Questões Emergentes em Arquitetura
1.Jon Lang
Charles Burnette Walter Moleski David Vachon
Tradução de Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, professor assistente da FAUunB, arquiteto.
Enorme insatisfação tem sido expressa com respeito a muitos edifícios recentemente construídos e com a filosofia arquitetônica que os tem produzido. Este livro é baseado na premissa de que muitos edifícios refletem a variada dificuldade que a profissão da arquitetura tem experienciado em seus esforços para atender às necessidades, aos valores e às expectativas dos usuários dos edifícios2.
O criticismo dos recentes esforços da arquitetura é originado de um significativo de número de fontes: clientes e usuários de edifícios, cientistas
sociais e os próprios arquitetos. Os arquitetos sempre declararam que projetavam para as pessoas, que estão interessados em projetar ambientes que possam “elevar o espírito e aumentar a sensação de bem-estar”3.
É evidente nos manifestos dos mestres modernistas, mesmo que lhes lancemos um olhar rápido, que o desejo de criar ambientes acessíveis, bem-qualificados, repletos de “oportunidades” para uma vida “enriquecedora” está profundamente arraigado na filosofia arquitetônica4.
Se acreditarmos nos críticos da profissão, no entanto, há um verdadeiro abismo entre as intenções expressas pelos arquitetos e aquilo que realmente conseguem. Há muitas partes do ambiente projetado de forma consciente que é puro, digamos, “deleite”, que são vivos e bem-qualificados, mas há outros que são estéreis e sem vida – apesar de eventualmente terem sido projetados pelo mesmo arquiteto. Essa disparidade entre sucesso e fracasso ilustra a dificuldade que os arquitetos têm para predizer as conseqüências de seus projetos – seu impacto nas pessoas – com um razoável grau de acurácia.
As razões para isso são diversas, mas basicamente estão relacionadas com as transformações dos clientes dos arquitetos. À medida em que os
arquitetos concebem edificações para clientes muito assemelhados aos próprios
1
NOTA DO TRADUTOR: Capítulo inicial do livro Designing for Human Behavior: Architecture and the Behavioral Sciences, editado por Jon Lang, Charles Burnette, Walter Moleski e David Vachon (Community Development Series). Stroudsburg, Pennsylvania: Dowden, Hutchinson & Ross, Inc., 1974, pp. 3-14.
2
Michelson, William. Most People Don’t Want What Architects Want. Transaction. Vol 5 (July – August 1968), 37-43.
3
Craik, Kenneth H. Environmental Psychology, in New Directions in Psychology 4, Nova Iorque: Holt, 1970.
4
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arquitetos – isto é, para pessoas com necessidades, valores e atitudes similares aos seus -, relativamente poucos problemas surgem. A probabilidade de sucesso declina, no entanto, com a crescente heterogeneidade dos grupos de clientes e com a mudança das necessidades, desde aquelas relacionadas com a fisiologia e com a segurança, até as elaboradas necessidades de estima e
auto-transformação5.
À luz dessas mudanças, há uma necessidade de reconsideração tanto dos princípios quanto dos processos tradicionais de projeto utilizados pelos arquitetos. A profissão como um todo permanece relutante quanto a investir muito esforço nessa tarefa. Em vez disso acontecer, como é apontado por um crítico recente do status corrente da teoria arquitetônica, os arquitetos são mais inclinados a
perguntar: “Por que as pessoas são tão teimosas ou equivocadas ao ponto de não usarem do modo certo - ou mesmo apenas usarem, não os
abandonando -, os lugares e espaços que projetamos ?”6 ou “As pessoas
devem ser educadas para que possam apreciar as formas que concebemos” – um tipo de educação que muito raramente ocorre7. A última opinião pode ser válida quando as formas expressadas possuem algum valor adaptativo para as pessoas que as usam ou as observam. Não tem validade na medida em que persiste a “arrogante presunção de que o conhecimento necessário já está ao alcance do projetista, em virtude de sua intuição.”8
Este livro é parte, apenas, do esforço orientado a reduzir a fé existente em sistemas de crenças não-avaliadas da projetação arquitetônica, pela expansão das bases teóricas e factuais e de modo a incluir conhecimentos que são diretamente relacionados à apreciação e à experiência da arquitetura.
O objetivo da Parte 1 deste livro é tentar compreender porque é tão
freqüente a arquitetura contemporânea falhar ao atender às necessidades de seus usuários, e sugerir formas pelas quais a probabilidade de sucesso pode ser
ampliada. O trabalho de autores com diferentes interesses e focos, aqui apresentados, não constitui uma visão unificada da arquitetura ou do
comportamento humano, mas levantam um conjunto de questões comuns que são
5
Um significativo número de arquitetos tem considerado o modelo hierárquico de necessidades humanas formulado por Abraham Maslow útil para a orientação de sua reflexão. Ver seu artigo “Theory of Human Motivation”, Psychological Review, vol 50 (1943), 370-396. Esse modelo é descrito com maior detalhe na parte 2 deste livro (Processos Fundamentais do Comportamento .O).
6
Perin, Constance. With Man in Mind. Cambridge Massachussets: The MIT Press, 1970.
7
“O público ainda pensa em termos de aparências e razões convencionais que fundamentam sua insuficiente educação”, Le Corbusier, Towards a New Architecture, 1927, citado por Christian Norberg-Schultz, em Intentions in Architecture, Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1965. O problema é que o arquiteto freqüentemente parte de modelos convencionais sem uma base educacional consistente. NOTA DO
TRADUTOR: A passagem citada pode ser encontrada na versão em português do “Por uma Arquitetura” (São Paulo: Editora Perspectiva, 1977, pp. 7-8), onde Le Corbusier Escreve: “Os arquitetos criam estilos ou discutem superabundantemente sobre estrutura; o cliente, o público reage em virtude de hábitos visuais e raciocina à base de uma educação insuficiente. Nosso mundo exterior transformou-se admiravelmente no seu aspecto e na sua utilização em conseqüência da máquina. Temos uma nova óptica e uma nova vida social, porém, não adaptamos a casa a isto”.
8
da maior relevância para o futuro de profissão. Nós dividimos nossa discussão desses trabalhos em 3 partes. Na primeira nós definimos a natureza do problema; na segunda (“Processos de Projetação”) consideramos novas abordagens e atitudes para as tarefas de programação arquitetônica, de projetação e avaliação de edifícios; na terceira (“As Ciências do Comportamento e o Projeto
Arquitetônico”) lidamos com as relações entre a prática e pesquisa da arquitetura e o campo emergente da psicologia ambiental.
A NATUREZA DO PROBLEMA
Os 3 primeiros trabalhos discutem a natureza do problema colocado. Das autorias de Howard Mitchell (um psicólogo clínico, diretor do Centro para Recursos Humanos da Universidade de Pennsylvania), Alan Lipman (professor de
arquitetura da Universidade de Gales) e Constance Perin (autora de With Man in Mind), esses trabalhos nos auxiliam na explicação dos dilemas que confrontam a
profissão da arquitetura na atualidade. Eles focam problemas interrelacionados: o primeiro é que a profissão da arquitetura tem sido lenta em responder às relações em transformação, entre os profissionais arquitetos e os clientes; o segundo é que muitos arquitetos sustentam a crença ingênua de que o ambiente físico é o
principal determinante do comportamento; e o terceiro é que a arquitetura é, de um modo amplo, uma disciplina a-teórica.
Uma compreensão das transformações em curso nos papéis do profissional e do cliente é importante porque uma reconsideração desses papéis conduzirá a uma redefinição dos processos de projetação e a um reordenamento das ênfases que os arquitetos têm conferido em distintos aspectos do projeto arquitetônico. O reconhecimento do segundo problema é importante por iniciar a explicação do abismo existente – freqüentemente criado - entre as intenções do arquiteto e a maneira pela qual um edifício efetivamente funciona. O terceiro problema é importante porque a teoria é um pré-requisito para qualquer compreensão de um fenômeno complexo.
Ao longo dos últimos anos tem havido um significativo esforço de pesquisa que deveria auxiliar o arquiteto a superar as dificuldades previamente encontradas em seus esforços de produzir arquiteturas consistentes com o comportamento humano – isto é, uma arquitetura verdadeiramente funcional que satisfaria necessidades fisiológicas, sociais e psicológicas. Essas pesquisas também provêem uma base para que seja remediada a presente natureza a-teórica da arquitetura. Consideraremos aqui, antes de tudo, a mutante natureza da relação entre o cliente e o profissional arquiteto.
A RELAÇÃO CLIENTE – PROFISSIONAL.
Quase todas as profissões têm reconsiderado a natureza da relação
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evidente que as atitudes paternalistas do arquiteto face aos clientes e usuários dos edifícios devem ser transformadas. Também é evidente que apoiar-se no que as pessoas dizem querer, no que desejam, dificilmente conduzirá a “boas”
soluções. Esse é o caso do pequeno, quase abandonado e não-utilizado parque público ilustrado na figura 1. O projeto para esse parque foi baseado diretamente no que as pessoas da vizinhança expressaram desejar. Em um contexto algo diferente, um renomado psicólogo nota que: “o essencial na projetação de uma cultura não é a construção de um mundo que é apreciado pelas pessoas tal como são agora, mas um mundo em que as pessoas apreciarão aquelas outras pessoas que nele vivem”9.
FIGURA 1
Muitas tentativas de adaptação e aplicação de métodos de participação de cidadãos a problemas arquitetônicos em larga escala falharam porque eles não informavam às pessoas acerca de quais alternativas estavam à sua disposição, e também porque as pessoas que representavam os grupos de vizinhança ou de usuários não conheciam as necessidades, valores e aspirações das próprias pessoas que representavam.
Não há subtituto para os procedimentos científicos de amostragem, e a participação popular, por si só, não proverá a informação necessária para os arquitetos, tanto para o desenvolvimento de programas arquitetônicos de edifícios, quanto o projeto dos edifícios que atenderiam aos requerimentos do programa arquitetônico.
O problema persiste. Como poderia o arquiteto obter a informação
necessária para a programação do edifício e para o projeto, de forma a responder
9
às diversas necessidades sociais e psicológicas de uma população usuária crescentemente heterogênea ?
O aspecto crucial do problema é que os arquitetos não possuem um compreensão verificável e consistente do relacionamento homem-ambiente, bem como acerca das relações espaciais que as pessoas consideram confortáveis em diferentes situações. Isso se deve, em certa medida, à crença do arquiteto em que todas as pessoas percebem oportunidade nos ambientes projetados do mesmo modo que ele as vê. As falhas de muitos edifícios recentes, em termos humanos, claramente ilustra que isso não é bem assim: o sistema de crenças do arquiteto - e particularmente a crença mantida por muitos arquitetos de que o ambiente e físico é um dos mais importantes determinantes do comportamento social (um conceito que vem a ser conhecido como determinismo arquitetônico) requer novo exame.
DETERMINISMO ARQUITETÔNICO
A crença de que o ambiente projetado tem um grande impacto no
comportamento social se encontra profundamente cravada na polêmica do ou no movimento moderno em arquitetura, como Alan Lipman aponta em seu artigo. Albert Mayer uma vez notou: “nós todos ingenuamente pensamos que se nós pudéssemos eliminar as áreas degradadas da cidade, as grandes extensões ocupadas por favelas, os subúrbios miseráveis, teríamos que as novas
vizinhanças, bairros e arredores devidamente sanitizados iriam per se curar os
males sociais. Hoje sabemos que não.”10
Atualmente é claro que a probabilidade de qualquer comportamento – espacial, cognitivo ou emocional - é uma complexa a função dos hábitos e intenções das pessoas bem como fatores que podem ser enxergados como facilitadores desse comportamento. As intenções são, por si mesmas, função de pressões sociais, a desejabilidade desse comportamento particular para a pessoa ou pessoas envolvidas, e as suas conseqüências percebidas. Os facilitadores do comportamento podem ser arquitetônicos por natureza, mas do mesmo modo podem ser de ordem administrativa, financeira, ou de algum outra ordem. A falácia presente na crença de que a arquitetura é geradora dos mais importantes efeitos sobre o comportamento social humano é provavelmente muito bem exemplificada pelo projeto habitacional Pruitt-Igoe, na cidade de Saint Louis, que atraiu muita atenção na imprensa geral11.
O projeto habitacional Pruitt-Igoe consistia de 33 edifícios, com 11 andares cada, modelados, segundo Roger Montgomery, de acordo com os paradigmas “existentes na evolução da estética contemporânea da Unité d’Habitation, de Le
Corbusier, em Marselha, França, e do Brown-Kock-Kennedy-Demars-Rapson 100 Memorial Drive Apartments, perto do M.I.T., em Cambridge, Mass.” Os edifícios
10
Mayer, Albert. The Urgent Future. Nova Iorque: McGraw-Hill, 1967, 20.
11
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possuíam elevadores com paradas alternadas (no quarto, sétimo, e décimo andares). O acesso aos demais andares era feito por escadas a partir de
espaçosas galerias localizadas nos andares de parada dos elevadores. Contudo esses ponto de parada eram escuros, mau iluminados. Como conseqüência disso, as atividades que costumam congregar os vizinhos eram muito raras. Escreve Montgomery:
“Em 1951, a revista Architectural Forum foi eloqüente acerca do projeto Pruitt-Igoe, ‘um projeto que salvaria não apenas pessoas mas também dinheiro’. Em 3 de outubro de 1956, o jornal Saint Louis Post Dispatch trazia notícias acerca de gastos da ordem de 7 milhões de dólares a serem investidos no projeto de remodelação - visando corrigir as deficiências daquele projeto habitacional, que estavam presentes desde a fase de projeto. Os amplos corredores que a revista Forum aplaudira como ‘playgrounds fechados e seguros’ eram chamado pelos
moradores como ‘os corredores poloneses’, ambientes de impossível policiamento, sob o domínio de jovens violentos. A remodelação pretendia estreitar os corredores, tornando-os convencionais. Outras remodelações
incluiram a retirada dos elevadores com paradas alternadas, que a imprensa tinha saudado como ‘design imaginativo.’”12
A diferença entre o uso antecipado e o uso efetivo das galerias é ilustrada no bem conhecido par de fotografias mostrado nas figuras 2 e 3. Um diferente projeto não teria necessariamente eliminado a delinquência juvenil ou criado
atividades de vizinhança significativas mas, os edifícios poderiam ter criado menos oportunidades para a primeira e mais oportunidades para as últimas – tal como Oscar Newman sugere em seu recente livro13. Tal como construido, os moradores
do conjunto Pruitt-Igoe não conseguiram lidar com o estresse de viver ali, naquele projeto, e buscaram situações menos estressantes, pressionando por sua reforma. No tempo em que este artigo é escrito (1973), o conjunto Pruitt-Igoe está sendo em parte demolido e em parte reformado. O órgão público responsável pela coordenação da construção, The St. Louis Housing Authority ainda deve cerca de 30 milhões de dólares relativos a essa obra.
12
Montgomery, Roger, “Comment on ‘Fear and house-as-haven in the lower class”, Journal of the American Institute of Planners, vol. 32, janeiro de 1966), 31-35. Ver também Lee Rainwater, “Fear and house-as-haven para a classe pobre”, Journal of the American Institute of Planners, vol 32 (janeiro de 1966), 23-31.
13
Newman, Oscar. Defensible Space: Crime Prevention Through Urban Design. Nova Iorque: Macmillam, 1972.
Com a sabedoria que nos vem da apreciação dos fatos consumados, alguém pode perguntar: “o que aconteceu no projeto de Pruitt-Igoe ?” Os arquitetos eram, certamente, bem-intencionados; princípios de projeto que aparentemente funcionaram em outros projetos foram usados; até mesmo sociólogos foram contratados inicialmente, para prover as equipes de
conhecimentos em áreas que os arquitetos tinham pouco domínio. Resumindo em termos muito simples: o que ocorreu foi que uma solução apropriada para um grupo particular de pessoas foi criada para um grupo particular de moradores, que tinham diferentes conjuntos de necessidades, valores e atitudes com respeito à habitação e ao uso do espaço.
Para evitar situações como essa no futuro, uma maior ênfase deve ser colocada na identificação de usos e usuários potenciais – e seus conjuntos específicos de necessidades e comportamentos. Se isso não for feito, os
arquitetos desenharão playgrounds tais como o mostrado na figura 4, que, apesar de sensível a uma ampla gama de comportamentos das crianças, tende a eliminar as oportunidades para o tipo de jogo mostrado na figura 514.
FIGURA 4 FIGURA 5
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Novamente, pode-se considerar simplista culpar apenas os projetistas. Todos os problemas de projeto existem dentro de um contexto de sua
administração, e de normas e procedimentos que podem ser perfeitamente parte do problema. Os arquitetos, no entanto, devem escapar da atitude de impor soluções de projeto que eles próprios – como sub-cultura – preferem, a pessoas que efetivamente possuem diferentes conjuntos de necessidades e aspirações.
ARQUITETOS COMO UMA SUB-CULTURA
Uma análise de conteúdo conduzida por Edward Wood, Sidney Brower e Margaret Latimer, sobre desenhos e pré-figurações de um projeto de renovação de um centro urbano, sugerem que os valores e atitudes implícitos e assumidos para os usuários potenciais eram:
“… de um elevado grau de ordenamento, que exigia a
subordinação de cada parte do ambiente à demandas de uma simples e dominante composição, apresentado assim a imagem de uma
sociedade altamente unificada … de elevado valor posto sobre gostos culturais e estéticos muito sofisticados, a julgar pela descrição feita dos equipamentos e espaços de uso público…”15
Os valores retratados parecem mais representativos da sub-cultura à qual muitos arquitetos pertencem do que representativo da diversidade de pessoas que usam a área central de uma cidade. A probabilidade de criação de ambientes estimulantes e utilizáveis, que respondam às necessidades dos diversos grupos de usuários é baixa, na medida em que o arquiteto dependa apenas de seu próprio sistema de valores, que emprega na projetação.
Isso é enfatizado por Amos Rapoport em sua crítica do edifício CBS em Nova Iorque, exemplo clássico de “projeto total”. O edifício, amplamente aplaudido pelas publicações especializadas, foi recebido de um modo cético pela imprensa leiga, o que representa, segundo Rapoport,
“o conflito entre idéias da estética da projetação, a escolha de formas de expressão artística a serem compatíveis com o edifício (mais que com as pessoas), a escolha de cores e plantas; a proibição feita contra a presença de quaisquer objetos pessoais no edifício, os regulamentos feitos para assegurar uniformidade, e as pessoas que usam o edifício, sua resistência e sua luta para que pudessem se expressar nesse edifício”.
Afora o gabinete do presidente do conselho de administração da CBS, tudo o mais tinha, segundo Rapoport, o “significado imposto pelos projetistas, o
significado dos arquitetos, o significado dessa subcultura, mas não o significado de seus habitantes”.16 As premissas subjacentes em tais casos eram de que as pessoas são infinitamente adaptáveis, de que elas respondem do modo pelo qual
15
Rapoport, Amos. “Whose meaning in architecture ?” Arena / Interbuild, vol. 14 (outubro de 1967), 44-46.
16
os arquitetos julgam apropriado, e que elas desistirão de suas naturais tendências de personalizar o espaço em que trabalham. Há pouco fundamento para essa crença, se considerarmos o resultante conflito entre a administração do edifício CBS e os seus funcionários e usuários do edifício.
Uma das razões para essa situação é relacionada à natureza da “teoria” arquitetônica. Um conhecimento detalhado do comportamento humano, de suas aspirações e valores não tem desempenhando um papel predominante na formação tanto da teoria arquitetônica quanto dos edifícios. E isso deve mudar.
A NATUREZA DA TEORIA ARQUITETÔNICA
O foco tradicional da teoria arquitetônica tem sido o relacionamento do arquiteto com o artefato que ele produz e, daí, com as ideologias e testamento dos arquitetos individuais, mais que com a relação entre as pessoas (tanto como
indivíduos como em geral, como população) e o ambiente construído. Não se tem focado a compreensão de como o ambiente é percebido, o significado que ele tem para diferentes pessoas tanto em termos concretos quanto simbólicos, ou as oportunidades que diferentes pessoas percebem nele. Similarmente, a educação dos arquitetos tem enfatizado e continua a enfatizar o aprendizado pela
experiência, com a total exclusão do aprendizado desde a experiência. Mesmo a
filosofia arquitetônica tem-se caracterizado pela sensibilidade pessoal de seus líderes, mais que pela preocupação acerca da fundamentação teórica da projetação e pela análise das questões que vêm confrontando a profissão.
A arquitetura tem sido, tradicionalmente, a última das artes a ser afetada pelas mudanças na estrutura da sociedade e no ambiente cultural para o qual contribui. As atitudes dos arquitetos frente tanto à própria arquitetura quanto aos usuários dos edifícios ainda é profundamente arraigada no humanismo do
Renascimento, mais que no humanismo do século 20. Enquanto ambos implicam em interesse nos estudos dos clássicos, o uso moderno do termo humanismo
inclui o estudo prático dos valores humanos e a aplicação da metodologia científica aos problemas da humanidade. Os arquitetos têm sido
extraordinariamente relutantes em absorver essa nova definição.
O medo da ciência tem mantido à distância importantes questões acerca da natureza da arquitetura e da natureza da projetação arquitetônica.
Conseqüentemente, os arquitetos continuam a favorecer abordagens casuais e assistemáticas em suas observações e análises. Com freqüência crescente, as informações geradas desse modo são impróprias para as situações às quais são aplicadas.
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nossas suposições acerca da habitação. Por outro lado, o esforço científico não se vê livre das direções dadas por falsos modelos ou hipóteses, mas sempre trabalha por seu exame, levando inevitavelmente à rejeição do que é inapropriado e pela substituição por hipótese mais aperfeiçoadas. Isso é verdadeiro tanto para as teorias da forma construída quanto para as teorias do processo de projetação, que também requerem considerável atenção.
PROCESSOS DE PROJETAÇÃO
O projeto é visto pelos arquitetos como o desenvolvimento de uma prescrição para um edifício, anterior à sua construção. O ambiente projetado é essencialmente um sistema feito pelo homem, um sistema de superfícies que são interpostas entre subconjuntos ativos e mutantes de pessoas, bem como entre esses subconjuntos e o meio externo. Quando propriamente configurados, esses sistemas de superfícies apresentam três funções:
1. Eles mantêm as condições fisiológicas necessárias para que as pessoas atinjam seus objetivos;
2. Eles geram oportunidades – e permitem que as pessoas as
percebam – relacionadas a padrões específicos de comportamento requeridos para que as pessoas atinjam seus objetivos;
3. Eles dão suporte, em certa medida, às condições psicológicas necessárias para que as pessoas atinjam seus objetivos, ao desempenharem determinadas funções simbólicas e afetivas.17
Um problema de projeto, portanto, existe quando há uma diferença
percebida entre a configuração existente de superfícies que define o ambiente e uma configuração que permitirá aos usuários do ambiente o melhor alcance de seus objetivos. O processo pelo qual essa diferença é resolvida é chamado, neste livro, processo de projetação.
Abordagens “não-conscientes-de-si” (unself-conscious) e abordagens
auto-conscientes ou “auto-conscientes-de-si” (self-conscious) para o processo de projetação
foram definidas por Christopher Alexander.18 A projetação é geralmente não-consciente-de-si em sociedades em que haja uma estreita variedade de
problemas ambientais a considerar, e uma baixa divisão de trabalho. O processo de projetação não-consciente-de-si é amplamente mimético no sentido de que os projetos típicos desenvolvem-se por tentativa e erro, ao longo de um extenso período de tempo. A situação atual é bastante diferente porque os problemas são de uma escala bem maior e de grande complexidade. Muitos tipos de edifícios contemporâneos dão resposta a uma ampla gama de necessidades, há uma elaborada divisão de trabalho, e os projetos são feitos por profissionais
especializados. A projetação é hoje um processo consciente-de-si, cada vez mais.
17
Ver o artigo de Raymond G. Studer, “The Dynamics of Behavior-contingent physical systems”, em A. Ward e G. Broadbent, editores, “Design Methods in Architecture”, Londres: Lund Humpries, 1970.
18
Os arquitetos têm sido sempre extremamente cautelosos quanto aos esforços de análise e compreensão de seus métodos de projetação – uma inquietação que surge, aparentemente, do medo de que essa análise seja prejudicial à criatividade. Estudos recentes sobre criatividade e projetação sugerem que o oposto é verdadeiro. Durante a década passada (os anos 60) houve um crescente reconhecimento pelos profissionais da arquitetura de que os processos de projetação poderiam ser mais explicitados, que poderiam ser objeto de ampliada pesquisa. As pesquisas feitas até agora têm, preliminarmente,
permitido uma melhor compreensão do processo de projetação, e um considerável número de modelos normativos desse processo tem sido publicado. Esses
modelos podem ser classificados em dois grupos: aqueles que se inpiraram no campo denominado “pesquisa operacional” (operational research) e nas ciências
da administração, e aqueles que se inspiraram nas analogias entre projeto e linguagem – o modelo linguístico. O trabalho a seguir, de Jon Lang e Charles Burnette cai na primeira categoria, e o trabalho de Christopher Alexander cai na segunda. Essas abordagens não devem ser consideradas mutuamente exclusivas, dado que tentam elucidar diferentes problemas da projetação enfrentados pelos arquitetos. O primeiro foca na condução do processo, e o segundo – ao mesmo tempo que se remete a uma ampla gama de questões – discute o conteúdo da projetação.
PROCESSO
Problemas arquitetônicos são notoriamente mal definidos. Raramente fica claro qual é o âmbito do problema e quais aspectos são pertinentes à competência profissional do arquiteto. Como resultado, o arquiteto sempre está a confrontar problemas que não são arquitetônicos por natureza; ainda assim, para que
prossiga, ele deve definir com o mínimo de resolução sua abordagem, mesmo que nunca esteja seguro de que está a atacar o problema no nível apropriado. Isso é particularmente verdadeiro na medida em que a escala de construção aumenta.
A má-definição e a complexidade dos problemas arquitetônicos são freqüentemente acompanhados por contradições entre requisitos fisiológicos, de padrões de atividades, psicológicos e tecnológicos. A maior limitação nas
soluções de projeto é a de ser impossível identificar todas as possibilidades: a vida é muito curta. Além disso, não existe regra alguma que diga ao arquiteto quando parar de buscar e explorar por uma solução ainda melhor. É então impossível assegurar um projeto ótimo. Afortunadamente, raramente é necessário ter-se uma
tal solução ótima – uma boa solução será suficiente.
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arquitetônicos expôem ampla evidência das freqüentes diferenças de opinião entre pessoas com atitudes muito semelhantes.
Além disso, todos os problemas arquitetônicos são únicos, exceto quando são tomados em elevado grau de generalização. A confiança tradicionalmente depositada em soluções prototípicas faz truncar a análise do problema, antes que se tenha um mínimo de consistente compreensão do próprio problema.
O que a profissão da arquitetura necessita é de formas de abordagem da programação e projetação de edifícios que desenvolvam as habilidades dos arquitetos, dirigindo sua atenção para os elementos críticos dos programas
específicos de edifícios, que se deseja solucionar. Isto é o que Jon Lang e Charles Burnette estudam no artigo “Um Modelo do Processo de Projetação”. Esse artigo provê uma ampla fundamentação para o desenvolvimento de habilidades
metodológicas do arquiteto, de forma a que ele tenha melhorada a sua habilidade criativa. O arquiteto é também inibido por sua informação limitada. Na medida em que a pesquisa continuada provê mais informação, é essencial que ela seja
organizada em um formato que os arquitetos a considerem efetivamente útil, e que ajude e não complique ou atrase o processo de projetação.
CONTEÚDO
Tradicionalmente, a informação da arquitetura tem sido condensada em um conjunto informal, freqüentemente implicitado e não-estruturado conjunto de princípios projetuais. Estes são de vários tipos. Em geral, sua estrutura é algo como o seguinte:
“se a situação x ocorrer, então desempenhe a ação y.”
Princípios desse tipo permitem que o projetista tome decisões em matérias sobre as quais conhece muito pouco. Contudo, princípios são facilmente usados de forma imprópria, pois eles simplesmente falham em ampliar a compreensão dos relacionamentos que se está considerando. Devido a isso, um grande número de tentativas têm sido feitas recentemente, visando criar instrumentos que
estendam a aplicabilidade dos princípios tradicionais de projeto, pela ampliação da compreensão do arquiteto dos relacionamentos que esses princípios definem. Por exemplo, o trabalho de Christopher Alexander e de outros tem resultado na
formulação de uma “linguagem de padrões” (pattern language)19. A linguagem
consiste em declarações e representações gráficas, e regras para a sua combinação. As declarações são da seguinte forma geral:
“Se a situação x ocorrer, desempenhe a ação y para resolver o problema z.”
Nessas declarações, “x” é o “contexto” do padrão e se refere às condições de requerimento e suprimento de determinadas atividades ou serviços; “y” é a “solução”, o conjunto de requisitos para um sistema de superfícies; e “z” se refere ao problema solucionado.
19
A seguir apresentamos um exemplo de uma declaração referente a um padrão desse tipo, retirado do trabalho Houses Generated by Patterns (Habitações
Geradas por Padrões), um conjunto de projetos e padrões desenvolvido para o
Proyecto Experimental House in Peru (Projeto de Casas Experimentais no Peru): Contexto: uma habitação para famílias peruanas de baixa renda e grande número de membros.
Solução: a cozinha deve ser larga o suficiente para conter uma mesa e pelo menos 3,60 metros de bancada de trabalho.
Problema: em uma habitação peruana, a cozinha é
freqüentemente usada por várias pessoas ao mesmo tempo. Isto é especialmente importante durante uma fiesta, quando todas as mulheres da família reúnem-se na cozinha, para ajudar a preparar a comida e a servir os convidados. Nesses momentos, e ainda quando alguém está tentando comer na cozinha, deve haver espaço suficiente para tanta movimentação – pelo menos espaço para uma mesa e espaço para que três pessoas trabalhem (o que dá 3,60 metros, se conferirmos 1,20 metros para cada uma delas).20
Possuir uma base de dados de informações dessa ordem não assegura ambientes arquiteturalmente adequados; e ainda há um longo caminho até que se satisfaça a contínua demanda do arquiteto por mais informação. Esses dados, observa-se, devem ser aplicados com cautela. Christopher Alexander, Sara Ishikawa e Murray Silverstein apontam inúmeros perigos inerentes aos princípios de projeto, que seriam eliminados somente pelo desenvolvimento de uma
linguagem de padrões.21
O maiores perigos seriam:
1. A situação defrontada pelo projetista poderia ser diferente do “x”
(contexto) na declaração definidora do padrão. De fato, pode haver uma tendência do projetista prestar mais atenção àqueles fatores da situação problematizada que são mais similares a “x”, e assim assumir que a situação presente é idêntica.
2. A situação “x” na declaração definidora do padrão pode não ser, de fato, uma representação acurada da situação na qual a relação observada entre “y” e “z” ocorra.
Se todos os achados da pesquisa arquitetônica fossem organizados em linguagens de padrões, o projetista teria uma base de dados facilmente acessível. A utilidade da linguagem de padrões seria ainda mais aumentada se ela fosse desenvolvida para tipos específicos de comportamento, mais do que para tipos específicos de edifícios. A compreensão adicional que tais linguagens de padrão dariam aos arquitetos em muito ampliariam seu papel criativo, ao torná-lo
consciente das situações onde ele poderia expressar seus próprios valores e das
20
Christopher Alexander, Sanford Hirshen, Sara Ishikawa, Christie Coffin e Shlomo Angel. Houses Generated by Patterns. Berkeley, Calif.: Center for Environmental Structure, 1969.
21
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situações onde ele teria a obrigação de atender às necessidades e solicitações dos usuários do edifício que está a projetar.
O trabalho de Christopher Alexander incluido neste volume é um sumário de seu próximo livro. Ele expõe detalhadamente os seus conceitos introdutórios, e apresenta uma visão ampla do problema colocado ao projeto ambiental
(environmental design) – a necessidade de um corpo compartilhado de
conhecimentos representado por uma linguagem de padrões compartilhada. Tudo isso implica em um compromisso por parte da profissão da arquitetura, com respeito ao desenvolvimento e uso de alguma linguagem preditora de comportamento, e com respeito à continuada pesquisa
comportamental, o que, por sua vez, implica que as ciências do comportamento têm algo a oferecer à profissão do projeto.
AS CIÊNCIAS COMPORTAMENTAIS E O PROJETO ARQUITETÔNICO
Através da história, a arquitetura tem tanto acomodado quanto restrito os comportamentos das pessoas. Daí que não é surpreendente que tenha havido considerável discussão da pesquisa comportamental aplicada ao projeto
arquitetônico. Isso é especialmente verdadeiro desde as efêmeras tentativas de Hannes Meyer, de incluir cursos de psicologia e história da cultura na Bauhaus22. Ainda persiste a grande dificuldade em sustentar o diálogo entre arquitetos e cientistas ambientais.
Seria fácil relegar isso pelo argumento de que muitos arquitetos sentem-se ameaçados pelo desafio às suas crenças herdadas, aos seus credos sociais, aos seus hábitos de projetação e aos seus princípios de projeto que a análise lógica, a observação controlada, e as normas de disciplinada argumentação e pensamento trazem consigo. As razões são mais amplas e diversificadas.
Em primeiro lugar, os arquitetos têm-se mostrado altamente céticos quanto ao “otimismo científico” – a crença em que os avanços da ciência melhorariam automaticamente as condições de vida da humanidade; em segundo lugar, as ciências do comportamento examinam o passado para descrever e explicar o comportamento, ao passo que os arquitetos são orientados para o futuro; em terceiro lugar, as palavras “comportamento” e “comportamentalismo” possuem conotações negativas para a maioria dos arquitetos; em quarto lugar, os achados das ciências sociais são tão difusos e são, freqüentemente, tão tentativos que é difícil avaliá-los; e em quinto lugar, as disciplinas acadêmicas tradicionais têm considerado o estudo do ambiente como incidental, acessório aos seus principais interesses de pesquisa. Esses obstáculos à cooperação entre cientistas do
comportamento e arquitetos estão começando a desaparecer.
A crença no “otimismo científico” tem sido moderada pelo reconhecimento de que a metodologia científica é útil apenas quando questões de interesse estão
22
sendo levantadas e há espaço para a lógica tanto dedutiva quanto indutiva na construção de teorias. Da parte dos arquitetos tem ocorrido o reconhecimento de que os mecanismos subjacentes do comportamento humano são
surpreendentemente estáveis, e que é impossível projetar sistemas ideais sem um conhecimento consistente de como os sistemas atuais funcionam e falham.
Similarmente, a palavra “comportamento” começa a ser colocada em uma perspectiva apropriada pelos arquitetos.
O comportamentalismo (behaviorism), uma das mais importantes
orientações no estudo do aprendizado, enfatiza que a psicologia deveria lidar apenas com o que é observável, e não com as concepções mentalistas de
sensação, percepção, atenção, imagem e vontade, que dependem de
procedimentos subjetivos de introspecção. As abordagens comportamentalistas lidam com o estímulo “que atingem os órgãos dos sentidos de um dado
organismo, e as respostas observáveis, ou os comportamentos que surgem como resposta ao estímulo.”23 A possibilidade de pensar a arquitetura deste modo é atrativa, mas sua utilidade ainda não foi demonstrada. É melhor dizer que o
ambiente arquitetônico apresenta oportunidades para a percepção, oportunidades para atividades, e oportunidades para respostas emocionais. O ambiente
arquitetônico não gera essas percepções, atividades e respostas automaticamente.
O termo “comportamento”, tal como usado neste livro, não é restrito a padrões observáveis de atividade, mas inclui as áreas de percepção e cognição que sempre atrairam a atenção dos arquitetos. O termo “ciência do
comportamento” é quase um sinônimo para “ciência social”, mas implica uma grande ênfase no indivíduo, mais que na sociedade. Mais recentemente constata-se uma conversão similar no campo da ecologia humana, que tencionou incluir o estudo do ambiente físico em seu estudo do comportamento dos grupos, para a psicologia ambiental, que tem-se focado mais no indivíduo, mas não
exclusivamente. É esse campo emergente que promete organizar os difusos campos de interesse dos arquitetos e incluir o ambiente físico como um dos mais importantes componentes de seu programa de estudos.
PSICOLOGIA AMBIENTAL
Um significativo número de estudos e antologias sobre psicologia ambiental tem sido escrito24. Esses trabalhos deixam claro que há alguma insatisfação com
o termo “psicologia ambiental” e que não há paradigma comumente aceito, que tenha sido desenvolvido para esse campo de estudos. Há insatisfação com o nome porque toda psicologia é ambiental e, em segundo lugar, porque a natureza
23
Deutsch, Morton & Krauss, Robert M. Theories in Social Psychology. Nova Iorque: Basic Books. 1965, 78.
24
16
Universidade de Brasília
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo
Métodos e Técnicas de Avaliação de Pós-Ocupação – Prof. Frederico Flósculo Pinheiro Barreto
multidisciplinar desse campo de estudos não é aparente desde esse título. Como, apesar disso, esse nome tem uma certa aceitação, o usamos aqui.
Como a psicologia ambiental encontra-se em um estágio
pré-paradigmático, muitas descrições do campo consistem simplemente na relação das pesquisas que se tem desenvolvido. Kenneth Craik identifica os seguintes tópicos: avaliação ambiental (environmental assessment), percepção ambiental,
representações cognitivas do ambiente em larga-escala, personalidade e
ambiente, tomada de decisão ambiental, atitudes do público quanto ao ambiente, a qualidade do ambiente percebido pelos sentidos (the quality of the sensory environment), psicologia ecológica e a análise dos cenários de comportamento,
comportamento espacial humano, efeitos comportamentais da densidade, fatores comportamentais em ambientes residenciais, fatores comportamentais em
ambientes institucionais, e recreação ao ar livre e reações à paisagem25. Para ilustrar o pleno potencial da psicologia ambiental para a arquitetura, outra diagramação pode ser mais explicativa. Um tal diagrama aparece na tabela 1.
A tabela 1 mostra o relacionamento entre os processos psicológicos fundamentais e os interesses da arquitetura. Sir Henry Wotton, o humanista
britânico, parafraseou Vitrúvio ao dizer que a preocupação da arquitetura é construir bem, nas dimensões da “comodidade, firmeza e prazer”26. Muito da moderna arquitetura tem assumido que comodidade + firmeza = prazer. No
entanto, se aceitarmos o modelo vitruviano, o prazer parece ser composto tanto da estética “formal” quanto da estética “simbólica” e também “comodidade” associada a comportamento espacial, em todas as suas manifestações. A consideração de “firmeza” não está compreendida pelo escopo do presente livro, a não ser que se estenda o conceito até o ponto de incluir uma firmeza “visual”, o que parece ser algo do âmbito das questões estéticas.
25
Craik, op. cit.
26
Citado por A
livro. N n (1568 – 163 oeta, diplom ual da artes. Embaixador em
Preocupações expressas pela filosofia arquitetônica contemporânea Estética “Formal“
Comodidade Firmeza
Modelo Vitruviano dos objetivos da
arquitetura Prazer
Estética
“Simbólica“ Função
Processos fundamentais do comportamento ambiental Resposta Cognitiva Tecnologia portamento Espacial
TABELA 1 – AS RELAÇÕES ENTRE OS PROCESSOS FUNDAMENTAIS DO COMPORTAMENTO AMBIENTAL E AS PREOCUPAÇÕES DA ARQUITETURA
lan Lipman em seu artigo “The architectural belief system and social behavior”, incluido neste
.T.: Henry Wotto 9), inglês, foi p ata e intelect
Veneza entre 1604 a 1623, ampliou seus conhecimentos sobre arquitetura e pintura além dos limites detidos por seus patrícios, expressando sua visão no livro The Elements of Architecture, 1624 – dados da Britannica, 2000.
Os conceitos comportamentais básicos com os quais nos preocupamos ao considerar esses objetivos são: percepção, cognição e comportamento espacial. A Parte 2 deste livro está organizada em torno desses conceitos. O modo pelo qual as pessoas percebem, pensam sobre e respondem ao ambiente, emocionalmente ou espacialmente, é governado por sua natureza fisiológica, por suas
personalidades, por sua cultura, pelas organizações sociais das quais são
membros, e pelo ambiente27. Esse ordenamento é altamente tentativo, mas retrata as áreas nas quais os arquitetos estão a demandar teorias mais fortemente
descritivas e explanatórias do comportamento humano. Com a crescente
compreensão dos mecanismos adaptativos que campos como os da ecologia e da cibernética estão a oferecer, um crescente poder de convencimento e uma forma
mais atraente deve ser acrescentada à psicologia ambiental.
O potencial da contribuição das ciências do comportamento para a
arquitetura é ilustrado na figura 6. Uma nova teoria da arquitetura que compartilhe os fundamentos das ciências comportamentais pode ser vislumbrada. Cada novo edifício se torna uma hipótese acerca do relacionamento entre comportamento humano e o ambiente projetado – uma hipótese que somente pode ser testada pelo uso do pragmático princípio da observação de como o edifício realmente funciona.
Teorias em Sociologia,
Psicologia e Antropologia Psicologia Ambiental
Projeto da Edificação Metodologia de Pesquisa Teoria da Arquitetura
27
Talcott Parsons. Societies. Englewood Cliffs, Nova Jersey: Prentice-Hall, 1966.
Teoria da Decisão Teoria do Projeto Ideologia
Universidade de Brasília
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo
Métodos e Técnicas de Avaliação de Pós-Ocupação – Prof. Frederico Flósculo Pinheiro Barreto
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Dois textos sobre psicologia ambiental e projeto desfecham a Parte 1 deste livro. O primeiro lida com uma situação de aplicação [da teoria], e o outro
apresenta uma revisão [da teoria]. Powell Lawton leva ao leitor sua experiência como pesquisador pertencente a instituição de pesquisa28, que está
continuadamente a avaliar as reações e padrões de uso relativas a uma edificação em particular. Seu conhecimento sobre como pessoas idosas efetivamente usam o espaço testemunha o valor da observação comportamental para o projeto. Harold Proshansky, um psicólogo e co-editor do importante livro de referência
Environmental Psychology: Man and His Physical Setting29, descreve a amplitude
dos conceitos e dos esforços de pesquisa que presentemente caracterizam o campo da psicologia ambiental, e sugere que benefícios mútuos poderão surgir de uma mais estreita cooperação entre arquitetos e cientistas comportamentais no estudo do comportamento humano no ambiente físico.
28
N.T.: a instituição é o Philadelphia Geriatric Center.
29