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Estudos rurais: Uma breve retórica sobre o patriarcado / Rural studies: A brief rhetoric about patriarchy

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Academic year: 2020

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Estudos rurais: Uma breve retórica sobre o patriarcado

Rural studies: A brief rhetoric about patriarchy

DOI:10.34117/bjdv6n10-177

Recebimento dos originais: 05/09/2020 Aceitação para publicação: 08/10/2020

Ângela Aparecida Santos

Mestra pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Rurais(PPGER/UFVJM) Especialista em EAD (IFNMG)

Graduada em Engenharia agronômica (UFMG)

Instituição: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri-UFVJM

Endereço: Campus JK - MGT 367 - Km 583, nº 5000 Alto da Jacuba, Diamantina - MG, 39100-000 e-mail: angelasantosead@gmail.com

Ivana Pires de Sousa Baracho

Mestra em Produção Vegetal

Graduada em Engenharia agronômica (UFVJM)

Instituição: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri-UFVJM

Endereço: Campus JK - MGT 367 - Km 583, nº 5000 Alto da Jacuba, CEP: 39100-000, Diamantina - MG,

e-mail: vanninha.sousa87@gmail.com

Mariane Rodrigues Silva

Mestra pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Rurais(PPGER/UFVJM) Especialista em Gestão em Serviço Social (Faculdade Batista de Minas)

Graduada em Serviço Social (UFVJM)

Instituição: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri-UFVJM

Endereço: Campus do Mucuri – Rua Cruzeiro, 01, Jardim São Paulo, Teófilo Otoni- MG, 39803-371

e-mail: marimariane98@hotmail.com

Hulie Gonçalves Andrade

Mestra pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Rurais(PPGER/UFVJM) Engenheira Agrônoma (UFVJM)

Instituição: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri-UFVJM

Endereço: Campus do Mucuri – Rua Cruzeiro, 01, Jardim São Paulo, Teófilo Otoni- MG, 39803-371

e-mail: hulie_andrade@hotmail.com

RESUMO

A história feita pelos homens está repleta de figuras do gênero masculino como protagonistas.Quando as mulheres passam a fazer parte da elaboração do mundo, elas irão falar de um mundo que pertence aos homens, sob égide de um sistema em meio a divisão sexual do trabalho, dos espaços públicos e privados, simbolismos, suas normatizações, o pensar binário, entre outras coisas. Este trabalho tem como objetivo trazer reflexões das relações de gênero no espaço rural brasileiro. A metodologia adotada é a revisão de literatura, buscando bibliografias de autores e autoras que dialogam sobre a temática. Realizou-se também, a análise de dados do Censo Agropecuário/IBGE(2006), bem como a

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análise dos extratos do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do ano de 2018 (disponibilizados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural/SICAR)e o levantamento de Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAPs)1 emitidas no município de Japonvar até a data de15 de novembro de 2017(por meio de pesquisa dos extratos de Declaração de aptidão ao Pronaf (DAP) pessoa física por município no site do MDA/SEAD). Observa-se que a sociedade engendrou a categoria de gênero que determina comportamentos e legitimam relações de poder patriarcal e, consequentemente, a falta de equidade, que limita a representatividade da mulher em alguns espaços. Portanto, urge a necessidade de ressignificar essas relações.

Palavras-chave: mulher, agricultura, gênero, Japonvar, Caipira ABSTRACT

The history made by men is full of male figures as protagonists. When women become part of the making of the world, they will speak of a world that belongs to men, under the aegis of a system amid the sexual division of labor. , of public and private spaces, symbolisms, their norms, binary thinking, among other things. This work aims to bring reflections on gender relations in the Brazilian rural space. The methodology adopted is the literature review, looking for bibliographies of authors and authors who discuss the theme. The data analysis of the Agricultural Census / IBGE (2006) was also carried out, as well as the analysis of extracts from the Rural Environmental Registry (CAR) for the year 2018 (made available in the National Rural Environmental Registry System / SICAR) and the survey of Declarations of Aptitude to Pronaf (DAPs) issued in the municipality of Japonvar until the date of November 15, 2017 (through research of extracts of Declaration of Aptitude to Pronaf (DAP) individual by municipality on the MDA / SEAD website). It is observed that society engendered the gender category that determines behaviors and legitimizes patriarchal power relations and, consequently, the lack of equity, which limits the representation of women in some spaces. Therefore, there is an urgent need to reframe these relationships.

Keywords: Woman, agricultura, genre, Japonvar, Hick

1 INTRODUÇÃO

A história feita pelos homens está repleta de figuras do gênero masculino como protagonistas.Quando as mulheres passam a fazer parte da elaboração do mundo, elas irão falar de um mundo que pertence aos homens, sob a égide de um sistema estruturado na divisão sexual do trabalho, dos espaços públicos e privados, simbolismos, suas normatizações, o pensar binário, entre outras coisas.

Objetivou-se com esse trabalho, trazer reflexões das relações de gênero nos espaços rurais brasileiros. Assim como exemplificar casos de representatividade quanto à propriedade e posse rural, com dados levantados no município de Japonvar, (localizado no Norte de Minas Gerais), com sua população predominantemente rural, com o extrativismo e a agricultura familiar como suas bases econômicas. A denominação Japonvar, dada ao povoado em formação, ocorreu em 1975 por

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iniciativa de um religioso católico, o padre Antônio José, em razão do povoado estar localizado na confluência das rodovias que ligam as cidades de Januária, de São João da Ponte e de Varzelândia.

Neste trabalho recorreu-se a revisão de literatura, buscando artigos que abordam a temática, e ao levantamento de dados do Censo Agropecuário/IBGE(2006), extratos do cadastro ambiental rural do ano de 2018 disponíveis no SICAR; levantamento de DAPs2 emitidas no município de Japonvar até o dia 15 de novembro de 2017, por meio de pesquisa dos extratos de Declaração de aptidão ao Pronaf(DAP) pessoa física por município no site do MDA/SEAD.

O presente artigo está estruturado em quatro partes, iniciando com uma breve historicidade acerca do patriarcado. No segundo momento, realizou-se o diálogo em torno das relações de poder e de dominação no espaço rural. Em seguida, a discussão dos reflexos das relações de gênero na representatividade da mulher em alguns espaços, finalizando com as breves considerações.

2 PATRIARCADO: BREVE HISTORICIDADE

A história feita pelos homens está repleta de figuras do gênero masculino como protagonistas.Quando as mulheres passam a fazer parte da elaboração do mundo, elas irão falar de um mundo que pertence aos homens, um mundo que dirá qual a posição da mulher na história. Segundo Aristóteles: “A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades. Devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural”. Depois São Tomás afirma-nos que a mulher é um homem incompleto (BEAUVOIR, 2016 p. 12;17). Assim percebemos que as ideias que concebem a mulher na sociedade, desde tempos antigos, desqualificam a figura feminina e a desfavorece perante o mundo, e isso é resultado de uma construção da cultura patriarcal.

Patriarcado é uma forma de organização social, em que suas relações são regidas por dois princípios basilares: as mulheres são hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens estão subordinados hierarquicamente aos homens mais velhos, patriarcas da comunidade”(SCOTT. 1995, p. 97;88). Já Zerzan (2011, p. 1) afirma que o patriarcado pode ser entendido como o “domínio sobre a mulher e a natureza”.

Com o ser humano caçador/coletor,que passa a praticar a agricultura a partir do cultivo e domesticação das plantas, as quais ficaram dependentes, assim como os seres humanos dependentes delas, há uma busca em controlar a natureza. Mais tarde, com as revoluções da agricultura em diferentes períodos observa-se o caráter exploratório e deletério da natureza (SANTILLI, 2009 apud Santos et al, 2020).

Simbolicamente ao exposto acima, numa sociedade patriarcal, aponta-se a domesticação dos corpos, controlados quanto à reprodução e padrões impostos, numa cultura de exploração do trabalho

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desprezado e numa posição hierárquica em que à mulher é imposta, em muitas vezes, a subserviência. Reafirmando os argumentos de Santilli(2009):

No período Paleolítico (Idade da Pedra), foi a mulher quem deu início à agricultura, como uma maneira de fixar-se na terra. Com o aumento da população, os homens começaram a brigar pela melhor caça e melhor agricultura. Surgiram assim a guerra e os heróis. O vencedor apossava-se da terra e de sua proprietária. Então, dominada pela força física, a mulher entrou no rol dos pertences do homem (TIBA, 2006, p.46).

A mulher na condição de propriedade do homem reflete a estruturação e construção do patriarcado. Sob a égide de um sistema de divisão sexual do trabalho e dos espaços públicos e privados, à mulher foi negado o domínio da técnica. Os simbolismos, suas normatizações e expressões promoveram desde as mais sutis violências,assim como o pensar binário,que fortifica a hierarquia da superioridade do homem, entre outras coisas. A sociedade engendrou o gênero de maneira que o poder exercido promoveu a desqualificação da figura da mulher e a coloca à margem da agricultura patriarcal. Isso nos leva a elucidar, a partir das definições de gênero e de narrativas referentes ao campo,as relações que afirmam essas premissas.

Primeiramente é importante compreender os aspectos que atuam sobre a concepção de gênero. Logo, é a maneira com que o indivíduo se reconhece perante a sociedade e o papel que exerce frente a ela, que pode variar de acordo com a cultura, e em nada tem a ver com o sexo ao qual um indivíduo nasceu (FAO, 1998).

Gênero é também uma consequência das relações de parentesco, que por sua vez tem a hierarquia como traço inerente. Simbolicamente a partir da dominação da natureza[com a agricultura], domina-se também a mulher (ZERZAN, 2011 p. 4) numa sociedade patriarcal3. E esta sociedade patriarcal, é afirmada pelo caráter biológico, que une os indivíduos, os dispõe a uma hierarquia dentro da própria família.

Scott (1995, p. 86) define gênero em duas partes e ainda as decompõe em subpartes em que, a primeira premissa do núcleo da definição nos diz que “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”, destacando quatro elementos inter-relacionados como se um fosse o reflexo do outro. O primeiro são os símbolos, expressos na representação simbólica, como por exemplo, Eva e Maria, luz e escuridão.

O segundo elemento é a normatização destes símbolos que os dão significação, sob uma perspectiva binária, seu conceito se expressa na doutrinação religiosa, educativa, científica, políticas

3“organização sexual hierárquica da sociedade tão necessária ao domínio político. Alimenta-se do domínio masculino na estrutura familiar (esfera privada) e na lógica organizacional das instituições políticas (esfera pública) construída a partir de um modelo masculino de dominação (arquétipo viril)” (COSTA, 2008 apud SILVA, 2012).

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ou jurídica e atribui significado ao homem e mulher, feminino e masculino, e o que prevalece é o polo dominante comumente vinculado ao masculino.

Os símbolos têm papel importante ao tratarmos sobre relações de gênero e as disputas de poder. Principalmente sob influência dos mitos judaico-cristãos. A própria natureza, simbolicamente, tem sua subserviência afirmada assim como “Deus possui o controle de todos os homens e da natureza e, para agradá-lo, é preciso percorrer o árduo caminho da obediência e submissão” (DE MORAES SILVA, 2010 p. 16). Ainda sobre isso, De Moraes Silva (2010) nos diz que:

“Deus (homem) criou o mundo sozinho em sete dias e depois, ao olhar sua criação, sentiu falta de algo especial; sendo assim, criou o homem à sua imagem e semelhança, e lhe deu tudo aquilo que havia criado: natureza, fauna, água e os animais, todos alocado no paraíso, esse denominado Jardim do Éden. ”(DE MORAES SILVA, 2010 p. 3).

A mulher, posteriormente, é criada “como agrado, nasce com a função de fazer companhia ao homem” (SILVA, 2012 p. 3). O conhecimento, fruto proibido, desencadeia o binarismo do bem/mal, afasta cada vez mais o homem da natureza, dando-o poder e controle, assim como sobre a mulher (MURARO, 1992, p.71 apud SILVA, 2012, p. 3).

É evidente a perversidade no qual ao longo da história os símbolos exerceram sobre nossa sociedade, e ainda o fazem. Como exemplo, o teor da descrição contida no livro “O Martelo das Feiticeiras”, dos inquisidores Kramer e Sprenger para a “identificação de bruxas”.

[...] e como as mulheres estão essencialmente ligadas à sexualidade, elas se tornam por excelência agentes do demônio (as feiticeiras). E as mulheres têm mais conivência com o demônio ‘porque a Eva nasceu de uma costela torta de Adão, portanto nenhuma mulher pode ser reta’. (MURARO, 1991, p. 15 apud LEMOS, 2016, p. 349 grifo da autora).

O fenômeno do massacre de mulheres, “Caca às bruxas” (FEDERICI, 2017), principalmente, na Europa do século XVI até meados do século XVII, foi normatizado pelos símbolos. Assim como esses símbolos ganham a concretude em forma de obstáculos para mulher que busca dominar a natureza:

Na modernidade a técnica é percebida como aquilo que age sobre a natureza, como aquilo que domina e supera a natureza. O homem é visto nesse processo como o detentor dessa capacidade de portar a técnica, de dominar a natureza, enquanto a mulher é tida como submissa à natureza. “Se o masculino é associado à modernidade da razão, do trabalho, da liberdade e do cidadão, o feminino é ligado à antiga ordem social da família, da dependência e da naturalidade” (DAUNE-RICHARD 2003, p.70 apud MARQUES, 2010 p. 15).

Dentro do binômio natureza/cultura temos outros desdobramentos: espírito/corpo, sujeito/objeto, ideal/real e inclusive homem e mulher, entre outros, onde o primeiro polo é considerado dominante e associado ao masculino, pois refere-se a algo abstrato, fora da natureza, enquanto a mulher, algo cheio de particularismo e vinculações naturalistas (SANTOS, 2009, p. 87).

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O terceiro elemento abrange aspectos, não só da relação de parentesco existente, mas de uma visão ampla que envolva aspectos que analisem o mercado de trabalho, a educação, o sistema político.

E por fim, o quarto aspecto que é a identidade subjetiva, onde Scott (1995, p. 97;88) concorda “com a ideia da antropóloga Gayle Rubin, de que, a psicanálise fornece uma teoria importante sobre a reprodução do gênero, uma descrição da "transformação da sexualidade biológica dos indivíduos, enquanto passam por um processo de enculturação", mas reconhece a necessidade “examinar as formas pelas quais as identidades generificadas são substantivamente construídas e relacionar seus achados com toda uma série de atividades, de organizações e representações sociais historicamente específicas.”

A segunda premissa é, “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Seria melhor dizer: o gênero é um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado” (SCOTT. 1995, p. 97;88)

Para Costa (2008) apud Silva (2012 p. 2) “quando falamos relações de gênero, estamos falando de poder. À medida que as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, assimétricas, mantêm a mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal” conforme abordaremos no item a seguir.

3 RELAÇÕES DE GÊNERO E DE DOMINAÇÃO NO ESPAÇO RURAL

No meio rural estas relações de poder que refletem o domínio patriarcal se manifestam de diferentes formas, de que forma percebemos isso no nosso cotidiano. Serão abordados a seguir a manifestação do patriarcado na divisão sexual do trabalho e no termo “ajuda”; na ausência ou baixa participação da mulher nos canais de comercialização.

Quanto às relações de poder e dominação que permeiam o espaço rural, podemos observar o simbolismo entre a mulher e a terra, ambos colonizados. A terra para a “exploração precipitada e extensiva dos recursos naturais de um território virgem, para abastecer o comércio internacional de alguns gêneros tropicais e metais preciosos de grande valor comercial” (PRADO apud LACERDA, 2010). Nesse simbolismo, a mulher serviu para satisfação de desejos, por meio da violência, e gerar prole, para fins econômicos numa dinâmica de exploração, assim como a natureza (LACERDA, 2010 p. 98).

A propósito, a colonização do Brasil se deu numa época em que a Europa tinha a necessidade de controlar a natalidade para aumento da força de trabalho devido o decréscimo da população, Segundo Federici (2017) isso fez com que o Estado europeu aplicasse leis de controle aos corpos das mulheres, onde criminalizou-se e puniu-se severamente aquelas que praticassem crimes contra reprodução. Além do que se instaurava o cercamento das terras comunais, com a propriedade privada,

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numa época de crescente pauperização, o que afetou, principalmente, as mulheres que, com as terras comunais, garantiam subsistência, autonomia e sociabilidade devido ao trabalho coletivo.

Segundo Federici (2017) nessa época também se fortificou a ideia das mulheres como não-trabalhadoras, que no século XVII estaria praticamente consolidada, reduzindo-as ao trabalho doméstico, considerado não-trabalho (por não ser assalariado). Assim, a mulher foi considerada dependente do homem para sobreviver, o casamento era a única possibilidade e mesmo aquelas que recebiam salário, esse era bem menor em comparação aos dos homens e ao atuar na esfera pública eram consideradas megeras sexualmente agressivas, “putas” ou “bruxas”.

As mulheres, perante a divisão sexual do trabalho forjado, eram definidas em termos- mães, esposas, filhas e viúvas- que ocultavam sua condição de trabalhadoras e permitiam o livre acesso a seus corpos e trabalhos, assim como de seus filhos. Assim, as terras perdidas pelos trabalhadores homens, com o cercamento e apropriação do capitalismo, foram substituídas pelas mulheres, de forma que seu trabalho passou a assemelhar-se a um recurso natural, disponível a todos (FEDERICI, 2017). Diante desse cenário não se deve negar a herança colonizadora deixada ao Brasil.

O poder expresso sob abuso exercido, desde a formação do nosso Brasil, muitas das vezes só ausenta as narrativas: “O paulista, em grande parte, era resultado de portugueses com as mulheres da terra, as indígenas. Dessa união nasceram mestiços em grande número, a quem se deu o nome de

mamelucos” (SAINT-HILAIRE, 1922 apud CAMPOS, 2011, p. 491). “Resultado”, “união” não

representam dada realidade e mantém oculto seu caráter violento.

Nas narrativas de Brandão (1983) sobre o Caipira de São Paulo encontramos algumas descrições que afirmam o patriarcado vigente nos espaços rurais, onde o marido exerce poder e controle não somente sobre a mulher, mas para com toda a família, conforme se vê pelos argumentos do autor:

Sob a direção de um pai e marido os familiares ora trabalham reunidos, como nos dias apressados do plantio, ou nos dias ainda mais apressados de uma colheita, ora se dividem, entre o rancho e a roça, em diferentes tipos de serviços. (BRANDÃO, 1983 p. 25).

Quanto à divisão sexual do trabalho, a mulher colocada como responsável pelo trabalho reprodutivo, exerce também o trabalho produtivo, por mais que haja falta de reconhecimento como expressos na narrativa que o aborda como “ajuda”. Além disso, inexiste reciprocidade por parte do homem quanto às tarefas. Sobre isso Brandão (1983) diz que:

O trabalho da lavoura é preferencialmente masculino e as equipes de trabalho se completam com a rama feminina da casa apenas nos momentos mais difíceis. Finalmente, um homem que saberá “fazer sua comida” durante uma jornada de pesca com companheiros dificilmente lidará com assuntos de cozinha em casa. Por outro lado, é exceção a mulher lidar seja com o gado, seja com as atividades “brutas” do trabalho da roça. Mulheres ajudam no plantio, na

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“limpa” e na colheita. Não participam das atividades de derrubada de mato, de queima e, principalmente, de comercialização dos produtos da lavoura. (BRANDÃO, 1983 p26-27).

Nas descrições de Antônio Cândido (2010), sobre o Caipira de São Paulo, de meados do século XX, as mulheres executam atividades na lavoura, das quais têm destaque as poucas atividades diferenciadas. Pelas próprias palavras das agricultoras, elas “trabalham tanto quanto seus irmãos nas terras dos pais” e contribuem para manter e aumentar o patrimônio, no entanto há falta de reconhecimento para com tal (PAULILO, 2004, p. 234). Paulilo (2004) ao discorrer sobre o campesinato se contrapõe com a ideia e a forma com que os fatos, por vezes, são apresentados:

[...] percebemos que a distinção entre trabalho ‘pesado’ feito pelos homens e trabalho ‘leve’ feito pelas mulheres não se devia a uma qualidade do próprio esforço despendido, mas ao sexo de quem o executava, de tal modo que qualquer trabalho era considerado leve se feito por mulheres, por mais exaustivo, desgastante ou prejudicial à saúde que fosse. Vemos o mesmo fenômeno se repetir quando da divisão entre trabalho doméstico e trabalho produtivo. É simples: é doméstico se é atribuição da mulher. Se ela vai para a roça com o marido, é trabalho produtivo, mesmo que o que for colhido seja tanto para vender como para comer. Se cuida da horta e das galinhas sozinha, é trabalho doméstico (PAULILO, 2004, p. 245).

O espaço privado de responsabilidade da mulher, perante a divisão sexual do trabalho, estende-se aos arredores da casa como, quintais e a criação de pequenos animais. E ainda sobre os Caipiras de São Paulo, Campos (2011) ressalta que:

Elas podem dividir com os homens da família os cuidados e o ganho com os porcos e o queijo. Mas o rendimento obtido das aves, dos ovos, do requeijão, da manteiga e os eventuais produtos da horta e o pomar são invariavelmente do domínio da mulher. Assim, ao passo que os ganhos auferidos com o leite, com as plantações de cereais e com a venda de animais são considerados próprios dos homens, o que se apura com a venda dos produtos do terreiro pertence tudo para as mulheres que, dessa forma, mantêm certa independência econômica dentro da família (CAMPOS,2011, p. 496).

Paulilo (2004) diz que, alegar independência pode ser um exagero: “Se vende ovos de vez em quando, uma galinha ou outra, é tão pouco, que não vale a pena teorizar sobre isso”.

A comercialização, ambiente público, apesar da força de trabalho da mulher estar envolvida nos processos produtivos das lavouras, é exercida pelo homem, o que mostra a dominação e controle tanto ao aspecto financeiro quanto da possibilidade da mulher de estar nesse ambiente. Sobre isso Brandão (1983) diz que:

O “comércio” (“a rua”, a cidade, os lugares longe do rancho ou do bairro rural), a mata e a lavoura são os espaços sociais do homem, logo, o domínio do marido. E raro que uma mulher caipira vá a um destes lugares sozinha e por conta própria. Ali, em geral, a esposa acompanha o marido e apenas complementa, com a sua presença e o seu trabalho, mundos e atividades considerados como de homens: o marido, os filhos mais velhos que com ele trabalham, os filhos menores que levam comida do rancho à roça, as equipes masculinas de trabalho ampliado, as grandes e festivas equipes dos mutirões caipiras.(BRANDÃO, 1983 p. 27).

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Ainda sobre a participação das mulheres no comércio, especificamente no comércio de produtos da agricultura familiar no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Siliprandi e Cintrão (2014) para escrever o trabalho “As mulheres rurais e a diversidade de produtos no Programa de Aquisição de Alimentos” (para a cartilha intitulada PAA - 10 anos de Aquisição de Alimentos publicada em 2014 pelo MDA), revisitam uma pesquisa de âmbito nacional realizada no período de 2009 a 2010 sobre a participação das mulheres no PAA, na qual verificaram que a presença formal das mulheres como titulares dos contratos era muito menor do que sua presença “real” como trabalhadoras envolvidas na produção e entrega dos produtos para o PAA. Segundo estas autoras, essa invisibilidade ou “anonimato” do trabalho das mulheres como agentes econômicos e produtivos na agricultura familiar contribuía para que seu espaço dentro da unidade de produção e da família continuasse como um espaço subordinado, no qual seu trabalho é considerado como “ajuda”. Segundo estas autoras, a resolução do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA44) de 16/08/20114 é fruto das discussões dos resultados desta pesquisa realizada nos anos de 2009 a 2010. Esta resolução estabelece a obrigatoriedade de que no mínimo 30% dos agricultores familiares cadastrados como fornecedores para o PAA sejam mulheres.

O percentual de participação feminina obrigatório, estabelecido na resolução contribui para retirar mulheres desta condição de invisibilidade e anonimato à frente das atividades desenvolvidas nas unidades de produção, colocando-as na condição de protagonista e não somente como “ajudante”. Tal resolução consiste numa legitimação institucional de conter o patriarcado na esfera dessa política pública.

4 REFLEXOS DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NA REPRESENTATIVIDADE DA MULHER EM ALGUNS ESPAÇOS

Assim, a partir da normatização dos símbolos, uma realidade é moldada e reduz os horizontes das mulheres quanto à ocupação dos espaços, como é o caso da formação no curso superior de Agronomia que, simploriamente pode-se dizer uma ciência que trata das práticas da agricultura. Entre 1969 a 1971, das 37 agrônomas brasileiras formadas, 25 estavam desempregadas. Ainda enfrentavam a desqualificação quanto à aparência que as colocavam como menos femininas por enveredar-se por tal caminho, com prevalência da representatividade masculino. Segundo Oliver (2007), apud Marques (2010):

4 Norma Federal - Publicado no DO em 17 ago 2011 - Fomenta o acesso de mulheres ao Programa de Aquisição de

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Elas também foram retratadas como mulheres sem vaidades, fazendo notar a simplicidade de uma ou a falta de torvelinhos de outra, ou, ainda, pelo fato de não terem cedido ao cortejo dos colegas de turma, deixando suas potencialidades naturais para depois [...] para serem reconhecidas profissionalmente, as qualidades tidas "comumente" como femininas foram afastadas tanto no espaço físico como no espaço simbólico da escrita (OLIVER, 2007, p. 384 apud MARQUES, 2010 p. 13).

A seguir, observa-se o padrão separatista e sexista desde a infância com a divisão sexual do trabalho onde, a menina é preparada para casar e o menino, para dominar as técnicas produtivas. O trabalho da menina aqui é tratado como “ajuda” o que pode apontar o caráter hierárquico das relações de poder no trabalho familiar, conforme relato de Brandão (1983):

Cedo na vida crianças camponesas iniciam, com os pais e os irmãos mais velhos, o aprendizado dos ofícios caipiras do rancho, do terreiro, da roça e da mata. Por volta dos cinco ou seis anos uma menina começa a ajudar a mãe nas rotinas da casa. Um pouco mais tarde ela lava a roupa, cuida das “criações” e ajuda a mãe nas alquimias diárias da cozinha. Com menos de dez anos mistura a escola — quando vai à escola — com os cuidados da casa, sempre que a mãe e as irmãs mais velhas vão para a roça nos tempos de trabalho mais intenso na lavoura. Cedo também o menino cuida com o pai de assuntos do quintal e leva “pros homens” a comida diária, quando a roça é longe do rancho. Um pouco mais tarde meninos aprendem, no ofício do trabalho, os segredos do lavrar e trabalham com os pais, tios, padrinhos e outros “mais velhos” nos diferentes “serviços” do lavrador. Na idade em que algumas meninas da cidade começam a largar de lado as bonecas, algumas moças da roça podem estar começando a carregar o primeiro filho. Ao longo da puberdade a família e a comunidade da vizinhança esperam que ela conheça boa parte do que uma mulher caipira precisa saber para casar. Para “tocar” por conta própria um rancho e uma família. Jovem ainda um lavrador caipira é um homem preparado para “tocar sua roça” e responder pela sua família (BRANDÃO, 1983 p. 28).

Hierarquicamente o irmão encontra-se desde cedo colocado em posição superior, daquele que dá ordens a irmã, e sobre isso Campus (2011) diz:

[...] meninas começavam a aprender os trabalhos domésticos simbolicamente considerados femininos. [...] Se os pais precisavam, as meninas ajudavam a carpir, roçar e limpar as plantas. Quando elas iam para a roça, e na irmandade tinham homem e mulher, os irmãos é quem davam as explicações as irmãs. [...] Todas as pessoas que entrevistei disseram que a principal coisa que uma menina precisava saber era cozinhar (CAMPOS, 2011 p. 498; 499)

Através de conceitos normativos, observamos que o ofício da mulher é caseiro, referentes à garantia da reprodução. Já o do homem inclui os segredos da lida com a roça, a oportunidade do domínio da técnica. Esses sistemas de tabus e crenças são limitadores, reduzem horizontes para essas mulheres e ditam condutas e destinos que não necessariamente as satisfazem, e mesmo assim se veem fadadas a cumpri-los.

Em muitos casos, as mulheres veem como única escolha o casamento, tendo nele embutida uma condição, digamos, menos trágica, que seria permanecendo solteira, levar uma vida celibatária e cuidar dos pais (PAULILO, 2004 p. 235). Para esses fatos deve-se negar o conformismo, sobre isso, pelos argumentos de Meillasoux, op.cit apud Zerzan (2011) tem-se que:

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Nada na natureza explica a divisão sexual de trabalho, nem instituições como o casamento, conjugalidade ou descendência/linhagem paterna. Tudo é imposto sobre a mulher através de coerção, todos são, portanto, fatos da civilização que devem ser explicados, e não usados como explicação (MEILLASOUX, op.cit, p.20-21apud ZERZAN, 2011 p. 6).

Pode-se dizer que a falta de domínio da técnica, acentuada pela exclusão do processo de transferência do saber por parte do pai em conjunto com a inaceitabilidade de estar no ambiente da lavoura, da lida no campo, do comércio, faz com que essa mulher enfrente hostilidades caso venha a estar em ambientes, senão os ditados a elas, e quando decide fazê-lo, se torna uma anormalidade perante a sociedade.

No Sul do Brasil, em regiões de colonização italiana e alemã, há o acesso à terra a partir do casamento, casos de exceção são quando não há um herdeiro homem, quando a filha casada cuida dos progenitores na velhice ou quando há terras em demasia ou esta é de desinteresse para os herdeiros. A “herança” que para muitas resta é, ao se casar, levar o “dote”, que teoricamente representa uma certa segurança financeira para essa mulher, com cunho de independência, porém não é isso que se observa (PAULILO, 2004, p. 234;235).

Sobre o acesso à terra obtido pela mulher, se pegarmos os dados do Censo agropecuário brasileiro de 2006, com um recorte para a categoria agricultura familiar, tem-se que,dentre os 4.367.902 estabelecimentos de agricultores familiares brasileiros, pouco mais de 600mil estabelecimentos familiares são de titulação da mulher, o que equivale a 13,7%, ao lado de 86,3%, cuja titulação é do homem.

Para o Brasil, observa-se um número muito pequeno de mulheres como titulares de estabelecimentos rurais familiares, embora observa-se também pelos dados do Censo Agropecuário/IBGE(2006) que do total de pessoal ocupado nos estabelecimentos familiares considerando a faixa etária de 14 anos ou mais, 10.919.257 são homens, ao passo que 4.585.986 são mulheres, aproximadamente a metade, o que nos leva a pensar que quanto ao acesso à terra como titulares, tais dados deveriam também evidenciar esta proporcionalidade, caso houvesse uma distribuição de terras com igualdade de gênero.

No Norte de Minas Gerais, em Japonvar, ao analisar uma amostra de 140 extratos do cadastro ambiental rural (CAR), tem-se 75% realizados em nome do homem e 25% em nome da mulher, ambos na condição de proprietários ou posseiros (SICAR, 2018).

Mesmo com a portaria nº 981, de 02 de outubro de 2003, que institui a obrigatoriedade da titulação conjunta da terra para áreas constituídas por um casal, além da previsão também na Constituição de 1988, observa-se ao analisar estes recibos do CAR, que os imóveis cadastrados apresentam ora o homem ou a mulher como titular e nunca ambos (no caso de casal) nem sequer na lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 ou no Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012,que estabelecem

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orientações e regem o processo do cadastro ambiental rural orientam para a necessidade de cadastrar tanto o homem quanto a mulher no caso de titulação conjunta. Também não mencionam a necessidade da observação da portaria citada acima, o que leva à afirmativa da precariedade quanto à observação da portaria no que diz respeito ao direito da mulher aparecer também como titular da propriedade ou posse rural.

Ao revelar esta pequena participação da mulher como titular da propriedade familiar, fica evidente para o contexto de Japonvar, o que culturalmente se vê no contexto rural brasileiro e até mundial com a mulher sendo excluída desta condição, simplesmente, por ser mulher, ainda sobre isso Deere e Leon (2002) dizem que, desde a instituição da propriedade privada, a mulher por ser mulher, foi excluída do acesso e do direito à posse. Segundo tais autoras as principais possibilidades de acesso à terra, como herança, mercado e política de distribuição das terras, expressam a desigualdade de gênero no contexto latino-americano.

Quanto à representatividade da mulher na titularidade da Declaração de Aptidão ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), a partir de um

levantamento das DAP’s ativas5 em 15 de novembro de 2017, emitidas após 2013, totalizaram-se 1149, dessas 31,94% (367) tem a mulher como primeira titular e 68,05% (782) o homem.

A baixa representatividade da mulher quanto à titularidade de propriedades ou posses familiares, também é observada para com a baixa titularidade de DAP e no acesso ao PRONAF. A análise da representatividade da mulher quanto a este quesito foi realizada a partir de um levantamento de DAPs6 emitidas no município de Japonvar até a data de 15 de novembro de 2017, por meio de pesquisa dos extratos de DAP pessoa física por município no site do MDA. Obteve-se com esse procedimento todas as DAPs, ativas7,expiradas, canceladas; considerando-se para análise apenas as ativas, ou seja, emitidas após 2013, sendo estas um total de 1149 (MDA/SEAD, 2017). Verificou-se que do total de DAPs ativas, 367 equivalendo a 31,94% possuem a mulher como primeira titular e 782 correspondentes a 68,05% tem o homem como titular.

Quando se observa os dados do IBGE (2010), considerando a faixa etária de 15 a 69 anos, faixa em que se encontram agricultores e agricultoras em pleno exercício de suas funções, observa-se um número aproximado entre mulheres e homens, que são de 2723 e 2924 respectivamente. Isso deixa evidente a falta de equidade de gênero no que diz respeito à titularidade de propriedades e

5 DAP ativa - a que possibilita o acesso dos agricultores/as familiares às políticas públicas dirigidas a essa categoria de produtores/as rurais e combine ainda dois atributos: última versão e válida; para serem válidas devem ter sido emitidas após 2013, considerando o prazo de validade de 5 anos, prazo que a partir de 2017 passa para 2 anos entrar em vigência a portaria nº 234, de 04 de abril de 2017.

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posses rurais exploradas conjuntamente por agricultores e por agricultoras. Assim como para o caso do Brasil, para o contexto de Japonvar esses dados nos levam a pensar que quanto ao acesso à terra como titulares, deveria haver uma proporcionalidade, caso houvesse uma distribuição de terras com igualdade de gênero. Já que o IBGE (2010) nos mostra o número de agricultores aproximado do número de agricultoras trabalhadores conjuntamente da terra.

Como visto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os trabalhadores rurais passaram a integrar plenamente a Previdência Social, no entanto faltava apenas a edição de legislação ordinária para dar plena efetividade aos comandos constitucionais em alusão, o que só veio a ocorrer com a publicação das Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.213/91 e demais legislações reguladoras dessa matéria. A Lei n.º 8.213/91, inspirada no artigo 7º da Constituição Federal, concedeu aos empregados rurais os mesmos benefícios até então conferidos aos trabalhadores urbanos. Portanto, à luz do inciso I do artigo 18 da Lei previdenciária em epígrafe, os referidos trabalhadores rurais fazem jus aos seguintes benefícios, atendidas as condições impostas pela mesma lei: Auxílio-doença; Auxílio-acidente; Aposentadoria por invalidez; Aposentadoria por tempo de contribuição; Aposentadoria por idade; Salário-família; Salário-maternidade; Pensão por morte e Auxílio-reclusão.

Em Japonvar há uma pequena percentagem de mulheres que aparecem como a primeira titular de DAP, mesmo após a legitimação dos seus direitos, inclusive o salário maternidade, benefício mais comumente usufruído pelas mulheres do meio rural, além da aposentadoria especial, como produtora rural, isso porque tais benefícios podem ser solicitados pelo mulher mesmo quando esta não se encontra em primeira titularidade.

Historicamente, o direito de propriedade sempre foi negado à mulher, por ser o homem sempre visto como o titular, o representante legal da família, portanto, não ter a mulher, a titularidade da propriedade ou da posse rural não seria um problema ou uma injustiça.

Quando nos referimos ao acesso aos meios de produção, a terra, para as mulheres este é menor em comparação aos homens, mesmo sob uma lei de igualdade de gênero, que é o caso brasileiro. Assim como é menor também o acesso destas aos recursos governamentais. Mesmo após a criação do Pronaf em 1996, pelo Decreto nº 1.946, de 28 de Junho de 1996, com uma linha de crédito específica para a mulher, no Pronaf-Mulher observa-se uma pequena participação da mulher usufruindo deste incentivo, conforme Paulilo (2004, p. 237) entre 1996 e 2002, apenas 7% das pessoas beneficiárias do Programa Nacional de Agricultura Familiar eram mulheres .

Tais índices nos revelam falta de equidade perante o gênero, considerando-se que a posse de terras assim como o acesso aos incentivos governamentais como no caso do Pronaf, representa independência das mulheres de maneira a evitar sua pauperização ou aprisionamento em categorias de trabalho na esfera do privado ou reprodutivas.

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BREVES CONIDERAÇÕES

Podemos observarquea sociedade engendrou a categoria de gêneroapontode determinar comportamentos que acabam sendo normatizadas e tratadas como inerentes a um grupo de indivíduos, assim legitimam relações de poder patriarcal e, consequentemente, a falta de equidade.

Podemos concluir que há uma falta do domínio da técnica,e isto deve-se muito ao fato da exclusão do processo de transferência do saber por parte do pai. E que a inaceitabilidade de estar na lavoura, da lida no campo, do comércio, faz com que essa mulher enfrente hostilidades caso venha a estar em ambientes senão os ditados a elas e quando decide fazê-los, torna-se uma anormalidade perante a sociedade. E sobretudo, que a falta de equidade de gênero quanto ao acesso à terra e à titularidade desta, limita a mulher ao acesso a incentivos governamentais como o Pronaf.

Portanto, em uma sociedade contemporânea em que as mulheres ocupam postos pré-determinados a partir da divisão sexual do trabalho, mesmo com empecilhos frutos de um patriarcado vigente, urge a necessidade de considerar as nuances, o pensar não-binário das expressões de diversidade e proporcionar a garantia de liberdade de forma a ressignificar a categoria de gênero e suas relações de poder.

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