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PONTIFÍCIAUNIVERSIDADECATÓLICADESÃOPAULO PUC-SP

ANDRÉ LUIS CAIS

BEM-ESTAR ANIMAL: QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS

MESTRADO EM DIREITO

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ANDRÉ LUIS CAIS

BEM-ESTAR ANIMAL: QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais – Direitos Difusos e Coletivos – sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré.

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BANCA EXAMINADORA

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Para os meus queridos e amados pais, Arif Cais e Neuza Maria Pelozo Cais, Pelo eterno amor, respeito e profunda admiração.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré, pelos ensinamentos passados ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, principalmente pela tranquilidade necessária em momentos de extrema preocupação e tensão.

Aos meus pais, Arif Cais e Neuza Maria Pelozo Cais, meus guias e mentores na minha formação humana. Exemplo de vida. Além de pais, amigos maravilhosos. Sou eternamente grato e feliz por ter vocês ao meu lado. Uma menção honrosa ao meu pai pelo árduo trabalho de revisão e críticas ao presente trabalho.

Aos meus irmãos Marco Aurélio Cais e Luciana Cais e a minha sobrinha Ana Beatriz Cais, pelo carinho e apoio de sempre.

Ao meu cunhado André Caracanha, pelo carisma e afeição com que sempre tratou a nossa querida família.

Aos meus tios, Homar Cais e Cleide Previtalli Cais, por tudo o que sempre fizeram por mim. Devo toda a minha formação e apoio profissional a vocês. Sou um felizardo por ter tido a oportunidade e a felicidade da experiência de um convívio ao lado de vocês.

Ao meu primo e também irmão, Fernando Fontoura da Silva Cais. Obrigado pelo excelente trabalho de revisão e pelas valorosas críticas também feitas ao presente trabalho, bem como aos conselhos a mim sempre dados.

A amiga Paula Rodrigues Ramos, que durante sua estadia na Universidade de Coimbra forneceu vasto material de pesquisa que contribuiu com a elaboração desse trabalho.

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A todos os amigos do Milaré Advogados, em especial ao Dr. Édis Milaré, pela oportunidade a mim dada ao integrar essa valorosa equipe. Faço uma menção em especial a Ana Cláudia La Plata de Mello Franco, com quem tive a grandiosa experiência de trabalhar. Um ser humano fantástico. Ao Luiz Carlos de Castro Vasconcellos, pelas inúmeras discussões e troca de informações acerca da questão animal. Aos consultores técnicos, Antomar Viegas de Oliveira Jr. e João Roberto Rodrigues, não somente pelo convívio e aprendizado diário, mas também pela conquista e o ganho de uma amizade verdadeira.

A família Dinamarco pela qual sou e serei eternamente grato por ter tido não só a oportunidade de trabalhar ao longo de muitos e muitos anos, mas também por ter conquistado amigos e pessoas maravilhosas. Um agradecimento em especial aos sócios fundadores, Cândido Rangel Dinamarco, Luiz Rodovil Rossi, Cândido da Silva Dinamarco e Pedro da Silva Dinamarco. Ao lado de vocês aprendi muita coisa, principalmente acerca da ética profissional. Obrigado por tudo e por ainda frequentar essa honrosa e maravilhosa família. Aos novos sócios, Tarcísio Beraldo e José Roberto dos Santos Bedaque e aos amigos Cláudio Dinamarco, Maurício Giannico, Clarisse Frechiani Lara Leite, Luciana Barone Bento, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Pedro Bianqui, Helena Mechelin Wajsfeld Cicaroni, Daniel Raichelis Degenszajn, Samuel Mezzalira, Márcio Araújo Opromolla, Luis Fernando Guerrero e Marcos dos Santos Lino.

A todos os meus familiares, em especial ao querido Alexandre Cais (tio Xandico) e as tias Syria Cais dos Santos, Warde Cais Silva Gomes (tia Rosinha), Zuleika Cais, Alice Cais Dias Nascimento e Neyda Pelozo Antunes por todo amparo e apoio espiritual. À minha irmãzinha Maria Eugênia Previtalli Cais, por todo apoio.

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A oportunidade do convívio ao lado de muitos animais domésticos. São seres fantásticos, desprendidos das grandes chagas que assolam a humanidade, como o ódio e o egoísmo, estando sempre dispostos a dar e a retribuir o carinho que lhes são ofertados. À Princess, Meggie, Judy, Lolly, Rita, Greta, Ruth, Lailla, Nicolau e Simão, meus sentimentos de carinho por ter tido vocês ao meu lado.

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RESUMO

A presente proposta tem por objetivo refletir sobre a recente discussão apresentada pela comunidade acadêmica e científica acerca do uso de animais na experimentação científica, bem como propor o aperfeiçoamento da legislação brasileira sobre o bem-estar animal. Faz-se necessário um breve contexto histórico sobre a origem e a evolução do conceito de antropocentrismo para a corrente do biocentrismo, intimamente relacionada com a discussão sobre a natureza e os direitos dos animais. A discussão abordada faz uma reflexão sobre a justificativa para a utilização de animais em experimentos científicos e a necessidade de um Conselho de Ética efetivo e eficaz, capaz de gerenciar experimentações em animais ou impedir a sua repetição e multiplicação, sem razões substanciais ou embasamento científico que beneficie o homem em detrimento da conservação da natureza. Nesse quadro, a natureza, em especial os animais, merecem uma reflexão adequada e um questionamento filosófico: os animais são sujeitos de direitos ou merecem ser respeitados apenas por uma visão humanista em prol do uso e do benefício humano?

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ABSTRACT

This proposal aims to reflect on the recent discussion presented by academic and scientific community about the use of animals in scientific experimentation and propose improvement of Brazilian legislation on animal welfare. It is necessary a brief historical background on the origin and evolution of the concept of anthropocentrism to current biocentrism, closely related to the discussion of Nature and animal rights. The discussion dealt with some thoughts about the justification for the use of animals in scientific experiments and the need for an effective and efficient Board of Ethics, able to manage animal experiments or avoid their repetition and multiplication without substantial reason or scientific basis that may benefit man rather than the conservation of nature. In this context, Nature, especially animals, deserve a proper reflection and a philosophical inquiry: are animals subjects of rights or do they deserve to be respected only under a humanist view in favor to the human use and benefit?

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 1

1. AS QUESTÕES ÉTICAS E A VISÃO DO ANIMAL NA HISTÓRIA... 5

1.1 O Campo da Moral e da Ética... 5

1.2 Antropocentrismo... 13

1.2.1 A visão Pré-Socrática... 15

1.2.2 A visão de Sócrates... 19

1.2.3 A visão de Platão... 20

1.2.4 A visão de Aristóteles... 21

1.2.5 O Antigo Testamento e o Novo Testamento... 23

1.2.6 Antropocentrismo moderno... 25

1.3 Ecocentrismo ou Biocentrismo... 29

2. A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO... 41

2.1 Declaração Universal dos Direitos dos Animais... 41

2.2 União Europeia... 44

2.3 Inglaterra... 47

2.4 Estados Unidos da América... 54

2.5 Alemanha... 56

2.6 França... 57

2.7 Canadá... 58

2.8 Holanda... 60

2.9 Austrália... 61

2.10 Portugal... 63

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3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE PROTEÇÃO ANIMAL... 68

3.1 A Evolução da Proteção Animal na Legislação Brasileira... 68

3.2 A Proteção Animal na Constituição Federal... 71

3.3 A Visão do Animal no Contexto do Código Civil... 75

3.4 A Proteção Animal nas Esferas Penal e Administrativa... 80

4. CRUELDADE E MAUS-TRATOS COM OS ANIMAIS... 85

4.1 Bem-Estar Animal e Direito Animal... 85

4.2 Igualdade Semântica no Conceito de Crueldade ou Maus-tratos... 88

4.3 Casos Específicos de Crueldade com os Animais... 92

4.3.1 Abate animal... 100

4.3.2 Galinhas poedeiras e Frangos de corte... 105

4.3.3 Zoológico... 108

4.3.4 Circo... 110

4.3.5 Rodeio... 112

4.3.6 Vaquejada... 116

4.3.7 Rinhas de galo... 117

4.3.8 Touradas... 118

4.3.9 Animais de estimação... 120

5. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL... 122

5.1 Ética na Experimentação Animal e a Lei nº 11.794/2008... 122

5.2 Animais na Pesquisa e no Ensino... 129

5.3 A Dignidade da Vida e o Direito dos Animais... 134

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CONCLUSÃO... 147

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INTRODUÇÃO

O convívio com animais e sua utilização pelo homem decorrem de tempos imemoriais. Seja para utilizá-los como animais de companhia (por exemplo, o cão, domesticado há cerca de doze mil anos), seja para o trabalho (o cavalo, domesticado há aproximadamente oito mil anos) ou ainda, para a alimentação (o boi, domesticado em torno de sete mil anos), são costumes que se perdem nos registros da História.

Entre os inúmeros equívocos humanos, possivelmente o maior, foi o que o levou à crença de que a natureza é inesgotável e que a ética humana não se aplica aos animais. Tal crença provoca cada vez mais o desequilíbrio natural, resultando na ameaça de extinção de animais silvestres em consequência da diminuição dos fragmentos florestais, abrigo natural da vida animal, ou ferindo princípios éticos que não podem ser relegados. É um equivocado modo de agir que atinge especialmente animais de laboratório e animais domésticos. Se é certo que, ao longo da história geológica da vida, muitas espécies foram levadas à extinção por causas naturais, como os grandes Dinossauros, é também certo que foram extintas pela ação deletéria do homem no ambiente, como o Dodô (Raphus solitarius) das Ilhas Maurício ou o Pombo-viageiro (Ectopistes migratorius) nos Estados Unidos e, ainda, a Ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), do nordeste brasileiro considerada extinta na natureza (baixa densidade populacional), conjugada pela ação da caça. Refletir sobre essas questões para tentar reverter tal crença pretende ser o objeto deste estudo.

Foi Richard Martin quem revelou ao mundo os princípios legais contra a crueldade para com os animais.1 Posteriormente sobreveio uma lei, intitulada British Cruelty to Animal Act, datada de 1876, que regulamentava o uso de animais em experimentação científica. O documento preconizava reconsiderar as necessidades da ciência, colocando-a ao lado das necessidades humanas que se servem dos

1 Richard Martin foi membro da Câmara dos Comuns (House of Commons), tendo elaborado em 1822 uma lei,

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animais, impedindo, na medida do possível, a dor e trazendo ainda a questão acerca da relevância da experimentação com animais.

Mais recentemente, ou seja, em 1986, a Inglaterra aprovou a lei conhecida como Animal (Scientific Procedures) Act, que prevê a fiscalização de biotérios e impõe o acompanhamento rigoroso das pesquisas com animais. Diversos países da Europa foram precursores dessa orientação, elaborando leis de proteção aos animais em experimentação, tais como a Polônia (1928), a Suécia (1944), a França (1968), a Holanda (1977) e a Noruega (1984).

Com a criação da Comunidade Europeia – hoje União Europeia – foi aprovada em 1986 a convenção sobre a Proteção de Animais Vertebrados Utilizados para fins de Experimentação e outros fins Científicos, com o objetivo de uniformizar as exigências para todos os países membros.

A par da experimentação, o uso dos animais para lazer ou para companhia, bem como o seu abate para alimentação, também carece de questionamentos de caráter ético em grande parte do mundo, muito embora em alguns casos ainda se justifique a sua utilização.

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou a Lei nº 11.977, de 25 de agosto de 2005, que trata do “Código de Defesa dos Animais no Estado de São Paulo”. Dentre outras questões, esse código proíbe o uso de instrumentos não naturais em animais de rodeios, como o sedém, ou sedenho (corda de couro ou fibra, enlaçada entre a bolsa escrotal e o pênis dos animais, que os forçam a realizar saltos involuntários sob os efeitos da dor). Essa lei, embora traga consigo alguns princípios éticos tem sido questionada principalmente pelos organizadores de rodeios, atividade altamente rentável, sobretudo no Estado de São Paulo.

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Posteriormente, a Lei Federal nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, também conhecida como Lei Arouca, estabeleceu procedimentos para o uso de animais em experimentos científicos e determinou a criação de um Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA e as Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs.

No Brasil, a utilização de animais como objeto de diversão popular, como em rodeios, nas vaquejadas e na “farra do boi”,2 assim como as touradas em Portugal, na Espanha, no Equador3 e no México, causam consideráveis sofrimentos aos animais, motivo pelo qual desperta o sentimento de que é necessária uma mudança cultural no sentido de conter tais práticas. Alguns estados espanhóis, como o arquipélago das Canárias em 1991, e a região da Catalunha, em julho de 2010,4 proibiram a prática cruel das touradas contra os animais.

Esses primórdios do século XXI ainda faz com que o homem desperte e se sensibilize para a tomada de decisões de reconstrução ou proteção da natureza para humanização das ações, conforme recomenda a Agenda 21, o importante documento nascido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, realizado no Rio de Janeiro em 1992.

Neste entendimento, o Direito, como Filosofia e Ciência, deve promover a justiça e impor a ordem no sentido de proteger o ambiente e de contribuir com a promoção também do crescimento moral e ético do ser humano. Diante das perspectivas sombrias da sociedade moderna em constante mudança, respeitar a natureza é a palavra de ordem que se impõe nesse novo cenário mundial como propósito de todos.

2 Em junho de 1997, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário nº 153.351-8-SC, proibiu

a “farra do boi”, consoante será detalhado neste estudo em momento oportuno.

3 Em janeiro de 2011, o presidente do Equador, Rafael Correa, propôs um conjunto de emendas constitucionais.

Dentre as questões submetidas ao referendo popular, estava a discussão da proibição das touradas no país. Os fãs dessa atividade organizaram uma tourada especial em protesto contra essa decisão do governo. Segundo os defensores das touradas, aproximadamente 60 mil trabalhadores em todo o país correm o risco de ficarem sem emprego. Disponível em: http://veja.abril.com.br/multimidia/video/governo-do-equador-quer-proibir-touradas. Acessado em 28 de março de 2011. Após o referendo popular, ficou decidido que em 111 jurisdições as touradas poderão ocorrer, porém, sem matar o animal, inclusive na capital (Quito). Já em 93municípios, as touradas tradicionais com a morte do animal na arena continuarão. Disponível em: http://ativismo.com/site/index.php?option=com_content&view=article&id=4399:equador-capital-perde-tourada-com-morte-do-boi-apos-referendo&catid=33:noticias-em-tempo-real&Itemid=89. Acessado em 2 de julho de 2011.

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1. AS QUESTÕES ÉTICAS E A VISÃO DO ANIMAL NA HISTÓRIA

1.1 O Campo da Moral e da Ética

No cotidiano, os indivíduos de uma sociedade se defrontam com situações que exigem uma determinada conduta ou um comportamento específico em que julgam ser mais apropriada ou mais digna de ser cumprida. Estas normas, que são intimamente reconhecidas, fazem com que os indivíduos devam agir desta ou daquela maneira. Neste caso, pode-se afirmar que o indivíduo agiu moralmente com suas convicções, independentemente de um juízo de aprovação ou desaprovação de caráter moral do mesmo ato.

Portanto, quando se trata de opções ou decisões para resolver problemas, “os indivíduos recorrem a normas, cumprem determinados atos, formulam juízos e, às vezes, se servem de determinados argumentos ou razões para justificar a decisão

adotada ou os passos dados”.5

Entende-se por moral, pois, o conjunto de regras destinadas a regular as relações dos indivíduos numa determinada sociedade. Nesse diapasão, assim como uma sociedade é sucedida por outra, a moral, de igual modo, também pode ser substituída por outra.

A dinâmica desse tipo de comportamento, seja de um indivíduo, seja de um grupo social, acompanha a própria origem do homem em sociedade, uma vez que as atitudes humanas e as reflexões daí inerentes apenas variam de uma época para outra.

Como afirma Sánchez Vásquez:

A este comportamento prático-moral, que já se encontra nas formas mais primitivas de comunidade, sucede posteriormente – muitos milênios depois – a reflexão sobre ele. Os

5 VÁZQUES, Adolfo Sánchez. Ética. João Dell´Anna (trad.). 30ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

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homens não só agem moralmente (isto é, enfrentam determinados problemas nas suas relações mútuas, tomam decisões e realizam certos atos para resolvê-los e, ao mesmo tempo, julgam ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decisões e estes atos), mas também refletem sobre esse comportamento prático e o tomam como objeto da sua reflexão e de seu pensamento. Dá-se assim a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral; ou, em outras palavras, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com o início do pensamento filosófico, já estamos propriamente na esfera dos problemas teórico-morais ou éticos.6

Segundo o citado autor, o problema enfrentado por um indivíduo em uma determinada situação deve ser resolvido com a ajuda de uma norma que ele próprio reconhece e aceita intimamente e que a solução por ele encontrada é moralmente valiosa. Afirma ainda que seria desnecessário recorrer à ética esperando encontrar uma norma de ação para cada situação concreta. Nas palavras do autor, “a ética poderá dizer-lhe, em geral, o que é um comportamento pautado por normas, ou em que consiste o fim – o bom – visado pelo comportamento moral, do qual faz parte o procedimento do indivíduo concreto ou o de todos. O problema do que fazer em cada situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético”.

Portanto, pode-se afirmar que os problemas éticos se caracterizam pela sua generalidade e isto os distingue dos problemas morais da vida cotidiana que nos são apresentados nas situações concretas. Em suma, a ética contribui na fundamentação e justificação de um determinado comportamento moral.

Conforme, ainda Sánchez Vázques, o teórico ético não tem a função de dizer aos homens o que deve ser feito em determinado caso concreto, em ditar normas ou princípios pelos quais o seu comportamento deve pautar-se. Ele não deve transformar-se apenas em uma espécie de legislador do comportamento moral do indivíduo ou da comunidade. A função fundamental da ética, “é a mesma de toda a teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os

conceitos correspondentes”.7

Desse modo, continua o citado autor, “o valor da ética como teoria está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação

6 Op. cit. p. 17.

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em situações concretas”. Nas suas palavras, “A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma

específica de comportamento humano”.8

Na esteira desse pensamento, assim afirma Albeiro Mejia Trujillo:

A ética é um dos balizadores da conduta humana que leva o homem a agir conforme o bem pelo bem dentro dos consensos majoritários de bondade, é o eixo reitor de todas as atitudes internalizadas pelo homem como boas para si, para o outro e para o próprio universo. Poderia dizer que é a consciência da necessidade de auto preservação em todos os níveis. Somente quem possui esta determinação interior pode ser verdadeiramente ético.9

Pode-se dizer, por conseguinte, que a ética tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, da qual, consubstanciada em suas crenças pessoais e morais, decorrerão normas universais de comportamento, que expressarão essa dignidade em todos os tempos e em todos os lugares.

Nesse contexto, todo conjunto de normas e condutas que estabelecem a base de uma determinada sociedade, ou seja, da moral vigente naquele grupo, pressupõe a existência de um aglomerado de princípios, valores e normas de comportamento.

Portanto, um princípio identifica o começo de onde algo provém ou é gerado, ou de onde emana o conhecimento. Assim entendido, o princípio significa as normas de comportamento social que geram a qualidade subjetiva do ser humano que a elas correspondem.

Como afirma Fábio Konder Comparato:

A filosofia ética surgiu na Grécia como reflexão sobre o comportamento humano, considerado em seu duplo aspecto, subjetivo e objetivo. Ao elemento subjetivo corresponde a noção de êthos (noos), ou seja, a maneira de ser ou os hábitos de uma

8 Op. cit. p. 23.

9 TRUJILLO, Alberio Mejia. Ética numa Perspectiva Transdisciplinar. Brasília: Editora Gilson Matilde Diana,

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pessoa; ao elemento objetivo, a noção de êthos (êoos), isto é, os usos e costumes de uma coletividade.10

No tocante ao comportamento individual, o padrão ético na filosófica grega clássica era a aretê, atualmente traduzida por virtude. Já em relação ao modo coletivo de vida, o padrão da vida ética era a lei (nómos), “entendida não como qualquer regra imposta pelo poder político, mas como o princípio regulador do comportamento humano, desde sempre vigente na coletividade”.11

Aristóteles afirmava que a função social do homem de Estado (politikos) consistia em fazer de seus cidadãos homens de bem (agathoi), cumpridores da lei. Segundo ensinava, a norma ética, por mais excelência que tivesse, não tinha real vigor ou vigência se não estivesse viva na consciência do homem, ou seja, se não correspondesse a uma disposição individual e coletiva de viver eticamente.12

Fábio Konder Comparato novamente nos diz que:

Ora, a disposição pessoal a fazer o bem e a evitar o mal, segundo Aristóteles, não seria propriamente inata, não se encontraria, tal qual, na natureza humana. Ela seria antes, o fruto dos usos e costumes, como expressão dos grandes princípios de vida em sociedade. O filósofo chega a fazer uma aproximação verbal entre exis– disposição pessoal, que os romanos traduziram por habitus – e êoos. Assim, diz ele, não nascemos propriamente virtuosos, mas aprendemos a nos comportar de modo correto e honesto na vida ativa. Em matéria de artes ou ofícios, a aprendizagem é sempre feita pela prática. Tornamo-nos construtores, construindo casas; citaristas, tocando o instrumento. Da mesma forma, pela prática das ações justas tornamo-nos homens justos; pela prática das ações moderadas (sophrona), senhores de nossas paixões; pela prática de ações corajosas adquirimos a virtude da coragem.13

Dessa forma, os princípios éticos são normas que nos obrigam a agir em função do valor do bem pela nossa ação, ou do objetivo final que dá sentido à vida

10 COMPARATO, Fábio Konder. Ética. Direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª ed., São Paulo:

Companhia das Letras, 2006, 496. 11 Op. cit. p. 496-497.

12 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, 1102 a, 8-11. No mesmo sentido, Política, 1333 a, 11-16. Apud.

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humana; e não de um interesse puramente subjetivo, que não compartilhamos com a comunidade. Esse valor objetivo deve ser considerado conjuntamente: no indivíduo, no grupo ou classe social, no povo, ou na própria humanidade.14

A ética relacionada com a experimentação animal e com a possibilidade ou não da utilização de seres humanos como cobaias, está diretamente ligada com as questões oriundas de um mundo pós-Segunda Guerra Mundial.

Com o fim dessa conflagração, os médicos nazistas foram julgados pelos crimes praticados com os experimentos realizados em seres humanos nos campos de concentração nazistas. No dia 19 de agosto de 1947, os acusados foram julgados e condenados, tendo sido elaborado um documento, conhecido como Código de Nuremberg, por meio do qual, foram reunidos princípios éticos acerca da utilização de pesquisas com seres humanos.

A Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, no dia 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse documento incorporou as cláusulas do Código de Nuremberg, proibiu a realização de experimentos em seres humanos sem esclarecimento por parte dos médicos e cientistas e sem o consentimento prévio dos pacientes que sofreriam os experimentos. Violar esse preceito é violar gravemente o direito humano de escolher por vias próprias o seu próprio bem ou o que julgar ser o próprio bem.

Posteriormente, veio a Declaração de Helsinque, que é um conjunto de princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos e foi redigido pela Associação Médica Mundial. Esse documento sofreu diversas alterações, sendo a última no ano de 2008; é considerado como o primeiro padrão internacional de pesquisa biomédica e constitui a base para a maioria dos documentos nesse aspecto.

A Declaração de Helsinque mencionava o uso de animais em pesquisas científicas como pré-requisito para a realização de pesquisa clínica. Com o fortalecimento e o amadurecimento dos protestos contra a utilização de animais na experimentação científica, a Associação Médica Mundial, em 1975, formulou a segunda versão da Declaração de Helsinque. Nessa versão foi incluída a recomendação de que deveria ser tomado um cuidado especial na condução de

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pesquisa que pudesse afetar o meio ambiente. Também estabelecia que o bem-estar dos animais, utilizados para a pesquisa, deve ser respeitado.

Nesse sentido, Sônia T. Felipe afirma que:

Enfim, para causar dor, sofrimento e morte a um ser vivo, capaz de vivenciar tais experiências como perda ou dano, há que se ter uma justificativa moral. Se os atos de um sujeito moral causam dor e sofrimento a outros, e se esse sujeito aceita racionalmente, isto é, em nome do seu interesse, o princípio da não injúria, de sua vida em decorrência da experiência dolorosa, então, esse mesmo sujeito moral deve justificar eticamente seus atos quando esses causam danos que o princípio moral em questão não permite a ninguém infligir a outros. Para que o ato de causar dor, sofrimento ou morte a outrem seja moralmente justificável, há que se indicar sua serventia aos interesses e propósitos daquele que os sofre.15

Assim, diante deste breve panorama de cunho ético, pode-se afirmar que é aceitável, dentro de limites justos e sensatos, a utilização de animais em experimentos científicos. É evidente que não se discute o experimentalismo irresponsável e predatório, o qual deve ser fortemente repudiado pelo comitê de ética, pelo direito e pela sociedade. Ademais, a ciência não tem como fim maltratar os animais por ela utilizados.

A utilização dos animais ainda assegura um esclarecimento e o avanço das ciências médicas para a melhoria das condições de saúde dos seres humanos e dos próprios animais. Sem dúvida, o progresso científico se faz necessário quando se trata da saúde. Porém, os métodos alternativos são também meios comprovadamente eficazes, na maioria dos casos, principalmente quando envolve o campo educacional e a indústria de cosméticos.

Até bem pouco tempo, apenas métodos in vivo empregando animais de laboratório eram utilizados para este fim. Atualmente, as indústrias farmacêuticas e cosméticas são forçadas a atingir objetivos sociopolíticos e humanitários de reduzir o número de animais utilizados na pesquisa, enquanto que, simultaneamente, necessita diminuir custos e gerar, de forma relevante, dados reprodutíveis

15 FELIPE, Sônia T. A ética e experimentação animal. Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da

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específicos, eliminando a experimentação animal e atendendo definitivamente o conceito “3R” (reduzir, reutilizar, reciclar). Os avanços da ciência possibilitaram o desenvolvimento de métodos in vitro que, ao mimetizarem sistemas biológicos complexos, possibilitam atingir a meta de redução de uso de animais.16

A Secretaria de Saúde São Paulo, com apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia e Toxinas (INCTTox), juntamente com o CNPq/FAPESP e Instituto Butantan, lançou recentemente um manual prático sobre o uso e cuidados éticos nos tratos com animais. Ao apresentar o referido trabalho, assim afirmou o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxicinas, Osvaldo Augusto Brazil Esteves Sant´Anna: “A ética no trato com animais passa, necessariamente, pela ética humana, e esta, pelo exercício da inteligência”.17

E continua o citado autor:

Regras, Leis, Normas, Convenções, Mitos e Lendas, o Homo sapiens as estabelece, modifica ou elimina; muito, se não tudo, cria-se por conveniências, corporativismos. Questões sérias são jogadas na vala comum das enquetes e, pela emoção, raramente pela razão, são tratadas sob o rótulo da democracia. O emprego de animais em laboratórios é essencial e comprovadamente necessário, como demonstrado por Pasteur, Roux, Koch, Behring, Lutz, Chagas e Vital Brazil desde os 1800, com o estabelecimento, no continente europeu e no Brasil, de paradigmas envolvendo prevenções e terapias. Graças aos animais, e tão só a eles, muito se conhece acerca das relações patógeno-hospedeiro, do desenvolvimento de patologias e de doenças crônico-degenerativas, da resistência e da sensibilidade a medicamentos. E, durante os processos de conhecimento, há que se empregar animais, sejam ratos, serpentes, coelhos, cavalos ou camundongos.18

As sucintas análises em torno dos conceitos de ética e de moral – salientando as sutis diferenças semânticas entre ambas – se prestam para refletir sobre a existência de uma grande e atual discussão na comunidade científica acerca da utilização dos animais em experimentos científicos.

16 ENGLER, Maria Silvya Stuchi, et al. II Congresso Brasileiro de Bioética e Bem Estar Animal (4 a 6 de agosto

de 2010), Belo Horizonte: UFMG, 2010, p. 118-125.

17 SANT´ANNA, Osvaldo Augusto Brazil Esteves. Manual prático sobre usos e cuidados éticos de animais de

laboratório. TAMBOURGI, Denise V. et. al. (org.) São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2010, p. xiii.

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De um lado, a defesa de cientistas que justificam a utilização dos animais nesses experimentos por considerarem que são importantes nos meios de pesquisas, seja em busca de novos medicamentos, seja para análise e evolução de um determinado quadro clínico referente a uma enfermidade específica. De outro lado, os defensores do abolicionismo animal, quer nos experimentos científicos, quer na utilização desses animais como fonte de alimentos e vestuário. E ainda, a corrente do bem-estar animal, que prega um meio adequado e digno para essas vidas.

Acredita-se fortemente, que, com o avanço da tecnologia e da ciência, em um futuro próximo, os animais não mais serão utilizados em experimentos e, quiçá na alimentação ou vestuário, ao menos a drástica diminuição na sua utilização. O bom senso e responsabilidade são valores que devem ser verificados em qualquer atividade humana, ainda mais quando envolve um ser vivo, dotado de capacidade de sentir prazer, dor e sentimentos.

As questões éticas a serem discutidas no presente trabalho giram em torno de uma ciência que pretende ser responsável e que ainda necessita dos animais em seus tratos. Nesse sentido temos a ética antropocêntrica, por meio da qual analisa o comportamento do homem, exaltando-o como um ser superior, guiado, basicamente, pela razão e a ética ecocêntrica, a qual estuda o comportamento do homem em relação à natureza global, entendendo e compreendendo a sua atuação e responsabilidade com os demais seres vivos.

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1.2 Antropocentrismo

O antropocentrismo pode ser definido como a “forma de pensamento que considera o homem o centro do universo e tudo interpreta de acordo com valores e experiências humanas”.19 Portanto, a exegese desse conceito permite afirmar que tudo o que estritamente se relaciona com os seres humanos na Terra, para aumentar a sua importância, é considerado uma visão antropocêntrica.

Como será visto nos tópicos seguintes, o antropocentrismo é fruto da tradição judaico-cristã e é a base para todas as religiões e pensamentos filosóficos que tentam explicar a vida humana e sua origem na Terra.

Essa perspectiva, do homem como centro do universo, reflete, basicamente, a visão da cultura ocidental. A forte expansão desse pensamento fez com que fosse incorporada nas demais civilizações, seja de forma pacífica, seja de forma forçada.

Aristides Arthur Soffiati Neto, ao mostrar a marca do antropocentrismo na sociedade ocidental e sua natureza, afirma:

A maior contradição do antropocentrismo ocidental, progressivamente globalizado a partir do século XV, consistiu não na imposição do domínio masculino sobre as mulheres, do domínio europeu branco sobre outros povos e diversidades fenotípicas, da luta de classes ou entre Estados nacionais, mas de uma longa guerra da humanidade contra a natureza não humana. Da guerra de todos contra todos, presumida por Hobbes, passou-se ao que Michel Serres chamou de guerra de todos contra tudo. Enquanto o humanismo

supervalorizou a posição do „homem‟ no universo, o mecanicismo coisificou e

instrumentalizou a natureza não humana, fornecendo as razões ideológicas para um conflito secular que foi desprezado ou não percebido pela humanidade ocidentalizada, visto estar ela centrada em seus dramas, tragédias e comédias. Só a partir da década de 60, com os reveses impostos pela natureza não humana à humanidade, é que começou a se esboçar uma crítica radical aos estilos de desenvolvimento nascidos da Revolução Industrial. A juízo de Immanuel Wallerstein, as revoluções de 1968 denunciaram que liberalismo, conservadorismo e socialismo eram variantes de uma mesma ideologia ou projeto político produzido pelo iluminismo, não sendo este senão o mecanicismo em sua

(28)

versão sofisticada. Em outras palavras, conservadorismo, liberalismo e socialismo expressavam um naturalismo mecanicista, reducionista, determinista, dualista e utilitarista que tratava os ecossistemas como entidades inanimadas postas a serviço das antropossociedades e com capacidade inesgotável de fornecer matéria e energia na entrada, ao mesmo tempo em que era capaz de absorver ilimitadamente os rejeitos da civilização industrial em suas roupagens capitalista e socialista, na saída.20

Essa base antropocêntrica sobre a qual se edificou, essencialmente, a sociedade ocidental, permitiu que, ao longo da história da humanidade, o homem se utilizasse dos recursos naturais de maneira predatória. Inúmeros são os exemplos de uma situação preocupante ou de alarmada e acelerada e irreversível devastação ambiental.

Nesse estado de coisas, os animais não humanos são os seres diretamente

prejudicados, pois “não obstante a perda dos seus habitats em termos quantitativo e

qualitativo, estes foram, no desenrolar da evolução humana, postos na condição de inferiores, seres irracionais com a finalidade de nos servir e com a obrigação de se

adequar às nossas imposições”.21

Na perspectiva de descontruir essa visão antropocêntrica, surgiram novas correntes e teorias adeptas do ambientalismo e do ecologismo, afirmando, basicamente que a Terra não é uma fonte de recursos inesgotáveis à disposição do bel prazer do homem ou dos interesses e das atividades humanas; e ainda, que a sua utilização indevida e em larga escala poderá acarretar diversos e seríssimos desequilíbrios nos ecossistemas, podendo causar a extinção de diversas espécies de seres vivos existentes na Terra, inclusive com a queda da qualidade da vida humana.

20 SOFFIATI NETO, Aristides Arthur. Ecossistemas aquáticos: antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo.

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MILARÉ, Édis (coords.). Revista de Direito Ambiental, ano 10, nº 37. São Paulo: RT, 2005, p. 205.

21 ROCCO, Bruno Aurélio Giacomini. Algumas considerações sobre o convívio entre o homem e os animais.

(29)

1.2.1 A visão Pré-Socrática22

As reflexões a seguir, de caráter histórico, levam a considerar – a título de amostra – o quanto o pensamento do passado grego era voltado para enaltecer a figura do ser humano, em primeiro lugar.

Alguns autores divergem quanto à origem das questões relacionadas com a filosofia, se na Grécia antiga ou no Oriente. Todavia, a maioria dos historiadores apontam a Grécia antiga como o berço dessa ciência do conhecimento. É o

chamado “milagre grego” com a ciência teórica e, na filosofia, a sua mais grandiosa

e impressionante manifestação.23

A cultura grega estava intimamente relacionada com o mar, dada sua localização geográfica. Esse fato facilitava a comunicação e o comércio com outros povos, ou seja, o intercâmbio de comunicação e o confronto com outras civilizações. Essa circunstância provocou o surgimento tanto das aventuras reais quanto as construções imaginárias na mentalidade dos gregos, fazendo com que se expressassem através das suas famosas epopeias. Portanto, por meio da poesia, o homem grego cantou as formas de viver e de pensar.24

Para os primeiros filósofos gregos, o mundo se iniciou com o Caos, que seria o abismo sem fundo, a força criadora do Universo. Segundo acreditavam:

De Caos sairá a sombra, sob a forma de um par: Érebo e Noite. Da Sombra sai, por sua vez, a luz sob a forma de outro par: Éter e Luz do Dia, ambos filhos da Noite. Terra dará nascimento ao céu, depois às montanhas e ao mar. Segue-se a apresentação dos filhos da

22 A corrente filosófica chamada de pré-socrática é, na verdade, meramente cronológica, referindo-se, portanto,

àqueles anteriores a Sócrates (470-399 a.C.). Esse marco é puramente conceitual, uma vez que muitos filósofos são contemporâneos a ele, como, por exemplo Pitágoras (570-495 a.C.), Tales de Mileto (625-546 a.C), Parmênides de Eleia (séc. V a.C.), entre outros.

23 A cultura grega sofreu fortes influências de outras civilizações e povos, tais como os egípcios, os assírios, os

persas, os babilônicos e outros.

24 As epopeias são o resultado da fusão de lendas eólicas e jônicas, nas quais relatavam as expedições marítimas

(30)

luz, dos filhos da sombra e da descendência da Terra – até o momento do nascimento de

Zeus, que triunfará sobre seu pai, Cronos. Começará então a era dos olímpicos.25

A cultura grega, nesse momento, estava intimamente envolvida com as questões místicas, com o divino. A religião e o misticismo faziam parte da compreensão do mundo e era uma constante a interação do sobrenatural com o profano, do religioso com o natural.

Consoante afirmado por Daniel Braga Lourenço:

Essa fase é caracterizada pela predominância do que se denomina pensamento mítico. Ele consiste em uma forma peculiar de compreensão do mundo, pela qual o povo explica a realidade em que vive por meio do recurso à figura do mito. O mito, por sua vez, pode ser delineado como fruto de uma tradição cultural e folclórica e não de um pensamento individual. Pressupõe a adesão sem questionamento por parte de quem integra essa mesma cultura.26

Hesíodo (séc. VIII a.C.), contemporâneo de Homero (séc. IX a.C.), afirmava que os animais devoravam-se a si próprios porque a eles não fora dado o senso do que fosse o certo ou o errado. O senso de justiça teria sido atribuído por Zeus somente aos homens. Verifica-se, de início, uma distinção entre os seres dotados de razão, dentre os quais prepondera a justiça, e os que não a possuíam, prevalecendo a necessidade, o instinto, um comportamento inato e próprio à defesa do indivíduo. Segundo Edna Cardozo Dias, “aos homens é concedido o Direito – Dike – ao qual devem obediência (os homens), e que, ao mesmo tempo, é o maior dos bens.

Assim, há uma ordem para os homens e outra para os animais irracionais”.27

Iniciam-se, então, as primeiras investigações acerca da origem do universo e a relação do homem (anthropos) com a natureza (physis), buscando-se explicações

25 PRÉ-SOCRÁTICOS. Coleção Os Pensadores. José Cavalcante de Souza et al. (trad.). São Paulo: Editora

Nova Cultural Ltda., 1999, p. 12.

26 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais. Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fabris Editor, 2008, p. 46.

27 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 18. Apud

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dos fenômenos naturais mediante um lento processo de abandono do misticismo, passando agora para uma explicação de cunho científico-filosófico.

A chamada democracia grega era exercida diretamente e apenas por aqueles que usufruíam o direito de cidadania: homens livres, dentre os quais não se incluíam os escravos, os estrangeiros, as mulheres e as crianças. No contexto desse modelo de democracia, a função de orador era fundamental e o dom da palavra tornou-se não apenas um instrumento de ascensão política, como também um problema que preocupava retóricos e pensadores. Preparar o indivíduo para a vida pública e conferir-lhe capacitação ou virtude (aretê) política28 representava adestrá-lo na arte da persuasão, devendo, para tanto, saber usar a palavra.

Com o intuito de atender a esses requisitos da ação política da Atenas democrática, caminham os sofistas e os professores da eloquência, disputando o ensino dos jovens atenienses no uso correto e hábil da palavra. A designação de

“sábios” (sofistas) é dada por eles mesmos, trazendo uma mensagem contrária as

pretensões dos tradicionais “amigos da sabedoria” (filósofos). Não se preocupam em

desvendar os segredos do universo; negam a possibilidade de se desvendar a natureza (physis) das coisas; fundamentam todo o conhecimento na convenção (nomos), a partir das impressões sensíveis, resultando que nenhuma afirmativa poderia pretender validade absoluta, só valendo relativamente as experiências e as circunstâncias em que têm origem.

Um dos grandes filósofos representantes do período pré-socrático,29 foi Pitágoras de Samos, que passou a explicar a realidade através dos números.30

28 A virtude era um atributo restrito à nobreza, manifestada por meio da conduta cortesã e do heroísmo do

guerreiro. As epopeias de Homero e Hesíodo (séculos X-VIII a.C.) transmitem a tradição ética na cultura grega. Na sua origem, a palavra areté não tinha o sentido preciso de virtude, pois designava não apenas a excelência humana, como também a não humana. Posteriormente, com Hesíodo (séc. VIII a.C.) é que areté passa a assumir um significado estritamente moral, deixando de ser um atributo natural de bem-nascidos para se transformar em uma conquista, resultado do esforço e do trabalho de qualquer homem.

29 A fim de delinear um contexto histórico, o período pré-socrático inicia-se com a chamada Escola Jônica, cujos

pensamentos filosóficos iniciaram-se nas colônias gregas do Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, atualmente a região da Turquia. Os principais representantes desse período foram Tales de Mileto (floresceu em 585 a.C.), e seus discípulos Anaximandro (610-547 a.C.), Anaxímenes (585-528 a.C.), Xenófanes de Cólofon (580-480 a.C.) e Heráclito de Éfeso (500 a.C.).

Pitágoras de Samos (floresceu em 530 a.C.) situa-se no período de transição da chamada Escola Jônica para a Escola Italiana, que, ao contrário da abstração dos jônicos, propuseram o surgimento da lógica e da metafísica. Os representantes desse período, além de Pitágoras, foram: Alcmeon de Crotona (séc. V a.C.), Filolau de Crotona (séc. V a.C.), Parmênides de Eléia (floresceu em 500 a.C.).

(32)

Pitágoras ainda defendia a imortalidade da alma e a sua transmigração após um período do morto para um outro corpo, seja ele humano, seja animal, até que ocorra sua purificação. A isso, chamava-se de metempsicose.

Essa inovação pitagórica coloca em pé de igualdade – ao menos no plano espiritual – todos os seres vivos, em um processo de intercâmbio entre eles. Pregava ainda a justiça entre todos os seres, pois o “homem e todo o ser vivo estão enraizados num mundo que, longe de ser o apanágio de alguns, é dado a todos, igualmente”.31

Esse era o clima cultural de Atenas do período historicamente chamado de pré-socrático. Ocorre que a moral tradicional e as normas de conduta política estavam em alteração pela vaga racionalização que os sofistas apontavam. Com o passar do tempo, o cidadão ateniense verifica que é o homem quem faz ou altera as leis, como resultado do confronto do acordo entre os interesses e os pontos de vistas diferentes.

É nesse contexto que Sócrates, juntamente com os atenienses, desenvolve uma atividade sob vários aspectos oposta aos mestres da eloquência e da arte de persuasão. Tratava-se da arte da razão, da racionalização.32

Sócrates criou um novo entendimento de alma (psiché), que dominou a tradição ocidental, como sendo a sede da consciência normal e do caráter, a realidade interior que se manifesta mediante palavras e ações, podendo ter conhecimento ou ignorância, bondade ou maldade. Esses predicados que nascem da psique constituem os valores que passam a ser a principal preocupação que polariza os cuidados do homem.

A Escola Eleática transferiu a discussão da realidade cósmica para o binômio verdade/aparência ou realidade/aparência, tendo como principais representantes: Zenão de Eléia (floresceu em 464 a.C.) e Melisso de Samos (floresceu em 444 a.C.).

Por fim, após a consolidação da filosofia como gênero cultural autônomo, com a estabilização da sociedade grega e o apogeu das cidades-estados, surgem os sofistas, considerados os mestres da oratória e retórica, transmitindo seus ensinamentos pela arte da persuasão para inserir os cidadãos na vida política. Os principais representantes desse período foram: Protágoras de Abdera (490-421 a.C.), Górgias de Leontinos (487-380 a.C.), Hípias de Elis (433 a.C.), Licofron, Pródicos (470 a.C.) e Trasímaco (459-400 a.C.). PRÉ-SOCRÁTICOS. Coleção Os Pensadores. José Cavalcante de Souza et al. (trad.). São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1999, p. 61-65 e LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais. Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 43-60.

30 A explicação da realidade através dos números contribuiu e muito para a matemática. 31 LOURENÇO, Daniel Braga. Op. cit., p. 53.

32 SOCRÁTES. Coleção Os Pensadores. Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai (trad.). São Paulo: Editora Nova

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1.2.2 A visão de Sócrates

Sócrates (470-399 a.C.) é considerado um dos grandes filósofos gregos. Muito ensinou acerca das virtudes humanas, tendo sido morto em decorrência dos seus próprios ensinamentos. Com efeito, fora condenado por representar uma ameaça para as tradições da polis (por não reconhecer os deuses do Estado e introduzir novas divindades) e um elemento pernicioso à juventude (por, supostamente, corromper os jovens).

Durante toda a sua existência, viveu para considerar o justo e o injusto, praticando boas ações e evitando o mal. Em sua condenação, afirmava que morrendo injustamente, a vergonha cairia sobre os que injustamente o condenaram, pois “se a injustiça é vergonhosa, como não seria vergonhoso um ato injusto?” Afirmava ainda que a única coisa que importava era viver honestamente, sem cometer injustiças, nem mesmo em retribuição a uma injustiça recebida.33

A democracia grega, apesar desse nome característico, era repleta de contrastes, uma vez que a sociedade não somente possuía escravos, como também descartava as crianças com má formação, além do tratamento excludente dado às mulheres. Portanto, a democracia era um “modelo social” praticado por um grupo seleto de homens livres, os únicos que eram considerados cidadãos, na concepção desse termo. Sócrates, entretanto, repudiava a escravidão da “democracia” grega.

Diante do cenário desse tipo de “democracia”, a questão que envolvia os animais, evidentemente, não teria trato ou conotação diferente da própria raça humana. Os animais eram considerados meros produtos para serem utilizados pelo ser humano. Em um de seus inúmeros diálogos, por exemplo, após discorrer sobre o sol e a lua, a água e os ventos e os enormes benefícios desses bens naturais dados pelos deuses ao homem, Sócrates foi questionado por seu discípulo Eutidemo, que arguiu, se, além dos homens, os animais também seriam objeto de preocupação dos deuses.

Assim respondeu o filósofo:

33 Sócrates era completamente desprovido de bens materiais. Dedicou sua vida à missão que lhe fora dada pelo

(34)

Não é sabido que até esses animais nascem e são alimentados para o homem? Que outro animal tira tão grande proveito das cabras, ovelhas, cavalos, bois, asnos etc., como o homem? Julgo-os até mais úteis que os vegetais. Não nos alimentamos e enriquecemos menos de uns que outros. Muitas raças humanas existem que não se alimentam dos produtos da terra, e sim do leite, queijo, carne que lhes fornecem os rebanhos. Todos domesticam, domam os animais úteis e neles encontram auxiliares para a guerra e muitos trabalhos.34

Pode-se afirmar que a expressão “animais úteis” refere-se àqueles que eram utilizados pelo homem. Isso não quer dizer que não se consideravam os animais

tidos como “inúteis”, isto é, aqueles que não serviam ao homem. Essa denominação

transmite a falta de conhecimento das relações ecológicas entre todos os seres vivos existentes na Terra.

O período socrático é considerado como eminentemente antropocêntrico, uma vez que o método por ele desenvolvido foi o autoconhecimento (“conhece-te a ti

mesmo”, ensinava ele), donde se extrai que as leis morais originam no homem e a

razão humana é o papel condutor da verdade.

Portanto, a exemplo do pensamento socrático, pode-se dizer que esse paradigma de ligação do homem com a natureza se mostra muito remoto. Esse modo de pensar, por sinal, se cristalizou e perdura até os dias de hoje.

1.2.3 A visão de Platão

Platão (427-327 a.C.) foi um dos grandes discípulos de Sócrates. Na continuidade do trabalho de seu mestre, tentou demonstrar que a filosofia tinha uma prevalência sobre as ideias em relação ao chamado mundo sensível. Segundo seu método, é através do diálogo que se busca a universalidade do pensamento.

34 SOCRÁTES. Coleção Os Pensadores. Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai (trad.). São Paulo: Editora Nova

(35)

Para esse filósofo, a concepção de justiça se faz presente quando um indivíduo consegue que seu intelecto domine seus impulsos irracionais. A razão, portanto, é considerada a parte superior do espírito e deve controlar a inferior, ligada aos desejos. Nesse raciocínio, uma sociedade somente será justa quando as classes inferiores forem dominadas pelas superiores. Cria-se, por conseguinte, uma estrutura hierárquica em que as chamadas classes inferiores não somente podem, como também devem ser controladas pelas classes superiores.

Em sua clássica obra A República, Platão questiona a forma de uma sociedade ideal, o meio para uma construção de uma sociedade justa. Ele atribui a cada homem um determinado fim e atividade35 e ensina que o pensamento racional não é para todos, mas sim um privilégio para alguns. Na lógica desse seu raciocínio, a maior parte dos homens não pode alcançar a “bondade filosófica”, podendo atingir

ao máximo a “bondade cívica” pela obediência às leis, motivo pelo qual a companhia

dos deuses estaria reservada a poucos afortunados.

1.2.4 A visão de Aristóteles

Aristóteles (384-322 a.C.) foi discípulo de Platão. Sua principal ideia para explicar a relação do universo com a natureza e com o homem era a de que existiria uma hierarquia natural entre os objetos inanimados, os seres vivos e os homens. Afirmava que tudo na natureza fora criado para servir a um propósito, mas que, ao final da cadeia hierárquica, o propósito da natureza e dos demais seres vivos seria servir ao homem.

Esse filósofo sustentava:

As plantas existem em benefício dos animais, e as bestas brutas em benefícios do homem

– os animais domésticos para seu uso e alimentação, os selvagens (ou, de qualquer

35 Platão atribui em sua obra A República a organização da cidade ideal apoiada em uma divisão racional de

(36)

maneira, a maioria deles) para servir de alimento e outras necessidades da vida, tais como roupas e vários instrumentos. Como a natureza nada faz sem propósito ou em vão, é indubitavelmente verdade que ela fez todos os animais em benefício do homem.36

O ponto de vista filosófico de Aristóteles se contrapõe às filosofias de Sócrates e de Platão; a escola por ele inaugurada possuía um forte apelo de investigação empírica.

Diante dessa doutrina, Aristóteles concebe a teoria da “grande cadeia da vida” onde os seres que apenas sobrevivem, tal como as plantas, ocupam o degrau mais baixo da escala, acima do qual estão os seres sencientes, conscientes e capazes de experiência, seguidos pelos seres espirituais que habitam os degraus mais elevados; por fim, acima deles, ocupando degraus incrivelmente mais altos, estão as divindades.37

Nesse “pano de fundo”, o filósofo também descrevia: “O homem livre ordena

ao escravo de um modo diferente do marido à mulher, do pai ao filho. Os elementos da alma estão em cada um desses seres, mas em graus diferentes. O escravo é completamente privado da faculdade do querer; a mulher a tem, mas fraca; a do filho é incompleta”.

Essa visão da filosofia clássica de que os seres são criados em benefício uns dos outros (as plantas teriam sido criadas em benefício dos animais e estes foram criados para beneficiar os homens), sendo os animais para a mera utilização dos homens ou como suas propriedades, não só predominou durante toda a evolução da sociedade humana, como ainda hoje constitui uma corrente que encontra adeptos.

Aristóteles negava aos animais a capacidade de raciocinar, de possuir intelecto; e por não possuírem esses atributos, não seriam capazes de desenvolver emoções, mesmo que, eventualmente, parecessem experimentá-las.

Essa relação de domínio entre espécies diferentes fez com que o homem olhasse para a natureza apenas como um objeto ao seu dispor, que pudesse

36 Aristóteles. Politics, p. 16. Apud SINGER. Peter. Libertação animal. Marly Winckler (trad.). São Paulo:

Lugano Editora, 2004, p. 215.

37 SANTANA, Heron José de. Espírito animal e o fundamento moral do especismo. Apud SANTANA, Heron

(37)

la sem preservá-la, sem o devido respeito com o vínculo entre si e que marca todos os seres existentes no Planeta.

1.2.5 O Antigo Testamento e o Novo Testamento

A era grega clássica chega ao fim quando sofreu uma derrocada por parte dos macedônios,38 os quais, posteriormente, são derrotados por Roma, que teve enorme expansão de seu domínio por grande parte da Europa, da África e da Ásia, surgindo o império romano.

O império romano teve forte influência do patrimônio grego, não somente no campo filosófico, mas também nos conceitos modernos de política, cidadania e democracia que lá foram germinados. Com sua vasta campanha expansionista, Roma deixou como um de seus grandes legados em prol do direito das civilizações ocidentais de tradição romano-germânica, o direito civil (jus civile = civil law), diferentemente da outra divisão ocidental, a common law (lex communis).

De igual modo, nesse período, a exemplo dos períodos anteriores, os animais eram considerados e tratados como “coisas”, ou seja, eram meros objetos a serem apropriados por qualquer pessoa. Aliás, nessa mesma categoria situavam-se os escravos. A propósito, esse mesmo modo de pensar e agir, em parte, permanece nos dias de hoje.

Com a conversão do império romano ao cristianismo, a cultura romana foi amplamente modificada. Nesse ínterim, a vasta dominação que exerceu no ocidente fez com que o cristianismo se implantasse no mundo todo, tornando-a hoje, a maior de todas as religiões.39

38 A Grécia antiga foi dominada por Felipe II da Macedônia e seu filho Alexandre, em meados de 340 a.C.

Alexandre expandiu, e muito, as conquistas de seu império (Europa e Ásia), motivo pelo qual ficou conhecido como Alexandre, o Grande. Deixou como grande legado a difusão da cultura grega, resultando na mistura da cultura grega com a cultura oriental, dando origem à cultura helenística.

39 O cristianismo é praticado atualmente por cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo, o equivalente a um terço

da população mundial. Disponível em:

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O cristianismo sofreu forte influência da cultura da época e absorveu a interpretação dada pelos judeus e gregos no tocante aos animais. Com o apogeu de Roma, a espécie humana desde o seu nascimento passa a ter significativo valor não só moral, mas de proteção à vida.

Os ensinamentos da Bíblia no Antigo Testamento já privilegiavam o homem em relação aos demais seres vivos existentes na Terra. Ao dar uma especial condição ao ser humano, enfatizou profundamente o antropocentrismo. A esse respeito, as palavras de Santana e Oliveira:40

A perspectiva negativista referente aos animais será fundamentada através das religiões monoteístas, que formarão o judaísmo entre outras, conforme se infere do livro do Gênesis que, integrantes das Escrituras monoteístas, determina o ser humano como o máximo da criação, pois este seria o único ser criado à imagem e semelhança de Deus, devendo-se a existência dos demais seres atender a finalidade exclusiva de servir ao homem.

Não só as religiões dos homens serão um dos elementos legitimadores da visão negativista referente aos animais. Teremos, também, no racionalismo filosófico um de seus mais fervorosos elementos, como é o caso do filósofo pré-socrático Protágoras (480-410 a.C.), que enaltecerá o antropocentrismo, ao formular o princípio do homo mensura, segundo o qual o homem seria a medida de todas as coisas, inclusive daquelas que são pela sua existência ou não são pela sua não-existência.

No primeiro capítulo do livro do Gênesis,41 encontramos as bases do antropocentrismo, descrevendo como Deus criador confia ao Homem criado o domínio sobre a criação:

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança; e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que se rastejam sobre a terra (Gn, I, 26). Deus os abençoou e lhes disse:

40 SANTANA, Luciano Rocha; OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais. Apud

SANTANA, Heron José de; SANTANA, Luciano Rocha (coords.). Salvador: Revista Brasileira de Direito Animal, ano 1, nº 1, 2006, p. 72.

(39)

„Sede fecundo, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra (Gn, I, 28).

No segundo capítulo, Deus apresenta ao homem os diferentes animais da criação para que lhes sejam dados nomes. Esse privilégio de conceder um nome traduz a ideia de que ao homem é investido de poder sobre a Terra:

Iahweh Deus modelou, então, do solo, todas as feras selvagens e todas as aves do céu e as conduziu ao homem para ver como ele as chamaria: cada qual devia levar o nome que o homem lhe desse (Gn, II, 19). O homem deu nomes a todos os animais, às aves do céu e a todas as feras selvagens, mas, para o homem, não encontrou a auxiliar que lhe correspondesse (Gn, II, 20).

Posteriormente, após o episódio do dilúvio, quando Deus abençoa Noé e seus filhos, assim afirmou:

Deus abençoou Noé e seus filhos, e lhes disse: „Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra‟ (Gn, IX, 1). Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e de todas as aves do céu, como de tudo o que se move na terra e de todos os peixes do mar: eles são entregues nas vossas mãos (Gn, IX, 2). Tudo o que se move e possui a vida vos servirá de alimento, tudo isso eu vos dou, como vos dei a verdura das plantas (Gn, IX, 3).

1.2.6 Antropocentrismo moderno

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na cultura ocidental, ontologicamente surgiu para dominar a natureza e os seres vivos e não vivos que nela existem. Essa cultura milenar é, pois, um fio condutor que nos fez chegar ao antropocentrismo dos tempos modernos.

A teoria da grande cadeia da vida proposta por Aristóteles foi perpetuada em decorrência do domínio da Igreja Católica e de seus principais representantes: Santo Agostinho na Igreja primitiva e Santo Tomás de Aquino na Idade Média. Ambos ressaltaram que a capacidade de pensar é um atributo exclusivo do homem e esta é a sua diferença entre os demais seres animados. Esse raciocínio justificava, na visão do cristão, que, na ordem natural, o imperfeito deve sempre servir ao perfeito, do mesmo modo como o irracional deve estar a serviço do racional.42

A perfeição do homem estaria na sua semelhança e proximidade com Deus, pois as criaturas intelectuais estariam em um posto mais alto; por isso, sua proximidade com a divindade. A filosofia de Tomás de Aquino afirmava ainda que não havia pecado em usar algo para o fim a que se destinava, na seguinte ordem: as plantas para os animais e os animais para os homens. Esse era, inclusive, o mandamento inscrito no livro do Gênesis (Gn I, 29-30 e IX, 3), da seguinte maneira:

Deus disse: „Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dão semente: isso será vosso alimento‟

(Gn, I, 29).

A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas, e assim se fez (Gn I,30).

Tudo o que se move e possui a vida vos servirá de alimento, tudo isso eu vos dou, como vos dei a verdura das plantas (Gn, IX, 3).

Nesse momento, consagra-se a posição filosófica de que o homem é hierarquicamente superior aos demais seres vivos, proveniente das teorias clássicas da perfeição do homem proposta por Platão e Aristóteles. Nesse contexto, a existência de uma “imperfeição” passou a chamar-se “pecado”. Havia, então, três espécies de pecado: os cometidos pelos homens contra Deus, os cometidos pelos

42 SANTANA, Heron José de. Espírito animal e o fundamento moral do especismo. Apud SANTANA, Heron

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homens contra si próprios e aqueles contra terceiros. Percebe-se, pois que se tratava de um arcabouço religioso de viés cultural que excluía o pecado ou o crime praticado contra os animais.

Pode-se afirmar, portanto, que a base da religião judaico-cristã representa a forma pelo qual o homem trata os animais com certo desprezo e até com barbárie, pois o capítulo do Gênesis transformou os animais em meros objetos de uso e ao bel-prazer dos homens.

Com o fim da Idade Média,43 surge a época denominada do Renascimento, em que as artes e a filosofia, bem como o ser humano, retornam ao debate e à discussão filosófica, uma vez que durante a era medieval, Deus era o centro do pensamento. Esse novo período histórico é caracterizado pelo humanismo, abandonando-se, portanto, o teocentrismo para lançar raízes no antropocentrismo fascinante.

Insignes pensadores surgiram nesse período, sendo que vários deles chocaram o mundo da época com seus estudos. Na verdade, Nicolau Copérnico (1473-1543), Giordano Bruno (1548-1600), Galileu Galilei (1564-1642), quebraram o paradigma da teoria geocêntrica para a heliocêntrica, além do que, pregavam que o Universo era um espaço infinito com outros corpos celestes circundando os astros.

O grande representante da filosofia racionalista moderna foi René Descartes (1596-1650) que levou ao extremo a filosofia aristotélico-tomista. Com efeito, ele afirmava que a linguagem era a única prova de que os homens possuíam espírito capaz de pensar, sentir e raciocinar; ao passo que os animais eram incapazes de ter sentimentos ou de poder manifestar qualquer pensamento e, que, portanto, não passavam de simples autômatos.

A racionalidade, segundo Descartes, torna o homem o senhor e dono da natureza. Ele assegurava que sendo os homens os únicos seres dotados de uma alma imortal, não eram autômatos. Já os animais, como não possuíam alma, consequentemente não possuíam consciência e, não tendo consciência, eram seres

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