mas, de modo algum, se pode considerar que existiram outros factores desconhecidos “que configuravam predisposições orgânicas da pessoa segura para que o resultado se

produzisse” – cfr. a conclusão 35ª.

Com o devido respeito, não se tendo provado qualquer causa (doença ou predisposição ainda que desconhecidas), não se pode considerar, como faz a recorrente, que existiu um conjunto de

factores que determinou a plexite, que não sobreviria se não fora a existência conjugada (concomitância de causas) de outros factores predisponentes para a doença ainda que desconhecidos.

Por assim ser, não pode sufragar-se o entendimento da recorrente quando considera que a lesão não foi originada por causa exterior.

É imerecida e infundamentada a inusitada afirmação, que se lê a fls. 710, de ter a sentença (relembremos que o Acórdão remete o essencial da sua fundamentação para a decisão da 1ª Instância), abordado “a questão numa perspectiva sectária”, quando alude à fundamentação daquela decisão, no que se refere à ponderação da existência de causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura.

No quadro circunstancial em que o Autor prestava a sua actividade a plexite braquial bilateral de causa vascular, orgânica, configura um evento súbito não imputável ao segurado.

Um evento, que contende com a saúde, para ser súbito não tem que ser instantâneo.

Súbito é o que é imprevisto, inesperado, invulgar, algo que por não ser expectável, surpreende, está fora de previsão, na justa consideração da relatividade dos conceitos saúde-doença.

Ao invés do que afirma a Ré, o Autor não tinha paludismo (o paludismo, sim, é uma doença), nem se provou que tivesse no seu organismo qualquer predisposição para ter AVC.

Consta dos relatórios médicos que, ao tempo dos factos, o Autor tinha 38 anos de idade e era pessoa saudável, praticante de desporto.

O que determinou a plexite (5) braquial foram causas externas ao corpo do Autor, como sejam as circunstâncias em que trabalhou, a mudança de clima, o stress, mas estes factos não são doença [o Autor estava cansado, efectuou mais de 12 horas de viagens de avião e trabalhou intensamente, mal chegou, designadamente, transportando carcaças de reses para dentro de uma câmara

frigorífica e efectuando esforços intensos, as diferenças de temperatura, de 30° do exterior e -30° no interior da câmara frigorífica].

Foi neste quadro que se desencadeou o processo inflamatório vascular, a plexite, não comum, nem previsível apesar daquelas circunstâncias.

A recorrente, pelo facto de ser ter provado que as lesões resultaram de um processo patológico que ocorreu no corpo do Autor – [ut. resposta ao quesito 83º] – sustenta que se as lesões

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nem repentino.

Há que interpretar aquela resposta em termos contextualizados, não nos apegando à semântica da expressão, mas antes ao acervo probatório pertinente; sem dúvida que quando se alude a

processo se implicita uma sucessão de actos que implicam o decurso do tempo como factor de relevo.

Todavia, ao responder àquele quesito, o Tribunal – [aqui já não censurado de extrair meras conclusões] – quis afirmar que o conjunto de circunstâncias em que ocorreu a plexite – a lesão – resultou de um conjunto de factos que ocorreram no corpo do Autor originando, eles mesmos, vindos de fora, um processo patológico interno, processo que não foi despoletado de dentro para fora – não foi por um colapso devido a doença do Autor que surgiram evidentes as lesões – mas antes foi a partir do cansaço, stress, variações de temperatura – factores externos, exógenos, que se deu a falência do organismo.

A relação dinâmica – que não pode ser desconsiderada – não exclui o factor subitaneidade, já que o evento para ser súbito não tem necessariamente que ser instantâneo, nem sequer violento, nem ter origem numa única causa determinante.

Ademais, provou-se que o Autor tendo-se ressentido do esforço despendido, foi repousar no que restava do dia 22.12.1994 e, no dia seguinte, acordou paralisado no lado direito.

Esta sequência de factos não exclui a subitaneidade.

Com o devido respeito, discordamos da recorrente quando afirma que dada a dureza da actividade profissional que o Autor exercia e nas circunstâncias hostis em que o fazia, deveria ter como

previsível a verificação de acidente vascular cerebral que em tais circunstâncias “não é de todo inesperado, ainda que não seja de verificação frequente” – conclusão 39ª (fls.884).

Se bem entendemos a Ré, de certo modo, insinua que o Autor ao trabalhar de modo tão intenso nas circunstâncias em que o fez, não deveria ter excluído a hipótese de ser acometido de AVC. Para lá de considerações de natureza ética que a formulação possa merecer, como se uma pessoa de boa saúde, ao trabalhar intensamente, deva prever como consequência, ainda que remota, a possibilidade de sofrer um acidente vascular cerebral, o que parece transparecer de tal

consideração é que existe culpa do Autor por ter trabalhado até ao limite das suas forças e que, fazendo-o, arriscou a possibilidade de ter um AVC.

Esta asserção não pode ser aceite, por ser contra as regras da experiência, contra a própria dignidade do trabalhador, e, finalmente, pelo facto de nada nem ninguém o poder demonstrar, em termos de causalidade adequada.

O Autor, há que afirmá-lo, não contribuiu, não concorreu em nada, em termos de censurabilidade, rectius, culpa – nem dolosa nem negligentemente – para a eclosão do evento danoso.

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Diferente seria se o Autor padecesse de alguma doença ou contra-indicação física ou médica incompatível com o exercício de trabalho em ambiente hostil, gerador de stress, aliado à natureza do trabalho em si.

Não existindo essa doença ou contra-indicação não se pode afirmar, com científico rigor, que o evento era previsível e evitável, assim fosse o Autor prudente.

A “causa exterior estranha à vontade da pessoa segura”, para efeitos da cláusula da apólice em apreço, não é um evento produtor de lesões instantâneas, violento e súbito que causa dano imediato e inevitável, [como seria o facto de alguém caminhando na via pública ser subitamente atropelado ou lesionado pela queda de um muro ou atacado fisicamente], pode ser um conjunto de circunstâncias próximas no tempo e sequenciais em relação a um evento estranho à vontade do segurado, fortuito, anormal e súbito, como é o colapso do corpo humano, se esse colapso não tiver como causa doença preexistente ou predisposição para o evento que se manifestou.

Quem se vincula através de um seguro de acidente pessoais acautela a protecção da sua saúde, prevenindo riscos que podem advir de factores os mais diversos, inerentes à sua actividade mesmo que não profissional (6), decisivo é que não contribua, de modo causal, para a eclosão do risco, sob pena de sempre se poder considerar que assim agindo, o acidente não se deveu a um acontecimento imprevisto e anormal estranho à vontade da pessoa segura.

Discorda-se, pois, da afirmação da Ré que o “Evento não era verdadeiramente imprevisível e anormal e poderia ter sido evitado, se adoptadas adequadas medidas de acompanhamento médico que permitissem avaliar a aptidão do organismo da pessoa segura ao desgaste a que seria sujeito e mesmo que possibilitassem avaliar, de forma periódica, o impacto que esse desgaste estaria a causar no organismo”.

Pelo quanto dissemos o acontecimento foi fortuito, súbito e anormal devido a causa exterior estranha à vontade do Autor/segurado.

O acidente pessoal é externo à vítima, a doença é um facto que ocorre no interior do seu corpo por factores vários que nem sequer o estado da ciência pode determinar com rigor, pense-se no caso do cancro. Mas este critério simplista não exclui que factores que possam ocorrer no decurso de actividade profissional (devendo considerar-se acidente de trabalho ou doença profissional) (7) , possam ser incluídos no conceito de acidente pessoal, se pelo seu carácter fortuito, imprevisível e alheio à vontade do segurado causarem danos na sua saúde, como será o caso da existência de enfarto de miocárdio, num quadro em que a vítima não apresentava sinais de doença ou factores predisponentes.

Não é rigorosa, ainda que formulada no condicional, a afirmação da Ré quando diz que o Autor estaria já doente ao tempo em que iniciou a sua sujeição ao esforço e às variações de temperatura, o que impediria o estabelecimento do nexo causal.

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A Ré defendeu tal tese na sua contestação pretendendo que o Autor, quando sofreu o AVC, estava doente com paludismo, tese pericialmente afastada e que o Tribunal sufragou, não considerando provado que o Autor, aquando do evento que o afectou em Cabinda, estivesse doente.

Sustenta a recorrente que o Acórdão da Relação e com ele a sentença, ao afirmarem que outras pessoas “submetidas às mesmas condições não têm plexites”, excluem a existência de nexo de causalidade.

Dispõe o art. 563.° do Código Civil – “ A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Este normativo consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Ennnecerus Nipperdey (8).

Como ensina Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, I Volume, 7ª edição, pág.885; “Há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente

responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responde pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada…”.

Como sentenciou este Supremo Tribunal – Acórdão de 20.6.2006, in CJSTJ, 2006, II, 119:

“I – Tal como decorre da redacção do artigo 563º do Código Civil o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual, todavia, não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição.

II – Muito embora tal conceito legal comporte qualquer das formulações da referida teoria – na formulação positiva ou negativa –, vem-se, porém, entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.

III – Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerados – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

IV – Muito embora sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, contudo, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que,

directamente, suscita o dano (causalidade indirecta).

V – Sempre que ocorra um concurso de causas adequadas, qualquer dos seus autores é responsável pela reparação de todo o dano.

VI – No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.”

(sublinhámos).

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