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Bruna Oliveira Fernandes PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A NORMA GERAL ANTIELISIVA

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Bruna Oliveira Fernandes

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A NORMA GERAL ANTIELISIVA

MESTRADO EM DIREITO

(2)

BRUNA OLIVEIRA FERNANDES

MESTRADO EM DIREITO

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A NORMA GERAL ANTIELISIVA

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –

PUC-SP como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

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Banca Examinadora

_________________________________________

_________________________________________

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ABREVIATURAS

ADI – Ação Direita de Inconstitucionalidade Art. – Artigo

CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais CCB – Código Civil Brasileiro

CF – Constituição Federal Cf. - conferir

COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CP – Código Penal

CSRF – Câmara Superior de Recursos Fiscais CTN – Código Tributário Nacional

DL – Decreto-Lei

DOCD – Diário Oficial da Câmara dos Deputados EC – Emenda Constitucional

EM – Exposição de Motivos HC – Habeas Corpus

II – Imposto sobre Importação de produtos estrangeiros ISS – Imposto Sobre Serviço

IR – Imposto de Renda e proventos de qualquer natureza LAF – Lei de Adaptação Fiscal

LC – Lei Complementar

LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro N. - Número

P. – página

QO – Questão de Ordem RE – Recurso Extraordinário Resp – Recurso Especial RG – Repercussão Geral Rjt – relação jurídico-tributária

RMIT – Regra-Matriz de Incidência Tributária STF – Supremo Tribunal Federal

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RESUMO

FERNANDES, Bruna Oliveira. Planejamento tributário e a norma geral antielisiva. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2014.

A obrigação tributária é compulsória e decorre de lei, dessa forma, praticado o fato imponível, o sujeito passivo não pode eximir-se do pagamento do tributo. Visando diminuir o ônus tributário, muitos contribuintes têm programado suas ações licitamente para optar por condutas alternativas às hipóteses de incidência tributária, evitando a ocorrência do fato imponível. É o que se tem chamado de elisão fiscal ou planejamento tributário. Elisão fiscal não se confunde com evasão fiscal, conduta ilícita que suprime o pagamento do tributo devido. Para evitar o planejamento, que reduz a arrecadação tributária, o Fisco e parte da doutrina defendem a possibilidade de desconsideração dos atos e negócios alternativos para que seja possível caracterizá-los como fatos imponíveis por possuírem manifestação de capacidade econômica. Tal pretensão do Fisco, que resultou no parágrafo único do art. 116 do CTN – a norma geral antielisiva –, quer tornar infrutífera qualquer prática de planejamento tributário, revigorando a teoria germânica da interpretação econômica das leis tributárias. O referido dispositivo legal autoriza a desconsideração dos atos e negócios jurídicos que se desvinculem da hipótese de incidência tributária, permitindo a tributação pelos aspectos econômicos da transação realizada pelo contribuinte, e ainda que sejam negócios diferentes, se os efeitos forem os mesmos, a tributação deverá ser realizada. A utilização da interpretação econômica para a tributação dos casos de planejamento tributário é a introdução, disfarçada, do método analógico do ordenamento jurídico tributário e a flexibilização do princípio da legalidade tributária. A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a segurança jurídica e a legalidade tributária, vedou a utilização da analogia para a exigência de tributo, que somente decorre da lei. Não basta que haja a demonstração de riqueza apta a ser tributada, é preciso que haja, cumulativamente, a previsão legal. O Fisco não possui a competência de equiparar negócios jurídicos distintos para tributá-los igualmente, ainda que seja com o pretexto de realização da justiça fiscal. O combate à elisão fiscal deve ser feito pelo Poder Legislativo e de forma específica, e onde houver capacidade contributiva o legislador está autorizado a instituir tributo. O direito de efetivação do planejamento tributário é fundado na liberdade, na livre iniciativa e na autonomia privada e resguardado pela legalidade tributária.

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ABSTRACT

FERNANDES, Bruna Oliveira. Planejamento tributário e a norma geral antielisiva. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2014.

The tax obligation is compulsory and arises out of law, thus, on the taxable fact being carried out, the taxpayer cannot refuse to pay the charge or tax. Aiming to reduce the tax burden, many taxpayers have programmed their actions on a lawful basis in order to opt for the alternative conducts to the event of tax incidence, avoiding the occurrence of the taxable fact. This practice has been called tax avoidance or tax planning. Tax avoidance is not to be mistaken by tax evasion, which is an unlawful conduct to avoid the payment of the tax due. To avoid planning, which reduces tax revenue, the tax authorities and part of the doctrine or legal writings defend the possibility of disregarding the acts and alternative business so that one can characterize them as taxable facts because they have levied pronouncement of economic capacity. This attempt by the tax authorities, which gave rise to the sole paragraph of article 116 of CTN (the anti-tax planning general rule), intends to render any practice of tax planning fruitless by enhancing the German theory of economic interpretation of tax laws. Said legal provision authorizes disregarding legal acts and business that unbind the hypothesis of tax incidence, allowing taxation by the economic aspects of the transaction made by the taxpayer, and even though they are different businesses, the effects are the same, and taxation shall be performed. The use of economic interpretation for taxation of cases of tax planning is the introduction, in disguise, of the likewise method in tax law and the relaxation of the principle of tributary legality. Brazilian Constitution, on setting forth the legal security and the tributary legality, prohibited the use of analogy to the exigency of tribute, which only resulted from the law. Evidence wealthy condition to be taxed is not sufficient; there must be the legal provision on a cumulative basis. Tax authorities do not have the competence to equate distinct legal transactions to tax them equally, albeit under the pretext of promoting of fiscal justice. Fighting tax planning should be done by the legislative branch and through specific manner, and where capacity to pay is found, the lawmaker is authorized to introduce taxes. The right to effectiveness of tax planning is based on freedom, free enterprise and private autonomy and it is safeguarded by the principle of tributary legality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 NORMA JURÍDICA E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA ... 13

1.1 Norma jurídica... 13

1.1.1 Norma jurídico-tributária ... 15

1.1.2 Princípios e regras ... 17

1.1.3 Regra-Matriz de Incidência Tributária ... 20

1.2 Interpretação jurídica ... 21

1.2.1 Interpretação das normas tributárias ... 23

1.2.2 Normas de interpretação no Código Tributário Nacional ... 27

2 LIBERDADE FISCAL E A LEGALIDADE TRIBUTÁRIA ... 35

2.1 A liberdade e o tributo ... 35

2.2 Legalidade ... 38

2.3 Estrita legalidade tributária ... 40

2.3.1 Tipicidade tributária ... 42

2.3.2 Os momentos do direito tributário e o positivismo jurídico ... 50

3 EVASÃO FISCAL ... 53

3.1 Conceito de evasão fiscal... 54

3.2 Das modalidades de evasão tributária ... 58

3.2.1 Simulação fiscal ... 59

3.2.2 Sonegação fiscal ... 68

3.2.3 Fraude em geral – outras fraudes ... 69

3.2.3.1 O mero inadimplemento ... 70

4 ELISÃO FISCAL ... 72

4.1 Conceito ... 72

4.2 Distinção entre elisão e evasão tributária ... 75

4.3 Teoria do propósito negocial ... 78

(8)

4.4 Teorias antielisivas ... 92

4.4.1 A interpretação econômica da lei tributária ... 93

4.4.2 Teoria do abuso das formas jurídicas ou adaptação das formas jurídicas... 102

4.4.2.1 Contrato de franquia – franchising uma nova figura contratual... 108

4.4.3 Violação da justiça fiscal: princípios da igualdade e da capacidade contributiva ... 112

4.4.3.1 Princípio da igualdade tributária ... 113

4.4.3.2 Princípio da capacidade contributiva ... 117

4.4.4. Conclusões das teorias antielisivas ...124

4.5 Licitude da elisão tributária ... 127

4.6 Analogia e elisão tributária ... 129

5 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A NORMA ANTIELISIVA BRASILEIRA ... 132

5.1 A Lei Complementar 104, de 2001 – art. 116, parágrafo único do CTN ... 133

5.1.1 Normas antielisivas anteriores ... 134

5.1.2 A norma geral antielisiva ... 136

5.1.2.1 Tentativa de regulamentação – Medida Provisória 66 de 2002... 142

CONCLUSÃO ... 145

(9)

INTRODUÇÃO

O ―planejamento tributário‖ ou ―elisão fiscal‖ é um tema muito polêmico no

meio jurídico-tributário brasileiro e apresenta divergências que vão desde o termo utilizado para sua denominação, como também sua classificação e até em suas consequências jurídicas.

Sua relevância jurídica se dá por envolver princípios, direitos e garantias fundamentais, como a segurança jurídica, a legalidade, a liberdade, a isonomia e a capacidade contributiva. A relevância do planejamento tributário não é apenas jurídica, mas também economicamente ele também se destaca pelas interferências no montante tributário arrecadado que custeia as despesas públicas do Estado. Por diminuir a arrecadação fiscal, o planejamento desperta o repúdio do Fisco.

A elisão fiscal divide a doutrina pátria entre os que a defendem e os que a condenam. Para compreender as divergências devemos destacar que o planejamento tributário explicita dois direitos opostos e conflitantes: o direito de tributar e o direito de não ser tributado.

Esses direitos antagônicos, de tributar e de não ser tributado, circundam sempre a relação jurídico-tributária existente entre o Fisco e o contribuinte e são estruturados e limitados fundamentalmente pela Constituição Federal de 1988.

A principal discussão da elisão tributária está em se definir o que é possível ou não ser realizado pelo contribuinte e pelo Fisco a partir da interpretação jurídica e do texto constitucional. A depender da interpretação que se faz das normas jurídicas e da Carta Magna, é possível identificar o direito do Fisco de tributar e, consequentemente, o direito do contribuinte de não ser tributado.

O planejamento tributário ou elisão fiscal é a conduta do sujeito passivo que visa reduzir licitamente o ônus tributário mediante supressão ou alteração do próprio fato gerador do tributo, não suprimindo o pagamento de tributo devido, porque não há tributo devido.

É nesse contexto, de possibilidade de se evitar a exação, que visualizamos com maior nitidez a contraposição dos interesses de quem exige o tributo – Fisco, e de quem o paga – o contribuinte.

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deve possibilitar ao agente fiscal que efetue o lançamento com base apenas no que está expresso em lei, na hipótese de incidência tributária. Tal interpretação jurídica é uma forma de evitar a tributação de fatos que não foram previstos pelo legislador competente, o que violaria o princípio da legalidade tributária em seus aspectos formal e material.

Os doutrinadores que condenam o planejamento tributário entendem que o Fisco pode interpretar a lei tributária para possibilitar a tributação de atos e negócios jurídicos que, mesmo não previstos diretamente na lei, atingem o mesmo resultado dos fatos tributáveis descritos na hipótese de incidência, desconsiderando-se o negócio pactuado para atingir os efeitos econômicos gerados.

Há, ainda, uma corrente doutrinária que, apesar de não repudiar a prática do planejamento tributário, limita sua utilização para evitar a frustação da justiça fiscal e da capacidade contributiva. Essa corrente aduz que a conduta do contribuinte não pode ser motivada exclusivamente pela obtenção da diminuição do ônus tributário, ainda que seja concretizada por meios lícitos.

O interesse pelo tema abordado originou-se pela insegurança e dificuldade de identificação do que é possível, ou não, ser realizado pelo contribuinte para obter a economia tributária no âmbito do direito brasileiro.

Para tentar reduzir a nossa insegurança gerada pela ausência de uniformidade no tratamento da elisão fiscal, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, optamos por pesquisar a origem, o conceito e os fundamentos dessa prática de planejamento tributário. Propomo-nos a estudar as correntes jurídicas que a criticam, que são as teorias antielisivas e também as normas jurídicas antielisivas que combatem a elisão fiscal, tornando-a ilícita.

Após o estudo dos fundamentos do planejamento e das teorias que o repreendem, analisamos se há algum comando normativo no ordenamento jurídico pátrio que impeça generalizadamente a conduta lícita do contribuinte de tentar diminuir seus gastos com tributos.

Analisamos especificamente o art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, conhecido como norma geral antielisiva, e verificamos se esse dispositivo guarda consonância com a Constituição.

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Não temos, também, a pretensão de tachar a priori uma determinada conduta de proibida ou permitida no âmbito do planejamento, pois sabemos que o resultado lícito ou ilícito poderá depender das circunstâncias do caso concreto.

O que pretendemos é identificar as estruturas jurídicas que envolvem o planejamento tributário. Estruturas essas que devem existir e ser constantes para proporcionar um mínimo de segurança e previsibilidade no relacionamento entre o Fisco e o contribuinte.

A não distinção rigorosa do lícito e ilícito e o desconhecimento dos pontos comuns das teorias antielisivas no tema planejamento tributário acabam por levar ao surgimento de opiniões generalistas que negam todo e qualquer planejamento, ou que, ao contrário, o permitem.

A visão negativa enfraquece e obscurece a estrutura que resguarda o contribuinte, e a visão excessivamente positiva que permite qualquer conduta aparentemente lícita, sob o fundamento genérico do direito de não ser tributado, é irrealista.

Para situar o planejamento tributário no atual ordenamento jurídico brasileiro, é necessário compreender a própria norma jurídica tributária e a partir dela várias questões surgem: Como essa norma deve ser interpretada para que haja a obrigação do contribuinte de pagar o tributo? O Fisco pode utilizar como parâmetro para o lançamento tributário apenas a realidade econômica ou os efeitos econômicos decorrentes do fato abstratamente previsto na hipótese de incidência? A conduta elisiva frauda a norma jurídica tributária ou a sua finalidade? A conduta lícita do sujeito passivo da obrigação tributária, ao visar unicamente à economia tributária, torna-se ilícita por configurar abuso de direito do contribuinte?

Os argumentos do Estado Fiscal tendem ao aumento do poder de tributar para aumentar também a arrecadação, já os argumentos do contribuinte que praticam o planejamento tributário objetivam o menor gasto tributário possível.

(12)

O primeiro capítulo trata da norma jurídica e da interpretação jurídica, pontos essenciais para todo estudo sobre o direito, já que este é formado por normas jurídicas. As normas são construídas a partir do processo interpretativo, que é um procedimento mental criativo de um significado. Destacamos nesse capítulo, ainda, a norma jurídica tributária, dentre elas a regra-matriz de incidência tributária que possibilita a imposição da exação fiscal ao contribuinte.

No segundo capítulo discorremos sobre a liberdade fiscal, o princípio da legalidade e da tipicidade tributária, que são os nortes para a exigência da obrigação tributária e a constituição do crédito tributário e que representam no Estado constitucional o autoconsentimento do povo para a tributação.

O planejamento tributário baseia-se na segurança jurídica fornecida pelo princípio da legalidade, ao passo que ciente do que ensejará a tributação, o contribuinte tem liberdade para evitar tais situações, optando por condutas alternativas que não consistam nas hipóteses de incidência elencadas na lei.

A legalidade tributária em seu aspecto formal impõe limites à tributação protegendo o contribuinte, é uma garantia constitucional de que o tributo somente será instituído por lei pelo Poder Legislativo. Mas imprescindível também é o aspecto material da legalidade, que limita substancialmente a lei, impondo o conteúdo mínimo do tributo a ser previsto pelo Poder Legislativo, evitando a delegação inconstitucional da instituição do tributo ao Poder Executivo.

Para saber quais as condutas que o contribuinte pode praticar, é necessário saber, antes, quais lhe são defesas. Para sistematizarmos as condutas proibidas, reservamos o terceiro capítulo, onde conceituamos e classificamos a evasão fiscal, condutas que notadamente são ilícitas.

Dentre as condutas evasivas, acentuamos a simulação que corriqueiramente é realizada no âmbito das práticas tributárias, sob o rótulo de planejamento tributário, mas que com ele não se confunde.

Cientes de quais são as condutas ilícitas, passamos ao quarto capítulo que aborda a elisão fiscal. Nessa parte, após a conceituação da conduta elisiva, estudamos as principais teorias antielisivas, ou seja, as teorias que se propõem a combater a elisão tributária, bem como os temas relevantes que se relacionam à elisão fiscal, como o propósito negocial e o abuso de direito.

(13)

sobre a forma do negócio jurídico; e a teoria da concretização da justiça fiscal, que repudia o planejamento por violar os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Tais doutrinas antielisivas são aplicadas pelo Fisco para realizar o lançamento tributário das condutas lícitas que ensejam a economia tributária.

No último capítulo, tratamos do planejamento tributário, denominação moderna da elisão fiscal, e da norma antielisiva brasileira, que positivou as teorias antielisivas. Abordamos especificamente o dispositivo que se tem chamado de norma geral antielisiva, art. 116, parágrafo único do CTN, apurando se ela combate a evasão ou o planejamento tributário.

O estudo do posicionamento jurisprudencial, realizado paralelamente com as teses doutrinárias, não dissolveu a sensação de insegurança jurídica que existia no início da pesquisa causada pela indeterminação do que é possível ou não ser feito pelo contribuinte para redução do ônus tributário dentro do campo da licitude.

A indeterminação que circunda atualmente o sujeito passivo da relação jurídico-tributária pode ser sistematizada em um conflito de dois grandes valores: segurança jurídica na tributação, consagrada pela legalidade que garante ao contribuinte o conhecimento prévio do que dará origem à obrigação tributária, e a igualdade, pois os contribuintes que possuírem a mesma capacidade contributiva deveriam ser tributados igualmente.

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1 NORMA JURÍDICA E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

1.1 Norma jurídica

O ponto nevrálgico do planejamento tributário gira em torno da norma jurídico-tributária que cria o tributo, e de como ela deve ser composta e interpretada. Antes de enfrentarmos tais questões, é preciso conhecer a norma jurídica e a interpretação jurídica, que ao longo da história do direito, com as variações das premissas filosóficas, foram compreendidas de formas diferentes, como veremos adiante.

E a partir do conceito de direito como um conjunto de normas jurídicas que regulam a vida em sociedade (BECHO, 2014, p. 27), é imprescindível o conhecimento do que seja a norma jurídica.

Tal tarefa, de antemão já avisamos, não é fácil. Esse é um dos temas mais polêmicos na doutrina jurídica, porém é necessário que fique claro o sentido utilizado de agora em diante.

Hans Kelsen (1939, p. 5), jurista austríaco, almejou no início do século XX o isolamento do direito positivo como critério metodológico, delimitando-o como único objeto da ciência jurídica, restringindo seus estudos ao direito que é, e não como ele deve ser. Pretendia fazer, e fez, uma teoria pura do direito para romper o que ele denominou de política do direito.

Desde sua primeira edição da teoria pura, Kelsen (1939, p. 10) afirmou

que a norma é ―um esquema de interpretação‖ que atribui sentido e significados

jurídicos aos fatos.

Para o autor (KELSEN, 1939, p. 19), por vezes o termo ―justiça‖ é utilizado para exprimir ―legalidade‖ e ―juridicidade‖, mas em seu verdadeiro sentido, a justiça é um valor absoluto independente do direito, sendo em suas palavras um

―ideal irracional‖ ―não acessível ao conhecimento‖.

A norma jurídica para Kelsen (1939, p. 26) desprende-se da norma moral e passa a se apresentar como um juízo hipotético, condicional, coativo e estatal, cujo objeto é a conduta humana. A norma jurídica converte-se, então, em ―preceito

(15)

Ao considerar a norma jurídica como a forma da lei, a validade desta independe de qualquer conteúdo, e assim a considerava Kelsen (1939, p. 61) ao afirma que ―uma norma vale como norma de direito unicamente porque nasceu de certa maneira, porque foi criada de harmonia com determinada regra, porque foi produzida de acordo com um método específico‖.

Ao afirmar que uma norma jurídica vale, Kelsen está afirmando que ela existe. Para o autor (1986, p. 11), ―‗validade‘ é a específica existência da norma‖.

Kelsen (1939, p. 21) assevera que a teoria pura do direito é anti-ideológica e não fornece argumentos legitimadores, ou ilegitimadores, para interesses políticos de uma determinada ordem jurídica. E por isso ela presta-se a validar qualquer ordem jurídica, ainda que totalitária e opressora, bastando ser ela posta pela autoridade estatal competente.

Kelsen filosoficamente era positivista e isso influenciou seu conceito formalista de norma jurídica ao considerar como norma válida o ato mandamental da autoridade competente dotado de coercibilidade.

O positivismo jurídico foi levado às últimas consequências no governo nacional-socialista alemão, quando sob o manto da legalidade formalista e vazia foram praticadas as maiores atrocidades da humanidade. De acordo com Radbruch (1965, p. 94-95),

A hecatombe do injusto Estado nacional-socialista coloca a judicatura alemã permanentemente diante da questão que o positivismo superveniente não consegue responder: devem ser mantidas as sanções aplicadas em decorrência das leis raciais de Nuremberg? Permanecem ainda válidos os confiscos de bens de judeus determinados com fundamento na legislação nacional-socialista vigente naquela época? Devemos aceitar como juridicamente válido o julgamento que, em conformidade com a jurisprudência nacional-socialista, condenou à morte, por delito de alta traição, um ouvinte de emissora de rádio estrangeira? Devemos ainda considerar legal a denúncia que levou a tal julgamento? Mantém valor de lei, para nós, o pedaço de papel informal através do qual Hitler, sob compromisso de sigilo absoluto, desencadeou assassinatos em massa? Estamos obrigados a continuar considerando impuníveis crimes amparados por anistia concedida pelo Partido que se encontrava no Poder, exatamente porque eles foram perpetrados por seus membros? Considera-se Estado, em sentido jurídico, aquele que é dominado por um Partido único e elimina todos os demais?

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permitidas ou facultadas, visam efetivar os valores constitucionalmente estabelecidos. E seu conteúdo é construído mediante a conjunção de três fatores essenciais ao direito: lei, jurisprudência e interpretação (BECHO, 2014, p. 163).

Assentimos com Robert Alexy (2008, p. 54) para quem a norma é o significado do enunciado normativo. Isso explica a possibilidade de uma mesma norma ter vários enunciados correspondentes, ou não ter nenhum expressamente. Dessa forma, adverte o autor (2008, p. 54) que o conceito de norma não deve ser buscado exclusivamente no nível do enunciado.

A norma não é apenas forma, ela é também conteúdo, a significação obtida mediante interpretação, uma construção mental realizada a partir dos textos jurídicos, da legislação e da jurisprudência. Interpretar é ―atividade complexa,

técnica, em que o operador extrai, dos textos legais, o conteúdo das normas jurídicas, ou seja, o comando a que nos referimos‖ (BECHO, 2014, p. 160).

A norma jurídica não é mais considerada apenas pela sua estrutura formal, ela também deve ser vista sob o ponto de vista substancial ou material e também sob o ponto de vista finalista.

Todos os aspectos – forma, conteúdo e finalidade, integram a unidade da norma jurídica que consiste em um mandamento estatal que obriga, permite ou proíbe uma determinada conduta. Da mesma maneira também deve ser entendida a norma jurídico-tributária que aborda uma relação jurídica específica, a relação jurídico-tributária.

1.1.1 Norma jurídico-tributária

No conceito de norma jurídica é possível ser feito um corte metodológico, didático, para delimitarmos um conjunto de normas jurídicas específicas. Enfatize-se que tal técnica deve ser feita apenas para fins de facilitar a apreensão do conteúdo das normas, jamais se deve perder de vista a unidade do direito.

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O que caracteriza uma norma como tributária é a relação material sobre a qual a norma se ocupará e a que conduta ela se dirigirá, esse é o parâmetro para realização do corte metodológico. As normas tributárias regulam o nascimento, a constituição, a fiscalização, a arrecadação e a extinção da obrigação tributária, incluindo as normas da Administração Tributária.

No contexto da formação e interpretação das normas tributárias surgem alguns dos problemas que nos interessam no planejamento tributário, especificamente as normas que contém a disciplina do nascimento, da constituição da obrigação tributária, e da identificação do que essa norma precisa conter para ser apta para obrigar o contribuinte a entregar a prestação pecuniária ao Fisco.

As normas tributárias devem ser consideradas em seu aspecto formal, substancial e teleológico. O direito tributário, ao regular a relação específica existente entre o Fisco e o contribuinte, visa a um fim que tradicionalmente é compreendido como sendo a arrecadação de recurso financeiro pelo Estado para o financiamento das necessidades coletivas.

Nessa linha de entendimento clássica, Ruy Barbosa Nogueira (1990, p. 30) expõe que o ―Direito Tributário é assim um direito de levantamento pecuniário entre os jurisdicionados, porém, disciplinado sobre a base dos princípios do Estado

de Direito‖.

Nesse mesmo sentido, Dino Jarach (1989, p. 46-47) destaca que a arrecadação de receitas é a finalidade do direito tributário e que o direito tributário constitucional é um conjunto de normas que disciplina a soberania fiscal.

Também integram a corrente clássica, centralizando o direito tributário em torno do tributo e da arrecadação, autores como Geraldo Ataliba (2012, p. 37); Rubens Gomes de Sousa (1952, p. 22); Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 47); José Eduardo Soares de Melo (1998, p. 77); Kyioshi Harada (2004, p. 308); Mauro Luís Rocha Lopes (2009, p. 03) e Hector Villegas, (1980, p. 61).

Parece-nos que a linha tradicional de conceituação do direito tributário identifica as normas tributárias com o seu próprio objeto – o tributo, e assim os autores dessa corrente concluem que a finalidade do direito tributário é a mesma finalidade do tributo.

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receita aos cofres públicos nos termos da definição do art. 3º do CTN, e a finalidade do tributo é a arrecadação.

Mas não se deve confundir a finalidade do tributo, com a finalidade do direito tributário. De fato o tributo visa à arrecadação, a transferência de parcela da riqueza dos súditos ao Estado para prover os gastos públicos e promover a justiça distributiva. Porém, acreditamos que a finalidade do direito tributário é outra, e tal entendimento decorre do retorno às origens e ao surgimento da codificação das normas tributárias que tinha como objetivo limitar o poder tributário estatal que desregradamente extorquia os seus administrados.

Nessa nova corrente, preleciona Renato Lopes Becho (2014, p. 47) que a existência do direito tributário destina-se ―para proteger o contribuinte, o cidadão, da

força do Estado. As normas exacionais, antes de serem autorizações para tributar (sentido positivo), são proteções contra a tributação sem limites (sentido negativo)‖.

Enquanto o tributo objetiva a arrecadação, o direito tributário almeja a proteção do contribuinte, restringindo o campo de abrangência do tributo, e, diante da voracidade arrecadatória do Estado, tal função é imprescindível para o controle estatal.

Cooperam para a formação da norma jurídico-tributária duas categorias jurídicas distintas: os princípios e as regras, cada uma com características e funções próprias, que interagem isolada ou cumulativamente para a apreensão do conteúdo normativo.

Passemos à análise das distinções existentes entre regras e princípios, para posteriormente analisarmos uma regra jurídico-tributaria específica e fundamental para a compreensão dos problemas do planejamento tributário, a RMIT

– Regra-Matriz de Incidência Tributária.

1.1.2 Princípios e regras

Para se alcançar o conteúdo das normas, é fundamental a observação dos textos jurídicos, que podem ser especificados como princípios ou regras.

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integravam o direito. Em sua obra póstuma, Teoria geral da norma jurídica, o autor chega até a aceitar que os princípios da moral, da política ou dos costumes possam influenciar a produção e o conteúdo do direito, mas ele assevera que

Como princípios do ―Direito‖, podem-se indicar os princípios que interessam à Moral, Política ou Costume, só enquanto eles influenciem a produção de normas jurídicas pelas competentes autoridades do Direito. Mas eles conservam seu caráter como princípios da Moral, Política ou Costume, e precisam ser claramente distinguidos das normas jurídicas, cujo conteúdo a eles corresponde. Que eles são qualificados como princípios de ―Direito‖,

não significa – como a palavra parece dizer – que eles são Direito, que têm o caráter jurídico.

A exclusão dos princípios e valores faz parte da teoria pura de Kelsen que não se atem ao conteúdo do mandamento jurídico, nesse ponto, hoje, felizmente superada. Mas, ao reconhecer a juridicidade dos princípios, houve sem dúvida uma alteração do que se entende por norma jurídica e por direito.

Com esse reconhecimento não mais somente regras podem conter comandos coercitivos, obrigatórios, mas também os princípios passam a ter observância cogente.

Muito se debate sobre a distinção das duas categorias. Ronald Dworkin (2002, p. 39-40) afirma que as regras são aplicadas na base do tudo-ou-nada, enquanto os princípios não apresentam consequências jurídicas que se seguem automaticamente, pois variam caso a caso a depender das condições dadas.

Podemos citar como exemplo de regra o art. 145, § 2º CF que proíbe a instituição de uma taxa que possua a base de cálculo própria de imposto, e sempre que a taxa tiver base cálculo idêntica de um imposto ela será inconstitucional. Já o princípio, como o art. 150, II, CF, princípio da igualdade que proíbe o tratamento desigual entre contribuinte em situações equivalente, é um mandamento bem mais abrangente que precisa ter as condutas individualizadas para que se possa aferir seu cumprimento ou descumprimento.

Ronald Dworkin (2002, p. 42) diferencia ainda ambas as categorias pela dimensão de peso que os princípios têm, ao contrário das regras. Segundo esse autor (2002, p. 42), ―se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser

válida‖, já os princípios podem coexistir.

(20)

possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes‖, são ―mandamentos de otimização‖ satisfeitos em graus variados. Já as regras, sempre são ou não satisfeitas, não havendo grau de satisfação.

Concebendo a norma jurídica como a significação dos textos jurídicos, não aderimos ao entendimento de Robert Alexy (2008, p. 91) para quem ―toda

norma é ou uma regra ou um princípio‖, pois admitimos que uma norma pode ser cumulativamente composta por regras e princípios.

Renato Lopes Becho (2014, p. 357) destaca que os princípios são pontos

fundamentais para o sistema jurídico, são os referenciais ―imprescindíveis para a

compreensão de uma ordem, de uma sistematização‖, eles precedem e determinam

a interpretação das regras jurídicas. Ainda que indiretamente, haverá a influência de um princípio para a construção de uma norma jurídica.

E prossegue esse autor (2014, p. 358) afirmando que existem princípios que integram o sistema porque assim o legislador decidiu – são princípios por decisão, que devem estar expressos nos textos jurídicos. E existem os princípios que são naturalmente reconhecidos no direito, princípios por natureza que não precisam estar explicitados nesses textos.

Também assegura Renato Becho (2014, p. 363) que enquanto os princípios possuem maior grau de abstração, generalidade e representam um valor a ser fomentado pelo sistema jurídico, as regras são dotadas de maior concretude e são menos gerais.

Notadamente por sua função valorativa, hermenêutica e organizadora do sistema jurídico, os princípios se sobrepõem às regras e devem ser considerados na interpretação destas últimas para a construção das normas jurídicas.

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 56) esclarece, porém, que a influência dos princípios na interpretação não significa dizer que eles são normas de interpretação, mas sim que eles orientam o intérprete na consideração dos valores perseguidos pelo ordenamento jurídico.

(21)

A segurança jurídica e a proporcionalidade são exemplos de princípios constitucionais implícitos no ordenamento jurídico, os dois de extrema relevância para a correta aplicação do direito.

Hoje, felizmente, houve uma grande redução na tradição juspositivista de somente aceitar a norma que esteja formalmente escrita nos textos jurídicos postos pelo legislador, isso é um avanço significativo que diminui a visão instrumentalista e formalista do direito. Portanto, com relação aos princípios e regras, eles podem isoladamente ou juntamente compor os textos jurídicos que formarão o conteúdo da norma jurídica apreendido mediante interpretação jurídica.

Na realidade tributária a obrigação do contribuinte de pagar o tributo advém de uma norma jurídica que é construída com base no sistema jurídico tributário e na Regra-Matriz de Incidência Tributária sobre a qual discorreremos.

A partir das várias interpretações que podem ser feitas da RMIT surgem grande parte das divergências do planejamento tributário e da possibilidade ou não de o contribuinte direcionar sua conduta para a obtenção da economia fiscal.

1.1.3 Regra-Matriz de Incidência Tributária

Para a formação da norma jurídico-tributária que obriga o contribuinte a pagar o tributo, há uma regra imprescindível: a RMIT – Regra-Matriz de Incidência Tributária.

A RMIT é um comando jurídico que define as circunstâncias específicas em que ocorrendo dará origem à obrigação tributária. Estruturalmente ela possui uma hipótese/antecedente, com os aspectos do fato jurídico tributário e um consequente/prescritor, com os aspectos da relação jurídico-tributária a ser instaurada, após a ocorrência do fato hipoteticamente descrito (Cf. CARVALHO, 2012, p. 417-418).

(22)

O consequente da RMIT, por sua vez, determina a relação jurídico-tributária que haverá entre os sujeitos ativo e passivo, especificando o (iv) critério pessoal, e (v) critério quantitativo, o quantum do tributo, que é identificado pela base de cálculo e alíquota.

Esses critérios são essenciais para que a norma tributária obrigue ao pagamento do tributo: critério material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo e veremos mais adiante que todos devem estar prescritos em lei, caso contrário, a norma jurídica não obrigará o contribuinte.

O planejamento tributário consiste em realizar condutas diversas, alternativas, das prescritas em lei, que tenha resultado prático idêntico ou assemelhado, mas sem dá ensejo à tributação, gerando uma economia fiscal.

O Fisco, direta ou indiretamente, para coibir tal diminuição da arrecadação, tentar provar a ilicitude da conduta que não foi tributada por ocultar o fato gerador, ou ainda, ampliar a interpretação da norma tributária para que ela passe a alcançar tais fatos pelos resultados que eles geram, situações que também veremos nos próximos capítulos.

1.2 Interpretação jurídica

Todo texto jurídico, por mais claro que possa parecer, deve passar pelo processo interpretativo. A interpretação jurídica não é apenas a leitura do texto e nem a mera busca do significado das palavras, a interpretação é a compreensão da íntegra do texto e do seu respectivo contexto.

Rubens Gomes de Sousa (1975a, p. 364) refere-se à interpretação

jurídica como um ―elemento integrante da metodologia aplicativa do direito‖, e, para

aplicá-lo, é preciso antes interpretar.

Para Renato Lopes Becho (2014, p. 160), a interpretação jurídica é a atividade mental e intelectual de formação da ideia sobre um texto jurídico (legislação, jurisprudência ou sobre a doutrina).

Hans Kelsen (1939, p. 75) já destacava que a interpretação é ―uma

(23)

desenvolvimento, desde o grau superior até aos inferiores – determinados pelos

superiores‖.

É por meio da interpretação que se constrói a norma jurídica, não basta a leitura dos textos escritos, sempre será necessário uma atividade intelectual para aplicar a norma ao caso concreto.

Não se sustenta mais o tradicional brocado ―interpretatio cessat in claris‖ de que se a lei é clara ela dispensa interpretação (MAXIMILIANO, 2003, p. 27), pois todos os textos devem ser interpretados para serem compreendidos e aplicados.

Diante da noção construtivista da interpretação, os intérpretes destacam-se no âmbito do direito, pois eles são responsáveis pela construção das normas jurídicas. São eles: os membros do Executivo, do Judiciário, do Legislativo, os advogados, contribuintes e demais particulares.

Dentre os intérpretes, se sobressai o Poder Judiciário, pois a sua interpretação é a única dotada de executoriedade, coercibilidade e de definitividade, já que suas decisões são acobertadas pela coisa julgada.

No Estado Constitucional Democrático, fundado na separação harmônica das funções legislativa, executiva e judicial, o Poder Judiciário não detém poder absoluto e ilimitado na sua função de intérprete do direito. Em regra, ele não pode inovar primariamente a ordem jurídica, ignorando os textos legais ao construir a norma, salvo se estes forem inconstitucionais ou ilegais, ou, ainda, nos casos de omissão legislativa que gere grave dano a direito fundamental.

Com a evolução do direito vários métodos interpretativos se desenvolveram, como o gramatical, lógico, histórico e sistemático (Cf. MAXIMILIANO, 2003, p. 87-106). Hoje se sabe que não há um único método interpretativo correto, todos são válidos e cada um tem sua própria utilidade.

Prevalece o método sistemático, porque realiza a interpretação contextualizada do texto, recusando a consideração isolada de um dispositivo, já que este, sempre estará inserido no sistema jurídico. Porém, não se pode afirmar que ela, a interpretação sistemática, será sempre utilizada, desconsiderando os outros métodos que também possuem relevância.

(24)

1.2.1 Interpretação das normas tributárias

Ao longo do desenvolvimento do direito tributário, Rubens Gomes de Sousa (1975b, p. 76-9) identifica três fases de interpretação: (i) interpretação apriorística; (ii) interpretação literal ou estrita; e (iii) interpretação teleológica.

Os critérios apriorísticos, como ―in dubio pro fisco‖ ou ―in dubio pro contribuinte‖, segundo Renato Lopes Becho (2014, p. 164), vincularam-se às primeiras exações que eram baseadas unicamente na vontade do soberano, muito embora nunca tenham sido pacificamente aceitos, ainda podem ser percebidos atualmente na cultura jurídica.

Sousa (1975b, p. 77) afirma que a primeira fase, a dos princípios apriorísticos, durou até a Revolução Francesa em 1789, com alguns períodos de exceção, como na Inglaterra em 1215 com a Carta Magna e, em 1688, com a Declaração dos Direitos.

Sobre a interpretação literal que é a segunda fase, Rubens Gomes de Sousa (1975b, p. 78) afirma que ela reduzia a intepretação a mera análise gramatical da lei, apresentando alguns problemas e distorções, pois o legislador pretendia objetividade na identidade entre o texto da lei e as circunstâncias reais do mundo fenomênico, a fim de suprimir a subjetividade do intérprete.

Sousa (1975b, p. 78) destaca, ainda, que o sistema legal que pretenda descrever todas as atividades humanas de forma rígida é típico de governos autoritários e totalitários.

Hans Kelsen (1939, p. 79) identifica outro problema relativamente ao método gramatical: ―o sentido da norma não é unívoco; quem tem de executá-la encontra-se ante multíplices significações dela‖.

Ezio Vanoni (1932, p. 190) destaca a utilização do método histórico-evolutivo na interpretação das normas tributárias em substituição ao método literal, porque nem sempre a formulação da lei era realizada de forma feliz. Para o autor ―as

leis tributárias surgem em função de necessidades imprevistas, que não permitem uma perfeita elaboração formal do preceito legislativo‖.

(25)

voltada para a vontade do legislador, mas sim deve considerar além da certeza do direito, ―a necessidade de realizar outros princípios tributários, entre os quais

especialmente o da facilidade e comodidade da arrecadação, e o da igualdade em

face do tributo‖.

Atualmente é cediço que não somente pela falha redacional dos textos jurídicos deve se utilizar também outros métodos interpretativos, além do gramatical.

Na última fase interpretativa narrada por Rubens Gomes de Sousa, fase teleológica – moderna em 1952, a interpretação deveria ser realizada levando em consideração a realização prática das finalidades que a lei pretendia alcançar.

E, para o autor (1975b, p. 79), a finalidade do direito tributário era a arrecadação, portanto, deveriam ser observados os efeitos econômicos dos atos e negócios jurídicos. A tributação de dois negócios distintos que produzam os mesmos efeitos econômicos deveria ser feita igualmente, mesmo que ambos possuam formas diferentes e que uma delas não estivesse prevista expressamente em lei (SOUSA, 1975b, p. 80).

O pensamento teleológico de Rubens Gomes de Sousa representa o núcleo da teoria da interpretação econômica que irá ser explorada mais a frente. Com ela o Fisco amplia, através da interpretação, a hipótese de incidência tributária para alcançar mais fatos imponíveis e diminuir ou até extirpar a possibilidade do contribuinte de realizar o planejamento tributário, sem a necessidade de alteração legislativa.

Frente à suposta autonomia do direito tributário, surge uma questão sobre a interpretação das normas tributárias, se estas deveriam ou não, passar pelo mesmo processo interpretativo das demais normas jurídicas, ou se elas possuem critérios próprios de hermenêutica.

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 52) afirma que não há motivo, ou especificidade que diferencie a interpretação do direito tributário dos outros ramos do direito. Nesse mesmo sentido, Renato Lopes Becho (2014, p. 164) ensina que a interpretação das normas jurídico-tributárias deve ser realizada nos mesmos termos das normas jurídicas não tributárias.

(26)

A fase que iremos nos referir é a atual fase de interpretação do direito, tomado em sua unidade, já que assentimos com Becho ao sustentar a não diferenciação da interpretação do direito segundo os ramos didáticos. Nesse sentido, essa parece ser a fase da interpretação constitucional do direito tributário.

O momento atual sofreu influência do movimento neoconstitucionalista. À Constituição foi reconhecida sua força normativa e sua superioridade em relação aos demais textos jurídicos, que não eram obrigados a observar dos valores constitucionais. As normas constitucionais priorizam a proteção das pessoas, de suas garantias e liberdades e elas passaram a assumir função de destaque na criação, interpretação e aplicação do direito, inclusive no direito tributário.

Antes da edição do CTN – Código Tributário Nacional, Ruy Barbosa Nogueira (1965, p.15) já ensinava que para a realização da interpretação do direito tributário deveria haver o exame da Constituição e de todo o resto do sistema jurídico-tributário.

Para o referido autor, as normas gerais e os princípios inscritos na Constituição são a base não apenas para a criação, mas também para a interpretação e aplicação das leis tributárias e deles se deve partir.

Ruy Barbosa Nogueira (1965, p. 24) ensina, ainda, que, dentre o arcabouço normativo constitucional tributário, dois possuem maior relevância: o princípio da igualdade e o princípio da estrita legalidade tributária que é uma das pilastras para que se alcance a segurança jurídica e assim aduz:

Em face desse princípio [segurança jurídica], em nosso sistema não pode ser aplicado método interpretativo de construção, integração, analogia ou extensão, de que resulte a criação ou modificação do tributo, pois se a lei não o previu, ele não pode surgir ou tornar-se maior ou menor, por outra via. O tributo só existe se criado por lei e na medida por ela criada.

Ao afirmamos que atualmente, em consonância com o neoconstitucionalismo, estamos na fase da interpretação constitucional, não estamos querendo dizer que as normas constitucionais são bastantes e suficientes para que se atinjam a correta interpretação e sua aplicação ao caso concreto.

(27)

De acordo com Willis Santiago Guerra Filho (2009, p.178-179), a atual interpretação deve iniciar a partir das bases e dos fundamentos constitucionais, considerando alguns princípios específicos da hermenêutica constitucional como o princípio da unidade da Constituição, da máxima efetividade e da força normativa das normas constitucionais.

No mesmo sentido, destaca-se a doutrina de Roque Antonio Carrazza (2012, p. 37-8), que afirma que ―as normas constitucionais devem receber a interpretação que maior efetividade lhes empreste‖, isso porque elas são os limites

do Poder Público e o fundamento de todo o sistema jurídico.

Roque Carrazza (2012, p. 55) acentua ainda que os princípios constitucionais exercem função importantíssima dentro do ordenamento, pois orientam, condicionam e iluminam a interpretação das demais normas, inclusive as individuais.

Não se pode estabelecer um único método de interpretação que se aplicará sempre, no direito tributário prevalece um pluralismo metodológico a depender do caso ao qual será aplicada a norma e também dependerá da relação intersubjetiva de que trata a norma jurídica.

Dentre as técnicas de hermenêutica, a sistemática se destaca. Como assevera Renato Becho (2014, p. 174) a técnica sistemática ―privilegia o aspecto de unidade do direito, sua sistematização e organização, que parte dos princípios mais superiores, indo até as regras mais próximas ao fato concreto‖. Mas, ainda sim, não podemos afirmar que ela sempre será a mais adequada para interpretar qualquer texto e em qualquer caso.

Dentre os métodos de interpretação, o teleológico foi inserido no art. 5º da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determinando ao juiz a consideração dos fins sociais a que a lei se dirige.

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1.2.2 Normas de interpretação no Código Tributário Nacional

A primeira codificação tributária nacional, que regulou o Sistema Tributário Nacional e dispor sobre as normas gerais tributárias, trouxe um arcabouço de regras de interpretação das normas tributárias, que pretendeu vincular o intérprete e impor modelos rígidos de hermenêutica jurídica.

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 3) assenta que as normas sobre interpretação jurídica são antigas, existem desde o direito romano, e geralmente determinando a proibição de interpretar, como o fez Constantino que reservava para si a função interpretativa.

Criticando a positivação dessas normas, o autor (2000, p. 21) afirma que elas são ambíguas, insuficientes ou redundantes, necessitando elas próprias de interpretação.

Especificamente sobre o direito tributário brasileiro, o legislador positivou no CTN normas de interpretação e de integração da legislação tributária. Tais dispositivos, para sua compreensão e correta aplicação, devem também passar por um processo interpretativo.

Muitas são as críticas à positivação dessas normas, e a maior parte da doutrina as julga desnecessárias. Ricardo Torres (2000, p. 25-26) entende que elas trouxeram mais dúvidas e insuficiências que solução aos problemas existentes e seu principal objetivo era a separação da interpretação e da aplicação do direito tributário.

Relativamente às normas positivadas no CTN, Torres (2000, p. 35) registra a diferença entre a interpretação e a integração é que

[...] na primeira, o intérprete visa a estabelecer as premissas para o processo de aplicação através do recurso à argumentação retórica, aos dados históricos e às valorizações éticas e políticas, tudo dentro do sentido possível do texto; já na integração o aplicador se vale dos argumentos de

ordem lógica, como a analogia e o argumento a contrario, operando fora da

possibilidade expressiva do texto da norma.

(29)

sabe que a interpretação jurídica também é um processo criativo em que a literalidade do texto jurídico é o início de criação da norma.

O CTN possui um capítulo específico para tratar do tema. O Capítulo IV do Título I, Segundo livro, do art. 107 ao art. 112 se ocupa da interpretação e integração. Não analisaremos todos os textos legais deste Capítulo, apenas os que influenciaram no desenvolvimento deste estudo.

Por aderir às críticas feitas a respeito do art. 107 do CTN, que dispõe que

―a legislação tributária será interpretada conforme odisposto neste Capítulo‖, iremos nos limitar a afirmar sua inutilidade, de acordo com Renato Becho (2011, p. 160) e Ricardo Lobo Torres (2000, p. 51).

O próprio autor do projeto desse Código (SOUSA, 1975a, p. 376), após acompanhar os primeiros anos de sua aplicação, afirmou que em uma atualização do CTN o referido dispositivo deveria ser simplesmente suprimido.

O art. 108 do CTN determina uma ordem sucessiva de métodos a serem utilizados quando da ausência de disposição expressa. Trata-se da integração da legislação tributária nos casos de lacuna. Vejamos:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a equidade.

§1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

§ 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 106) adverte para o tratamento das lacunas no direito, aduzindo que elas nem sempre justificam ou requerem a aplicação dos

métodos de integração, por vezes elas apenas caracterizam uma ―incompletude insatisfatória do direito‖. Dessa forma, nem toda ausência de disposição jurídica expressa significa uma lacuna na lei ou no direito, o silêncio por vezes pode significar a não norma.

(30)

Becho (2014, p. 177) critica ainda a ordem de preferência dos recursos interpretativos do artigo, pois sendo a analogia o primeiro recurso, certamente não precisaria dos demais, já que analogia é suficiente para resolver todos os casos em que haja ausência de lei.

Ao utilizar a analogia, o aplicador identifica uma ausência de norma específica em um determinado caso e para solucioná-lo, aplica uma norma que cabe em outro diferente e semelhante.

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 119) destaca que a analogia demorou a ingressar no direito tributário e depois, ao ingressar, passou a não ser vista com bons olhos para exigir tributo não previsto em lei – analogia gravosa.

Essa vedação da utilização da analogia para exigir tributo foi logo assentada no §1º, do art. 108 e consagra o princípio da estrita legalidade. Fato que é atacado por Torres, ainda na mesma obra (p. 136-137), que flexibilizando essa imposição, assevera que é ―tese positivista, ligada à defesa do liberalismo individualista, a da absoluta proibição da analogia na exigência dos tributos‖.

O autor (2000, p. 120) observa que a analogia deve se ater a alguns parâmetros como utilização apenas nos casos de insuficiência da expressão das palavras, necessidade de semelhança notável entre os casos, mas que, ainda sim, ela beneficia mais o Fisco que o contribuinte.

E mesmo reconhecendo os benefícios exclusivos do uso da analogia à Administração, Torres (2000, p. 141-142) afirma que ela deve atuar no espaço de indeterminação, nas imprecisões do direito tributário, uma vez que o princípio da legalidade é incapaz de sozinho dar nascimento a uma ordem tributária plena e completa.

Para o autor (2000, p. 142), que adere à tipicidade tributária aberta, como veremos mais a frente, pela impossibilidade do fechamento das normas tributárias e pela impossibilidade de perfeição da lei, o princípio da legalidade deve ser interpretado juntamente com outros princípios, como o da isonomia e o da capacidade contributiva, estes últimos devem ser considerados na utilização da analogia.

(31)

pela analogia, desamarrando-se da lei e, por critérios próprios, definir o que e quem deve sofrer a tributação.

É verdade que a lei em sentido estrito não pode sozinha criar toda uma ordem jurídica tributária. Nesse aspecto, é de alta relevância a atuação do Poder Executivo que no exercício do Poder Regulamentar completa a ordem tributária e facilita sua compreensão, tanto para o cumprimento por parte dos funcionários públicos, quanto por parte dos contribuintes.

Mas não compete ao Poder Regulamentar criar ou majorar tributo e nem determinar a regra-matriz tributária. Essa estrutura é reserva absoluta da lei, o que veremos mais detidamente no capítulo seguinte.

Não obstante o art. 108 considerar primeiramente os princípios específicos do direito tributário em relação aos princípios gerais do direito, Renato Becho (2014, p. 177) ressalta o caráter positivo do reconhecimento legislativo dos princípios e da equidade, sinônimo de justiça.

Talvez uma explicação, mas não justificação, para a priorização dos princípios específicos sobre os gerais seja uma tentativa de garantir a autonomia do direito tributário que ganhava força na década de 60 do século passado.

Andou mal o legislador ao restringir a utilização dos princípios jurídicos aos casos de ausência de disposição expressa, pois como vimos anteriormente, eles possuem função relevante para a interpretação, orientando o sentido dado ao texto pelos valores jurídicos.

O dispositivo seguinte, art. 109 do CTN, trata da utilização dos princípios de direito privado na definição dos seus institutos, mas não para a definição dos efeitos tributários e envolve a relação de interdependência entre os dois ramos do direito. E assim esse artigo dispõe: ―Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de utilizam-seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários‖.

O direito tributário ao determinar, por exemplo, que há tributação sobre a circulação de mercadorias estará limitado ao conceito de mercadoria previsto já no direito privado empresarial? O Fisco pode por analogia tributar um bem que não seja uma mercadoria, objeto do ato de comércio?

(32)

direito privado ele poderá prevê-los, desde que o legislador não ultrapasse sua competência constitucional.

Não significa que o direito tributário não possui independência em relação aos institutos do direito privado, mas sim, que, ao utilizá-los, será vinculado a eles, salvo se por lei tais institutos forem adaptados às necessidades da realidade tributária.

Para Renato Becho (2014, p. 177) esse art. 109 permite que ―a legislação

conceda efeitos especificamente tributários, sem ter, necessariamente, que seguir todos os rigores do direito privado‖.

A concessão dos efeitos tributários ou a modificação dos institutos de direito privado tem um limite inarredável. O Constituinte, ao eleger os critérios materiais que serão tributados pelos entes, escolheu alguns institutos de direito privado, essa definição faz parte da divisão da competência tributária, alterá-la, ainda que por lei, pode ocasionar a sobreposição de tributação e até a desestabilização do pacto federal, pelo conflito de competência.

Para Gomes de Sousa (1975a, p. 378) esse texto tem utilidade na distinção entre evasão e elisão, fornecendo ao aplicador do direito um mecanismo que possibilite combater as manobras de evasão.

Nesse sentido, Dória (1977, p. 99) defende que ―a lei tributária pode

expressamente alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e

formas de direito privado‖. No entanto, se a lei tributária não alterar ela estará vinculada ao regime jurídico que o direito privado lhe confere. Mas essa possibilidade de conceder efeitos próprios tributários é restringida logo pelo artigo seguinte do Código.

O art. 110 veda a possibilidade de alteração da definição, conceitos, alcance e formas de direito privado, previstos na Constituição Federal que definem ou limitam a competência tributária, justamente para evitar o conflito de competência entre os entes federados. Vejamos:

(33)

A Constituição, ao determinar minuciosamente aos entes federados as suas possibilidades de criação de tributos a partir de fatos e acontecimentos, distribuiu a cada um os critérios materiais dos seus respectivos impostos, delimitando a competência a fim de assegurar o equilíbrio e coexistência harmônica entre eles.

A expansão desses critérios pode ensejar o desvio e usurpação da competência, por isso o CTN proíbe a alteração dos conceitos constitucionais, já que foi com base neles que o Constituinte repartiu a competência tributária.

O art. 110 do CTN, de acordo com Ricardo Lobo Torres (2003, p. 81) fixa um limite para a competência legislativa relativamente à sua liberdade de dispor sobre os efeitos tributários a fim de preservar a repartição da competência tributária.

O art. 111 do CTN, por sua vez, determina a interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário, outorga de isenção ou dispensa do cumprimento de obrigações acessórias.

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 236) afirma que as proibições de interpretar os textos jurídicos sempre objetivaram a vinculação do intérprete à letra da lei para evitar interpretações extensivas e passíveis de conotações políticas, o que reduz a valoração jurídica e faz predominar a forma jurídica sobre o conteúdo das normas.

Para o autor carioca (2000, p. 236) a interpretação literal teve muito prestígio até o advento do Código Tributário Alemão de 1919 e do surgimento das ideias de consideração econômica do fato gerador disseminadas por Enno Becker, ideias que serão exploradas em momento oportuno quando tratarmos das teorias antielisivas.

Ao tratar dos artigos que versam sobre interpretação da legislação tributária no CTN – art. 107 ao art. 112, Rubens Gomes de Sousa faz uma crítica relativamente à eventual contradição existente entre o art. 112 e 118 do CTN, mas ele afirma que para a comissão de elaboração do projeto de lei ambos cuidam de assuntos diferentes: o primeiro, da interpretação da legislação, e o segundo, da interpretação do fato imponível, pois este último dispositivo está situado no título II do Código que trata sobre a obrigação tributária. E nessa oportunidade esse autor (1975a, p. 380) faz a seguinte ressalva relativamente ao art. 118:

(34)

definido na lei, por força do próprio Código (art. 97) e por sua vez por força da Constituição (art. 18, §1º) [atual art. 5º, II e 150, I]. De maneira que uma dicotomia entre a interpretação do fato gerador e a interpretação da lei não tem sentido: o fato gerador está na lei, ou não está na ordem jurídica.

O art. 118 do CTN cuida da interpretação do fato gerador (fato imponível), ou melhor, da qualificação do fato. Assim, dispõe este artigo:

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Para Ricardo Lobo Torres (2000, p. 261-2) o dispositivo supracitado cuida propriamente da interpretação econômica dos fatos, uma das teorias antielisivas que iremos abordar. Tal dispositivo teve como paradigma o art. 1º, inc. III da Lei de Adaptação da Alemanha, de 1934, que serviu para a manipulação política e fiscal do direito tributário. O dispositivo germânico foi revogado após a Segunda Guerra Mundial, por ser contrário à legalidade já que admitia a cobrança do tributo a partir do fato e não da lei.

Torres (2000, p. 272) entende que os incisos I e II, art. 118 são a autorização para a realização do lançamento pela Administração sem a investigação da validade jurídica ou dos efeitos dos fatos, sendo estes lícitos ou não.

Os dispositivos do Código acima tratados, art. 107 ao art. 112, que abordam a interpretação e a integração da legislação são de utilidade duvidosa e geram mais divergências do que orientação uniforme à aplicação do direito tributário. Parece ser mais segura a aplicação do método hermenêutico sistemático com a consideração do princípio da unidade e a máxima efetividade das normas constitucionais.

A compreensão do que seja a norma jurídica e a atividade de interpretação é fundamental para o conhecimento e aplicação da legislação tributária e principalmente aplicação da RMIT ao caso concreto, já que o fato gerador, do qual surge a obrigação tributária, é uma a obrigação legal.

(35)
(36)

2 LIBERDADE FISCAL E A LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

2.1 A liberdade e o tributo

A liberdade é um requisito para a existência do próprio direito. Com base

na doutrina de Kant, Renato Becho ressalta que ela funda uma lei universal ―age

externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a

liberdade de todos de acordo com uma lei universal‖ (KANT, A metafísica dos costumes, 2003, p. 77 apud BECHO, 2009, p. 240-241).

Não se deve confundir a máxima kantiana que é uma norma metafísica e prévia ao ordenamento jurídico, com o direito subjetivo de liberdade, que é garantido constitucionalmente. Com isso não se quer diminuir a importância desse direito constitucional.

O direito constitucional da liberdade está inserido num Estado que promove os meios de convivência e coexistência da coletividade, e que se propõe a assegurar, além de sua própria manutenção, a manutenção de serviços básicos à população, que também são garantidos constitucionalmente.

Para arcar com seus gastos, o Estado possui várias fontes de receita. Atualmente, sem dúvida, a mais importante é a receita tributária, que retira compulsoriamente do particular uma parcela de seu patrimônio.

Cumpre ao direito e especificamente ao direito tributário limitar essa retirada compulsória da parcela da riqueza dos administrados, contendo o Estado e permitindo a liberdade individual dos contribuintes e a proteção aos seus bens. Alberto Xavier (2001, p. 13) destaca a relevância que a liberdade possui no direito tributário e a íntima relação desta como o tema objeto desse estudo, o planejamento tributário:

(37)

A liberdade que o contribuinte possui relativamente aos seus bens e negócios jurídicos e o direito do Fisco de tributar são limítrofes: o Fisco só pode tributar por lei – nesse campo o contribuinte tem o dever de pagar, mas o que a lei não tributa está dentro da esfera do contribuinte de não poder ser tributado, mas há uma tensão na demarcação da linha limítrofe.

A tensão entre o Estado soberano e o contribuinte envolve basicamente a relação de interesses opostos existentes: o de tributar e o de não ser tributado. Fábio Fanucchi (1979, p. 301) relata que esse embate é eterno, ―um, desejoso de

arrecadar receita para seus cofres em porções cada vez maiores, e, o outro, tentando subtrair-se às imposições redutoras do seu patrimônio‖.

A liberdade fiscal é delineada pelo alcance do tributo instituído por lei,

este é o ―preço da liberdade‖, ―que distancia o homem do Estado, e pode implicar na

opressão da liberdade, se não o contiver a legalidade‖ (TORRES, 1991, p.3).

A questão da liberdade fiscal e da legalidade tributária atualmente é pouco explorada, provavelmente em virtude dos resquícios da postura juspositivista que desprestigia a filosofia e axiologia jurídica, conforme assenta Ricardo Lobo Torres (1991, p. 5):

No Brasil a meditação filosófica sobre o tributo desapareceu também aproximadamente em meados do século passado [XIX] e até hoje não retornou, prejudicada pelo cientificismo, pelo positivismo e pelo autoritarismo político, que esvaziaram o discurso da liberdade.

Destacamos que de 1964 até 1985, o Brasil viveu em regime de ditadura militar, com forte repressão e pouca margem para desenvolvimento e divulgação de estudos e pensamentos filosóficos sobre os direitos individuais. Porém, é necessário saber da liberdade que o contribuinte possui, quais seus limites, direitos e obrigações e quais os limites que cercam o Estado na atividade de fiscalização e tributação. Cremos que definidos estes limites a situação do planejamento tributário pode igualmente ser definida.

Referências

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