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Ativismo judicial no processo de recuperação judicial: uma nova concordata?

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Academic year: 2020

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA NOVA CONCORDATA?

SÃO PAULO 2017

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ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA NOVA CONCORDATA?

Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito para obtenção do título de mestre em Direito.

Linha de Pesquisa: Direito dos Negócios

Orientador: Luciano de Souza Godoy

SÃO PAULO 2017

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Gomes, Bruno Yohan Souza.

Ativismo judicial no processo de recuperação judicial: uma nova concordata? / Bruno Yohan Souza Gomes. - 2017.

130 f.

Orientador: Luciano de Souza Godoy

Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

1. Concordata - Brasil. 2. Sociedades comerciais - Recuperação - Brasil. 3. Brasil. [Lei de falências (2005)]. I. Godoy, Luciano de Souza. II.

Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.

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ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA NOVA CONCORDATA?

Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito para obtenção do título de mestre em Direito.

Linha de Pesquisa: Direito dos Negócios Orientador: Luciano de Souza Godoy Data de Entrega: 02.03.2017

Banca Examinadora:

_______________________________ Orientador: Prof. Dr. Luciano de Souza Godoy – FGV Direito

________________________________ Prof. Dra. Daniela Gabbay – FGV Direito _________________________________ Prof. Dr. Marcelo Barbosa Sacramone __________________________________ Prof. Dra. Tatiana Flores Gaspar Serafim

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Dedico este trabalho à minha amada esposa Daniela, que sempre me incentivou em todos meus projetos de vida com muito amor, carinho e apoio.

À minha mãe, Ediene, por ter me ensinado a importância do caráter idôneo, da humildade, perseverança, da fé e da bondade na construção de uma vida virtuosa.

A todos os meus familiares e meus grandes amigos, fundamentais contribuintes na pessoa que sou.

Ao meu sócio e amigo Marcelo Sartori, um grande incentivador desta saga chamada Mestrado e um companheiro diário nas reflexões sobre o direito e a vida.

Aos meus amigos do escritório Sartori Advogados, a quem devo muita gratidão pelos inúmeros e maravilhosos debates e por me proporcionarem dias de trabalho alegres e felizes.

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A realização do Mestrado foi uma oportunidade única de estudo e reflexão sobre diversos temas atuais e relevantes do cenário jurídico brasileiro e internacional. A Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas é pioneira em tratar de temas jurídicos com enfoque prático e multidisciplinar, provocando reflexões complexas e inteligentes em seus alunos, o que contribui sobremaneira para torná-los mais preparados, flexíveis e modernos. Registro aqui, portanto, meu primeiro agradecimento.

Agradeço também ao Professor Mário Engler Pinto Jr., coordenador do Mestrado e grande entusiasta da visão e abordagem diferenciadas que o Mestrado da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas sempre almejou. Tive o privilégio de ser aluno do Professor Mário Engler e não tenho palavras para expressar quão rica e valorosa foi esta experiência.

Ainda, agradeço imensamente ao meu orientador, o Professor Luciano de Souza Godoy. Ele foi ator essencial na escolha do presente tema, após um bimestre inteiro em que tive o prazer de ser aluno e de receber seus ensinamentos de maneira sempre muito clara, didática e com vasto conhecimento.

Por fim, meus sinceros agradecimentos a todos os colegas de turma e também a todos os professores que tive a alegria e honra de conhecer e conviver.

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Com o advento da Lei nº 11.101/2005, criou-se o instituto da recuperação judicial das empresas, substituindo assim o instituto que até então vigorava, a concordata. Diferenças importantes marcam os institutos, sendo a mais relevante delas o poder dos credores de decidir as principais questões relacionadas à empresa em recuperação, dentre as quais, a própria recuperação da empresa. Claramente o eixo decisório migrou do Poder Judiciário (concordata) para os credores (recuperação judicial), restando ao primeiro a permissão legal para intervir no processo apenas na situação especifica do cram down. No entanto, a prática mostra que muitos juízes têm intervindo nos processos de recuperação judicial, com amparo nos mais diversos argumentos, o que tem afetado a essência do instituto da recuperação, que está, fundamentalmente, no poder dos credores na recuperação da empresa em crise. É exatamente este o ponto que será analisado no decorrer do presente trabalho.

Palavras-chave: concordata; recuperação judicial de empresas; cram down; intervenção

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With the advent of Law No. 11.101/2005, the institute of judicial recovery of companies was created, replacing the institute in force until then, the law of bankruptcy. Important differences mark the institutes, the most relevant is the power of creditors to decide about the major issues of the company in recovery, among which, the own company recovery. Clearly the decision power migrated from Judiciary (law of bankruptcy) to creditors (judicial recovery), being allowed to the first to intervene only in the specific situation of the cram down. However, in practice many judges have intervened in the judicial recovery process, with support in different arguments, which has affected the essence of recovery institute that is exactly the power of creditors in the company in crisis. This is the main point that will be discussed in the course of this work.

Keywords: law of bankruptcy; judicial recovery companies; cram down; judicial

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1. REFLEXÕES INICIAIS...10

2. CONCORDATA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL...22

2.1 Perspectiva histórica e análise comparativa...22

2.2 Síntese do trâmite da recuperação judicial...31

2.3 O poder dos credores como essência do instituto ...39

3. LIMITES ENTRE A ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA E FINANCEIRA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E O CONTROLE DA LEGALIDADE...43

3.1 O cram down, intervenção judicial e o no abuso no direito de voto...43

3.2. Requisitos necessários ao deferimento do pedido de recuperação judicial e a intervenção judicial por meio da determinação de perícia prévia...54

4. ENCAMINHAMENTO...60

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...64

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1. REFLEXÕES INICIAIS

O mundo atual que vivemos é dotado de complexidade talvez jamais relatada em outros períodos históricos.

Segundo dados atualizados produzidos por estudos da Organização das Nações Unidas, a população mundial hoje está em torno de 7,2 bilhões de pessoas e a perspectiva para a população mundial em 2050 é de aproximadamente 10 bilhões de pessoas1. Não obstante a perspectiva de crescimento no número de habitantes em nosso planeta, o mesmo estudo indica que em geral haverá elevação na expectativa de vida tanto dos países desenvolvidos, como nos em desenvolvimento.

Se a questão demográfica mundial expressa em parte a complexidade do mundo atual, não pode ela estar dissociada das particularidades culturais e políticas existentes nas sociedades e pessoas que compõem este mundo. Convivem no mesmo planeta hoje mais de 200 (duzentos) países, em grande parte com histórias, culturas e sistemas legais e políticos muito diferentes. Soma-se a isso diferenças étnicas, guerras civis, guerras entre países, riqueza e pobreza.

Sob o espectro econômico, é possível afirmar com um grau razoável de assertividade que coabitam no cenário acima relatado interesses diversos, em grande parte conflitantes, de atores com pesos econômicos diferentes e com economias mais ou menos sofisticadas. Nas relações entre nações, existe uma variação importante no grau de abertura das economias, de barreiras comerciais, tecnológicas e legais. Ainda é importante destacar que a financeirização2 da economia atual traz elementos que produzem ainda mais complexidade, vez que ao mesmo tempo tem o poder benéfico de integrar os atores econômicos mundiais, mas em contrapartida propicia expectativas e bolhas financeiras sem lastro na economia real, motores para sucessivas crises.

Outros dois importantes fatores são decisivos no modo como a economia global se desenvolve nos dias atuais, a globalização e a tecnologia. A interação econômica entre os países com amparo em intensa troca comercial e alicerçada em companhias

1Informações extraídas de matéria veiculada no site das Organizações das Nações Unidas

http://www.unric.org/pt/actualidade/31160-relatorio-das-nacoes-unidas-estimaque-a-populacao-mundial-alcance-os-96-mil-milhoes-em-2050- Acesso em 27.08.2016.

2 Conceito simplificado em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/financeiriza%C3%A7%C3%A3o.

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transnacionais (algumas economicamente maiores do que muitos países) vem ocorrendo desde meados do século passado, se firmando como tendência e modelo econômico preponderante a partir do final da guerra fria. Com o recente e rápido avanço da tecnologia, barreiras diversas antes aparentemente intransponíveis foram superadas e temos presenciado uma velocidade jamais vista na troca de informações entre pessoas, países e empresas, o que influencia também de maneira decisiva não só a forma como a economia mundial se desenvolve, mas, principalmente, a velocidade como ela acontece no mundo prático.

Embora tenhamos órgãos em nível mundial que visam coibir excessos, corrigir rotas que conflitem com a prosperidade da sociedade humana em geral e que em tese têm como objetivo eliminar desigualdades mundiais e regionais, regulando o mercado mundial como um todo (Organização Mundial de Comércio, por exemplo), fato é que na prática, dadas as características expostas aqui de maneira sucinta, muito pouco tem se conseguido. Daí é que em verdade o que temos é um mundo com extrema pobreza de um lado e extrema riqueza de outro, e países em sua maioria desiguais entre si e que, mesmo dentro de suas fronteiras e economias, demandam ainda o básico, como se na prática vivessem no mundo de 100 (cem) ou mais anos atrás.

O mundo atual, portanto, destaca-se por uma tecnologia que avança em ritmo de progressão geométrica, trazendo uma série de benefícios científicos, médicos e em todos os demais campos. Da mesma forma, temos hoje uma economia desenvolvida que permitiu e permite avanços espetaculares em termos de eficiência, produção, circulação e troca entre os países. Porém, como ressaltado, tais benefícios ainda estão distantes de serem objeto de usufruto de todos os seres humanos. Essa dualidade entre uma esplendorosa evolução em diversos campos de um lado, e de outro uma limitação de acesso a tais benefícios, somada a toda complexidade demográfica, cultural, histórica, étnica, social e econômica, faz com que tenhamos ao nosso redor um mundo de muita insegurança, violência, guerras diversas, fome, doenças e sucessivas crises econômicas.

O Brasil não está alheio a realidade mundial discorrida. Ao contrário, além de ser ator no relatado mundo complexo de difícil solução, sofrendo, portanto, reflexos diários e diretos, possui ainda, no ambiente interno, uma série de desafios a serem superados na busca por uma sociedade mais justa e desenvolvida. A sociedade brasileira tem hoje questões

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a serem enfrentadas em praticamente todos os campos. Nada mais natural para um país que, embora tenha o 9º (nono) Produto Interno Bruto do mundo (já foi o 6º)3, está apenas na 75ª (septuagésima quinta) posição quando o Índice de Desenvolvimento Humano é o parâmetro analisado4, figurando sempre como um dos países mais desiguais do mundo em pesquisas recorrentemente publicadas.

Não obstante os problemas externos que influenciam a economia brasileira, outros pontos relacionados à estrutura interna econômico-social também são decisivos para dificultar a melhoria na competitividade internacional do país e também servem de imensos obstáculos para as pessoas e empresas serem competitivas e sobreviverem. O crédito é um dos mais caros do planeta - por diversos motivos que não cabem aqui explorar (existem muitas teorias sobre o assunto); a infraestrutura é limitada e dependente do sistema rodoviário, o que encarece não só a produção, como a circulação; a carga tributária é elevada quando se comparada ao retorno recebido pela sociedade; a carga tributária onera a produção e circulação majoritariamente, quando o mais saudável seria onerar em maior grau a renda; o sistema tributário brasileiro é complexo, o que dificulta o entendimento quanto a eventuais riscos e passivos e, por fim, temos uma legislação trabalhista desatualizada e que em muitos momentos também serve como um entrave não só economicamente para as empresas, como também para os próprios trabalhadores.

É nesse contexto que vivem empresários e empresas em nossa sociedade. O ambiente exposto é o cotidiano dos principais atores que alicerçam o crescimento do produto interno bruto do país, atores estes que geram arrecadação e emprego5.

3Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e publicados no site

http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-em-dolar-cai-25-e-brasil-cai-para-a-posicao-de-9a-economia-do-mundo. Acesso em 27.08.2016.

4 Dados obtidos no site da Organização das Nações Unidas

http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2014.aspx. Acesso em 27.08.2016.

5 Segundo SALLES DE TOLEDO e ABRÃO “Malgrado vivamos numa sociedade eminentemente capitalista, neoliberal

e de forte economia globalizada por meio de blocos integrados, a empresa se constitui hoje patrimônio de todos, com conotação social. Deste organismo multidisciplinar que traduz a empresa depende essencialmente o trabalhador; as regras de consumo se estabelecem, os impostos são recolhidos, a demanda e a oferta se regulam, o controle inflacionário é supervisionado e a sociedade marcha na direção do crescimento e do desenvolvimento. Aliás, diga-se de passagem, a doutrina social da Igreja Católica, amiúde, ensinou que os salários dos trabalhadores sempre dependem da competência do empregado, de suas necessidades pessoais e, sobretudo, da capacidade de pagamento do empregador, para concretude de vida digna, como revelam as encíclicas papais. Quer dizer: quanto mais forte a empresa, com melhores salários serão recompensadas as atividades profissionais dos empregados. Não é só isso. Todos os trabalhadores dependem da capacidade de emprego deste organismo social. Por tal razão é fácil entender que o desenvolvimento social de um país está intimamente ligado à capacidade de pagamento de suas empresas. E quando há mercado de trabalho abundante, fato raro nos dias que ocorrem, não há desemprego e as crises sociais se tornam tênues e superadas. Se não persistir em qualquer nação do mundo o fantasma do desemprego, rondando a cada dia com maior intensidade as sociedades, então será fácil concluir que o povo cresce harmonicamente, na questão econômica e fundamentalmente social”. SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO,

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Os pontos destacados, enfrentados como dito diariamente por empresas brasileiras, criam um ambiente hostil aos negócios, dada a sua gestão complexa, riscos inerentes a atividade econômica, bem como custos elevados. Como consequência, temos um mercado com elevada informalidade, em que a sonegação se faz presente como regra e cujo índice de mortalidade das empresas nos 04 (quatro) primeiros anos de vida é de mais de 50% (cinquenta por cento).6

Os desafios são, portanto, muitos para que a atividade econômica se desenvolva no Brasil, e os legisladores foram sensíveis a todo esse complexo ambiente empresarial quando iniciaram os debates para uma completa reformulação da legislação que anteriormente vigorava, a chamada Lei de Falências e Concordatas (Decreto-Lei nº 7661/45), e cujo objetivo, ao menos inicial, era permitir a sobrevivência e a recuperação das empresas.

Todo legislativo considerou em seus trabalhos para a modernização normativa (que a então Lei de Falências e Concordatas seria submetida) o novo ambiente institucional que o Brasil vivia, com a nova sociedade brasileira saída do período pós-ditadura, muito bem representada pela promulgação da Constituição Federal de 1988 (a chamada constituição cidadã) que pela primeira vez conectou o desenvolvimento da atividade econômica ao bem-estar geral da sociedade, enfatizando a importância e o papel da economia para evolução e prosperidade da nação como um todo.7

O trabalho de modernização da legislação em questão durou mais de dez anos e, embora sob a condução do legislativo federal, envolveu diretamente todos os órgãos vivos da sociedade, sendo que este é um importantíssimo ponto a ser destacado. Esta atualização legal não decorreu de oportunismos ou visões consequencialistas dos fatos

Carlos Henrique. Comentários à Lei de e Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 39-41.

6Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e publicados no site

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1677729-metade-das-empresas-fecha-as-portas-no-brasil-apos-quatro-anos-diz-ibge.shtml.

7No mesmo sentido, SALLES DE TOLEDO e ABRÃO: “Não restam quaisquer dúvidas de que a boa distribuição de

renda, por intermédio de salários dignos, vai encetar uma verdadeira conquista social e incrementar um ambiente sadio e pacífico no setor vital da sociedade. Perpassa o pensamento, que o bom funcionamento das empresas que vem ao encontro do interesse do País. As administrações públicas dependem, essencialmente, da geração de imposto e do funcionamento da máquina arrecadadora. A empresa é a propulsora e a fonte geradora da produção de bens, que serve para alimentar o consumo interno e as exportações, tão imprescindíveis com a globalização de nossa economia. Enfatizaria, também, deixando bastante claro que esta nova ideologia de recuperação de empresa em crise, tão festejada pela sociedade brasileira, incorpora uma proposta que não se deve aos méritos do Relator do Projeto n. 4.376/93, mas à sociedade brasileira organizada e ciente das suas necessidades. SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de e Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 39-41.

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sociais. Ao contrário. Foi uma resposta da sociedade brasileira às suas próprias necessidades, criadas por conta de um novo mundo complexo em que a economia capitalista era o pilar8.

Eis então que após anos de debate e discussão houve enfim a recepção por nosso ordenamento jurídico da Lei nº 11.101/2005, denominada de Recuperação Judicial e Falências, revogando inteiramente a chamada Lei de Falências e Concordatas.

Em capítulo próprio explorarei as diferenças entre ambas as legislações, mais especificamente no tocante ao instituto da concordata e da recuperação judicial. Entretanto, como maneira de propiciar um melhor entendimento ao leitor, é importante neste momento tecer alguns comentários sobre ambos os institutos, pois o antagonismo existente entre eles tem total relação com o objetivo central do presente ensaio, que é explorar uma tendência atual, na opinião do autor, de intervenção judicial na condução do processo de recuperação judicial, em detrimento, também na opinião do autor, da própria essência do instituto.

De maneira muito sucinta, o instituto da concordata tinha em sua estrutura quatro aspectos que o diferenciavam completamente da recuperação judicial, quais sejam: a) a condução do processo por meio do Judiciário (tanto a condução do processo em si, como a análise de mérito da sobrevivência ou morte da empresa); b) a limitação legislativa para qualquer flexibilização das regras existentes para recuperação da empresa que pedia a concordata; c) credores como meros expectadores; d) empresa em concordata como ente amorfo, dissociado dos problemas que o levaram à crise e das soluções que possibilitariam sua recuperação.

8Segundo SALLES DE TOLLEDO E ABRÃO: “Nestes quase 10 anos de relatoria, viajamos todo o Brasil, ouvindo as

mais diversas classes sociais: sindicatos, trabalhadores, empregadores, industriais, prestadores de serviços, microempresários, agricultores, advogados, magistrados, promotores. O Congresso Nacional também participou de modo efetivo, dando uma contribuição por meio de sugestões e emendas ao Projeto de Lei. Cabe mencionar também que esse final feliz na dicção da redação alcançada, ainda que não exatamente aquela sonhada, contou com a inestimável contribuição de vários profissionais dessa área, os quais foram os verdadeiros parceiros e artífices dessa obra. Muito me recordo e com satisfação da primeira visita em audiência pública naquele memorável dia de reunião com a presença do Professor Nelson Abrão, cujo encaminhamento da matéria, em termos do novo direito concursal e a crise da empresa, sem a menor dúvida, projetou o marco divisório entre o passado e o presente, programando um futuro promissor, embora tivéssemos que marchar anos a fio até a consolidação final da almejada legislação. Enfim, em cada pensamento e obra reluziu forte e presente para se adaptar aos contornos da modernidade, suprimir as falhas estruturais e agilizar o procedimento, principalmente quando a liquidação é inevitável e a quebra menos custosa do que a própria recuperação da empresa”. SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários

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Muito frequentemente os doutrinadores e operadores do direito faziam severas críticas ao instituto da concordata, por em sua essência outorgar competência ao Judiciário para a análise de mérito da sobrevivência ou morte da empresa, o que limitava o acesso tanto da empresa em concordata, como dos credores, a uma análise de viabilidade de recuperação conjunta visando a recuperação da empresa e retorno a todos os envolvidos. O resultado foi que paulatinamente o instituto caiu em descrédito.

A recuperação judicial, por outro lado, nasceu do entendimento mais amplo, multidisciplinar e detalhado da figura da empresa. O primeiro ponto quando se avalia uma empresa e sua possível entrada em recuperação judicial, ou chance de eficácia do instituto em caso de pedido, é o entendimento acerca do chamado “ciclo de vida de uma empresa” e suas implicações9.

O segundo e importante ponto tem relação direta com toda amplitude e flexibilidade das formas e meios de recuperação previstos pela lei10. É a necessidade de uma avaliação prévia, detalhada, complexa e multidisciplinar, que permitirá avaliar a melhor e mais eficiente solução para a crise enfrentada pela empresa, a chamada gestão de

turnaround11.

A gestão de turnaround, ou análise prévia da empresa, precede qualquer movimento na direção do pedido de recuperação judicial, e é importante porque a empresa em crise depende de uma análise multifatorial para visualizar as causas dos problemas que geraram perda de mercado e endividamento, levando à insolvência.

9Segundo FORTI, Fábio: “O ciclo de vida de um negócio passa pela sua constituição, crescimento, consolidação,

declínio e encerramento. Porém, isto não significa que toda empresa está fadada ao fracasso, mas sim que os modelos de negócios são cíclicos e que se a empresa não estiver em constante revisão do seu plano estratégico, levando em consideração as nuances dos fatores externos e internos, entrará numa curva decrescente que poderá levá-la à falência. Observa-se claramente que quando há uma consolidação de mercado, decorrente do crescimento e da maturidade do negócio, para que ele se mantenha há a necessidade de uma constante revisão do seu plano estratégico e de reinvestimento da lucratividade no negócio, sob pena de gerar a perda de mercado e o consequente declínio da operação. O empresário que estiver atento ao seu negócio e que utilizar as ferramentas adequadas de análise e controle, por meio da aplicação de medidas pontuais, conseguirá corrigir a rota e voltar a crescer, além de reposicionar a empresa no mercado. Se nenhuma medida corretiva for tomada ou aplicada, em desconformidade com os indicativos multifatoriais, a empresa passa a contrair dívidas, podendo chegar à iliquidez e à insolvência. Podemos enumerar diversas causas para o declínio de uma empresa, tais como: má gestão, falta de controle financeiro ou controle inadequado, crescimento acelerado, grandes projetos, aquisições, falta de exposição ou esforço de marketing inadequado, falha nas políticas financeiras e organizacionais, comercialização com margens equivocadas, aumento exagerado de comercialização, gestão ineficiente de capital de giro, além das causas, como concorrência, oscilações representativas nos preços das matérias-primas, dentre outras. Quando a empresa não mais consegue, mediante seus próprios esforços, reposicionar-se no mercado, há necessidade de buscar auxílio externo”. FORTI, Fábio. Artigo: A interdisciplinaridade da Recuperação Judicial e a importância do timming do seu pedido e em Juízo. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 41-42.

10 Este ponto será melhor explorado no Capítulo 2.

11O turnaround em linhas gerais se caracteriza pelo conjunto de procedimentos tendentes a identificar as falhas da

empresa e reorganizá-la por completo, de modo a superar a crise pela qual esteja passando e propiciar sua recuperação.

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O leitor deve ser questionar: qual seria o exato motivo para que os dois pontos anteriormente destacados tenham tamanha relevância? A resposta vem com o terceiro e principal ponto, ou melhor, a principal característica do instituto de recuperação judicial: o poder exclusivo dos credores na decisão da viabilidade ou não da empresa em recuperação judicial.

Este ponto está entrelaçado com boa parte da legislação em questão. Se de um lado a lei permite inúmeras formas e possibilidades para recuperação de uma empresa (como será abordado em capítulo próprio), de outro, esta mesma empresa necessita realizar um trabalho prévio que permita não só conhecer os reais motivos da sua crise, como também construir um plano de recuperação viável e que convença os credores da possibilidade de seu cumprimento12.

E essa dinâmica representa benefício para todos os envolvidos, pois induz a empresa a fazer todo um trabalho detalhado, prévio e multidisciplinar visando o posterior pedido de recuperação, trabalho este que será traduzido em vasta documentação formal e obrigatória a ser juntada aos autos quando do pedido, bem como amparará a elaboração do plano de recuperação judicial, o que por consequência dará aos credores, imbuídos do poder que lhe foi conferido por lei, aprovar ou não o plano de sobrevivência da empresa13.

12No entender de FORTI, Fábio: “A maneira correta de superar essa crise é entender as suas causas, mediante o

diagnóstico, e propor um plano de viabilidade condizente com a sua realidade. Na recuperação judicial, esse plano deve ser apresentado em, no máximo, 60 dias após a publicação do despacho de deferimento do pedido de recuperação judicial, de acordo com o art. 53 da Lei n. 11.101/2005. Isso significa que, se não houver um planejamento prévio, uma análise detalhada multifatorial e interdisciplinar, um entendimento do endividamento da empresa, dos seus credores, dos créditos sujeitos e não sujeitos ao processo de recuperação, bem como do patrimônio desta, dificilmente a empresa conseguirá amparo suficiente na lei. O correto mapeamento da condição real da empresa e do empresário é fundamental”. FORTI, Fábio. Artigo: A interdisciplinaridade da Recuperação Judicial e a importância do timming do seu pedido e em Juízo. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 44-45.

13Segundo FORTI, Fábio: “A nova lei trouxe diversas benesses tanto à empresa recuperanda quanto aos credores,

principalmente no tocante à identificação da real viabilidade do projeto de reestruturação e das formas de aplicabilidade do plano de recuperação. Dentre os benefícios advindos dessa lei destacam-se os seguintes: uma maior transparência no processo de recuperação judicial, uma vez que todos os credores têm acesso ao processo, que deve conter uma relação exaustiva de documentos descrita no art. 51 da lei; maior flexibilidade quantos aos meios de recuperação a serem utilizados e apresentados no plano de recuperação judicial, já que a própria recuperanda, mediante seus critérios de avaliação e de diagnóstico, é quem propõe seus meios de recuperação; direito de voz e veto dos credores, devido ao direito de uma participação efetiva no processo habilitando e/ou divergindo dos créditos apresentados pela recuperanda, impugnando a lista do administrador judicial e objetando o plano de recuperação judicial apresentado pela empresa. Além dos benefícios acima, importante citar a democratização do processo de recuperação judicial por meio da assembleia geral de credores, os quais decidem se a empresa “vive” ou “morre”, exercendo o seu poder de voto para aprovar, modificar ou rejeitar o plano apresentado pela recuperanda; e efetiva participação dos credores mediante a formação do comitê de credores, exercendo função de fiscalização sobre os atos praticados pela recuperanda no exercício de sua atividade e no cumprimento do plano. Esse comitê, entretanto, raramente é utilizado devido à responsabilidade pessoal imputada aos seus membros”. FORTI, Fábio. Artigo: A interdisciplinaridade da Recuperação Judicial e a importância do timming do seu pedido e em Juízo. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 41-42.

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Evidente, portanto, que o processo de recuperação judicial é incomparavelmente mais complexo do que o da concordata e que, como essência básica, dá aos credores o poder decisório sobre o futuro da empresa em recuperação. Ao Judiciário, como veremos no decorrer do presente trabalho, a lei reservou um papel protocolar, de fiscalização a eventuais abusos e possibilidade de intervenção em apenas uma hipótese, o chamado cram down.

Ocorre que, já há alguns anos, o Judiciário tem ultrapassado a fronteira que a lei lhe conferiu.

Aliás, já não é de hoje, qualquer soluço na economia do país redunda em reinterpretações da lei pelo Poder Judiciário. Isto faz parte do jogo democrático no Estado de Direito. O juiz não é máquina, nem se deve transformá-lo em uma. Mas, por outro lado, o juiz não está autorizado a ultrapassar ao seu bel prazer as disposições legais claras trazidas pelo legislador. É por isso que em casos concretos há, frequentemente, uma tensão entre o dever de aplicar a letra e a ambição de fazer valer uma intuição de justiça substantiva14.

Esta discussão nos conduz ao panorama de fundo do que está aqui sendo debatido. Já há algum tempo a ideia da função social passou a ser um lugar comum do jurista, do advogado e do magistrado para sustentar em juízo a reformulação de políticas e regras gestadas no Legislativo. Em parte, isto se explica pelo teor da nossa própria Constituição Federal, que não apenas positivou a função social, mas também dotou o Poder Judiciário de maior autonomia e poder, e ainda inscreveu um amplo rol de direitos e de aspirações. Em parte, isso se explica pelo desprestígio do legislador, cuja imagem é dia a dia arranhada por escândalos variados e bastante embaraçosos, para dizer o mínimo. E em parte isto se explica pela ideologia jurídica do nosso tempo, em que o constitucionalismo e a revisão judicial foram alçados à condição de pilares da democracia15.

14 SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de

Capitais 59 (2013), p. 14 Disponível em < http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 24.10.2016.

15SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de

Capitais 59 (2013), p. 15 Disponível em < http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 24.10.2016.

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Não se pretende aqui excluir o Judiciário do seu importante papel institucional de alicerce do estado democrático de direito e avalizador das boas práticas públicas. O problema é que a intervenção do Judiciário no caso específico da recuperação judicial tem acontecido em situações em que o poder dos credores é absoluto segundo a lei, e onde a decisão de mérito sobre a recuperação ou não da empresa cabe exclusivamente a eles16.

Sob o pretexto, por exemplo, de que muitas empresas supostamente utilizam o instrumento da recuperação como um “suspiro antes da morte”, o que oneraria o Judiciário e a sociedade, sendo, portanto, uma atitude perniciosa, muitos magistrados têm agido no sentido de previamente (antes do deferimento do pedido) avaliarem por meio de perícia a possibilidade ou não de recuperação da empresa. Em outra frente, magistrados têm relativizado o voto de determinados credores ao desaprovar planos cuja decisão dos credores foi no sentido contrário ao entendimento do Juízo.

As decisões judiciais que retiram dos credores o poder decisório, na opinião do autor, causam extrema insegurança jurídica, relativizam a importância do uso do instituto e dão superpoderes aos magistrados, o que tem causado apreensão aos profissionais atuantes nesse ramo do direito. Tal atuação não parece oportuna, ao contrário, fere também o princípio da tripartição dos poderes, pois atinge a soberania e competência do legislativo, construtor da lei, quando intervém em pontos essenciais que somente por meio de uma mudança legal via Congresso se poderia alterar17.

16SALAMA corrobora tal entendimento: “Fato é que, sob a retórica da função social, hoje cabe trazer a juízo questões

de política jurídica mesmo diante de regras bastante claras, de que é bom exemplo a exclusão do crédito cedido fiduciariamente a bancos. É bem verdade que este comportamento é desde logo questionável: no limite, a legitimidade democrática do Poder Judiciário ainda está mais presa à ideia de aplicar a lei do que de criá-la. Afinal, na tradição ocidental não há como falar-se de Estado de Direito quando se rejeita o princípio da legalidade. Mas por outro lado, não há como ignorar o fato de que o Poder Judiciário possui hoje razoável legitimidade política para rever, e em alguns casos alterar, a política pública. A teoria abriu espaço para tanto, e a prática política e jurídica consolidou este estado de coisas. Diante desse quadro complicado, o argumento que desejo apresentar é bastante moderno, e, espero, soará intuitivo. Entendo que mesmo que se aceite que o Poder Judiciário possa interferir criativa ou positivamente na política pública, esta interferência deve se dar em caráter excepcional. Reitero: tal há de ser a exceção, e não a regra; e a criação de exceções só pode ocorrer, no mínimo, com grande cautela. Se isto é verdade, então precisamos ponderar se há motivos bastantes para que o Judiciário reverta a insujeição dos créditos bancários em questão ao plano de reorganização. Isto é, se no caso em tela há fatores excepcionais a justificar a reversão da política pública vinda do Congresso pelo Judiciário. Isso não significa que devamos todos, simplesmente, ser ingênuos quanto aos problemas do processo político democrático. Se o legislador decidiu prever em uma regra (a meu ver bastante clara) que os créditos cedidos fiduciariamente não integrarão o plano de recuperação, então isso resultou não apenas de debates republicanos sobre o bem comum e a forma mais eficiente e justa de se mobilizar crédito na sociedade, mas também de interesses particulares. É lógico que os arranjos políticos no Legislativo e no Executivo também tiveram papel central, e talvez mesmo determinante. E é lógico que nem todas as partes no jogo da política têm o mesmo peso e a mesma força”. SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais 59 (2013), p. 14-21. Disponível em <

http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 24.10.2016.

17Em situação análoga, SALAMA entende que: “Mas será que a identificação do componente político e das relações

de poder justificam a intervenção do Judiciário para alterar a regra sobre a trava bancária gestada no parlamento? Não me parece o caso. Se por um lado, pode-se argumentar que os bancos possuem representatividade política

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O momento é oportuno para o debate em questão. O País está assolado por uma crise econômica e política sem precedentes. A atividade econômica tem queda vertiginosa pelo terceiro ano consecutivo. Demissões em massa estão ocorrendo. E inúmeras empresas têm falido ou então pleiteado a recuperação judicial. Segundo dados de diversas fontes, mês após mês, desde o ano de 2014, o Brasil tem sucessivos recordes de pedidos de recuperação judicial.

Evidente que o debate pode e deve acontecer. É sadio em uma sociedade democrática. A ideia, aqui, portanto, é exatamente provocar o debate. E um debate muito específico: Por qual motivo o Judiciário tem interferido em questões que claramente não recebeu poder de interferência do legislador18?

O que se pretende no presente trabalho também não é inviabilizar a falência, que em muitos casos é a melhor solução para a crise da empresa. Nem mesmo aceitar que todos devam assistir passivamente a falência da maioria das empresas após o trâmite da recuperação judicial quando o objetivo era exatamente a recuperação. O que se pretende sim é defender a ideia de soberania dos credores, muito clara e detalhada em toda a construção da lei em questão, como forma de melhorar o ambiente de negócios no Brasil19.

desproporcionalmente grande, por outro lado é preciso levar em conta que toda a política econômica do Executivo desenvolvida na última década teve por base a expansão do crédito. A Lei de Recuperação Judicial e Falências de 2005 não foi uma peça isolada. Complementou diversas outras voltadas a solidificar a certeza do crédito e a efetividade das garantias, tudo a fim de facilitar o crédito, engenho do desenvolvimento econômico. E isto não é tudo. A Lei de Recuperação Judicial e Falências foi longamente debatida no Congresso, em um processo razoavelmente transparente em que os sindicatos e representantes da classe empresarial atuaram de forma bastante ativa. O grande drama do empresariado brasileiro, já há muito tempo, é a alta tributação e escassez de crédito. O primeiro elemento continua não resolvido – na verdade, só tem piorado, o que é triste. Mas o segundo elemento, a escassez do crédito, teve no fortalecimento de garantias um ponto de relativa convergência entre empresariado e bancos. Não é incomum que os mesmos que pleiteiam a exclusão de garantias depois de se tornarem insolventes sejam os mesmos que pressionaram o governo a lançar mão de mecanismos de garantia seja um componente (embora certamente não o único) a contribuir para a escassez do crédito no Brasil”. SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais 59 (2013), p. 14-21. Disponível em <

http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 24.10.2016.

18No mesmo sentido: “É claro que os méritos políticos e econômicos das exceções à recuperação judicial contidas na

Lei estão abertos ao debate. Desejo apenas apontar que a alteração pelo Poder Judiciário do regime estabelecido no Parlamento só pode ocorrer em circunstâncias bastante excepcionais, o que não me parece ser o caso. O que temos aqui não é nenhuma grave violação de liberdade individual, nem mesmo da liberdade de livre iniciativa. Trata-se de uma escolha política feita por meio de uma lei que foi longamente debatida no Congresso. Como toda escolha política, esta também não agrada a todos; ou, pelo menos, não agrada a todos ao mesmo tempo”. (SALAMA, 2015, 14-21).

19Em complemento ao parágrafo em questão, segue importante reflexão de ULHOA COELHO: “Nem toda falência é

um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores.

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Se as estruturas do livre mercado estão, em termos gerais, funcionando de modo adequado, as empresas em crise tendem a recuperar-se por iniciativa de empreendedores ou investidores, que identificam nelas, apesar do estado crítico, uma alternativa de investimento atraente. Imagine-se que uma indústria líder de mercado e lucrativa esteja com dois problemas: a sua planta reclama urgente modernização tecnológica e há excesso de pessoal. Se significativos investimentos não forem feitos na construção de uma nova fábrica e não houver redução na folha de pagamentos, em poucos anos a sua posição econômica confortável pode reverter-se. Se o empreendedor não dispõe de capital e vontade para implementar essas mudanças, a sobrevivência da empresa, a médio ou longo prazo, depende de alguém vislumbrar nela uma oportunidade de ganhar dinheiro e, motivado por essa perspectiva, procurar o controlador da sociedade empresária para propor algum tipo de negócio: alienação do controle, trespasse, assunção de ativos, ingresso na sociedade, incorporação etc. Pois bem, se prevalecer a racionalidade nos dois lados, quer dizer, se ambos considerarem vantajosa a transação, a empresa recapitaliza-se e reorganiza-se, continuando a operar, e deve até mesmo crescer. Nesse exemplo, a recuperação da empresa foi fruto do normal funcionamento das forças do livre mercado. Isso se costuma chamar de “solução de mercado”.

Nesse contexto, pode-se afirmar que, em princípio, se não há solução de mercado para a crise de determinada empresa, é porque ela não comporta recuperação. Se nenhum empreendedor ou investidor viu nela uma alternativa atraente de investimento, e a recapitalização e a reorganização do negócio não estimulam nem mesmo os seus atuais donos, então o encerramento da atividade, com a realocação dos recursos nela existentes, é o que mais atende à economia. Quando não há solução de mercado, aparentemente não se justificaria a intervenção do Estado (Poder Judiciário) na tentativa de recuperação da empresa. O próprio instituto jurídico da recuperação parece, prima facie, um despropósito no sistema econômico capitalista. Se ninguém quer a empresa, a falência é a solução do mercado, e não há por que se buscar à forca a sua recuperação.

Não é bem assim, contudo. Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o Estado deve intervir, por intermédio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa (dos empregados, consumidores, Fisco, comunidade etc.). Exemplo característico de disfunção do sistema é o do valor idiossincrático da empresa. Para entendê-lo, deve-se recuperar a lição sobre o valor da ação, que deve-se aplica inteiramente à questão da valoração da empresa. Interessam, aqui, o valor de negociação e o econômico. A ação de uma companhia, ao ser alienada, tem o valor que vendedor e comprador contratam, isto é, aquele que o vendedor considera oportuno receber em troca da participação societária, e o comprador, por sua vez, tem por interessante pagar para adquiri-la. Nenhuma outra variável atua na equação. Se as partes não atribuem à ação o mesmo valor, simplesmente não há compra e venda. Esse é o valor de negociação. Por sua vez, o valor econômico é o calculado por especialistas a partir das perspectivas de rentabilidade da ação e fornece o parâmetro para as negociações racionais. O vendedor que alienar a ação por preço significativamente inferior ao valor econômico ou o comprador que a adquirir por preço significativamente superior estão fazendo um mau negócio.

O valor idiossincrático da empresa é o atribuído exclusivamente pelo seu dono (melhor: pelo controlador da sociedade empresária que a explora). É muito comum que o empreendedor valorize a sua empresa de modo bem particular, principalmente se foi o seu iniciador e lhe devotou muitos anos e energia. Trata-se de um valor subjetivo e individual, derivado da autoimagem do empreendedor, da qual a empresa serve de projeção psicológica. Por vezes, o controlador resiste à realização de negócios voltados à recapitalização e reorganização do negócio porque não sente devidamente considerado pelos adquirentes ou investidores o esforço pessoal dele impregnado na empresa. A característica essencial da valoração idiossincrática é a de que nenhum empreendedor, especulador, corretor, especialista em avaliação de ativos ou qualquer outro agente econômico acha que a empresa vale o quanto o dono quer.

O valor idiossincrático compromete a racionalidade das negociações. O mercado não soluciona a crise da empresa, não porque inexistem interessados em recapitalizá-la e reorganizá-la, mas porque o seu titular quer um preço que ninguém vê vantagem em pagar. Se, de um lado, o valor de negociação não precisa corresponder necessariamente ao econômico, e, por isso, pode ocorrer de se pagar pela empresa mais do que o recomendado pelos especialistas, de outro, quando o valor idiossincrático interfere fortemente na relação negocial, e o vendedor mostra-se insensível aos argumentos técnicos que fundamentam o valor econômico, é provável não ocorrer nenhuma negociação. Esse é um exemplo de disfunção do sistema econômico: o princípio basilar da livre iniciativa, em que se assenta o direito de propriedade do empreendedor capitalista, impede que o próprio mercado recupere a empresa em crise. Nesse caso, porém, interesses que transcendem os dos empreendedores, e, muitas vezes, expressam alcance social e econômico de relevo – como são os dos empregados, da comunidade, dos consumidores, do Fisco etc. -, podem ser prejudicados de forma injusta. Se o controlador quer receber algo que ninguém está disposto a pagar, não será realizado negócio nenhum, e a empresa em crise tenderá a desaparecer. Agride ao senso de justiça ver o fim de postos de trabalho, redução de abastecimento, falência de pequenas e médias empresas-satélites e outros efeitos negativos da crise de uma grande empresa, quando o mercado poderia tê-la solucionado, mas a idiossincrasia de um homem impediu.

O instituto da recuperação da empresa tem sentido, assim, no capitalismo para corrigir disfunções do sistema econômico, e não para substituir a iniciativa privada.

A recuperação judicial não pode significar, portanto, a substituição da iniciativa privada pelo juiz na busca de soluções para a crise da empresa. Se a sobrevivência de determinada organização empresarial em estado crítico não desperta o interesse de nenhum agente econômico privado (empreendedores ou investidores), então, em princípio as suas perspectivas de rentabilidade não são atraentes quando comparadas com as das demais alternativas de investimento. Ora, se assim é, ninguém vai perder dinheiro investindo naquele negócio. Contudo, pode ocorrer de a solução de mercado não se viabilizar por alguma disfunção do sistema econômico, como no exemplo do valor idiossincrático. Nesse caso, e com o objetivo de garantir o regular funcionamento das estruturas do livre mercado, pode e deve o juiz atuar. Note-se, a solução da crise não é dele, nem sequer deve ser aprovada por ele; o papel do Estado-juiz deve ser apenas o de afastar os obstáculos ao regular funcionamento do mercado.

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Aliás, importante destacar que o Código de Processo Civil recentemente recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, tem como um dos pilares exatamente propiciar uma maior autonomia privada das partes, fato que tem relação direta com o processo de recuperação judicial, que nada mais é do que um acordo coletivo, um contrato privado, firmado entre empresa em recuperação e credores, e que tem como guardião e zelador o estado, através do Poder Judiciário.

O correto uso da lei de recuperação judicial se dá através da soberania da assembleia geral de credores, pois são os credores os únicos capazes de objetivamente decidir pela viabilidade ou não de uma empresa em recuperação. Através do filtro dos credores nas inúmeras recuperações em andamento e nas que virão, é que haverá uma seleção natural das empresas que deverão ou não sobreviver. Tal movimento é saudável até para que haja uma preparação melhor das empresas e dos credores tanto na fase pré, como durante a recuperação.

Se é essa a premissa, conclui-se que o direito falimentar deve passar por profundas alterações, norteadas pela equação do law as market mimicker, desenvolvida pela análise econômica do direito. Em termos gerais, quando a empresa está em crise – econômica, financeira ou patrimonial -, o direito deveria simplesmente regular o procedimento extrajudicial, iniciado e desenvolvido pelo próprio devedor, de cessação de pagamentos. O objetivo seria criar condições para renegociações globais das dívidas. Ao fazer a declaração unilaterial de cessação de pagamentos, a devedora convocaria a assembleia de credores, na qual apresentaria seu plano de recuperação da empresa e uma proposta de renegociação do passivo. Até a realização da assembleia, para que cada credor pudesse aferir a viabilidade do plano e ponderar o interesse em aceitar ou não a proposta, seria indispensável ampla transparência sobre a realidade econômica, financeira e patrimonial da devedora. Note-se que os credores do empresário individual ou da sociedade empresária em crise podem interessar-se em abrir mão de parte do crédito, prorrogar o vencimento da obrigação ou renunciar a garantias e privilégios se ficarem convencidos das boas intenções dos empreendedores e administradores e da consistência do plano de recuperação. Para tanto, contudo, devem ter o direito de realizar auditoria (due diligence) na devedora, individual ou coletivamente.

Continuando como penso devesse ser a estrutura básica da legislação falimentar: se a proposta de renegociação apresentada em assembleia fosse aprovada pela maioria dos credores, a renegociação obrigaria também os credores que votaram vecidos. De certa forma, como passa a ser problema dos credores a sobrevivência da devedora em estado crítico, tem sentido considerá-los uma comunhão de interesses e, em decorrência, submeter todos à vontade da maioria. Embora nem sempre convirjam os interesses dos titulares de preferências e garantias e os dos quirografários, relativamente à recuperação da empresa – os primeiros, tendo em vista a preferência ou garantia titularizada, podem ter seus direitos satisfeitos na liquidação falimentar, enquanto os últimos, muitas vezes, só receberão algum pagamento se o devedor conseguir recuperar-se da crise, pode-se considerar membros de uma comunhão. Se, por outro lado, não fosse aprovada a proposta da devedora, configurar-se-ia o conflito de interesses entre o titular da empresa em crise e seus credores. Instaurar-se-ia, então, o processo judicial, iniciado com a publicação de edital, convidando instituições financeiras a formular oferta pública de aquisição dos créditos. A ideia básica seria criar condições para a operação de um mercado secundário das obrigações da empresa em crise. As instituições financeiras tenderiam a fazer as propostas levando em conta o risco de não realização do crédito, e os credores, por sua vez, ao cederem seus direitos creditícios, sofreriam o prejuízo correspondente ao deságio mas livrar-se-iam do risco da inadimplência e insolvência.

Prosseguindo: se a maioria dos credores vendesse seus créditos a uma ou mais das instituições financeiras licitantes, o juiz declararia que os demais credores teriam seus direitos satisfeitos com os descontos ou prorrogações propostas pelo devedor na assembleia. É realista, contudo, imaginar que essa hipótese não seria muito comum. A experiência norte-americana, diga-se, tem revelado que tanto devedor como credores procuram evitar a imposição judicial da revisão da obrigação (craw down), empenhando-se realmente em encontrar uma saída negociada para a crise que afeta os interesses de ambos. É realista esperar, também, que empreendedores e investidores se articulem com as instituições financeiras para, nessa oportunidade, manifestar, inclusive como apêndice às propostas de aquisição dos créditos, o interesse em assumir a empresa, ou parte dela, com seus planos de recapitalização ou reorganização. Estatísticas mostram que é rara a apresentação, por credores, de proposta de recuperação da empresa de devedores em crise, de modo que não há razões para criação de procedimento específico destinado a motivá-los nesse sentido”.

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Assim, o ensaio em questão visa analisar o contexto histórico do surgimento da lei de recuperação judicial e falências, fazer um contraponto dela com o instituto anterior (concordata), explorar rapidamente suas principais características e seu trâmite e, por fim, analisar duas questões que atualmente têm sido recorrentes no Judiciário brasileiro, quais sejam, o ativismo judicial quando da análise dos planos de recuperação aprovados ou reprovados e a determinação de perícia prévia para deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.

2. CONCORDATA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2.1. Perspectiva histórica e análise comparativa:

Antes de adentrar nos pontos sensíveis que estão ligados ao presente ensaio e que hoje estão sob a égide da Lei de Recuperação Judicial e Falências, importante trazermos à baila uma rápida análise do antigo instituto da concordata, seja porque ele antecedeu a lei atualmente em vigor, seja pelo fato de que em alguma medida os pontos essenciais trazidos por meio deste trabalho guardam alguma, ainda que distante, similaridade com tal instituto.

O sistema conhecido como concordata se desenvolveu e ganhou contornos variados durante a história. A primeira oportunidade que se tem notícia foi durante o império romano20. É, contudo, nos estatutos das cidades italianas da Idade Média que vamos encontrar originalmente a disciplina jurídica da concordata21.

20Nesse sentido PERIN JÚNIOR “O primeiro relato que temos a respeito da concordata se deu no direito romano.

Nele, a sucessão mortis causa acarretava a responsabilidade pessoal dos herdeiros do de cujos, por todas suas dívidas. Mas, quando o passivo da herança ultrapassava o ativo, nem sempre se conformavam os herdeiros com essa situação. A eles cabia a renúncia à herança, ou que se abstivessem de aceitá-la. Caso viesse a acontecer, os bens da herança eram vendidos para cumprimento das obrigações, sendo certo que se não fossem suficientes, ficava a memória do de cujos, assinalada com infâmia. Desta forma, surgia a necessidade de composição dos credores com os herdeiros, para melhor defesa dos interesses dos primeiros e, para resguardar da infâmia a memória do de cujos. Surge neste instante, o pactum ut minus solvatur, pelo qual os credores concordavam com os herdeiros em realizar uma redução de seus créditos às forças da herança. Para que fosse considerado válido este acordo, bastava que credores, representando a maioria dos créditos, o aceitassem e fosse homologado pelo magistrado. Este pacto se tornou praticamente desnecessário depois da introdução do benefício do inventário, também em Roma, por Justiniano, em 531 d.C. Contudo, é inegável que das formas reguladoras daquele pacto saíram muitos princípios que orientaram a formação do instituto da concordata, facilitando que assim fosse acolhida pela doutrina do direito comum”. PERIN JÚNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 331.

21Em resumo, “concedia-se ao falido, que fugira, salvo-conduto para voltar à pátria, a fim de poder acomodar-se com

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No Brasil, tivemos alguns pequenos lapsos legais a respeito da concordata no Código Comercial de 195022, entretanto, é a partir do Decreto nº 91723, de 1890 (mais aprimorado pela Lei n. 2.024, de 190824.), que temos a inserção de modo mais robusto, com uma roupagem mais acentuada. Nesse período histórico, o instituto era tratado como um acordo entre o empresário devedor e seus credores25.

Posteriormente, surge o Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 194526, que tratava sobre a concordata nos artigos 139 a 185, com um perfil normativo mais dinâmico e processual se comparado com as legislações anteriores. Através da legislação em questão, a concordata passou a ser um ato processual, onde o magistrado verificava e decidia se a proposta feita pelo devedor atendia as exigências descritas na legislação falimentar, retirando por completo a autonomia dos credores.

Nesse momento, a concordata tornou-se um instituto revestido de natureza processual, em que o estado através do juiz seria o responsável pelo futuro da empresa em dificuldade, divergindo muito da sua origem, compreendido pelo conceito clássico de acordo das partes.

Aos poucos, a prática demonstrou que a concordata era mais um procedimento liquidatário do que um meio de solução para recuperação de empresas em crise. Tanto é verdade que, por exemplo, a lei conferia a possibilidade de quebra do comerciante que convocava os seus credores para lhes propor acordo de qualquer espécie, desde prazos até a remissão de créditos ou cessão de bens (art. 2º, VII, da mencionada legislação), a ponto de que se apenas um dos credores não concordasse com a dilação de prazos para cumprimento das obrigações, remissão de créditos ou cessão de bens, estaria evidenciada a situação de insolubilidade, ensejada de eventual pedido de falência27.

22Legislação pode ser verificada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm.

23Legislação pode ser visualizada em

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.html.

24 Parágrafo extraído do artigo jurídico publicado em

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2724#_ftn9.

25“Esse acordo revestia-se sob a condição de um contrato, um acordo de caráter geral formulado entre o devedor e

seus eventuais credores. A grande discussão surgia ante a formalização dos acordos inerentes à concordata dizia respeito à posição daqueles credores que, mesmo contrários ao posicionamento da maioria, acabam sujeitos ao contrato firmado entre a parte devedora e credora” (MALASKY ALMEDANHA, Cristina e VIDIGAL CRESQUI, Wesley Luiz, 2013, p. 49).

26Legislação pode ser visualizada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm. 27SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique, 2010, p. 40.

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Diante da ineficácia do instrumento e de seu descredito generalizado, operadores do direito iniciaram um movimento pela revisão da lei, de modo a adequá-la aos novos tempos e torná-la eficiente do ponto de vista legal e prático, o que culminou na atual legislação de recuperação judicial e falência (Lei nº 11.101/2005)28.

Ainda que distante da realidade que norteia a atual lei de recuperação judicial, fato é que a legislação da concordata trouxe alguns importantes aspectos que permanecem intrínsecos à ideia de recuperação da empresa. Nesse sentido, a proteção ao crédito como forma de manter a atividade econômica29, a tentativa de impedir a falência da entidade empresária e a busca pelo equilíbrio das relações patrimoniais da empresa em crise e dos credores são itens que atualmente também estão presentes na legislação.

Todavia, as diferenças que marcam os institutos da concordata e da recuperação judicial puderam ser notadas ainda enquanto vigorara a concordata e estava em discussão a nova lei (que, como exposto, levou quase 10 anos até vigorar). Isto porque, enquanto na primeira a solução para a crise da empresa ficava a cargo do Judiciário, com poucas ou nenhuma chance de intervenção da empresa em recuperação e dos credores, na lei de recuperação judicial iniciou-se um processo cujo pilar era o oposto, vez que a empresa não mais seria vista como um ente amorfo, mas sim que interagiria com a sociedade como um todo. Com efeito, vale reproduzir trecho do Parecer n.º 534, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, durante a tramitação da lei de recuperação, elaborado sob a relatoria do Senador Ramez Tebet, que explora bem essa marcante diferença:

“Nesse sentido, nosso trabalho pautou-se não apenas pelo objetivo de aumento da eficiência econômica – que a lei sempre deve propiciar e incentivar – mas, principalmente, pela missão de dar conteúdo social à legislação. O novo regime falimentar não pode jamais se transformar em bunker das instituições financeiras. Pelo contrário, o novo regime falimentar deve ser capaz de permitir a eficiência econômica em ambiente de respeito ao direito dos mais fracos”.30

28Nesse sentido PERIN JÚNIOR “A solução, para a doutrina, passava por uma reformulação no instituto da

concordata para que se exigisse do empresário que requeresse o favor legal em comento mediante a apresentação de um plano de viabilidade para a sua recuperação financeira, e não apenas requerendo a dilação do vencimento das obrigações ou a remissão parcial do valor destas, sem o que a concordata sempre seria instrumento malvisto e desprovido da necessária legitimidade como forma de recuperação de patrimônio do devedor comerciante”. PERIN JÚNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 333.

29MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 1988. p. 485. 30Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei 71/2003 do Senado Federal.

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A ideia central durante a tramitação da lei de recuperação judicial, portanto, era que o papel da empresa em crise deveria ser interpretado segundo sua capacidade operacional, econômica e financeira de atendimento aos interesses do trabalhador, de consumidores, de agentes econômicos com os quais o empresário se relaciona, incluindo-se no último a comunhão de seus credores, enfim, de interesses da própria coletividade.

Daí que dois princípios então serviram de alicerce para nova legislação que se pretendia, e foram também pontos de extremo distanciamento entre o entorno teórico e prático que revestiam a concordata. São eles: os princípios da função social da empresa e da preservação da empresa.

Em relação ao primeiro princípio, importante enfatizar que não há previsão expressa na Constituição Federal de 1988, sequer no atual Código Civil, quanto à função social da empresa. Entretanto, diferente tratamento recebeu a lei de recuperação judicial, que estabeleceu, em seu artigo 47, a empresa como ente também participante e ativo na sociedade, possuindo, portanto, uma função social clara e delimitada31.

Em linhas gerais, temos que a função social da empresa passa pelo entendimento de que a empresa representa uma força socioeconômica, com uma enorme potencialidade de emprego e expansão, o que acaba por influenciar a comunidade em que se encontra, razão pela qual lhe são atribuídos deveres sociais. Em uma economia moderna, a empresa e o Estado devem trabalhar juntos, de maneira a redefinir seu papel e missão na sociedade, na busca de um maior desenvolvimento humano e vivência da cidadania32.

Temos então que as empresas e sua função social caminham juntas, estão entrelaçadas, de tal modo que não se admite uma em detrimento da outra; assim a empresa enquanto propriedade privada de seus sócios, somente ganhará sentido

31Com o mesmo entendimento FERREIRA, Carolina “A Lei que prevê o instituto de recuperação judicial foi clara na

obrigatoriedade de atendimento à função social em seu artigo 47, ao determinar que a recuperação judicial tem por objetivo a preservação da empresa, da sua função social e o estimulo à atividade econômica. Assim, do ponto de vista econômico, a nova legislação falimentar criou condições para que, em uma situação de crise, pudesse a empresa interessada se utilizar de soluções variadas cuja uma das finalidades precípuas seria cumprir a função social da empresa, gerando empregos, renda e circulação de bens e serviços. FERREIRA, Carolina. Artigo: Benefícios da Recuperação Judicial. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 112.

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