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b – O Acordo Brasil/Santa Sé: Justificativas e Conteúdo

A Igreja Católica, embora não seja a religião oficial do Brasil, mesmo não tendo o statusde “exclusividade”, continua presente de forma significativa na cultura brasileira, desde do Império, há relações fortes entre a fé/cultura católica e o Estado brasileiro. Esta influência é vista na formação moral, educacional e social do nosso país.

Assim, a Santa Sé, por meio da Igreja Católica, tem sido historicamente uma grande parceira do Estado brasileiro, principalmente no que diz respeito à defesa dos direitos

213 PRIETO, Vicente. Relaciones Iglesia-Estado: La perspectiva del Derecho canónico. Publicaciones Universidad Pontificia Salamanca: Salamanca, 2005, p. 134.

214 Dentre os pactos firmados pela Santa Sé com diversos países, destacamos os seguintes: Itália, em 18 de fevereiro de 1984; Malta, em 16 de novembro de 1989; Polônia, em 28 de junho de 1989; Letônia, em 8 de novembro de 2000; Eslováquia, em 24 de novembro de 2000; Gabão, em 12 de dezembro de 1997; Croácia, em 16 de dezembro de 1996; Estado da Palestina, em 26 de junho de 2015; Israel em 10 de novembro de 1997. Inclusive a Santa Sé celebrou acordos com estados socialistas dentre eles Hungria; em 15 de setembro de 1964, a Iugoslávia em 25 de junho de 1966. Tudo isso, a título exemplificativo, para indicar que os tratados não versam somente às questões religiosas, mas possuem como objeto central de tal colaboração a proteção da dignidade da pessoa humana.

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fundamentais dos cidadãos, inclusive em diversos momentos supriu a carência do próprio Estado, quando forneceu meios para o desenvolvimento dos homens.

Por outro lado, a Santa Sé, assim como o Brasil, tem, entre seus objetivos, a garantia do pleno exercício da liberdade religiosa. Ambos os Estados historicamente são parceiros em diversas atividades visando à promoção humana, seja ela no campo da educação, da saúde, da cultura e até mesmo na proteção do direito fundamental da liberdade religiosa.

Com isso, não há como negar que existe uma longa relação histórica de colaboração entre o Brasil e Santa Sé. Como observado no desenvolvimento histórico das constituições brasileiras, a relação cotada acima passou por inúmeras fases.

A Santa Sé, por meio da Igreja Católica, historicamente vem colaborando no desenvolvimento do Estado brasileiro. Basta apenas observar o quanto de escolas, universidades, creches, asilos e hospitais, são mantidos pela Santa Sé, todos eles demonstram precisamente a longa relação harmônica de parceria “colaboração” entre os dois Estados.

Quanto à Santa Sé, há de se destacar ainda que, como sujeito de Direito internacional, em nada difere da República Federativa do Brasil, pois ambas são capazes de celebrar acordos internacionais, sendo inclusive signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, possuem, em seu fundamento constitutivo, a proteção do homem, os direitos fundamentais, dentre eles o da liberdade religiosa.

Ora, tendo como pano de fundo a dignidade da pessoa humana, a comunidade internacional, dentre elas o Brasil e a Santa Sé, como países signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos, possui o dever de colaborar no desenvolvimento e na proteção integral do homem, não podendo para isso desconsiderar o direito fundamental à liberdade religiosa.

Diante do exposto, os ordenamentos jurídicos, estatais ou internacionais, são chamados a reconhecer, garantir e proteger a liberdade religiosa, que é um direito inerente à natureza humana, à sua dignidade de ser livre, assim como um indicador de uma sã

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democracia e uma das principais fontes da legitimidade do Estado.215 É justamente nesta perspectiva que repousa a relação entre a Igreja Católica/Santa Sé e o Estado brasileiro.

Após apresentarmos os aspectos convergentes entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, bem como a natureza jurídica da Igreja Católica, passamos a uma análise mais especifica do modelo colaborativo desenvolvido entre ambos, solidificado no Acordo Brasil/Santa Sé.216

O ponto de partida para o estudo deste documento é a compreensão de que o Acordo não teve a pretensão de discutir dogmas de fé, mas, sim, de proteger o direito à liberdade religiosa não somente dos católicos, mas de todos os “religiosos”, inclusive das minorias religiosas, que de certa forma são atingidas e amparadas por meio desse acordo.

Tecnicamente, o Acordo Brasil/Santa Sé é constituído de um preâmbulo e mais 20 artigos. Lorenzo Baldisseri217 nos ensina que o este documento possui como principais objetivos:

Continuar as relações diplomáticas entre o Brasil e a Santa Sé;

Reafirmar a personalidade jurídica da Igreja Católica e reconhecer suas Instituições em conformidade com o Direito Canônico (Conferência Episcopal, Dioceses, Paróquias, Institutos religiosos, etc.);

Reconhecer às Instituições assistências religiosas igual tratamento tributário e previdenciário atribuídos a entidades civis congêneres;

Estabelecer a continuidade da assistência religiosa da Igreja a pessoas que a requeiram e estejam em situações extraordinárias, no âmbito militar, em hospitais ou em presídios;

Reafirmar a colaboração da Igreja na educação e na cultura com suas instituições de ensino: escolas católicas, seminários, universidades, centros de cultura;

Cuidar do ensino da religião católica em Instituições públicas de ensino fundamental, incluindo outras confissões religiosas.

Confirmar a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso e, simétrica e coerentemente, dispor sobre os efeitos civis das sentenças eclesiásticas por sua homologação.

Estabelecer o princípio do respeito ao espaço religioso nos instrumento de planejamento urbano;

215 FRANCISCO, Papa. Discurso do Papa Francisco no Congresso Internacional “Liberdade Religiosa

segundo o Direito Internacional e o Conflito Global dos Valores”. Disponível em: <http://goo.gl/wt0WKq>.

Acesso 19/11/2014.

216 Acordo Brasil/Santa Sé – Decreto n. 7.107, de 11 de Fevereiro de 2010. Disponível em: <http://goo.gl/Q66pIR>. Acesso em 05/11/2015.

217 Dom Lorenzo Baldisseri é um Cardeal da Igreja Católica, foi Núncio (Embaixador) da Santa Sé no Brasil de 2 de novembro de 2002 até 11 de janeiro de 2012, sendo responsável direto pela elaboração do Acordo Brasil/Santa Sé.

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Codificar a jurisprudência no Brasil sobre a inexistência de vínculo empregatício dos ministros ordenados e fiéis consagrados mediante votos com as Dioceses e os Institutos Religiosos equiparados;

Estabelecer normas sobre o voluntariado no contexto pastoral;

Assentar o direito dos Bispos solicitarem "Visto" de entrada aos religiosos e leigos estrangeiros que convidarem para atuar no Brasil;

Ensejar que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) possa, autorizada pela Santa Sé em cada caso, celebrar convênios que especifiquem os direitos versados no Acordo, úteis para a sua implementação.218

A intenção do referido Acordo foi apresentar, numa só peça jurídica, aquilo que já pelo direito brasileiro não acrescentou leis ou privilégios que beneficiem a Igreja Católica de modo a ferir a isonomia que a Constituição prescreve a todas as confissões e expressões religiosas. Por fim, o Acordo concedeu maior clareza, organicidade e tranquilidade a essas relações, o que contribui para o bem-estar de todos aqueles que professam a fé católica.219

O preâmbulo do Acordo deixa claro os valores que guiaram o texto; por isso, é de suma importância transcrevê-lo. Afirma o Acordo:

Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo Direito Canônico;

Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil e suas respectivas responsabilidades a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana;

Afirmando que as Altas Partes Contratantes são, cada uma na própria ordem, autônomas, independentes e soberanas e cooperam para a construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna;

Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu ordenamento jurídico; Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de liberdade religiosa;

Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício dos cultos religiosos;

Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já existentes;220

218 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; BALDISSERI, Lorenzo (Coord.). Acordo Brasil/Santa Sé

comentado. São Paulo: LTr, 2012, pgs. 28 e 29.

219 Livro explicativo a respeito do Acordo Brasil/Santa Sé, apresentado no Senado Federal. Cf. SENADO FEDERAL. Acordo Brasil/Santa Sé. Brasília: 2009. Disponível em: http://goo.gl/LmUn7F. Acesso em 07/11/2015.

220 Cf. Preâmbulo. Acordo Brasil/Santa Sé – Decreto n. 7.107, de 11 de Fevereiro de 2010. Disponível em: <http://goo.gl/Q66pIR>. Acesso em 05/11/2015.

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De fato, o Acordo Brasil/Santa Sé, traz em seu bojo elementos que transpassam a frieza da norma jurídica, pois sua intenção é fortalecer e incentivar as mútuas relações já existentes entre estes Estados. Sua novidade consiste no fato de que, para a garantia de um direito fundamental dos cidadãos, o Estado brasileiro celebrou um Acordo com um Estado confessional, o que faz desse Acordo um marco histórico, pois o Estado brasileiro reconheceu que os valores promulgados pela Santa Sé (Igreja Católica) são indispensáveis para o desenvolvimento integral do homem, independentemente de confissão religiosa.

O Acordo, porém, não viola nem a laicidade nem a neutralidade do Estado. Ao contrário, fomenta o reconhecimento de direitos e liberdades dos próprios cidadãos. O reconhecimento dos direitos e liberdades de um grupo, até por força do princípio constitucional da igualdade, impele o legislador a tutelar análogos direitos e liberdades dos cidadãos de outras religiões, o que faz do Acordo adequado aos interesses coletivos e individuais, inclusive dos demais credos religiosos.

Além disso, de certa forma, o Acordo acaba por reforçar o texto constitucional, uma vez que esse não repudia as religiões; ao contrário, o constituinte brasileiro reconhece as religiões como portadoras de valores dignos de proteção pelo Estado, cabendo aos poderes públicos o dever de assumir comportamentos ativos de tutela e promoção desta área.

Assim, a Constituição, através do artigo 19, I,221 prevê expressamente a colaboração de interesse público do Estado com as religiões, através do princípio da colaboração, que jamais pode ser entendido como privilégios injustificados dados a determinadas religiões. Por isso o Acordo não fere o artigo 19. da Constituição, pois ele não traz nenhuma obrigação para o Estado laico em estabelecer cultos religiosos, dependência ou aliança, mas sim, tutela sobre elementos de interesse público.

Destaca-se ainda a contribuição dos valores propagados pela Santa Sé no desenvolvimento integral da pessoa humana. Além disso, quando o Estado garante a proteção dos lugares públicos de culto da Igreja Católica e de suas liturgias222, este direito já estava

221 O art. 19, I da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, dispõe: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Cf. Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988. Disponível em: http://goo.gl/k8p32S. Acesso em 05/11/2015.

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sacramentado na Constituição223 e se estende para as demais religiões, ou seja, as liturgias e os templos das minorias também devem ser amplamente protegidos, seguindo o princípio fundamental da liberdade religiosa.

Portanto, o Acordo deixa claro que a relação entre religiões e/ou Igreja Católica e Estado não é um privilégio a uma ou algumas religiões, tampouco uma “ofensa” à laicidade, mas sim, o reconhecimento que o direito à liberdade religiosa decorre da própria natureza humana, ou seja, o homem é um ser que busca ter acesso ao transcendente além das próprias estruturas estatais. Para isso, cabe ao Estado não interferir na busca do homem pelo sagrado, a não ser quando o exercício da religião torna-se uma afronta à própria dignidade humana.

5.7 – A relação entre o Estado e as demais religiões

Após apresentadas as características específicas da Igreja Católica/Santa Sé, bem como o modelo de colaboração desenvolvido entre ela e o Estado brasileiro, partimos para a análise da colaboração possível com as demais religiões, ou seja, com aquelas que não possuem “personalidade jurídica internacional”.

Como visto, de fato, o efeito da criação do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil atinge todo o povo brasileiro, independentemente de credo, visto que os seus fundamentos norteadores são solidificados nos princípios universais do direito, dando, assim, uma perspectiva de significado ético nas relações entre os Estados e os indivíduos.

Além disso, a relação do Estado brasileiro com as demais confissões religiosas é reforçado por meio do Acordo, pois os demais credos poderão, em vista de suas particularidades, assegurar alguns direitos específicos. Ainda, o Acordo assegura a igualdade de tratamento das entidades católicas com as demais entidades de idêntica natureza, religiosa, assistencial ou de ensino, proibindo qualquer discriminação imprópria.

223 Cf. Art. 5, VI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://goo.gl/k8p32S. Acesso em 05/11/2015.

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Da mesma forma a história do Direito internacional nos apresenta alguns momentos nos quais Igrejas protestantes, ou seja, sem a capacidade para celebrar tratados internacionais, firmaram acordos de colaboração com o Estado alemão. Esses tiveram sua origem na República de Weimar, sobreviveram ao regime nazista, chegando à República Federal Alemã em pleno vigor.224

De fato, a relação entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro não é uma “exclusividade”. Talvez o modelo jurídico adotado – um acordo internacional – não seja viável para as demais religiões, mas isso, de forma alguma, deve ser razão para que não haja outros instrumentos jurídicos, específicos ou não, visando à proteção dos direitos à liberdade religiosa.

Jónatas Machado nos ensina que a liberdade deve ser conferida às demais confissões religiosas, os quais, devem ser vistas como titulares de direitos, liberdades e garantias, que o Estado deve respeitar:

As confissões religiosas podem invocar, em condições e igualdade, o direito à liberdade religiosa, à semelhança do que sucede com os indivíduos o direito a igual liberdade religiosa, individual e coletiva, em conjunto com o princípio da separação das confissões religiosas do Estado tem como consequência o reconhecimento de um direito à autodeterminação às confissões religiosas. (...) o direito à liberdade religiosa coletiva deve ser exercido dentro dos limites impostos pela liberdade religiosa individual e pelos princípios da igualdade e da separação das confissões religiosas do Estado.225

Interessante é o pensamento deste autor português, que, ao visualizar a relação entre religiões e Estados, considerou ser de fundamental importância a garantia da auto- organização, como a da autodeterminação das confissões religiosas, sendo que, para ele, essa liberdade é independente de a comunidade religiosa ter ou não personalidade jurídica, ou seja, segundo sua doutrina, pela simples razão de ser uma comunidade religiosa de fato, ela já é capaz de exercer sua liberdade religiosa sem “restrições”.226

224 ROUCO VARELA, Antonio Maria. Teología e Derecho: Escritos sobre aspectos fundamentales de Derecho Canónico y de las relaciones Iglesia-Estado. Madrid: Ediciones Cristandad, 2003, pgs. 523.

225 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 241.

226 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 244.

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Jónatas Machado ensina-nos ainda:

De acordo com o direito de autodeterminação, todas as confissões religiosas, que não apenas as mais juridificadas ou institucionalizadas, devem ser consideradas verdadeiras societae perfectae em matérias tão amplas e diversificadas como sejam, nomeadamente, a definição e interpretação dos princípios doutrinários do se grau de vinculação, o exercício das funções de culto, a fixação dos pressupostos de admissibilidade de membros, a estrutura orgânica e funcional interna, a adoção de um modelo constitucional do tipo hierárquico, congregacional, etc.,. a escolha dos processos de formação, formulação e exteriorização da vontade, a seleção dos meios de financiamento, a edificação e abertura de edifícios destinados ao culto ou a outras finalidades religiosas, a seleção de ministros de culto, o ensino religioso, a aplicação de sanções disciplinares, a livre comunicação com os membros da confissão, a realização de atividades educativas e de beneficência, etc. Estas matérias integram uma verdadeira e própria reserva absoluta de confissão religiosa que funciona como norma definidora de competências negativas do Estado.227

Após a ampla lista exemplificativa apresentada acima, considerando a capacidade de auto-organização e de autodeterminação das confissões religiosas, o Estado brasileiro não pode ficar inerte ao dado religioso. Neste sentido, o modelo colaborativo entre Estado e religiões vislumbra ser o que melhor garante a laicidade do Estado, promovendo a liberdade religiosa, bem como os direitos inerentes a ela, do cidadão e fiel.

Além disso, deve ser destacado que os direitos específicos referentes à liberdade religiosa, presentes no Acordo Brasil/Santa Sé, não podem ser exclusivo dos fiéis católicos, uma vez que outras religiões devidamente reconhecidas como tal possuem também garantidos os mesmos direitos que a Igreja Católica, como, por exemplo, imunidades tributárias, anistia de impostos228 e regime diferenciado trabalhista para os ministros de culto.

Da mesma forma, os direitos específicos referentes à liberdade religiosa concedidos à Igreja Católica e expressos no Acordo devem ser estendidos às demais religiões, o que torna esse instrumento jurídico um verdadeiro amparo para as minorias que, indiretamente, são protegidas por meio do status jurídico internacional da Igreja Católica.

Enfim, mesmo que as demais confissões religiosas não possuam a personalidade jurídica internacional, o que não as conferem a capacidade de serem titulares de acordos

227 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 247.

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internacionais ao modelo do Brasil com a Santa Sé, elas são legitimadas pelo Estado como associações (organizações religiosas)229 e, portanto, como pessoas jurídicas de direito privado, o que lhes da o direito de desenvolver inúmeras atividades colaborativas com o Estado brasileiro, como por exemplo, fundar e manter escolas e hospitais, receber doações, inclusive de dinheiro público, ter imunidades tributárias, entre outros.

Portanto, não se trata de uma exclusividade da Igreja Católica a colaboração com os Estados. As demais confissões religiosas também têm o direito e o dever de participar e promover iniciativas nas quais seu fiel/cidadão possa ter garantido o direito fundamental à liberdade religiosa, além disso, por sua própria natureza, as religiões são chamadas a colaborar com os Estados no desenvolvimento integral da pessoa humana.

5.8 – Considerações Finais

A dignidade da pessoa humana, ou seja, a proteção dos direitos humanos fundamentais dos homens é o que justifica a construção de qualquer proposta colaborativa entre Estados e religiões. Assim, considerando que a liberdade religiosa é o direito de toda pessoa de prestar culto a Deus, segundo os ditames de sua própria consciência, com imunidade de coação por parte de qualquer autoridade ou pessoa, é no seio da comunidade que o homem exerce por excelência esse direito, por isso, o Estado é um agente importante na busca do homem pelo “sagrado”.

Ainda que seja no seio da sociedade humana que se exerce o direito à liberdade religiosa, este exercício deve estar sujeito a certas normas reguladoras, partindo sempre do princípio moral da responsabilidade pessoal e social, visando valores como justiça, bondade e bem comum, como nos ensinou o Papa Paulo VI:

uma vez que a sociedade civil tem o direito de se proteger contra os abusos que, sob pretexto de liberdade religiosa, se poderiam verificar, é sobretudo ao poder civil que pertence assegurar esta proteção. Isto, porém, não se deve fazer de modo arbitrário, ou favorecendo injustamente uma parte; mas segundo as normas

229 Cf. art. 44, IV, do Código Civil Brasileiro, lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://goo.gl/vlFAoV. Acesso em 05/11/2015.

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jurídicas, conformes à ordem objetiva, postuladas pela tutela eficaz dos direitos de todos os cidadãos e sua pacífica harmonia, pelo suficiente cuidado da honesta paz pública que consiste na ordenada convivência sobre a base duma verdadeira justiça, e ainda pela guarda que se deve ter da moralidade pública. Todas estas coisas são parte fundamental do bem comum e pertencem à ordem pública. De resto, deve manter-se o princípio de assegurar a liberdade integral na sociedade, segundo o

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