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A COLABORAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO BRASIL À LUZ DA LIBERDADE RELIGIOSA MESTRADO EM DIREITO

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RICARDO GAIOTTI SILVA

A COLABORAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO BRASIL À LUZ

DA LIBERDADE RELIGIOSA

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RICARDO GAIOTTI SILVA

A COLABORAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO BRASIL À LUZ

DA LIBERDADE RELIGIOSA

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito – Filosofia do Direito, sob a orientação do professor Dr. Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga.

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BANCA EXAMINADORA:

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RESUMO

A liberdade religiosa é uma temática complexa, que envolve não somente a busca pelo sagrado, mas também o exercício deste direito em meio a uma comunidade política. Por isso, muitas vezes viver a fé dentro do Estado se torna um desafio. Porém, a partir da construção histórica do direito à liberdade religiosa, é possível ter uma noção da grandeza da temática e, principalmente, da importância da proteção deste direito para a valorização e a promoção da vida humana. A proposta deste estudo, desenvolvido no Núcleo de Pesquisa em Filosofia do Direito do Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP é de apresentar um itinerário jurídico, histórico e filosófico no qual a liberdade religiosa foi sendo construída indicando alguns caminhos para que a pessoa humana cidadão e fiel possa exercer livremente esse direito dentro dos Estados, visando assim uma verdadeira efetividade do direito. Destaca-se o fato de que, para a proteção deste direito, existem vias as quais tanto as religiões quanto os Estados podem, mutuamente, construir visando ações colaborativas destinadas a proteção deste direito fundamental, a partir de uma justa separação entre às Religiões e os Estados. Entre essas vias jurídico-colaborativas, destaca-se o Acordo Brasil-Santa Sé que ilumina a possibilidade da construção de instrumentos jurídicos capazes de promover a pessoa humana e, seus direitos fundamentais principalmente os referentes à liberdade religiosa. O presente trabalho apresenta, portanto, um itinerário da solidificação da liberdade religiosa como um direito humano e fundamental e, destacando o modelo de colaboração entre o Brasil e a Santa Sé como uma via eficaz na busca da proteção, visando e promoção da dignidade da pessoa humana, inclusive para os membros dos demais credos religiosos.

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ABSTRACT

Religious freedom is a complex issue as it involves not only the pursuit of sacred, but also the exercise of this right within a political community, so often living the faith within the state becomes a challenge. However, from the historical construction of the right to religious freedom it is possible to get a sense of the magnitude of the subject and especially the importance of protecting this right to the development and promotion of human life. This study, developed at the Center for Research in Philosophy of Law at the Catholic University of São Paulo – PUC/SP is to present a legal, historical and philosophical journey in which religious freedom was being built indicating some ways for a person human, citizen and faithful, may freely exercise this right within states, thus aiming at a true effectiveness of law. Noteworthy is the fact that, for the protection of this right there are ways in which both religions as the State may, mutually, aiming to build collaborative action from a fair separation between the religions and states. Among these collaborative juridical way stands the Agreement Brazil/Holy See, the one that illuminates the possibility of building legal instruments capable of promoting the human person and his fundamental rights, mainly referring to religious freedom. The respective work therefore presents an itinerary solidification of religious freedom as a human and fundamental rights and highlighting the collaboration model between Brazil and the Holy See as an effective way in search of protection, aiming and promotion of the dignity of the human person, including for members of other religious faiths.

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AGRADECIMENTOS

Nenhum vento é favorável ao barco que não sabe a que porto se destina Sêneca

Minha sincera gratidão às inúmeras pessoas que sopraram as velas do meu barco, quando meus ventos e minhas forças pareciam insuficientes, nomear uma a uma seria uma injustiça.

Contudo, ouso iniciar agradecer a Deus, meu amigo, companheiro e sentido da minha vida, primeiramente pelo dom da fé dentro da Igreja Católica, que recebi desde da minha infância e que de fato marcou meu caráter e minhas escolhas.

Gratidão aos meus familiares, principalmente a meu pai José Osmar, minha mãe Edna e meus irmãos (Nene, Kiko, Pepê e Duda), cada um de vocês colaboram diretamente em minha vida, com vocês aprendi a ter respeito, educação, ousadia, disciplina, esperança e fraternidade, posso dizer que foi dentro de casa que aprendi a “navegar”.

Gratidão a Rafaela, minha amiga, companheira, meu amor e futura esposa, principalmente por sua paciência com os livros, como se não bastasse, sempre me incentivou a sonhar com este momento.

Gratidão a todos os professores e colaboradores das escolas que passei.

Gratidão a todos que colaboraram com minha formação humana e espiritual, dentre esses, padres, amigos, companheiros de missão, enfim, com cada um aprendi que a vida somente tem sentido se for “consumida” para o outro, muito obrigado.

Enfim, agradeço as pessoas que convivi, trabalhei, estudei, morei, etc. Tenho a plena certeza que sozinho não chegaria.

Gratidão aos meus amigos, pelo auxílio no mar bravio e no mar calmo.

Agora, ancorado, após chegar ao destino, posso dizer: "É a tua providência, ó Pai, que segura o leme" (Sb 14,3).

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“Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz; Onde houver ódio, que eu leve o amor; Onde houver discórdia, que eu leve a união; Onde houver dúvidas, que eu leve a fé; Onde houver erros, que eu leve a verdade; Onde houver ofensa, que eu leve o perdão; Onde houver desespero, que eu leve a esperança; Onde houver tristeza, que eu leve a alegria; Onde houver trevas, que eu leve a luz. (...)”

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SUMÁRIO

Introdução ... 10

Capítulo 1 A liberdade religiosa 1.1 – A liberdade religiosa como umdireito da pessoa humana ... 13

1.2 – Distinções e aproximações entre os direitos humanos e os direitos fundamentais ... 17

1.3 – A liberdade religiosa: proposta de definição ... 20

1.4 – As tensões da liberdade religiosa no mundo contemporâneo ... 24

Capítulo 2 A evolução dos direitos humanos: a consolidação da liberdade religiosa 2.1 – Fundamentações teológica, filosófica e histórica dos direitos humanos ... 29

2.2 – A fundamentação teológica dos direitos humanos ... 31

2.3 – A fundamentação filosófica dos direitos humanos: o conceito de pessoa ... 34

2.3.a – O pensamento de Boécio ... 35

2.3.b – O pensamento de Santo Tomás de Aquino ... 36

2.3.c – O pensamento de Pico della Mirandola ... 38

2.3.d – O conceito de pessoa a partir de Immanuel Kant ... 39

2.3.e – O conceito de pessoa a partir do século XX ... 42

2.4 – A fundamentação histórica dos direitos humanos ... 44

2.5 – A positivação dos direitos humanos ... 47

2.6 – A internacionalização dos direitos humanos ... 48

2.7 – O mundo após segunda guerra: a Declaração Universal dos Direitos Humanos ... 49

Capítulo 3 A relação entre Estados e religiões 3.1 – A dimensão social da religião ... 54

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3.3 – O Estado moderno e a religião: As ideias contratualistas ... 63

3.3.a – O pensamento de John Locke ... 65

3.4 – A liberdade religiosa a partir dos contratualistas... 69

Capítulo 4 A possibilidade da colaboração entre Estados e religiões 4.1 – Os fundamentos para a colaboração: justificativas doutrinárias ... 76

4.2 – Os modelos e problemas na relação entre Estados e religiões ... 82

4.3 – Os desafios da universalidade do direito a liberdade religiosa ... 86

Capítulo 5 A religião e o Estado brasileiro 5.1 – A liberdade religiosa no direito pátrio ... 90

5.2 – A união entre a Igreja Católica e o Estado: o padroado ... 92

5.3 – Nasce um novo tempo: o fim do padroado ... 94

5.4 – A Constituição de 1934: seus reflexos nas demais cartas constitucionais ... 97

5.5 – A Constituição de 1988: perspectivas de colaboração ... 99

5.6 – A relação entre Igreja Católica e o Estado brasileiro ... 103

5.6.a – A natureza jurídica da Santa Sé ... 103

5.6.b – O Acordo Brasil/Santa Sé: Justificativas e Conteúdo ... 105

5.7 – A relação entre o Estado e as demais religiões ... 110

5.8 – Considerações Finais ... 113

Conclusão ... 116

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Introdução

A tônica a respeito da liberdade religiosa está presente constantemente nas discussões jurídicas que envolvem os Estados, e não é de hoje que se discutem os limites da relação entre as religiões e os poderes públicos, tendo como ponto de partida ora problemas políticos, ora os direitos dos homens, bem como a influência das religiões nas políticas públicas. Esta discussão não é tão simples como parece, porque sempre que se dirigem pautas a respeito de temáticas religiosas se adentra em um terreno particular muito complexo e que, muito mais do que questões sociais e políticas, envolvem temas que conferem um verdadeiro sentido de vida para os fiéis.

Há de se considerar também que o homem como sujeito social possui tanto o direito de participar ativamente da vida pública como a de conduzir a sua vida a partir de conceitos filosóficos, teológicos e humanos, assim como, religiosos que bem entendam; contudo, existem certos limites de “sociabilidade” que, por si sós, já condicionam a possibilidade do exercício de tal “ideologia” de vida.

Da mesma forma, quando se fala de religião, a comunidade política tem solidificado que se trata de uma liberdade, um direito fundamental do homem, expressos por direitos como de associação, de expressão, de culto. Assim, podemos dizer que a própria filosofia do direito é constantemente convidada a refletir a respeito desta temática, sobretudo, em tempos em que ainda estão presentes questões ligadas à intolerância religiosa, ou seja, neste momento acontecem graves violações aos direitos fundamentais dos homens motivadas por questões de fé.1

O objetivo deste trabalho é o de apresentar elementos que identificam a construção do conceito da liberdade religiosa como um direito humano e fundamental, uma vez que afastar o dado religioso da vida pública é mutilar um direito amplamente reconhecido e, além disso, considerando que se trata de um direito fundamental, surge assim a possibilidade da

1 No dia em que concluía esta dissertação, aconteceu um ataque terrorista na França que resultou, na morte de

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colaboração das religiões na construção de um cenário no qual elas possam participar ativamente na vida política, sem ferir a laicidade e a identidade própria de cada país.

Além disso, este trabalho visa identificar o melhor caminho para a relação entre as religiões e os Estados, considerando que este papel é de responsabilidade de toda a sociedade, essa que deve direcionar suas forças para proteger, garantir e reconhecer o direito à liberdade religiosa, buscando o respeito mútuo entre as diversas confissões religiosas.

Para isso, se faz necessário procurar meios, quer sejam filosóficos, sociais ou jurídicos, para a construção de mecanismo que ao promover os direitos dos homens mantenha igualmente a legítima separação entre religiões e Estados. Porém, fazendo dessas entidades parceiras em vista dos direitos dos homens, uma vez que há objetos convergentes entre ambas, pois, é o homem o único destinatário da ação, seja do Estado ou das religiões.

Assim, dedicamo-nos a investigar a temática da liberdade religiosa, seus desafios, bem como as tensões ainda presentes em nossa sociedade e, para isso, procuramos oferecer, no capítulo primeiro, uma proposta de definição deste direito, como também um panorama da realidade da liberdade religiosa, sendo um direito humano e fundamental.

Para tanto, apresentamos, no capítulo segundo, um estudo da evolução dos direitos humanos, buscando identificar sua fundamentação teológica, filosófica e histórica, visando a consolidação do conceito de pessoa e do direito à liberdade religiosa. Diante disso, foi necessária a investigação do pensamento de alguns filósofos, para que, compreendido o conceito de pessoa humana, bem como sua dignidade, pudéssemos adentrar na compreensão da positivação e internacionalização desses direitos, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Chegando a esse ponto, no capítulo terceiro, ousamos desenvolver uma pesquisa quanto à relação entre Estados e religiões através de um estudo da dimensão social da religião, do lugar dos homens nos Estados e, da compreensão do direito à liberdade religiosa a partir da formação do Estado moderno e, para isso, se fez necessário o estudo das ideias contratualistas de Hobbes, Rousseau e, principalmente, de John Locke.

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Maritain e passando pelos desafios quanto à universalidade do direito à liberdade religiosa, até os modelos de relação entre Estados e religiões.

Por fim, no capítulo quinto, procuramos observar a temática da religião no Estado brasileiro a partir da história das constituições brasileiras desde o Império, onde ainda havia o padroado passando pelas constituições republicanas e respectivamente suas particularidades, até chegarmos a possibilidade de colaboração entre religiões e o Brasil, solidificado na Carta Magna de 1988. Tendo como destaque a colaboração entre o Brasil e a Santa Sé por meio do Acordo Brasil/Santa Sé, para, averiguar como devem ser desenvolvidos os instrumentos colaborativos na construção da relação Estados e religiões.

Mergulhar no mistério das relações entre os homens e suas religiões nos Estados em vista da proteção e promoção de seus direitos fundamentais, principalmente o da liberdade religiosa, é o objeto central de interesse desse trabalho, visto que, quanto mais o conceito da liberdade religiosa for solidificado e identificado como um direito fundamental, melhor será a construção da cultura de tolerância. Neste cenário as religiões e os Estados possuem um papel fundamental, por isso, agindo de forma colaborativa, eles certamente contribuirão para o desenvolvimento integral do homem.

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Capítulo Primeiro

A liberdade religiosa: um direito fundamental

1.1 – A liberdade religiosa – direito da pessoa humana

As questões em torno da liberdade religiosa, ou seja, da relação do homem com o “sagrado” dentro dascomunidades “políticas” vêm sendo objetos de estudos há muitos anos. Como já afirmava Fustel de Coulanges:

Em todos os tempos e em todas as sociedades, o homem sempre quis honrar os seus deuses com festas, estabeleceu, pois, dias durante os quais apenas o sentimento religioso reinará em sua alma, sem ser tolhido por pensamentos ou trabalhos terremos. Do número de dias que o homem tem para viver, reservou um quinhão aos deuses.2

O homem sempre quis, portanto, buscar para si momentos, dias, lugares para poder encontrar-se com sua divindade e, como um sujeito social, inserido em uma comunidade política, é dentro desta estrutura que ele busca o sagrado; por outro lado, a vida de fé e a vida civil, acabaram por se colidir, o que gera e gerou graves problemas nas relações entre religiões e Estados.

Inúmeros são os fatos que demonstram os litígios provocados por questões religiosas, porém, como investigar toda a história da relação entre Estados e religiões não é o objeto deste trabalho, procuramos tecer um corte histórico/metodológico a partir da Reforma Protestante e da formação do Estado moderno, esses quais influenciaram diretamente no rompimento da relação entre a Igreja Católica, até então expressão única do cristianismo, e o Estado; consequentemente, esses eventos produziram efeitos na formação jurídica e social dos países ocidentais, motivos esses que influenciaram também diretamente na construção jurídica do nosso país.

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Há de considerar também que a solidificação da liberdade religiosa como um direito da pessoa humana faz parte de um longo processo histórico que teve suas raízes em outras ciências, como na Teologia, na Filosofia e na própria História. Contudo, há uma relação direta entre direitos humanos e fundamentais e a liberdade religiosa, esta que é considerada como um direito fundamental amparado no rol dos direitos humanos.

O direito à liberdade religiosa está ancorado nos direitos humanos, cuja base vem do desejo do homem de oferecer respostas a respeito de sua origem e seu fim. Neste aspecto, tanto a religião como a filosofia, inúmeras vezes, ousaram a dar tal resposta, sobretudo, no que diz respeito às questões em torno do homem e de sua posição no mundo. Contudo, o conceito de liberdade religiosa foi sendo construído à custa de muitas lutas, perseguições, intolerâncias e afrontas aos direitos humanos e fundamentais.

No mundo atual há um duplo movimento em relação à liberdade religiosa: o primeiro, relacionado com o aumento da consciência dos homens de suas liberdades, o segundo, com a exigência de que esse direito seja exercido em ambientes públicos através de certa proteção do Estado, como nos ensinou o Papa Paulo VI na declaração Dignitatis Humanae – Sobre a Liberdade Religiosa:3

Os homens estão cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coação, mas levados pela consciência do dever. Requerem também que o poder público seja delimitado juridicamente, a fim de que a honesta liberdade das pessoas e das associações não seja restringida mais do que é devido. Esta exigência de liberdade na sociedade humana diz respeito principalmente ao que é próprio do espírito, e, antes de mais, ao que se refere ao livre exercício da religião na sociedade.

Estes “movimentos” não somente impulsionam os Estados a estabelecerem uma carta de normas direcionando as permissões e proibições do exercício do direito à liberdade religiosa, mas também exigem que se busque encontrar os fundamentos desse direito e, sobretudo, identificar qual o grau da importância da liberdade e sua relação para a proteção dos direitos fundamentais dos homens.

3 PAULO VI, Papa. Declaração Dignitatis Humanae Sobre a Liberdade Religiosa, n. 1. Disponível em:

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Fruto desses movimentos, visando a proteção da liberdade religiosa foram diversas as Cartas, Pactos e Convenções a respeito dos Direitos Humanos produzidos nos últimos séculos, que a identificou como um direito fundamental da pessoa humana. Entre estas destacam-se entre outros, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções (1981).

O principal documento é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que expressa claramente em seu artigo 18, o direito à liberdade religiosa, exigindo um empenho público para a sua proteção e promoção por se tratar de um direito fundamental. Reza a Declaração:

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.4

Outro exemplo claro do direito à liberdade religiosa como um “direito da pessoa humana” são os esforços empreendidos por organismos internacionais, como a ONU, para buscar e promover estratégias visando combater a ainda presente perseguição religiosa. Na recente Assembleia Geral de 2015,5 diversos líderes de Estado, em seus discursos, denunciaram os conflitos motivados por questões políticas e religiosas, uma vez que esses são uma afronta direta aos direitos fundamentais dos homens.

Destacamos o discurso do Papa Francisco na ONU que, como chefe de Estado e líder supremo da Igreja Católica, possui capacidade moral e jurídica para exortar a comunidade internacional, principalmente no que diz respeito à responsabilidade dos Estados na proteção das minorias inocentes. Afirmou o pontífice:

A mais elementar compreensão da dignidade humana obriga a comunidade internacional, em particular através das regras e dos mecanismos do direito

4 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:

http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf. Acesso em 02/11/2015.

5 Cf. “Na ONU, líderes religiosos e políticos discutem estratégias para conter aumento do extremismo”.

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internacional, a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir e prevenir ulteriores violências sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas e para proteger as populações inocentes.6

O Papa Francisco cobrou a comunidade internacional para lutar em prol da proteção dos direitos das minorias; ele apenas recordou os direitos já reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, e em inúmeras Constituições nacionais, tal qual a da República Federativa do Brasil. Estas destacam explicitamente a proteção à liberdade religiosa e a importância da temática da liberdade, principalmente pelo fato de que nela está inserido um corolário de direitos, dentre esses, o de culto, o de consciência, o de associação, o de expressão.

O discurso do pontífice ecoa em solo brasileiro, tendo em vista que a Constituição da República Federativa do Brasil7 reconhece entre seus direitos fundamentais o da liberdade religiosa. Pode-se afirmar que a Constituição brasileira de 1988 gerou um compromisso de garantir direitos que, por sua própria natureza, possui matrizes históricas e filosóficas.8 Ou seja, trouxe a noção de que há direitos fundamentais, que se fundamentam na natureza humana e que existem antes mesmo do próprio Estado, sendo a liberdade religiosa um destes direitos. Por isso, o Brasil, como membro da ONU, é chamado a proteger amplamente este direito.

Porém, não é tão fácil identificar com precisão o que vem a ser a garantia da liberdade religiosa e, consequentemente, a esfera de proteção de tal direito pelos Estados, inclusive o brasileiro. Enfim, a liberdade religiosa está relacionada com outros direitos, também fundamentais, como as liberdades de pensamento, de consciência, de fé, de crença, de associação religiosa, de propaganda religiosa.

Portanto, pode-se afirmar que a base dos direitos fundamentais, dentre eles o da liberdade religiosa, é a natureza humana. Assim, o que é positivamente reconhecido pelo

6 FRANCISCO, Papa. Discurso na Sede da ONU em 25 de setembro de 2015. Disponível em:

http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150925_onu-visita.html. Acesso em 12/10/2015.

7Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://goo.gl/k8p32S. Acesso em

30/10/2015.

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Estado é apenas um instrumento para dar visibilidade a esses direitos, tendo em vista que por serem direitos inatos aos homens, são, por si sós juridicamente exigíveis, sem que afaste a importância dos instrumentos jurídicos. Com isso, o direito a liberdade religiosa como um fruto dos direitos fundamentais, ou seja, um direito da pessoa humana, constituiu o alicerce e a finalidade da própria organização política; por isso, o reconhecimento desses direitos, como direitos da pessoa humana, é a própria base do Estado.9

1.2 – Distinções e aproximações entre os direitos humanos e os direitos fundamentais

Os direitos humanos e fundamentais são considerados direitos com conteúdos diversos, especialmente em razão dos seus âmbitos de incidência. Há correntes doutrinárias que afirmam que os direitos humanos são, por um lado, direitos inscritos (positivados em tratados ou em costumes internacionais), ou seja, são aqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito Internacional Público,10 dentre esses o direito a liberdade religiosa.

Ingo Wolfgang Sarlet afirma que o termo “direitos fundamentais”, por outro, se aplica para aqueles direitos do ser humano, reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado.11 Neste caso, a liberdade religiosa também possui esse status, uma vez que se encontra positivadas pela Constituição Federal brasileira e de diversos outros Estados.

Contudo, independente da distinção doutrinária desses direitos, o fato é que há uma íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, uma vez que a maior parte das Constituições após a segunda guerra se inspirou tanto na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) quanto nos diversos documentos internacionais e regionais que as sucederam. Como bem nos ensina Ingo Wolfgang Sarlet:12

9 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A cultura dos direitos fundamentais. In: SAMPAIO, José Adércio

Leite. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. p. 245.

10 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010, p. 750.

11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2008, p. 35.

12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

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Importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo necessário aprofundar, aqui, a ideia de que são os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.

Há autores ainda que compreendem que os direitos humanos e os direitos fundamentais possuem nomenclaturas sinônimas, porém, segundo sua origem e significado, é possível distingui-las. Canotilho apresenta uma proposta de distinção quando afirma:

Direitos do homem (humanos) são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.13

Desta maneira, para Canotilho os direitos fundamentais constituem a raiz antropológica essencial da legitimidade da constituição e do poder político.14 Por sua vez, José Afonso da Silva diz que direitos fundamentais são os que tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive.15

Assim, direitos como o da liberdade religiosa, são por si sós, amplamente exigíveis, independentes da positivação ou não; hoje, esse se encontra positivado tanto em declarações, tratados internacionais, como na própria Constituição Federal de 1988. O que todavia confere à liberdade religiosa certo grau de “excelência” não é a sua positivação, mas, sim, sua própria origem, inata ao homem.

Nesta mesma perspectiva, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, por meio da Declaração de Viena (1993), esclarece:

13 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina. 1993. p.

517.

14 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina. 1993. p. 42. 15 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros. 1992. pgs. 163 e

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A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o empenho solene de todos os Estados em cumprirem as suas obrigações no tocante à promoção do respeito universal, da observância e da proteção de todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais para todos, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, com outros instrumentos relacionados com os Direitos Humanos e com o Direito Internacional. A natureza universal destes direitos e liberdades é inquestionável. Neste âmbito, o reforço da cooperação internacional no domínio dos Direitos Humanos é essencial para a plena realização dos objetivos das Nações Unidas. Os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais são inerentes a todos os seres humanos; a sua proteção e promoção constituem a responsabilidade primeira dos Governos.16

Na Declaração de Viena percebe-se claramente o direito fundamental da liberdade como sendo inerente a toda pessoa humana, ou seja, independente de sua positivação e/ou distinção doutrinária trata-se de um direito inato ao homem, por isso a Declaração exortou com tanta veemência os Estados para promover e proteger tais direitos do homem.

Quanto à relação entre liberdade religiosa e direitos fundamentais, podemos afirmar que há um vínculo “genético” entre eles.17 Tal vínculo é o reflexo de um processo que envolve muitos fatos históricos como lutas pela liberdade religiosa, por valores, como o da liberdade religiosa em si, até chegar à fase de positivação de direito, onde encontrou seu ápice na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por esta razão o Papa Bento XVI afirmou:

Entre os direitos e as liberdades fundamentais radicados na dignidade da pessoa, a liberdade religiosa goza de um estatuto especial. Quando se reconhece a liberdade religiosa, a dignidade da pessoa humana é respeitada na sua raiz e reforça-se a índole e as instituições dos povos. Pelo contrário, quando a liberdade religiosa é negada, quando se tenta impedir de professar a própria religião ou a própria fé e de viver de acordo com elas, ofende-se a dignidade humana e, simultaneamente, acabam ameaçadas a justiça e a paz, que se apoiam sobre a reta ordem social construída à luz da Suma Verdade e do Sumo Bem. Neste sentido, a liberdade religiosa é também uma aquisição de civilização política e jurídica.18

16 ONU (1993), Declaração e Programa de Ação de Viena Conferência Mundial sobre Direitos Humanos.

Disponível em: <http://goo.gl/WlbEOO>. Acesso em 05/11/2015.

17 JELLINEK, Georg. La Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano, México (D.F.): Unam,

2000, p. 115.

18 BENTO XVI, Papa. Liberdade Religiosa, Caminho para a Paz. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de

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Assim, vastamente se encontra na doutrina justificativa que atribui à liberdade religiosa uma dimensão central na problemática dos direitos fundamentais,19 tendo em vista que a liberdade religiosa é frequentemente ponto de partida para a conquista de outras liberdades. Dessa forma, como um direito fundamental, ela possui uma prioridade cronológica20 quando comparada aos outros direitos fundamentais e sem dúvida, a questão da liberdade religiosa repercutiu diretamente nas Declarações de Direitos, e, nas Constituições que inauguram o Constitucionalismo moderno.21

Independentemente das divergências doutrinárias entre os direitos humanos e direitos fundamentais, bem como o campo de abrangência e proteção de tais direitos, o fato é que há uma relação direita entre eles referentes à própria origem desses direitos, por isso, quando nos referimos à liberdade religiosa como um direito fundamental, pode-se dizer que ela é também um direito humano, tendo em vista que possui por si só a devida força de proteção.

Portanto, quanto ao fator religioso, sempre esteve no epicentro das transformações institucionais que caracterizaram a emergência do constitucionalismo, ou seja, a liberdade religiosa pode ser considerada a “mãe de todas as liberdades”, desta maneira deve ser amplamente protegida pelos direitos humanos e fundamentais, referentes à pessoa humana.

1.3 – A liberdade religiosa: proposta de definição

A liberdade religiosa está relacionada com a capacidade do homem de autodeterminam-se na investigação e adoção da verdade religiosa que bem entenda e de ajustar sua conduta individual e social conforme os preceitos morais, que descobre conforme

19 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. Tomo IV. 3.ed.. Coimbra:

Coimbra Editora, 2000, p. 407.

20 ADRAGÃO. Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002, pgs. 506 e 507. 21 Temas referentes à liberdade religiosa estão presentes na Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, (seção

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sua consciência, ou seja, consiste na faculdade legítima frente ao Estado de professar a religião e praticar o culto, segundo sua razão e consciência.22

Muito bem nos esclareceu o Papa Bento XVI, na Mensagem “Liberdade Religiosa, Caminho para a Paz”, em razão do Dia Mundial da Paz de 2011, a respeito da liberdade religiosa, afirmando:

Liberdade religiosa exprime-se a especificidade da pessoa humana, que, por ela, pode orientar a própria vida pessoal e social para Deus, a cuja luz se compreendem plenamente a identidade, o sentido e o fim da pessoa. Negar ou limitar arbitrariamente esta liberdade significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana; obscurecer a função pública da religião significa gerar uma sociedade injusta, porque esta seria desproporcionada à verdadeira natureza da pessoa; isto significa tornar impossível a afirmação de uma paz autêntica e duradoura para toda a família humana. (...) a liberdade religiosa deve ser entendida não só como imunidade da coação, mas também, e antes ainda, como capacidade de organizar as próprias opções segundo a verdade.23

A liberdade consiste no fato de que todos os homens sejam imunes de coação, tanto por parte de pessoas particulares como de grupos sociais e qualquer poder humano, de modo que, em matéria religiosa, ninguém se obrigue a atuar contra sua consciência, nem seja impedido de atuar conforme ela quer seja pública ou privadamente, sozinho ou associado com outros dentro dos devidos limites.24

De fato, pode-se dizer que a liberdade religiosa possui basicamente três dimensões: a liberdade de consciência, a de culto e a de apostolado. O jurista espanhol Francisco Vera25 nos ensina que a liberdade de consciência considera antes de tudo, a pessoa humana sujeito individual, que é a capacidade do indivíduo de investigar livremente a verdade religiosa e de aderir-se a ela, sem ser coagido; contudo, essa liberdade somente entra na esfera jurídica, quando se depara com a possibilidade de manifestação externa, muitas vezes expressa nos cultos.

22 VERA URBANO, Francisco de Paula. La Libertad Religiosa como Derecho de La Persona. Madrid:

Instituto de Estudios Políticos, 1971, p. 32.

23 BENTO XVI, Papa. Liberdade Religiosa, Caminho para a Paz. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de

2011. Disponível em: http://goo.gl/WR6dYC. Acesso em 07/11/2015.

24 OTADUY, Javier; VIANA, Antonio; SEDANO, Joaquín. Diccionario General de Derecho Canónico. Vol.

V. Madrid: Aranzadi, 2013, p. 164.

25 VERA URBANO, Francisco de Paula. La Libertad Religiosa como Derecho de La Persona. Madrid:

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A liberdade de culto, para ele, decorre da necessidade humana de manifestar externamente seu pensamento e sentimento religioso, buscando não somente uma satisfação emocional, mas também uma inclusão social, e por essa razão, a liberdade de culto não é apenas um acidente, mas, sim, necessária para a liberdade religiosa, ou seja, pode-se dizer que a liberdade de culto é a liberdade religiosa coletiva. Para o direito, a liberdade de culto somente é objeto de estudo no que se refere ao externo, e não ao obséquio interno da fé.

Por fim, a liberdade de apostolado tem como finalidade, como nos ensina Francisco Vera, de acrescentar o fervor religioso entre os fiéis da mesma comunidade, por meio de pregações fora e dentro do culto e de outras práticas pastorais, como, ensinamento do catecismo, escritos em revistas e livros, cinema, teatro, rádio, televisão, internet. Porém, distingue-se duas formas de apostolado: o primeiro, chamado interno, é o destinado às pessoas da mesma profissão de fé; o segundo, externo, possui como finalidade alcançar a todos, crentes ou não.

O exercício da liberdade religiosa garante não somente a possibilidade de professar uma fé, mas também a de comunicá-la; nesse sentido, amplamente a doutrina constitucional ampara a liberdade de expressão, como, por exemplo, através dos ensinamentos de José Afonso da Silva, que afirma a liberdade de opinião como sendo a liberdade primária e ponto de partida das outras liberdades, essa que, segundo ele, manifesta tanto em seu aspecto íntimo revelado na liberdade de consciência e de crença, bem como no seu aspecto externo, que se manifesta pelo exercício das liberdades de comunicação, de religião, de transmissão e recepção do conhecimento e de expressão intelectual, artística, científica e cultural.26

Conforme vimos, a liberdade religiosa bem como as demais liberdades decorrentes dela como, por exemplo, às citadas liberdades de consciência, de culto e de apostolado possuem um grande aspecto externo, sendo justamente essa a dimensão objeto do direito. Contudo, não se trata de simples “escalas sucessivas” de liberdade, tendo em vista que a proteção jurídica desses direitos muitas vezes se funde.

26 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012,

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23

Jorge Miranda27 considera ainda que liberdade religiosa deriva da liberdade de consciência, ou seja, da capacidade de ter convicções filosóficas destituídas de caráter religioso. Assim, a matriz da proteção constitucional não seria o direito à “fé” em si, mas, sim, a liberdade de consciência, essa stricto sensu de característica muito mais filosófica que religiosa.

Em relação à liberdade de expressão, afirma Jorge Miranda que ela é mais que a liberdade de comunicação social, abrangendo, portanto, todos e quaisquer meios de comunicação entre as pessoas, a palavra, a imagem, o livro, qualquer outro escrito, a correspondência escrita e por telecomunicações, o espetáculo e outros meios.28

John Rawls,29 por sua vez, relaciona a liberdade religiosa com questões relativas às liberdades individuais, justificando que cada indivíduo é livre para professar suas próprias crenças religiosas ou filosóficas, cuja justificação se alcança com base em um equilíbrio razoável de valores políticos públicos, ou seja, em sua teoria ele busca propiciar a coexistência das “religiões” e doutrinas filosóficas razoáveis, desde que essas estejam articuladas no exercício da razão pública.

Todos esses exemplos indicam a correlação intrínseca da liberdade religiosa com o direito, tendo em vista que ela possui uma dimensão pública, visível principalmente na proteção do direito à liberdade de consciência, de associação, de expressão, por exemplo. Por esta razão, o dado religioso nunca passou despercebido pelos poderes públicos.

Contudo, o conceito de liberdade religiosa foi sendo construído à custa de lutas, perseguições, intolerâncias e afronta aos direitos humanos, até que se chegar a definição da liberdade religiosa, como a capacidade que tem o homem de autodeterminar-se na investigação e adoção da verdade religiosa e de ajustar sua conduta individual e social conforme os preceitos morais, que descobre conforme sua consciência, consiste na faculdade legítima frente ao Estado de professar a religião e praticar o culto, segundo sua razão e consciência.30

27 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. Tomo IV, 3. ed. Coimbra:

Coimbra Editora, 1993. p. 365.

28 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. Tomo IV. Coimbra: Coimbra

Editora, 1988, p. 374.

29 RAWLS, John. O liberalismo político. Trad. Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 287-288. 30 VERA URBANO, Francisco de Paula. La Libertad Religiosa como Derecho de La Persona. Madrid:

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Enfim, essas definições a respeito da liberdade religiosa são de suma importância, pois, a partir delas, foi se desenvolvendo a noção de que o sujeito, cidadão livre, dentro de um Estado, possui o direito a investigar, aceitar, promover, divulgar, os conteúdos de fé nos quais deseja conformar sua vida.

1.4 – As tensões da liberdade religiosa no mundo contemporâneo

Ainda hoje todos se deparam com diversos conflitos que envolvem a temática religiosa. Pode-se dizer que, em maior ou menor grau, nunca a perseguição religiosa foi cessada. Basta olharmos para a história dos séculos XX e XXI, que encontraremos inúmeros conflitos que envolviam e as que envolvem as questões de fé.31

Recordemos, a título exemplificativo, a questão judaica na Alemanha nazista,32 a destruição das Igrejas pelos comunistas russos, a proibição ao culto religioso não oficial na China atual, o histórico conflito entre Israel e Palestina, o sequestro de crianças cristãs por grupos extremistas muçulmanos na Nigéria e o mais surpreendente, devido à crueldade, os assassinatos de cristãos e outras minorias pelo “Estado Islâmico –El”, em algumas regiões da Síria e do Iraque.

Porém, um marco histórico na história recente a respeito da temática da liberdade religiosa e, consequentemente, da proteção dos direitos inerentes a ela, foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, uma vez que a sua motivação foi tida como de natureza política/religiosa. A partir da queda das Torres Gêmeas, começaram a se repensar os limites da liberdade religiosa, entre eles os de expressão e promoção da fé, uma vez que, amparados na “liberdade de expressão”, conferida pela própria natureza do direito

31 FUNDAÇÃO AIS (Ajuda a Igreja que Sofre). Perseguidos e Esquecidos? Um Relatório sobre os Cristãos Oprimidos por causa da sua Fé – 2013-2015. Trad. Sofia Leitão. Disponível em: http://goo.gl/j8lVeD. Acesso em 30/11/2015.

32 Hannah Arendt trata brilhantemente a respeito da questão judaica e a maneira pelo qual progressivamente os

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25

fundamental da liberdade religiosa, grupos extremistas divulgaram sua ideologia e recrutaram membros para, em nome da fé, praticar atentados terroristas.

Urge, portanto, uma reflexão concreta a respeito da liberdade religiosa e a possibilidade da relação entre religiões e Estados, pois a liberdade religiosa não se trata apenas de uma garantia a determinado grupo ou religião, mas, sim, de um direito humano, fundamental, inato ao homem, que não pode ser mutilado, quer seja pela autoridade pública, quer seja por grupos religiosos.

Os exemplos citados acima demonstram o quanto o fato religioso está inserido na vida social e, ao mesmo tempo, que a proteção da liberdade religiosa, ou seja, o direito do homem em investigar e aderir ao “sagrado”, não se trata apenas de uma questão privada que possa ser excluída da vida pública.

O fato é que o Estado não pode ignorar o dado religioso em vista dos direitos fundamentais dos homens, mesmo quando ele se encontra diante de graves problemas políticos, como, por exemplo, a questão dos muçulmanos no mundo, ou a atual perseguição aos cristãos na Síria pelos membros do “Estado Islâmico”.33 O Estado como garantidor dos

direitos fundamentais deve ser o primeiro a desenvolver instrumentos de proteção aos cidadãos quanto às questões religiosas.

Por outro lado, temáticas religiosas são sempre muito sensíveis e, por vezes, geram inúmeros preconceitos a um determinado grupo religioso. Basta ver o quanto membros pacíficos e equilibrados do Islã sofreram com “perseguições” midiáticas, sociais e religiosas nos Estados Unidos após o atentado às Torres Gêmeas, uma vez que uma grande parcela da sociedade generalizou a atitude dos terroristas como se esse pequeno grupo expressasse o desejo de todos os membros de uma religião.

Por esse e outros motivos diversas autoridades de Estado tem utilizado da visibilidade de seus discursos e chamado a atenção para os problemas da liberdade religiosa. Entre esses, destacamos o célebre discurso do presidente norte americano Barack Obama na

33 Devido à escassez de produção científica a respeito do Estado Islâmico, fez-se necessária uma ampla pesquisa

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Universidade do Cairo, Egito,34 em 4 de junho de 2009, onde manifestou a necessidade de reconciliação com o Islã, expressando a grande colaboração histórica dos muçulmanos na construção da nação americana e em outros países.

Nesse discurso, o presidente americano reafirmou que a liberdade religiosa é um direito inato aos homens, ou seja, um direito fundamental consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros instrumentos internacionais. Para ele, a liberdade para professar, praticar e propagar a fé deve ser respeitada por todas as sociedades e por todos os governos.

Barack Obama afirmou ainda que os povos de todos os países devem ser livres para escolher e viver sua fé com base na convicção da mente, do coração e da alma. Essa tolerância é fundamental para que a religião cresça, mas ela está sendo refutada de diversas maneiras, ou seja, a liberdade religiosa é um direito fundamental, um bem social, uma fonte de estabilidade e um fator fundamental para a segurança internacional.35

Outro discurso de uma autoridade estatal reafirmando a liberdade religiosa como um direito fundamental, destacando a função do Estado em promover tal direito, foi o do embaixador da Santa Sé junto as Nações Unidas, Dom Silviano Tomasi, durante a XVI Sessão Ordinária do Conselho Dos Direitos Humanos da ONU, em 2 de março de 2011, quando afirmou:

No centro dos direitos humanos fundamentais estão as liberdades de religião, de consciência e de crença: elas influenciam a identidade pessoal e as escolhas essenciais, além de tornar possível beneficiar de outros direitos humanos. (...) O Estado tem o dever de defender o direito à liberdade religiosa e, por conseguinte, a responsabilidade de criar as condições que tornam possível usufruir deste direito. (...) O Estado deveria apoiar todas as iniciativas que visam promover o diálogo e o respeito recíproco entre as comunidades religiosas. Deve aplicar as próprias leis que lutam contra a discriminação religiosa, com vigor e imparcialidade; garantir a incolumidade física às comunidades religiosas vítimas de ataques; e encorajar as maiorias para que permitam às minorias religiosas praticar a própria fé individualmente e na comunidade, sem ameaças nem impedimentos. (...) a negação da liberdade religiosa enfraquece qualquer aspiração democrática, favorece a opressão e reprime a sociedade inteira, que consequentemente pode explodir com efeitos trágicos. Deste ponto de vista, é também evidente que a liberdade de religião e de crença está complementar e intrinsecamente ligada ao da liberdade de

34 A integra do Discurso do presidente Barack Obama está disponível em: http://goo.gl/9SCK0v. Acesso em

31/10/2015.

35 Relatório sobre Liberdade Religiosa Internacional. Disponível em: http://goo.gl/zrz9Sc. Acesso em

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27

opinião, de expressão e de agregação. Além disso, um contexto de verdadeira liberdade religiosa torna-se o melhor remédio para prevenir a manipulação da religião para fins políticos de conquista e conservação do poder e de opressão dos dissidentes, das comunidades de fé diferentes ou das minorias religiosas.36

A liberdade religiosa é um direito fundamental amplamente “explorado” pelos Estados, pois se trata de um direito inato de todas as pessoas, ou seja, o direito à liberdade religiosa está radicado na própria dignidade da pessoa humana,37 independentemente da fé que professa ou da falta dela. Além disso, esta temática envolve a questão central da liberdade de consciência e, consequentemente, se expande para diversos outros direitos como os de culto, de associação, de expressão.

Por esta razão, cabe ao Estado a promoção de inúmeras iniciativas visando à proteção desse direito, quer seja fazendo como o presidente americano, que buscou uma “reconciliação” com os muçulmanos, ou como o embaixador da Santa Sé na ONU, que exortou os Estados de suas responsabilidades frente ao direito à liberdade religiosa.

Assim, destaca-se ainda que há um duplo múnus por parte do Estado em relação ao direito fundamental à liberdade religiosa, quais sejam: promover a chamada autodeterminação38 do indivíduo quanto a suas questões de consciência e o de não poder impor concepções filosóficas aos cidadãos, devendo admitir, igualmente, que o indivíduo aja de acordo com suas convicções, inclusive as de natureza religiosa.39

Quando se diz em liberdade religiosa, é preciso ainda esclarecer que não se refere apenas à liberdade dos católicos frente ao Estado laico, ou dos espíritas, agnósticos, protestantes, diante de uma autoridade Estatal confessional católica, por exemplo, mas, sim, a liberdade religiosa abraça a todos, visando o direito do homem de crer ou não, pois seu fundamento é justamente a liberdade do homem em conhecer ou não o “sagrado” e, a partir de sua adesão, conformar a sua vida e consciência de acordo com sua crença. Diante disso, ela é

36 Discurso de Dom Silviano Tomasi na XVI Sessão Ordinária do Conselho Dos Direitos Humanos da ONU, em

2 de março de 2011. Disponível em: http://goo.gl/7wgBXB. Acesso em 31/10/2015.

37 BENTO XVI, Papa. Liberdade Religiosa, Caminho para a Paz. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de

2011. Disponível em: http://goo.gl/WR6dYC. Acesso em 07/11/2015.

38 BONAVIDES, Paulo. MIRANDA, Jorge. AGRA, Wagner de Moura Agra. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 100.

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um direito humano de suma importância para a ordem social; assim, não respeitá-la é não respeitar a própria noção de direitos fundamentais.

Pode-se afirmar, por fim, que é muito complexa a temática da liberdade religiosa; por isso, ainda se encontram conflitos motivados por questões de fé. Por outro lado, a compreensão da liberdade religiosa como um direito fundamental, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mudou o itinerário de proteção desse direito pelos Estados, uma vez que a Declaração Universal representa a consciência histórica de que a humanidade possui valores fundamentais.40

Por esta razão, para a compreensão desse fenômeno, visando à construção de instrumentos jurídicos sólidos para a proteção do direito fundamental da liberdade religiosa, faz-se necessária uma investigação científica da fundamentação histórica, filosófica, teológica dos direitos humanos e, consequentemente, do direito à liberdade religiosa.

40 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 21. tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier,

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Capítulo Segundo

A evolução dos direitos humanos: a consolidação da liberdade religiosa

2.1 – Fundamentações teológicas, filosóficas e históricas dos direitos humanos

Os direitos humanos e, consequentemente, o direito à liberdade religiosa como o conhecemos, nasceram com o pensamento moderno, ainda que possuíssem seus precedentes nos direitos naturais. Por isso, esses direitos devem ser entendidos correspondentes à pessoa em atenção a seu próprio modo de ser natural, considerando as circunstâncias que as rodeiam, ou seja, sem ignorar as exigências históricas.41

Assim, neste Capítulo procuramos apresentar de forma geral os processos estruturantes vividos pelos direitos humanos, considerando principalmente o direito à liberdade religiosa, uma vez que esse direito fundamental faz parte do amplo leque de direitos e garantias componentes das temáticas humanas.

Os direitos humanos não constituem apenas exigências éticas ou morais que dependam de um consenso e positivação para converterem-se em autênticos direitos. Não é uma simples adesão coletiva que oferece fundamento aos direitos humanos, bem como ao direito à liberdade religiosa. Eles, decorrem da própria dignidade ontológica de todo ser humano. Justamente, é a dignidade que converte o ser humano em um fim em si mesmo e esta resultaria debilitada se não se reconhecessem os direitos e as liberdades essenciais para o desenvolvimento pessoal, livre e responsável dos homens.42

Contudo, esses direitos por muitos anos foram compreendidos de maneira subjetiva, atribuídos a um ser humano, mas foi entre os séculos VII a II A.C. que eles tomaram forma e, nesse sentido, sua origem acompanha o surgimento da filosofia que entre outras coisas

41 OTADUY, Javier; VIANA, Antonio; SEDANO, Joaquín. Diccionario General de Derecho Canónico. Vol.

III. Madrid: Aranzadi, 2013, p. 212.

42 OTADUY, Javier; VIANA, Antonio; SEDANO, Joaquín. Diccionario General de Derecho Canónico. Vol.

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30

substituía as explicações mitológicas a respeito do homem e do mundo, para uma compreensão mais racional, centralizada no sujeito.

Foi o nascimento da filosofia que marcou uma nova etapa nos direitos humanos, pois, a partir dela, o indivíduo começou a ousar exercer sua faculdade crítica racional da realidade, tornando em si mesmo o principal objeto de análise e reflexão.43 Assim, o ser humano passou a ser considerado como um ser dotado de liberdade e razão, nascendo dessa forma, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais a ela inerentes.44

Outro marco histórico na construção da noção de pessoa humana, bem como seus direitos foi o nascimento das religiões. Essas, que têm por fundamento a “supremacia” dos seres humanos e a igualdade essencial entre os homens livres e racionais, tudo isso contribuiu para a formação da ideia da “sacralidade” do homem diante do mundo, detentor de, direitos próprios e invioláveis decorrentes desta condição.

Neste sentido, aos poucos foi sendo desenvolvido um dos fundamentos principais dos direitos humanos e da liberdade religiosa, que é a ideia da dignidade do homem e dos direitos decorrentes a essa condição, dignidade esta que pode ser qualificada como pertencentes a todas as pessoas em razão de sua natureza humana, dotada de inteligência e vontade.

Quanto ao direito à liberdade religiosa, de fato ele não se funda na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua própria natureza. Portanto, se seu fundamento é a dignidade da natureza humana, esse direito é inerente a toda pessoa humana, independente de quaisquer outras circunstâncias, uma vez que se trata de um verdadeiro direito humano, e não de um direito subjetivo.45

Neste contexto, é que se desenvolve a noção dos direitos humanos e, entre eles, o da liberdade religiosa, fundamentados na noção de dignidade surgida principalmente com a filosofia e as religiões. Por essa razão, é necessário investigar a fundamentação teológica,

43 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 22.

44 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 24.

45 OTADUY, Javier; VIANA, Antonio; SEDANO, Joaquín. Diccionario General de Derecho Canónico. Vol.

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31

filosófica e histórica da construção desses direitos, para a partir dos conteúdos extraídos, demonstrar a importância dos direitos humanos para a garantia da promoção humana e seus anseios mais íntimos, dentre esses a possibilidade de relacionar-se com o “sagrado” na comunidade social em que faz parte.

2.2 – A fundamentação teológica dos direitos humanos

A inquietação do homem em “conhecer a si mesmo” é um drama um tanto quanto antigo, e essa inscrição já estava esculpida do templo de Delfos e, com o tempo, tornou-se uma característica de todo o homem que, ao distinguir-se dos outros seres, se conhecendo, se auto identificava como “homem”, ou seja, como um sujeito único, livre e racional.

Neste itinerário de autoconhecimento e conhecimento do outro, as religiões desempenharam uma função primordial e acabaram por contribuir no desenvolvimento do próprio direito do homem. De fato, a busca por respostas a respeito de sua existência foi um verdadeiro impulso “intelectual” ao homem, desejo que se encontra no próprio “coração do homem”. Inúmeras religiões fizeram parte desse processo de desenvolvimento, como nos ensinou João Paulo II:

Basta um simples olhar pela história antiga para ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente, em diversas partes da terra animadas por culturas diferentes, às questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida? Estas perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas e no Avestá; achamo-las tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles. São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais perguntas depende efetivamente a orientação que se imprime à existência.46

46 JOÃO PAULO II, Papa. Carta Encíclica

Fides et Ratio. Disponível em: http://goo.gl/nsoTb1. Acesso em:

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A partir dessa busca, nasce a justificativa religiosa dos direitos humanos, pois o homem, ao se conhecer, procurou respostas em “Deus” e, se reconhecendo criatura, passou a enxergar sua condição de homem distinta dos outros seres, ou seja, fundamentada na ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente; ele, homem criatura, identificou-se com uma posição eminente na ordem da criação; por isso, os direitos inerentes, inatos ao homem, seriam justificados no próprio divino, que, dando a ele a possibilidade de se conhecer, lhe revelaria sua condição de “sagrado”.

A narrativa bíblica a respeito da criação nos ajuda a entender esse processo de autoconhecimento e identificação do homem com o “Deus Criador” e, a partir desse processo, ocorre o surgimento das bases teológicas a respeito da própria condição humana, da dignidade humana, bem como dos direitos humanos. O Livro de Gênesis narra esse fato, afirmando que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança:

Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. (Gên. 1, 26-27).47

A partir dessa afirmação, surge a noção da “sacralidade” do homem, tendo em vista que, nesta perspectiva, a ciência teológica afirma que o homem foi criado mediante uma ação de amor de Deus, sendo que o mistério transcendente de Deus se reflete no mistério da pessoa humana como imagem de Deus. Além disso, afirma a Teologia que a pessoa humana é dotada de liberdade, apta a entrar em comunhão com os outros e chamada por Deus a um destino que transcende as finalidades da natureza física. Este fato acontece mediante uma livre e gratuita relação de amor com Deus, que se realiza na história.48

A princípio, a fundamentação dos direitos humanos, bem como da dignidade humana, da liberdade religiosa, não se esgota apenas na justificativa teológica, que afirma principalmente que esses direitos decorrem do fato de o homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus.

47 Cf. Bíblia Sagrada, livro de Gêneses, capítulo 1, versículos 26 e 27. (Editora Ave Maria)

48 Comissão Teológica Internacional. Em busca de uma ética universal: Novo olhar sobre a Lei Natural.

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33

Hoje em dia, o reconhecimento desses direitos não se fundamenta somente em questões de cunho religioso-teológico, pois, principalmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foram ampliados os conceitos dos direitos humanos e seus fundamentos esses que se expandiram para temáticas além dos credos religiosos, como bem nos ensinou Jónatas Machado:

A ideia de dignidade da pessoa humana apresenta-se hoje imbuída de um conteúdo político-moral que, embora escorado na concepção judaico-cristã do homem criado à imagem e semelhança de Deus – isto é, portador de uma Imago Dei e enriquecido com os contributos da teológica católica e protestante, prescinde atualmente de qualquer vínculo confessional específico, sendo inadmissível a sua colocação ao serviço de uma promoção de uma particular concepção teológica da verdade objetiva ou de bem comum. Também ela sofreu, a partir do Iluminismo, um processo de racionalização e secularização que a coloca presente num nível de generalidade suficientemente elevado para abarcar as ideias de livre desenvolvimento pessoal e social do ser humano, nas suas dimensões físicas, intelectuais e espirituais, e de garantia de recursos materiais que possibilitem o acesso a um nível mínimo de existência humanamente digna a todos os indivíduos. Assim entendida, a dignidade humana não é propriedade da religião em geral ou de uma confissão religiosa em particular.49

Há, portanto, outras respostas que justificam a fundamentação dos direitos humanos e dos decorrentes a ele, contudo, todas as “fundamentações” – teológica, filosófica, histórica – não são excludentes e, diante de um processo histórico, acabam por se complementarem. Nesse sentido, a doutrina jurídica indica que os direitos humanos foram solidificados ao longo do tempo a partir do desenvolvimento de dois conceitos básicos, quais sejam: pessoa humana e sua dignidade, que estavam presentes em todas as fundamentações.

Por essa razão, para a compreensão dos direitos humanos e, principalmente, a da liberdade religiosa como um direito fundamental, é necessário um mergulho profundo no desenvolvimento filosófico dos conceitos de pessoa humana e sua dignidade, bem como na própria solidificação história dos direitos humanos. Uma vez que esses dados são de suma importância para a posterior proposta de colaboração entre as religiões e os Estados, pois, tais conceitos, constituem as bases para a proteção efetiva do direito humano e fundamental da liberdade religiosa.

49 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva:

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2.3 – A fundamentação filosófica dos direitos humanos: o conceito de pessoa

Como visto, há uma relação direta entre direitos humanos e dignidade da pessoa humana; contudo, quando se fala de pessoa humana, é impossível deixar de lado o conceito de pessoa. A origem etimológica da palavra “pessoa” encontra-se no termo latino persona, que se referia à máscara que os atores utilizavam em suas representações teatrais.

Porém, ao longo dos anos, foi se desenvolvendo entre os gregos uma reflexão antropológica a partir de uma perspectiva “cosmológica”, segundo a qual o ser humano era compreendido como a realidade natural mais elevada. Nem os gregos e nem os romanos conseguiram, porém, perceber nele a realidade única, original, particular e concreta do ser pessoa.50

É a perspectiva cosmológica grega que possibilitará a primeira abordagem da dignidade do homem, que, segundo Aristóteles, é mais evidente naqueles que desenvolvem de forma destacada a atividade intelectual própria da alma humana, como é o caso dos filósofos. Segundo as tradições platônica e aristotélica, a dignidade do homem seria proporcional à sua capacidade de pensar e conduzir a própria existência desde a razão.

Na antiguidade clássica, a ideia de dignidade estava relacionada com a posição social que o indivíduo ocupava na sociedade e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, de modo que este conceito possuía uma intepretação restrita. Além disso, a dignidade era relacionada com um grupo de “homens iguais em dignidade”, portanto, não se estendia a todo “homem”. É nesse sentido que se falava em uma quantificação e modulação da dignidade, admitindo a existência de pessoas mais ou menos dignas.51

Coube ao Cristianismo potencializar a noção de dignidade ao conferir um senso de liberdade, igualdade e fraternidade, ou seja, dignidade a todos os homens. Esse fato é visto de maneira clara na Carta de São Paulo aos Gálatas, quando o apóstolo afirma que “todos são

50 SOARES, André Marcelo M. Um breve apontamento sobre o conceito de dignidade da pessoa humana.

Disponível em: http://goo.gl/AdUzhN. Acesso em 10/11/2015.

51 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.

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