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O poder dos credores como essência do instituto

2. CONCORDATA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2.3 O poder dos credores como essência do instituto

Analisando os capítulos anteriores, é possível perceber que a atuação dos credores na recuperação judicial é completamente diferente do instituto da concordata, em que eles eram meros espectadores e que o poder decisório era exclusivo do Judiciário. Passando um pouco pela síntese da tramitação do processo de recuperação judicial (incluindo aí os passos anteriores ao pedido), fica ainda mais evidente a mudança de eixo do Judiciário para os credores no que diz respeito as principais deliberações durante o processo de recuperação.

Assim, diferentemente do instituto da concordata, na recuperação judicial os credores são os responsáveis pela decisão de sobrevivência ou não da empresa em recuperação. Porém, nem todos os credores estão aptos a decidir o futuro da pretendente em se recuperar.

62No projeto original, muito se discutiu a respeito da imposição de lapso temporal para cumprimento das obrigações

assumidas no plano recuperatório, o que poderia ocasionar seu engessamento, e por consequência, sua inviabilidade. Houve quem defendesse a não determinação de nenhum prazo para cumprimento das obrigações, pois quem deveria decidir seriam os maiores interessados na satisfação de suas obrigações ou de seus créditos, promovendo-se uma composição razoável para o pagamento dos débitos. Contudo, o legislador entendeu por bem criar, como descrevem os italianos una via di mezzo, ou seja, uma regra onde sobre os credores sujeitos à recuperação judicial recaiam os efeitos incidentes do plano, no prazo de 2 (dois) anos, porém esse plano poderá ser maior.

63Art. 61, § 1o Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer obrigação

prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73 desta Lei.

64Nesse sentido, SOUTO COSTA “Finalmente, o ato de homologação judicial desse acordo coletivo com os credores

será seguido, ainda, da prolação de uma sentença no processo, de concessão da recuperação judicial (nos termos do artigo 63 da lei), momento em que nenhum credor poderá mais cobrar a dívida antiga se a empresa em recuperação judicial estiver cumprindo rigorosa e pontualmente o seu Plano de Recuperação, pelo menos nos 2 (dois) anos seguintes a essa sentença, por uma questão simples: a dívida não existe mais”. SOUTO COSTA, Thierry Phillipe. Artigo: A novação dos créditos na recuperação judicial. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 131-132.

Credores detentores de créditos posteriores ao início do processo de recuperação judicial, credores tributários e os descritos nos parágrafos 2º e 3º do artigo 48 da lei não se sujeitam ao processo em questão e poderão seguir suas cobranças em paralelo, sendo este um ponto importante a ser observado quando da construção da estratégia prévia ao pedido65. Além disso, os credores trabalhistas, também, embora constem da

lista de credores, terão caráter excepcional e privilegiado66.

Feitas as ressaltavas em relação aos créditos que não se sujeitarão ao processo, a recuperação judicial, por seu turno, envolverá todos os demais credores anteriores ao pedido aos seus efeitos. Somente, como exposto, o crédito de natureza trabalhista será considerado privilegiadíssimo, conforme o artigo 54, que determina que estes credores deverão ser pagos, o quanto antes e o máximo, com a regularização desses valores no prazo de um ano. O artigo 47 da atual lei dispõe, com total clareza, sobre os objetivos da recuperação judicial67.

Importante destacar que, para acentuar ainda mais o essencial e decisivo papel dos credores, a lei conferiu aos credores não só o poder decisório sobre a viabilidade ou não da continuidade da empresa em recuperação, mas também a participação ativa em todos os momentos mais importantes da tramitação do processo de recuperação judicial.

Tanto é verdade, que a lei criou três importantes “personagens” que amparam a condução do processo de recuperação judicial, quais sejam, o administrador judicial, o

65Art. 49 § 2o As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou

definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial. § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou

imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a

retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. § 4o Não se

sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei”.

66Nesse sentido, SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO: “Primeiramente, o art. 51 da lei deixa claro: Na

recuperação judicial, a ordem de classificação dos créditos será definida no plano de recuperação judicial aprovado, e o art. 49 é mais incisivo e determina: estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial todos os credores anteriores ao pedido. A recuperação judicial, por seu turno, que é o grande vetor em nosso novo instituto da empresa, envolve a sujeição de todos os credores anteriores ao pedido aos efeitos, quer dizer, em palavras objetivas, à moeda da recuperação judicial. Somente o crédito de natureza trabalhista é considerado privilegiadíssimo, no art. 54, que determina que estes credores deverão ser pagos, o quanto antes e o máximo, com a regularização desses valores no prazo de um ano”. SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de e Recuperação

de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 41.

67Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do

devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

comitê de credores e a assembleia geral de credores. Para fins da elaboração do presente ensaio, nos ocuparemos de estudar objetivamente apenas o comitê de credores e a assembleia geral de credores.

A figura do Comitê de Credores68 está normatizada nos artigos 27, 28 e 29 da lei de

recuperação judicial e poderá ser criada facultativamente por qualquer das classes de credores. Sendo ele criado, terá destacadas atribuições, dentre as principais, a fiscalização das contas do administrador judicial e da empresa em recuperação, além da elaboração e execução do plano de recuperação judicial, bem como interface direta com todos os atores da recuperação, podendo, inclusive, emitir pareceres.

O Comitê de Credores é também responsável por acompanhar o andamento do processo e checar se todo o trâmite está em consonância com a lei e, havendo alguma irregularidade, ficará responsável pela imediata comunicação ao Juízo competente.

Assim, o Comitê de Credores tem inegável importância não só na organização da condução do processo de recuperação em si, mas também no alinhamento dos interesses das diversas partes participantes do processo, facilitando eventuais análises de cenários e tomada de decisões. É bem verdade que dado o custo envolvido para a criação e manutenção do Comitê de Credores, ele é mais comum em recuperações judiciais de grande envergadura, cujo montante financeiro devido e também a quantidade de credores seja elevada69.

68Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei:

I – na recuperação judicial e na falência:

a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial; b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;

c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores; d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;

e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores; f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei;

II – na recuperação judicial:

a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;

b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;

c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas nesta Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.

69Segundo ULHOA COELHO, Fábio: “Deve, ao contrário, ser instaurado pelos credores apenas quando a

complexidade e o volume da massa falida ou da empresa em crise o recomendarem. Não sendo a empresa de vulto (seja pelo indicador da dimensão, seja pela do passivo) e não havendo nenhuma especificidade que justifique a formação da instância de consulta, o Comitê representará apenas burocracia e perda de tempo, sem proveito algum para o processo falimentar ou de recuperação”. ULHOA COELHO, Fábio. Comentários a Lei de Falência e

O outro personagem importante em um processo da recuperação judicial é a Assembleia Geral de Credores, que tem sua normatização prevista nos artigos 35 a 46 da lei.

A Assembleia Geral de Credores pode ser considerada o mais importante órgão da recuperação judicial, representando a essência da lei, pois trata-se do momento processual em que os credores manifestarão sua vontade em relação a recuperação ou a falência da empresa em recuperação.

É na Assembleia Geral de Credores que as decisões mais importantes em relação ao futuro da empresa serão tomadas70. Existe todo um regramento e quórum para ser

seguido pela Assembleia Geral de Credores dependendo da deliberação a ser tomada pelo órgão71.

Em linhas gerais, a competência da Assembleia Geral de Credores compreende: a) aprovar, rejeitar ou revisar o plano de recuperação judicial; b) aprovar a instalação do Comitê de Credores e eleger seus membros; c) manifestar-se sobre o pedido de desistência da recuperação judicial; d) eleger o gestor judicial, quando afastados os sócios da empresa em recuperação; e) deliberar sobre qualquer outra matéria de interesse dos credores72.

Evidencia-se, portanto, que a lei, calcada no espírito de sua construção e em contraponto ao instituto anterior, buscou em sua letra dar aos credores, por meio de deliberações por assembleias, o poder de decisão nos pontos mais importantes de um processo de recuperação judicial. A aprovação ou não do plano de recuperação foi conferida aos credores reunidos em assembleia e está normatizada na lei, o que significa que a decisão mais importante em um processo de recuperação judicial é

70Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:

I – na recuperação judicial:

a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

c) (VETADO)

d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei;

e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores; II – na falência:

a) (VETADO)

b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei; d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

71O foco aqui não é tratar do trâmite e das regras do ato assemblear em si, mas demonstrar como normativamente a

assembleia dá aos credores o poder decisório em diferentes situações.

exclusiva dos credores. Ainda, quando se abre a possibilidade de haver deliberação sobre qualquer outra matéria de interesse dos credores em assembleia geral, resta evidente, também, o intuito do legislador em consagrar os credores como grandes responsáveis pelas principais decisões relativas ao futuro de uma empresa que pleiteia recuperação por meio do processo.73

3. LIMITES ENTRE A ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA E FINANCEIRA DO

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