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O DUCTUS COMO ELEMENTO EMERGENTE NO DESENHO ANALÓGICO E NO DESENHO DIGITAL

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Academic year: 2021

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O DUCTUS COMO ELEMENTO EMERGENTE NO DESENHO ANALÓGICO E NO DESENHO DIGITAL

Arnaldo Nuno Ribeiro Mendanha Arriscado

Orientadores

Professor Doutor Pedro Mota Teixeira Mestre Jorge Marques

Projecto apresentado ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

Maio, 2018

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O DUCTUS COMO ELEMENTO EMERGENTE

NO DESENHO ANALÓGICO E NO DESENHO DIGITAL

Arnaldo Nuno Ribeiro Mendanha Arriscado

Orientadores

Professor Doutor Pedro Mota Teixeira Mestre Jorge Marques

Projecto apresentado ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

Maio, 2018

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Nome: Arnaldo Nuno Ribeiro Mendanha Arriscado Endereço electrónico: nmx@sapo.pt

Tel./Telem.: 910 099 088

Número do Bilhete de Identidade: 10994905

Título do projecto: O ductus como elemento emergente no desenho digital e no desenho analógico

Orientador(es): Professor Doutor Pedro Mota Teixeira Mestre Jorge Marques

Ano de conclusão: 2018

Designação do Curso de Mestrado: Ilustração e Animação

DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA DISSERTAÇÃO/TRABALHO

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, 15/05/2018

Assinatura: ________________________________________________

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i NOTA ELUCIDATIVA

O presente projecto principiou em 2012, antes da obrigatoriedade do novo acordo ortográfico, e, por isso, optámos por manter a língua portuguesa em conformidade com a grafia antiga.

Julgamos evitar, deste modo, situações dúbias e mais complexas de português.

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iii PALAVRAS-CHAVE

Desenho, Ductus, Tradicional, Digital RESUMO

Este projecto pretende discutir a importância do desenho no processo criativo inserido no contexto da era digital, por meio do uso de software específico com essas propriedades. A pertinência deste trabalho consta em identificar como os desenhos produzidos digitalmente conseguem preservar o ductus de cada pessoa. Pretende-se, com isto, não apenas rever e actualizar o desenho, as suas práticas e seus processos, mas também, debater o papel da linguagem e representação – analógica ou digital – e sua integração na área.

KEYWORDS

Draw, Ductus, Traditional, Digital ABSTRACT

This project discusses the importance of freehand drawing in the creative process inserted in the digital era, through the use of specific software with these properties. The relevance of this work consists in identifying how the drawings digitally produced can preserve the ductus of each person. It is intended with this, not only to review and update the design in the art of animation, its practices and its processes, but also discuss the role of language and represen- tation - analog or digital - and its integration in the area.

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Dedicado a todos aqueles que ousam abordar o Desenho como uma capacidade ou uma matéria viva integrante, que faz parte de nós de uma forma íntima, auxiliando-nos a partir do momento em que somos lançados para “a vida”, e até que esta finde.

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vii AGRADECIMENTOS

Agradecer é uma acção espontânea e devido às inúmeras pessoas que me ajudaram a am- pliar o meu saber estar, fazer e Ser, veiculando, directa ou indirectamente, a necessidade de começar e acabar uma demanda.

À minha mãe Irene e ao meu pai Mendanha, por serem modelos de coragem, agradeço a confiança, a ajuda e apoio incondicional, incentivo, amizade e paciência demonstrados e total ajuda na superação dos obstáculos que ao longo desta caminhada foram surgindo. Obrigado pelos valores que sempre me souberam transmitir.

À Vânia, à pequenina Matilde e ao Johan por terem sido um pilar nestes anos, apesar da distância.

À avó Matilde, ao avô Manuel, à madrinha Odete, ao padrinho Anacleto, ao tio Domingos e à minha prima Adelaide e ao Eduardo, à Lia e ao Bruno, ao avô Mateus, à bisavó Laurentina, não apenas pelo apoio mas sobretudo pelo carinho que sempre tiveram para comigo

À Liliana e aos gémeos Maria Mercedes e Manuel João, pelo novo sorriso paternal que me fizeram esboçar.

A toda a família Loureiro, agradeço.

Aos professores Pedro Mota Teixeira e Jorge Marques, orientadores da presente dissertação, agradeço por me terem encaminhado neste percurso com a sua competência e paixão pela Área.

À professora Paula Tavares por ser a maior impulsionadora deste mestrado que se revelou contagiante.

À Ana Fernandes e ao Manuel Sá, companheiros de estrada, por terem estado ao meu lado enquanto este trabalho parecia ainda incerto e muito longe do fim. Desenharmos 7000 e tal fotogramas foi mesmo uma grande aventura.

Ao clã da Ana Fernandes e também ao clã do Manuel Sá por todo o apoio.

Ao Padre David, ao Catedrático Coelho dos Santos, ao engenheiro Luís Amaral, e à avó Maria da Glória, por serem umas maiores referências e condutores espirituais na investida familiar no mundo da arte.

Ao tio Manuel e à tia Fátima, ao António, à Tirsa e à Isabel, à Elisabete, ao Zé Carlos e ao Miguel, à Iva Arriscado, ao Carlos Neiva, ao Domingos Carvalho e à Isabel Gomes, ao Mi- guel e ao Ricardo, ao Terramoto e à Celeste, à Guinha e à Eva, à Xano e ao João Carlos, à Sofia e à Mafalda, à Maina e ao Artur Arriscado, ao Zeca Arriscado, por toda a união de san- gue.

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Ao Zé Maria e à Judite, ao Pedro e Mariana, ao Luís Coutinho, à Melita, ao Baltazar, ao Hugo e à Cátia, ao Álvaro, à Augusta e ao João, à Piedade e ao Fernando, ao Porfírio, ao Rui e à Nocas, à Raquel e à Sara, à Leonilda, ao Zé Mário e Anabela, ao Manuel Vieira e à Beatriz Maciel, ao António Vieira, por toda a amizade de sempre.

À "nossa actriz" Marta e à mãe Manuela Guimarães, pelas presenças fantásticas e apoio total ao projecto prático. Sem as suas participações nada disto seria possível.

A toda à família Guimarães, muito obrigado.

Ao Miguel Barros, pela amizade e pela fantástica banda sonora criada para este projecto. Ao Paulo Praça, por todo o apoio.

Aos meus amigos Villares Pires, Carlos Magalhães, Sónia Barrias, Fernanda Loureiro, Rui Martins, César Jaques, Sónia Jaques, Patrícia Basílio, Fernando Carvalho, Rodrigo Vieira e Eduarda Novo, Alfredo Manuel, Filipe Neves e Rose Trombini, Rui Alexandre e Francisca, Rui Abreu e Carla Alexandra, Alexandre e Inês, Alberto e Liliana, Artur e Albert, Alexandra Fonseca, Alexandrina Saramago, Lizeth Coronel, Rita Almeida e Rui Costa, obrigado pela ajuda, alegria e atenção sem reservas.

Ao Daniel Novo e ao Samuel Novo, também ao clã Caseiro, por terem sido uns companhei- ros cinematográficos de eleição nesta nossa jornada nas lides da Animação.

À Patrícia Araújo, pela paciente revisão do texto e pela partilha de conhecimentos.

À Ana Palma e à Natália Matos pela maior amizade, pelo apoio disponível e preciosas suges- tões.

À Dra. Ana Matos, à Dra. Alzira Costa, por sempre terem tido «um relógio na algibeira» para mim.

À Direcção do Externato das Neves, pelo maior contributo na minha formação como docente.

Um agradecimento especial ao Dr. Carlos Seixo por me ter oferecido materiais que se revela- ram fundamentais na minha formação académica e pessoal.

O meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que contribuíram para a con- cretização deste trabalho, estimulando-me intelectual e emocionalmente.

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Índice

INTRODUÇÃO 1

APRESENTAÇÃODAINVESTIGAÇÃO 1

OBJECTIVOS 1

ENQUADRAMENTO E MOTIVAÇÃO 2

CONTEXTO 3

METODOLOGIA 5

CAPÍTULO I: O LUGAR DO DESENHO NA CONTEMPORANEIDADE 7

1.ACEPÇÃO DE DESENHO 9

2.DESENHO COMO CONHECIMENTO 11

3.DUCTUS COMO MARCA NO DESENHO 14

4.ACEPÇÃO DE DESENHO ANALÓGICO E DE DESENHO DIGITAL 28

CAPÍTULO III: A DELIMITAÇÃO DE UM REFERENCIAL ANALÓGICO 31

E DIGITAL NAS PRÁTICAS DO DESENHO CONTEMPORANEO 31

1. DESCRIÇÃO DOS RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLÓGICOS DO

REFERENTE 32

2.REGISTO ESCULTÓRICO DO REFERENTE 33

3. ABORDAGEM GRÁFICA ANALÓGICA DO REFERENTE 34

4. ABORDAGEM GRÁFICA DIGITAL DO REFERENTE 36

5. ANÁLISE REPRESENTATIVA DO REFERENTE 38

CAPÍTULO IV: ANÁLISE DOS RESULTADOS 39

1. A MANUALIDADE ANALÓGICA E A MANUALIDADE DIGITAL 41

2. OUTROS RESULTADOS DE EXPRESSÃO NO PRODUTO FINAL (CURTA METRAGEM

DE ANIMAÇÃO). 44

2.1.ÀPROCURADEUMCONCEITO ... 44

2.2.UMANARRATIVAMETAFÓRICA ... 47

2.3.ADÁDIVADOTEMPO ... 47

2.4.ORIGEMDOTERMO“TELE-SOFIA” ... 49

3. ENQUADRAMENTO GRÁFICO E COMPOSITIVO 51

CONCLUSÃO 63

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Índice de Imagens

Imagem 1. Estudo escultórico da personagem ‘Sofia’, por Nuno Mendanha • 33 Imagem 2. Noção de escala. Estudo escultórico por Nuno Mendanha • 33

Imagem 3. Registo gráfico analógico da personagem “Sofia”, em progressão, por Nuno Men- danha • 34

Imagem 4. Registo gráfico da personagem “Sofia”, por Nuno Mendanha. Versão finalizada. • 35

Imagem 5. Estudo gráfico digital de Sofia, em progressão, por Nuno Mendanha • 36 Imagem 6. Estudo gráfico digital de Sofia, por Nuno Mendanha. Versão finalizada • 37 Imagem 7. Estudo gráfico de Ayrton Senna por Nuno Mendanha • 45

Imagem 8. Referências a símbolos relevantes: à esquerda, o galo de Barcelos; ao centro, na camisola de Sofia, o logótipo do M.I.A. (Mestrado de Ilustração e Animação); e, à direita, a adaptação do logótipo de Ayrton Senna. Estudos Gráficos de Ana Fernandes • 51

Imagem 9. Retrato das grandes figuras da Fórmula 1 da década de 80. Apresentam-se de cima para baixo, da direita para a esquerda: Alan Jones, Keke Rosberg, Nelson Piquet, Nigel Mansell, Alain Prost, Ayrton Senna e um bólide da Ferrari e da McLaren. Registo gráfico de Nuno Mendanha • 52

Imagem 10. Retrato dos campeões de Fórmula 1 da década de 50 e 60. Da esquerda para a direita: Jim Clark, Juan Manuel Fangio, Nino Farina, Alberto Ascari, Mike Hawthorn, Jack Brabham, John Surtees, Graham Hill, Denny Hulme, Phil Hill, um bólide da Ferrari e outro da Mercedes. Registo gráfico de Nuno Mendanha • 53

Imagem 11. Detalhe das sapatilhas All Star de Sofia, o capacete de Juan Manuel Fangio e o pneu do Fiat 127, elementos sobre os quais se apresenta o nome de cada um dos elementos do grupo. Registos gráficos realizados por Manuel Sá. • 53

Imagem 12. Apontamento do storyboard e análise antropométrica da personagem principal.

Estudo de Ana Fernandes • 53

Imagem 13. Estudos antropométricos por Nuno Mendanha • 54 Imagem 14. Estudos antropométricos por Nuno Mendanha • 55 Imagem 15. Registo gráfico analógico por Nuno Mendanha • 58

Imagem 16. Registo gráfico analógico e digital por Nuno Mendanha • 60 Imagem 17. Registo gráfico analógico por Nuno Mendanha • 61

Imagem 18. Registo gráfico analógico e digital do cartaz publicitário da curta-metragem “Te- le-sofia” por Nuno Mendanha • 62

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INTRODUÇÃO

Entendemos, prontamente, o conteúdo programático do Curso de Mestrado em Ilustração e Animação, do Instituto Politécnico do Cávado e Ave, como complemento necessário na nos- sa formação pessoal.

O resultado da nossa discência e investigação no âmbito deste mestrado poderia, dada a essência da nossa actividade artística, conduzir à realização de um produto capaz de ex- pressar em si os conteúdos abordados. Por isso, decidimos por uma configuração de apre- sentação teórica, constatando que tal resultado só seria praticável enquanto reflexo de uma investigação conjectural profunda. Este campo de reflexão é essencial para a nossa forma- ção não só como escultor, mas também como docente da disciplina de Desenho.

APRESENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO

Este projecto pretende investigar quais são os efeitos das tecnologias digitais no desenho e descobrir em que medida estas proporcionaram transformações estéticas na sua representa- ção gráfica. A presente dissertação analisa e compara as técnicas de desenho analógico, vulgo tradicional, com os métodos do desenho digital, demonstrando as suas consequências num produto por nós realizado. Com efeito, esta investigação procura compreender se mes- mo com a tecnologia digital o desenho ainda preserva o ductus de cada autor ou se este elemento se perdeu ao longo do processo de informatização.

OBJECTIVOS

Nesta dissertação foram estabelecidos dois parâmetros de investigação, um de ordem práti- ca e outro de abordagem teórica. A primeira vertente, de ordem prática e experimental, tem como objectivo a participação deste investigador, num projecto de animação.

Na segunda temática, de ordem teórica e de investigação, foram estipulados os seguintes objectivos:

(a) Apreciação de quais os efeitos da entrada das tecnologias no Desenho e des- cobrir em que medida estas proporcionaram transformações estéticas na sua representação gráfica e se a componente criativa continua a cargo da capaci- dade humana.

(b) Análise e averiguação do conceito de Desenho e de Ductus;

(c) Pesquisa e apresentação de estudos de desenhos, tradicionais e digitais, com questões estruturais e formais a partir de um produto escultórico;

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(d) Análise dos processos e procedimentos artísticos sob a luz das possibilidades da tecnologia do desenho tradicional e do desenho digital, quando as imagens ganham novas formas dinâmicas e novos padrões de movimento, partindo de uma divisão de estágios da imagem.

ENQUADRAMENTO E MOTIVAÇÃO

Contemporaneamente o Desenho é uma arte demarcada pelas transformações tecnológicas, tanto o seu aparecimento como o seu ulterior desenvolvimento estão relacionados com ino- vações da tecnologia. Presentemente estamos perante a inclusão da tecnologia digital no Desenho, que também traz diversas transformações e a abertura de novas possibilidades técnicas e estéticas.

De um desenho tradicional realizado a lápis e papel no seu processo primordial, o desenho vê-se transformado por outras linguagens técnicas (numa abordagem digital), onde o traço é dissolvido num simulacro através do software de um computador.

O aparecimento da representação digital proporciona a hibridização entre os meios de forma inédita. Hibridização entre as díspares imagens de desenho a partir do momento em que se encontram digitalizadas. Os limites entre os tipos de imagens são quebrados a partir de uma tecnologia que as reconhece, ou faz a “translação” entre as mesmas.

Partindo desta ideia de hibridização, procuramos analisar as suas consequências no univer- so do Desenho, dando destaque às possibilidades estéticas trazidas pela tecnologia digital.

Hodiernamente, existem muitas conjecturas a respeito da influência da tecnologia digital no Desenho e nas artes em geral.

Presenciamos uma “revolução do digital” que assolou o terreno artístico. A interferência des- ta tecnologia é muito grande, transformando a linguagem do Desenho, bem como a de todos os Média em geral. Perante tais acções, muitas visões mais puristas defendem que a tecno- logia digital vai ditar o decesso do desenho tradicional.

Na nossa pesquisa, não temos a intenção nem de alardear uma revolução tecnológica, nem de defender que o Desenho como conhecíamos até então desapareceu. O que aqui preten- demos é apurar quais os efeitos da entrada das tecnologias digitais e descobrir em que me- dida estas proporcionaram transformações estéticas na sua representação gráfica através do desenho.

É justamente este ponto que nos interessa, a fim de situar o Desenho e a sua representação nos dias actuais. É essencial compreender-se como essas transmutações alteram, tanto a questão, como a maneira de se pensar o Desenho.

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3 CONTEXTO

Esta dissertação é parte dos estudos e actividades que foram desenvolvidos para a criação de uma curta-metragem de animação – parte prática integrante do mestrado. Desenvolve- mos pesquisas de temas relacionados com o código da representação dando protagonismo aos processos cognitivos presentes na percepção da animação concebida. Procuramos as- sinalar as distintas perspectivas teóricas e práticas existentes na relação dos meios de re- presentação analógicos e digitais, atentos às relações processuais e metodológicas existen- tes entre elas. As actividades de extensão desenvolvidas constituem o campo de aplicação das pesquisas e têm como objectivo o questionar dos limites e das funções adoptadas. Desta forma, visamos destacar os vínculos de representação, artísticos ou não, e o entendimento crítico e propositivo de espacialidade movimentacional do desenho.

Este projecto está vinculado à linha de pesquisa da curta-metragem de animação “Tele- Sofia”, que tem como objectivo debater o papel dos suportes analógicos e dos recentes mei- os digitais de desenho, no processo e na formação do pensamento gráfico a partir de uma animação. Pretendemos adoptar a experimentação como campo possível para captar factos que contribuam para tal debate, onde as diversas lógicas de pensamento se transmitem e proporcionam um desdobramento em novos processos cognitivos.

O mundo contemporâneo é distinto pela abundancia dos meios de comunicação visual e da indústria do entretenimento, descendentes do progresso tecnológico. Esses ingredientes estremam um horizonte norteado pela imagem, que exalta o espectáculo e o efémero. En- tende-se, no entanto, um renascer da discussão e consideração das qualidades intrínsecas do desenho executado à mão nos modos de criação. Depois de alguma sedução no uso de programas de ajuda no desenho digital, o debate começa a matizar o regresso ao desenho tradicional objectivo. Não obstante o facto de os médios de representação se renovarem e as tecnologias se desenvolverem aceleradamente, os desenhos à mão, croquis ou esboços, são e continuarão a ser o recurso intelectual fundamental no processo inicial de qualquer obra.

Partindo deste pressuposto, os meios de desenhos digitais alargam o universo de multiplici- dades e adregos entre fases de criação e redução, entre o movimento oscilatório men- te/corpo, entre a ideia e a representação, exclusivos da produção dos croquis.

A hibridização é a explicação atribuída às necessidades e potencialidades no processo de projectar. Um dos grandes pontos desta pesquisa é a pretensão de estruturar uma visão sobre o desenho à mão livre no processo de criação de um registo gráfico, considerando a complexidade colocada em pauta pela hibridização entre meio analógico e o meio digital.

Talha-se a análise comparativa entre o meio analógico puro, desenho sobre papel, e os mo- dos digitais de captura do gesto de desenhar, com o intuito de alcançar novas relações de qualidade entre a via de representação e o método cognitivo característico do acto de projec- tar numa superfície.

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O trabalho prático resulta de um processo de investigação teórica. Elegemos desenvolver um trabalho prático onde aplicaríamos os conhecimentos adquiridos no Mestrado de Ilustração e Animação ao longo destes últimos dois anos, concretizando um filme de animação. É, pois, natural que depois de dois anos a frequentar um mestrado com uma componente prática muito forte, a presente dissertação tenha resultado num trabalho teórico apoiado no trabalho prático. São apresentadas imagens do trabalho realizado, não pretendendo porém que este seja visto como uma mera experiência demonstrativa de uma investigação teórica.

Tendo tido já a possibilidade de produzir trabalho profissional na área do desenho, utilizando a informação recolhida neste mestrado, aproveitamos este espaço a que se chama disserta- ção para exactamente, tergiversarmos sobre algumas problemáticas desta área, e de pro- pormos o projecto de uma curta de animação como trabalho prático. Este coloca em paralelo duas questões que nos parecem pertinentes no que diz respeito ao desenho analógico e ao desenho digital, sendo portanto demonstrativo de uma situação, e não um resultado conclu- sivo.

Pelo facto de termos uma formação em Artes Plásticas - Escultura, e termos continuado a estudar tecnologias que nos deram acesso a novos meios de expressão, sentimos a neces- sidade de ponderar toda a aprendizagem que desenvolvemos, desde a Faculdade de Belas Artes até ao Instituto Politécnico do Cávado e Ave. Achamos que este momento funcionou como um momento de reflexão, onde pensamos sobre o que tínhamos aprendido, e o que poderemos fazer com essa aprendizagem. Sentimos que esta aprendizagem fortaleceu e consolidou a ideia de que ambas as práticas possam interagir como um só conhecimento.

Deste processo reflexivo surgiu a concretização do trabalho teórico /prático.

Devido ao facto de a presente dissertação se concentrar no estudo dos metodologias e pro- cessos em ambas as práticas, a prática digital e a prática analógica, no que diz respeito à concretização de trabalhos artísticos, limitamos a apresentação da nossa proposta prática a um filme de animação e respectivos estudos gráficos. O filme representa a procura do seu

“corpus” em si, da sua “pele”, segundo características formais e construtivas, recorrendo para isso a desenhos, feitos a lápis ou esferográfica, com tinta acrílica ou aguarelada, sobre qual- quer suporte de papel e estudos escultóricos da personagem principal. Numa fase em que o objecto já existia formalmente recorremos ao desenho digital, que permitiu uma visualização mais próxima do aspecto gráfico final do mesmo.

Sentimos a necessidade de pensar e reflectir sobre as tecnologias digitais, quais as suas metodologias, práticas e estratégias na realização de um trabalho artístico. Por leccionarmos disciplinas de Artes, de há dezoito anos a esta parte, no mundo académico, e sermos con- frontados constantemente com questões que têm que ver com a introdução do computador

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como mais uma ferramenta na prática do desenho dito tradicional, achamos pertinente apro- fundar questões que foram surgindo em ambas as práticas.

A concretização do trabalho resultou de uma investigação teórica- prática, que se desenvol- veu ao longo do tempo com o apoio dos orientadores Professor Doutor Pedro Mota Teixeira e do professor Mestre Jorge Marques. Assim, a parte prática teria o seu resultado final num filme de animação tradicional.

METODOLOGIA

Em sintonia com a sinopse inicial e os pressupostos de fundamentação, pretendíamos ter iniciado a pesquisa que levaria à elaboração do nosso trabalho a partir da análise da obra – curta-metragem de animação - que resultou da prática e da sua argumentação conceptual.

Esta evidenciava-se como a direcção mais indicada a seguir nos domínios do Desenho: um estudo objectivo de registos gráficos, reflexo de um aprendizado realizado no Instituto Poli- técnico do Cávado e Ave, acompanhado de uma apreciação dos arquétipos que estiveram na base da sua concepção e realização. No entanto, as condicionalidades, que a evolução de uma investigação desta natureza acarreta levaram-nos a adoptar uma metodologia dife- rente.

Em conclusão, encarámos, a necessidade de começar por pesquisar de forma regular o abrangente e difundido material recolhido sobre o tema. Esta abordagem e os seus resulta- dos permitir-nos-iam solidificar um conjunto de conhecimentos, de forma científica e objectiva, que nos orientasse na investigação de outras informações, isoladas ou dispersas, que entre- tanto iam sendo encontradas.

A abordagem da interpretação da realidade através do desenho, tal como a geramos, movi- menta diferentes vertentes do conhecimento de forma integrada, que se articulam entre si, adoptando diferentes níveis de importância em cada uma das fases de desenvolvimento.

Neste sentido, estabelecemos inicialmente três abordagens fundamentais de pesquisa: o referente na sua dimensão formal escultórica, o referente numa abordagem tradicional do desenho e, por último, o referente numa abordagem digital do desenho. Surgem assim, su- mariamente, as abordagens deste trabalho que se ocupam da problemática do Lugar do Desenho na contemporaneidade.

Materializada esta inicial parte do percurso, considerámos ser benéfico para o seguimento da investigação proceder desde logo à composição do trabalho que, tendo por base a interpre- tação do material já realizado, trataria de reorganizar e demonstrar a importância fundamen- tal que a representação objectiva potenciaria no desenho analógico e no desenho digital.

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Após o alinhamento desta tarefa inicial chegámos à conclusão que as analogias que quería- mos ver estabelecidas entre o desenho tradicional e o desenho digital seriam mais facilmente apreendidas se a organização do trabalho se tornasse mais objectiva e integrada num só referente. Assim sendo, elegemos por referente uma escultura (busto), por nós realizada da principal personagem do filme de animação. Portanto, optámos pela fusão das questões temáticas fulcrais (o desenho digital e o desenho tradicional) ao longo de todo o capítulo que entretanto se foi materializando, criando encadeamentos estruturais comuns em todos os temas abordados.

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CAPÍTULO I: O LUGAR DO DESENHO NA CONTEMPORANEIDADE

Presenciamos a mutação da ‘sociedade da imagem’ para a ‘sociedade da interactividade’ de uma forma muito acelerada. Com efeito, a sociedade de Gutenberg, posteriormente alterada por Marconi, que tornou a humanidade, a partir dos anos 60/70, numa célula dos mass media, está agora a cambiar vertiginosamente com as novas tecnologias fomentadas na década 90 para os ‘self media’. Para a pesquisadora Diana Domingues “a vida vem-se transformando, com uma série de tecnologias que amplificam nossos sentidos e nossa capacidade de pro- cessar informações” (Domingues, 1997: 15).

Como sequela desta evolução, expandem-se as condições de participação dos cidadãos na comunhão social. Estes cada vez menos presenciais e cada vez mais virtuais. Somos con- frontados de imediato com uma questão que se adensa com a evolução tecnológica: o que é

"estar presente"? As concepções de espaço e tempo têm de ser reequacionadas fora dos arquétipos filosóficos que têm norteado a racionalidade humana desde a antiguidade. Este Mundo Digital altera não só as coordenadas espaço/tempo, mas também alguns dos alicer- ces basilares da existência humana: a linguagem alfanumérica está a destronar a linguagem analógica que ao longo dos séculos serviu de código ao pensamento humano. De acordo com esta dicotomia constata-se que o Desenho, enquanto processo e forma de pensamento, se transforma conforme as circunstâncias tecnológicas que se estabelecem na sua fase de produção.

The computer, in one way or another, touches every facet of our daily lives.

Most households today have a computer. Usually it is used to perform the basic functions of today’s technology-driven society: email, access to the Internet, work and, of course, games. The computer also puts at your disposal the tools that allow you to be creative. (Pendarvis, 2014: 8)

Através do suporte digital novas relações tornaram-se viáveis no panorama social actual no qual a base digital está intercalada na operacionalidade social. Bastantes dimensões vitais da sociedade presente são dependentes das interfaces electrónicas. Por isso, tal como nos refere Daniele Starck, actualmente a tecnologia digital é um meio presente no ambiente de produção de um artista.

[...] O app já está no imaginário das pessoas — tem seu nome conhecido até por quem não trabalha com foto, design ou mesmo computadores —, e é res- ponsável por verdadeiras obras de arte do design digital [...] (Starck, 2013: 3)

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No século passado, antes deste tipo de tecnologia gráfica chegar ao utilizador comum era necessário ao mesmo uma prática pelo vasto mundo dos materiais analógicos tradicionais para produzir imagens. Contemporaneamente começa a ser vulgar o utilizador desenvolver as suas habilidades e sensibilidade artística única e exclusivamente por computadores sem nunca ter tido contacto e até mesmo qualquer tipo de interesse por materiais riscadores da área. O incremento das máquinas e o seu consumo pelas pessoas é determinado por ques- tões de ordem prática, cultural e económica, assim como pela permeabilidade destas em aceitarem a tecnologia. Vani Moreira Kenski afirma que, nessa conjuntura, “o homem transita culturalmente mediado pelas tecnologias que lhe são contemporâneas” (2007: 21), as quais metamorfoseiam os seus pensamentos, sentidos e actos:

A evolução tecnológica não se restringe apenas aos novos usos de determina- dos equipamentos e produtos. Ela altera comportamentos. A ampliação e a ba- nalização do uso de determinada tecnologia impõem-se à cultura existente e transformam não apenas o comportamento individual, mas o de todo o grupo social. (Kenski, 2007: 21)

Embora tal cenário não seja estranho, pode-se perceber que, longe de uma substituição de técnicas, o que acontece é justamente a mescla dessas duas formas de expressão. Os artis- tas cada vez mais empregam uma variedade de métodos e técnicas que cruzam a fronteira entre a plasticidade analógica e a digital. No entanto, quer escolham uma vertente ou outra, o denominador comum será sempre a práxis sustentada pelo cogitar com a materialidade do Meio e com a imaterialidade do pensamento, onde desenho não é mais do que a face obser- vável dos aspectos interiores que se descobrem, que se apresentam.

Nada se «sabe» do desenho se não se desenhar, porque a aprendizagem do desenho só pode acontecer desenhando, na condição de abertura e de contac- to com a experiência, com a prática e os seus próprios signos. (Silva, 2004:

348)

O termo desenho é citado actualmente com numerosas importâncias e interpretações na sua utilização e no seu sentido. Por isso, naturalmente, sugerir um debate que aborde o conceito de desenho no campo alargado, no campo ampliado, ou em qualquer outro sinónimo em voga, presume a reconstrução de uma tessitura de teorias da arte que caberia num único estudo, específico, deste conceito que é amplo por si. Contudo, é imprescindível traçar um breve recorte conceptual, sem partir para qualquer tipo de categorização, mas que nos pos- sibilite a compreensão de como esta “linguagem” se insere no contexto da arte contempora- neamente.

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CAPÍTULO II: DESENHO COMO LINGUAGEM

1. ACEPÇÃO DE DESENHO

São diversas as origens do termo desenho. Do latim, o termo é oriundo de designare, Estas formas são provenientes do latim designare, designar (designas > tu de- signas, designatum > designado), marcar, traçar, notar, desenhar, indicar, de- signar, dispor, ordenar, mais uma vez corroborando a superação de um pre- tenso ato meramente físico ou imitativo. Diga-se ainda que outras expressões latinas sob as quais se pode encontrar o significado de desenhar estão, como veremos mais adiante, as de figura, scribo, conceptio, conceptionis. A palavra italiana conserva até hoje esse conjunto de acepções: desenho, projeto, idéia.

Disegnare é “representar el” ímmagene di qual cosa per mezzo di linee e segni (...) senza ausílio di righe, squadre o altristrumenti”, é “idearenellelinee essen- ziali, abozzarenellamente”, é “avere in animo, proporsi”, é indicare, designare”.

Disegnare é “formare, raffigurare”, é “ideare nelle line e essenziali; abozzare nella mente”, é “shema, abbozzo di un texto”, é “piano, propósito, intenzione.

(Martins, 2007: 4)

O desenho é a arte visual de representar algo numa abordagem bidimensional ou tridimensi- onal através de diversos instrumentos ou métodos. No seu primeiro momento (esboço, es- quisso ou garatuja) surge como a mais autêntica representação de um autor. Pela linha ele expõe de forma espontânea os seus conhecimentos e emoções, aferindo ao que realiza uma linguagem exclusiva. Assim, tradicionalmente é usado o lápis sobre um papel, mas também se pode desenhar com diferentes materiais riscadores sobre outras e variadas superfícies, inclusive na pantalha de um computador, de forma digital com um rato, com uma caneta ópti- ca ou num tablet.

Desenho é um substantivo que radica na palavra latina designu e que se refere a um registro gráfico inscrito sobre um suporte bidimensional. Esse termo en- globa uma variedade de grupos de registros gráficos de tipos diversos, e cujo emprego vulgar, por abuso, pode inclusivamente referir-se a qualquer imagem bidimensional. O desenho é feito, habitualmente, sobre um suporte plano, tem existência num “mundo bidimensional”, e tudo o que é do âmbito dessa disci- plina artística ou existe num espaço de duas dimensões ou, quer por sugestão, quer por transposição geométrica, é tornado bidimensional. Aquilo que o nosso cérebro se deixa iludir como sendo espaços, volumes, texturas, formas e até objectos identificáveis, vêem os nossos olhos serem pontos, linhas, planos e manchas distribuídos sobre uma superfície. (Rodrigues, 2000: 17)

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É também o desenho um registo gráfico realizado a partir de estudos prévios ou posteriores de qualquer objecto visionado. Desta forma, este é um valioso instrumento para a actividade cognitiva. Naturalmente, enquanto se desenha, conhece-se o objecto. Não só a sua forma, mas inclusive as suas qualidades, densamente.

De acordo com uma visão ainda mais simplificada o desenho é um suporte artístico ligado à realização de obras em duas dimensões. Pode ser observado como método, como processo, produto ou resultado artístico.

O desenho implica uma atitude do desenhador (desígnio) em relação à realidade ou ao Meio:

o autor pode pretender reproduzir a sua visão da realidade, transformá-la, aportá-la ou inter- pretá-la com as particularidades inerentes da bidimensionalidade ou, como na especificidade do desenho de perspectiva, a conspecção da tridimensionalidade.

O acto de desenhar é também o princípio basilar da comunicação verbal escrita. Surgiu quando foram colmatadas as necessidades básicas de sobrevivência e se procurou algo mais profundo e denso, algo para lá de uma simples existência animal, com toda a sua sim- bologia de elevação e alento. Tal como Ana Rodrigues nos justifica:

Ao começar a pensar na pergunta “por que se desenha?”, entramos numa área de preocupações bastante diferentes, pois abordamos o problema das finalida- des, cujas respostas poderão variar desde as situações perfeitamente objecti- vas e claras do desenho usado como ferramenta de trabalho até outros casos, em que o desenho, expressão gráfica de um sentir estético, tem como finalida- de sua própria existência de obra plástica e um objectivo indefinido, de perple- xidade existencial. (Rodrigues, 2000: 25)

Assim nasceu o desenho e o desígnio de Arte. Partindo (do latim ars) é o conceito que en- globa todas as criações realizadas pelo ser humano para expressar uma visão/abordagem sensível do mundo, seja este real ou produto da imaginação. Através de meios plásticos, linguísticos ou sonoros, a arte possibilita exprimir ideias, emoções, percepções e sensações.

A história indica-nos que, com o aparecimento do Homo Sapiens (nome dado à espécie dos seres humanos, de acordo com a classificação taxonómica, e também expressão latina que significa literalmente “homem sábio” ou “homem que sabe”), a arte teve uma função ritual e mágico-religiosa, que naturalmente foi sofrendo alterações ao longo do tempo. Face a isto o desenho é naturalmente tão antigo como a Humanidade.

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11 2. DESENHO COMO CONHECIMENTO

No campo das Artes Visuais é inquestionável o remeter da palavra observar para o desenho de observação. Desenhar é o acto de concentração/atenção sobre um objecto em sincronia com o sistema motor e sistema sensorial na execução de uma acção. Os olhos e restantes órgãos sensoriais têm de ser treinados, tanto na percepção dirigida como no registo, simulta- neamente. O acto de observar enquanto se pratica o desenho acciona sistemas neurais que possibilitam a compreensão do objecto observado de uma outra maneira.

António Damásio (2000) remete a questão da consciência que funda os seus próprios esta- dos de possibilidade, geração e funcionamento perante um referente. Explica o problema da ligação entre as cadeias da consciência de si e do Meio envolvente (dos referentes/objectos), desenvolvida entre distintos níveis e avaliada até à luz de determinados mistérios. O autor orienta toda a ulterior pesquisa presente em O Sentimento de si ao apurar como é que o cérebro humano "engendra" o que, desde logo, se designa como "imagens de um referente", ou seja, tudo o que logre ser representado, ou "que se dê a conhecer" no desenrolar do pro- cesso de consciência.

As imagens são construídas quando nos ocupamos de objectos do exterior do cérebro para o seu interior, desde pessoas e lugares a dores de dentes; ou quando reconstruímos objectos a partir da memória, do interior para o exterior.

A produção de imagens nunca pára, enquanto estamos acordados, e mantém- se até durante uma parte do sono, como pode demonstrar sempre que sonha- mos. As imagens são a moeda corrente da mente. As imagens formaram-se em primeiro lugar como imagens de fonemas e morfemas – imagens auditivas, visuais ou somatossensoriais -, e só depois foram colocadas nesta página de forma escrita. (Damásio, 2000: 379)

Também justifica como é que, por outro lado, o cérebro "gera o sentido de si no acto de en- tender esse objecto". De outra forma, sendo verdade que a mente é influentemente preen- chida por imagens que correspondem a "percepções externas da realidade", ou a percep- ções "daquilo que se recorda" (ambas representações de referentes/ objectos), ela é equita- tivamente preenchida por uma segunda e sincrónica presença que representa o próprio índi- ce imagético ou vocabulário do sujeito, enquanto "proprietário das coisas imaginadas".

Todo artista tiene que apoyarse en un vocabulario de formas, y el conocimiento de esse vocabulario, más que el conocimiento de las cosas, es lo que distingue al artista diestro del inexperto. (Gombrich, 1982: 16)

Só se desenha aquilo que se conhece, só se de desenha em plenitude algo quando somos proprietários desse algo imaginado, quando temos o conhecimento total formal desse mesmo

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objecto, quando vemos além daquilo que os olhos observam. Por isso, desenho é conheci- mento.

Learning to draw is really a matter of learning to see – to see correctly - and that means a good deal more than merely looking with the eye. (Nicolaides, apud Edwards, 2012: 3)

O desenho é o eternizar de uma ocasião irremediavelmente passageira através de um apon- tamento que se desenvolve no tempo e no espaço. Assim como Francisco Silva (2005) nos justifica:

Num determinado horizonte temporal tudo é provisório, passageiro. (…) O de- senho é o que permanece de uma certa configuração do mundo tal como o vemos ou desejamos ver; é um modo de resistirmos á contínua dissolução das formas. Contrariando o tempo e o esquecimento o desenho afirma: Estive aqui;

vi (ou podia ter visto) isto. (Silva, 2005, p.7)

De acordo com o dicionário (Houaiss, 2009), o gesto é o movimento do corpo, nomeadamen- te das mãos, braços e cabeça, espontâneo ou mecânico, que revela uma condição psicológi- ca ou o desígnio de expressar ou executar algo; aceno, mímica. Define-se também como uma forma do ser humano se expressar; atitude, acção. O desenho é também essa mesma acção que se grava num suporte. Por outras palavras, Heidegger (2010) esclarece que todo o movimento da mão em cada um dos seus actos conduz ao pensamento. Toda a acção da mão está enraizada no pensamento.

A ideia de pensar com as mãos pode também ter uma carga imagética inspirada nas pala- vras de José Saramago, sobre a gravura de David e Almeida, quando afirma que os criado- res têm como que pequenos cérebros na pontas dos dedos.

São poucos os que sabem da existência de um pequeno cérebro em cada um dos dedos da mão, algures entre a falange, a falanginha e a falangeta. Na ver- dade, aquele outro órgão a que chamamos cérebro, esse com que viemos ao mundo, esse que transportamos dentro da cabeça e que nos transporta a nós para que o transportemos a ele, nunca conseguiu produzir senão intenções ge- rais, vagas, difusas, e sobretudo pouco variadas, acerca do que as mãos e os dedos deverão fazer. Por exemplo, se ao cérebro da cabeça lhe ocorreu a ideia de uma pintura, ou música, ou escultura, ou literatura, o que ele faz é manifes- tar o desejo e ficar depois à espera, a ver o que acontece. Só porque despa- chou uma ordem às mãos e aos dedos, crê, ou simula crer, que isso era tudo

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quanto se precisava para que o trabalho, após umas quantas operações exe- cutadas pelas extremidades dos braços, aparecesse feito. (Saramago, 1999)

O gesto realçado pelo toque de um dedo numa superfície de barro é diferente da marca im- pressa por um utensílio. Os cunhos marcados por um martelo pneumático são diferentes das incisões provocadas por um ponteiro ou um cinzel. O movimento de um pincel sobre uma tela de linho acarreta determinadas propriedades. E o sentido movimentacional de uma cane- ta óptica também perpetua diferentes direcções estéticas na pantalha de um computador.

Assimilar as faculdades das tecnologias e harmonizá-las com as idiossincrasias de cada um é tão relevante como construir uma linguagem coesa que traduza de forma consistente e sólida uma obra no seu tempo. A Mão, pelas suas aptidões de tacto e de preensão, através do cérebro, reafirma a compreensão, o conhecimento, a memorização das formas e a identi- ficação do Meio.

O cérebro da cabeça andou toda a vida atrasado em relação às mãos, e mes- mo agora, quando nos parece que passou adiante delas, ainda são os dedos que têm de lhe explicar as investigações do tacto, o estremecimento da epi- derme ao tocar numa ferramenta, a dilaceração aguda do raspador, a morde- dura do ácido na chapa, a vibração contida de uma folha de papel deitada, a orografia das texturas, o entramado das fibras, o abecedário em relevo do mundo. (Saramago, 1999)

Concomitantemente, é também uma via de comunicação da dialéctica das relações humanas.

Se deu à humanidade a sua marca pessoal, individualizou-a, e permitiu-lhe concretizar o pensamento através do desenho. Impulsionou a evolução do pensamento, bem como a emergência da Humanidade que se tornou criadora “pelo espírito e pela mão” no seu derra- deiro gesto Adâmico.

Nunca teve a curiosidade de perguntar a si mesmo por que razão o resultado final desse processo manipulador, sempre complexo mesmo nas suas mais simples expressões, se assemelha tão pouco ao que havia imaginado antes de dar instruções às mãos para que lhe fizessem, também por exemplo, uma gra- vura. Note-se que ao nascer os dedos ainda não têm cérebros, vão-nos for- mando a pouco e pouco com o passar do tempo e o auxílio do que os olhos vêem. O auxílio dos olhos é evidentemente importante, mas também o é o au- xílio daquilo que por eles vai sendo visto e ali se esconde. Por isso o que os dedos sempre souberam fazer de melhor foi precisamente revelar o oculto. O que no cérebro da cabeça possa ser percebido como conhecimento infuso, mágico ou sobrenatural, seja o que for que isso signifique, foram os dedos e os seus pequenos cérebros que lho ensinaram. Para que o cérebro da cabeça

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soubesse o que era a pedra, foi necessário primeiro que os dedos a tocassem, lhe sentissem a aspereza, o peso e a densidade, foi preciso que se ferissem nela. Só muito tempo depois o cérebro intuiu que daquele fragmento de rocha se poderia fazer uma coisa a que chamaria faca ou uma coisa a que chamaria ídolo. (Saramago,1999)

A representação espacial através do desenho possibilita uma tradução de formas estrutura- das, «movimentações», «comportamentos», para suportes de carácter bidimensional ou tridimensional. Estas acções despontam através da explicação de um espaço e de organiza- ções existentes ou imaginadas, e por meio de materiais riscadores, misturando o gesto da mão, de onde emergem, estruturalmente, pontos, linhas e formas no suporte elegido. Tanto o produto granjeado como o método podem-se aclarar como desenho, tal como Juan Gómez Molina o explica:

Está siempre relacionado con movimientos, conductas y comportamientos, que tienen de común el ser sustento ordenador de una estructura, a través de ges- tos que marcan direcciones generativas o puntuales que sirven para establecer figuras sobre fondos diferenciados. Está referido también a los procedimientos que son capaces de producir esos trazos definidos, y al uso y a las connotacio- nes que estos procedimientos han adquirido en su práctica histórica. (Tejerina, 2004: 17)

A Humanidade “reconhece-se” quando desenvolve a capacidade de pensar, e o desenho é a materialização física e corpórea desse pensamento, é o ductus que se assinala e se assume numa qualquer superfície.

3. DUCTUS COMO MARCA NO DESENHO

Várias abordagens foram apresentadas sobre o conceito de Desenho faltando-nos ainda elucidar e acrescentar um último termo referente a este conceito. Termo que fará toda a dife- rença no que toca a questões relacionadas com o sentido qualitativo e singular do desenho executado.

Numa pesquisa amplificada encontra-se a expressão ductus associada a diversas áreas. A Paleografia e a Grafologia são as que mais se destacam. Podemos encontrar nesta mesma última, por analogia, referencias ao Desenho. A Grafologia é uma ciência que analisa a cali- grafia tendo como objectivo principal determinar estados físicos, mentais e emocionais do autor. Tal acto possibilita o conhecimento de características da personalidade e do carácter do mesmo. Etimologicamente, a palavra é formada pelos vocábulos gregos grafein (“escre- ver”) ou grafos (“escrita”) e logos (“tratado”)

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A Paleografia (do grego παλαιός, antigo e γραφή, escrita) é a análise de textos manuscritos antigos e medievais, autonomamente da língua transmitida no documento. Por extensão de sentido, a paleografia estuda a raiz, a configuração e o desenvolvimento da escrita, indepen- dentemente do tipo de base física onde foi circunscrita, do material utilizado para proceder à inscrição, do lugar onde foi usada e da sociedade que a utilizou e dos sinais gráficos que tomou para manifestar a linguagem.

Na paleografia e grafologia a expressão ductus designa, segundo José Marques (2002), a direcção da movimentação da mão para delinear as letras, símbolos, sinais, escritas, carac- teres, impressões, em conformidade com o cânone estipulado. Este movimentar tanto pode ser retardado ou reduzido, como cursivo ou acelerado, executando, em todos os casos, sin- gular influência na forma ou aspecto de qualquer registo caligráfico que se apresente à vista.

Na realidade o movimento que o autor descreve é também em univocidade o acto do pen- samento, da razão ou da inspiração em todos os seus estados. A visão de José Saramago é bastante elucidativa nesse campo:

Vamos lá a ver: imaginemos que eu estou a pensar determinado tema e vou andando, no desenvolvimento do raciocínio sobre esse tema, até chegar a uma certa conclusão. Isto pode ser descrito, posso descrever os diversos passos desse trajecto, mas também pode acontecer que a razão, em certos momentos, avance por saltos; ela pode, sem deixar de ser razão, avançar tão rapidamente que eu não me aperceba disso, ou só me aperceba quando ela tiver chegado ao ponto a que, em circunstâncias diferentes, só chegaria depois de ter passa- do por todas essas fases. Talvez, no fundo, isso seja inspiração, porque há al- go que aparece subitamente; talvez isso possa chamar-se também intuição, qualquer coisa que não passa pelos pontos de apoio, que saltou de uma mar- gem do rio para a outra, sem passar pelas pedrinhas que estão no meio e que ligam uma à outra. Que uma coisa a que nós chamamos razão funcione desta maneira ou daquela, que funcione com mais velocidade ou que funcione de forma mais lenta e que eu posso acompanhar o próprio processo, não deixa de ser um processo mental a que chamamos razão. (Saramago apud Reis, 1998)

No Desenho esta palavra ductus pode ser apreendida de uma forma análoga, explicando-se como o acto motor, onde o corpo é a máquina, através do qual se gere um meio riscador que nos possibilita fazer uma propositada forma, constituída por um combinado de registos gráfi- cos.

La máquina-cuerpo rasga un soporte, dejando indicación de su paso y la posi- bilidad de reconstrucción de su movimiento y vitalidad mediante la inserción violenta de una marca sobre o contra un soporte. Rasguño es la marca que se deja en una superficie, sea piel o un papel, con las uñas, además de uno de los

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mil nombres del dibujo. Rasguños son las letras y las líneas, aunque cualquier componente gráfico posee esa calidad de marca corporal. (Copón,2002: 525)

Para Ana Palma (2011), pelo ductus, de uma forma transversal, o sentido e conteúdo do Desenho ganha um sentido e valor próprio, despontando como fracção ou componente de uma teia gráfica reveladora do mundo íntimo do desenhador. Naturalmente, situa-se na posi- ção contraposta a todo e qualquer modo mecânico e impessoal de desenhar, pois define-se num desenho mais humano, no qual os erros se revelam, as linhas oscilam, vacilam, cruzam, misturam, apagam. É um Desenho que se funde com o criador e com o temperamento da sua personalidade (o seu “eu”), pois, segundo Ramón Padilla (2007), o acto de desenhar é igual ao acto de escrever manualmente.

O nosso “eu” é um total. Compõe-se da adição de inumeráveis “eu” celulares.

Cada célula concorre para a unidade de um exército. A homogeneidade dos milhares de indivíduos que o compõem resulta somente de uma comunidade de acção que numerosas coisas podem destruir. É inútil objectar que a perso- nalidade dos seres parece, em geral, bastante estável. Se ela nunca varia, com efeito, é porque o meio social permanece mais ou menos constante. (Le Bon, 2013: 40)

Todos os códigos gráficos apreendidos trazem de forma subjacente um modo primigénio ou um arquétipo como manifestação da natureza idiossincrática individual, tal como o próprio ajuntamento cultural adquirido, projectado através de uma gestualidade própria. É evidente, o desenho e a grafologia partilham particularidades e pontos comuns, a práxis de ambos foca- liza-se justamente na expressão do carácter do criador: da caligrafia e da sua natureza au- tomática, somente obtida com a prática da escrita. Ductus, do latim ducere, segundo Ramón Padilla “es la forma de escribir que se convierte en el elemento rítmico y estructurador de todas las obras” (Padilla, 2007: 116).

Por isso o desenho é naturalmente uma forma de reordenar a caligrafia. A raiz etimológica da palavra caligrafia vem do grego κάλλοςkalli "beleza" + γραφήgraphẽ "escrita". É um tipo de arte visual. É bastantes vezes apelidada de a "arte da escrita bela". Num sentido actual a prática caligráfica é "a arte de dar forma aos sinais de uma forma expressiva, harmoniosa e destra". A narrativa da escrita é uma evolução estética ajustada às competências técnicas, velocidade de transmissão(ões) e às limitações materiais dos distintos indivíduos, eras e locais. A caligrafia moderna varia desde as inscrições funcionais até às criações utilitárias que integram as obras de arte, onde a expressão abstracta pode tornar-se mais importante do que a legibilidade das letras. A caligrafia clássica difere da tipografia e da escrita manual não clássica, apesar de um calígrafo ser capaz de criar todos estes; os caracteres são histo- ricamente disciplinados fluindo espontaneamente, no momento da escrita. Por isso, para

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Betty Edwards (2012), desenhar é equivalente a pensar. Alguns desenhos fazem-se com a mesma intenção com que se escreve: são notas que se tomam.

Enquanto se depreende que somente o lado académico pode ser instruído, o ductus do artis- ta tem de ser descoberto e desenvolvido por este ao longo da sua vida. O ductus que, no pensamento de Ramón Padilla (2007) deriva de um talento congénito, terá de ser sustentado através de conhecimentos científicos, da imensa praxis de desenho e de adestramento da memória visual. Por isso, dependendo tanto da evolução de uma inteligência artística, como do próprio amadurecer do artista enquanto indivíduo, a singularidade não poderá ser forjada por imposição alheia, parecendo, derivar da autenticidade de execução.

Segundo Ana Palma (2011), como expressão própria de cada um, o ductus desperta algu- mas controvérsias. O desenvolvimento da expressividade e dos aspectos gráficos do Dese- nho poderá ter duas possíveis consequências: ausentar o valor e relevância do Desenho representativo de cariz mimético, desviando-se do próprio referencial; ou conduzir ao desen- volvimento das suas habilidades a ponto de falsificar um ductus, numa tentativa de esconder as suas limitações formais e no intuito de forjar a imitação de um Desenho expressivo e sin- gular. Como a seguir se refere:

Insiste em ti mesmo; nunca imites. A todo o momento, podes exibir o teu pró- prio dom com a força cumulativa de toda uma vida de estudo; mas do talento imitado de outro tens apenas posse parcial e momentânea. Aquilo que cada um sabe fazer de melhor só pode ser ensinado por quem o faz. Ninguém sabe ainda o que seja, nem o pode saber, enquanto essa pessoa não o demonstrar.

Onde está o mestre que pudesse ter ensinado Shakespeare? Onde está o mestre que pudesse ter instruído Franklin, ou Washington, ou Bacon, ou New- ton? Todo o grande homem é único. (Emerson, 2016: 24)

Por isso, muitas vezes atentamos o termo “auto expressão”, quando na realidade, segundo David Leffel (2003), "auto expressão é o refúgio daqueles sem talento." É usual este tipo de situações no mundo da arte actual, confundindo-se a liberdade criativa e o seu denso conhe- cimento com a pura casualidade ou “devaneio” de quem não domina a boa forma. Num ex- certo do livro ‘Eye of the Painter’ de 1960, Andrew Loomis refere que:

Cabe sempre o perigo do abuso da liberdade. Na arte, isto significa que o ho- mem, sem conhecimentos e habilidades, possa gozar da mesma liberdade que o técnico instruído. A liberdade está baseada na suposição de que o individuo é moral e socialmente responsável, e concedê-la ao irresponsável é como abrir a porta a alguém que cometeu um crime contra a sociedade. A nova liberdade na arte deixou o pêndulo da criação balançando loucamente. Há pintores que

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manejam o pincel sem o menor conhecimento dos fundamentos da arte. Te- mos uma “arte” que faria levantar os antigos mestres de suas tumbas, se pu- dessem vê-la. O bom está lamentavelmente misturado com o ruim. Contudo, se nada tivesse mudado, a situação da arte agora seria pior. A arte não deve nem pode permanecer estática. Seria o estancamento. Mas não há perigo de que a arte pereça; só morrem as formas artísticas. Com o tempo, a confusão deixará o lugar para a ordem, e aqui e ali nascerão novos conceitos de indiscu- tível valor. Entretanto, no lugar de desejar todos os conceitos e procedimentos do passado, busquemos os que seguem sendo válidos. Reunamos todo o co- nhecimento colhido no passado e agreguemos a ele novos conceitos, e a estes logo se agregarão os que se obtém no futuro. Beneficiemos a arte com as téc- nicas da investigação científica. O homem de ciência nunca deseja uma teoria enquanto não comprova que é falsa ou carente de valor. Condenar o passado porque não forma parte do presente é um proceder tão cego como aferrar-se ao passado só por amor à tradição. É cegueira não ver as novas verdades que podem enriquecer nosso património. Porque algumas formas de arte se têm tornado caducas, não se deve crer que os conhecimentos fundamentais tam- bém morreram com o passado. (Loomis, 1960: 6).

Actualmente, o computador é capaz de criar gráficos que simulam de forma satisfatória as variadas técnicas tradicionais. O mesmo faculta ao usuário a capacidade de aplicar alguns recursos em imagens. Esta forma de desenhar com auxílio ou através do computador estipu- la um padrão formal. O nivelamento de algumas fases, e uma metodologia condicionada criteriosamente seguida passo a passo, faz com que esses mesmos registos atinjam um determinado apontamento gráfico. Se uma determinada estética é base como forma de re- presentação de um objecto, seguindo uma condicionada metodologia processual que não permite qualquer tipo de desvio na sua plasticidade, obtém-se uma série de produtos iguais mas realizados por diferentes autores. Basta acederem a um programa de edição de ima- gens e aplicarem no referente desejado o efeito pretendido. Sem soluções prévias ou estan- do numa condição de consciência acrítica, o ser humano delega assim à máquina o poder de introduzir-se, apadrinhando uma alteração de competências que desemboca na pragmática contenda de quem controla quem. O resultado final apresenta-se com bom aspecto, tem o efeito de desenho, mas a questão é: qual o valor disso?

En qué modo esta última generación de herramientas que producen su propia energía, su propia organización, su propia ley e, incluso, son capaces de auto- generarse, cuestionan o aclaran el concepto de identidad humana. (Copón, 2002: 533)

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A grande questão é o facto de autores, que aplicam estas metodologias, desvalorizarem o que se demora a alcançar com muito trabalho, ao acreditarem que dominam o desenho com os seus produtos frágeis ou vazios de conhecimento formal. Facilmente estas condutas con- duzem ao insucesso: o subterfúgio a convencionalismos de representação sem qualquer esforço de os compreender e a sua aplicação na situação adequada (quase como se fossem ready-mades gráficos), ou a procura/simulação do tal ductus na execução, quando não se tem estatura conceptual para tal. Até porque, segundo David Hockney "Drawing takes time. A line has time in it." Ao transformar croquis imprecisos em desenhos através do Photoshop, o utilizador muitas vezes tem a ilusão que aquele desenho planeado parece ter um grau de precisão, uma maturidade que as suas ideias ainda não alcançaram. Ou ainda que a ideia é passada para o Photoshop, parecendo ser um desenho já completo, antes mesmo de ser laborada num meio tradicional, sobre o qual o artista não possui domínio, e que exige um treino e entrega a que não está necessariamente disposto e que naturalmente o próprio re- conhece que não se consegue com pouco tempo de estudo.

O desenho informatizado, de fácil concretização (aparentemente) nos moldes definidos pelo sistema, apresenta a maior fragilidade face aos riscos do próprio sistema. “Tudo é possível, por magia”, “tudo desaparece por magia”, onde está nosso poder? (Vieira, 1995: 43).

Podemos abordar esta acção como frágil e criativamente vazia. A carência de rigor nos de- senhos, em analogia com o pensamento do autor citado sobre o estado do “acto artístico”

contemporaneamente, permite que o vazio de criação, o acaso e a falta de intelecção pas- sem a ser os valores desta arte “frágil”, entrando em qualquer tipo de registo para ser expos- to em qualquer meio.

Em desenhos realizados através de filtros, podem-se observar manchas, linhas, pontos exe- cutados de uma forma mecânica, automática. O sentido do próprio de autómato remete-nos para a acção que permite efectuar determinada tarefa sem recurso à intervenção humana;

que não tem intervenção da Consciência. Todas as manchas, linhas ou pontos estão mate- matizados entre si por área específica. O ser humano para realizar tal tipo de efeito necessi- taria de se “mecanizar” para obter este tipo de expressão. A grande diferença seria que as linhas apresentadas nunca seriam paralelas com a exactidão do programa, estas revelariam assim a tal singularidade de autor para autor. "A constância é contrária à natureza, contrária à vida. As únicas pessoas completamente constantes são os mortos.” (Aldous Huxley, 1978) Podemos ainda fazer a seguinte analogia elucidativa. A transmissão de dados através da tecnologia classifica-se em dois tipos: Analógica e Digital. Esta classificação é baseada no tipo de sinais utilizados nos sistemas. O Sinal Analógico é um tipo de sinal contínuo que varia em função do tempo. A representação de um sinal analógico é uma curva. Como exemplo, se um sinal varia os seus valores de 0 a 10, o sinal analógico passa por todos os valores

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intermediários possíveis (0.01, 0.566, 4.565, 8.55...). Sendo assim a faixa de frequência é bem maior, de um modo sempre mecanizado. O Sinal Digital é um sinal com valores discretos (descontínuos) no tempo e em amplitude. A representação de um sinal digital é um histograma. Usando o mesmo exemplo acima, se um sinal varia os seus valores de 0 a 10, o sinal digital assumirá os valores discretos (0,1,2,3,4,5,6,7,8,9,10). Se um sinal no sistema digital tem o valor de 4,25 em qualquer instante de tempo, é representado pelo valor mais próximo discreto, neste caso o 4. Os sinais que variam de 4 a 4,5 serão representados pelo 4 e sinais que variam de 4,5 a 5 serão representados pelo 5. Portanto, com o sinal digital pode- se garantir a qualidade de um sinal repetitivo, monótono e mecanizado.

Outro exemplo a considerar seria o esquema representativo do batimento cardíaco. Este tem inúmeras variantes. Existem infindas alterações que variam de ser humano para ser humano.

Neste caso, pode-se garantir a existência de um sinal não constante, nunca monótono, sempre com um resultado diferente, singular. Esta ideia é corroborada na citação seguinte:

Não somos firmes no amor, porque em nada podemos ser constantes: continu- amente nos vai mudando o tempo; uma hora de mais é mais em nós uma mu- dança. A cada passo que damos no decurso da vida, imos nascendo de novo, porque a cada passo imos deixando o que fomos, e começamos a ser outros:

cada dia nascemos, porque cada dia mudamos, e quanto mais nascemos des- ta sorte, tanto mais nos fica perto o fim, que nos espera. A inconstância, que é um acto da alma, ou da vontade, não se faz sem movimento; a natureza não se conserva, e dura, senão porque se muda, e move. O mundo teve o seu princí- pio no primeiro impulso, que lhe deu o supremo Artífice; a mesma luz, que é uma bela imagem da Omnipotência, toda se compõe de uma matéria trémula, inconstante, e vária. Tudo vive enfim do movimento; a falta de mudança é o mesmo que falta de vida, e de existência, e assim a firmeza é como um atributo essencial de morte. (Aires, 2005: 102)

Ainda que o software do Photoshop tenha um milhão de resultados ou soluções, esse milhão é finito, já a capacidade de renovação do cérebro humano ultrapassa em grande escala esse milhão de hipóteses na busca da arte.

A arte é um exercício contínuo de superação dos limites impostos pela técni- ca- por mais desenvolvidos que pudessem parecer, os processos, os proces- sos técnicos sempre estiveram aquém das necessidades expressivas da arte.

Simplesmente porque esta, como a mente humana, é insaciável. Jamais se sa- tisfaz. Seu prazer está em alcançar o impossível. (Lucena Júnior, 2005: 143)

Apesar dos efeitos analógicos colocados em imagens/simulacro virtuais, o efeito mecanizado ainda é muito evidente no tipo de mimese e expressão obtida. O programa de computador

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poderá ser utilizado por diferentes autores, no entanto, o resultado final estético será sempre igual, sem gosto ou sabor, caso usem as mesmas coordenadas. A marca pessoal ou indivi- dualidade do desenhador é inexistente. Não passará de um resultado meramente ornamental.

Porque na realidade:

Balance is always one of the most difficult states for an artist to achieve, espe- cially one who lives in the digital age. Good art always has its germination in creative passion. Passion without technique, and without craftsmanship and control over one’s artistic tools can be desperately stunted. Conversely, mas- tery of technology without a vision worth sharing, is a decorative meal without nutrition or taste. (Pendarvis, 2009: 8)

Por mais amodernado software que o computador comporte, este não consegue realizar, de forma autónoma, um desenho com apropriações psicológicas delineadoras de estruturas através de traços de traços mais libertos e empregar um temperamento ou personalidade num desenho animado, numa ilustração ou em qualquer registo gráfico. A feitura de um mo- vimento pode ser bastante intuitiva, algo que só um experiente artista pode proporcionar, distinta do registo mecânico gerado pelo recurso de interpolação do computador. Um traço suporta as características singulares que são próprias do artista, nomeadamente, energia, sentido, pulsões, forma, enquanto o computador emprega a uniformidade matemática para conceber uma imagem ou um movimento. O artista não segue uma uniformidade matemática para desenhar ou animar – excepto se o mesmo o pretender – e só é exequível fazer um desenho mais intuitivo e livre no computador se o artista fruir duma plena participação na sua realização.

Ao desenho pertence também a subjectividade e a especulação, não só a es- peculação do processo inerente ao projecto, mas a especulação artística expo- nível, domínio do gesto ”solto” ou “contido”, intencional ou do acaso (bem vindo quando reconhecido e controlado). (Tavares, 2009: 6)

A imagem gerada transversalmente pelos meios tecnológicos não é apenas algo que deverá estar articulado ao sentido comum que se dá a “novas tecnologias”. Neste contexto, as ima- gens surgem associadas a um tipo de produção que está ligado, essencialmente, às tecnolo- gias “maquínicas” (Dubois, 2004). Ao se assumirem processos rígidos de organização formal gráfica com um grande uso da tecnologia determina-se que com tal acto a artisticidade é planeada à imagem das máquinas, sendo esperado que os intervenientes/autores se com- portem essencialmente como parte das mesmas. Com os exemplo demonstrados, principal- mente após a introdução da tecnologia digital, onde a utilização das máquinas se tornou algo com maior intervenção, o sentido estético tem-se adaptado mais às exigências das máquinas do que às exigências do ser humano, tornando o mesmo cada vez mais parecido com as

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próprias máquinas. Como nos expõem os autores Gerald Jay Sussman e Jack Wisdom, no seu livro ”Structure and interpretation of Classical Mechanical”, que estes processos organi- zativos criam rotinas nos processos estéticos e naturalmente rotinas no sentido de produção do próprio autor. Porque quando o autor se expressa numa linguagem de computador é obri- gado a fazê-lo de forma não ambígua e inequivocamente exacta.

Conseguimos afirmar que estes filtros criam rotinas nos processos estéticos e naturalmente rotinas no sentido de produção do próprio autor. Quando nos ex- pressamos numa linguagem de computador somos obrigados a fazê-lo de for- ma não ambígua e inequivocamente exacta. (Sussman e Wisdom, 2002: 1)

Podemos ainda caracterizar acto mecânico como uma forma de organização que enfatiza a previsão, a clareza, a regularidade, a rapidez e a eficiência, atingido através da criação de uma divisão de tarefas condicionadas pelo software. Potencia-se a rotina e o mecanizar de cada aspecto da singularidade humana, corroendo, amolecendo o espírito humano e a capa- cidade de acção e formação espontânea do ductus. Poder-se-á equacionar a possível exis- tência do “ductus” mecânico, produto da rigidez e constância mecânica.

Para Burne Hogarth (1991) o início do trabalho expressivo nasce a partir da maturidade. A maturidade não é o fim e sim o começo do trabalho artístico. Para se entrar nesta fase, como já anteriormente mencionamos, é necessário uma compacta e profunda compreensão das coisas, das formas. Exemplo prático e de carácter objectivo onde se pode analisar tal grau de maturidade será o estudo da Antropometria. Sobre o cânone, o mesmo autor remete que, primeiramente, é preciso conhecê-lo para poder afirmá-lo ou negá-lo. A antropometria, ou o sistema das proporções, alicerça-se em normas mais ou menos rígidas, que perpetuamente se podem adequar a uma expressão pessoal, a uma questão de gosto ou a limitações de ordem espacial.

Todo sistema compositivo estructurado es reductible a un análisis de sus par- tes, proporciones, ritmos, etc., y cada persona puede nuevamente reducir un orden estilístico por medio de su apropiación en un gesto personal. (Molina, 2007)

Trabalhar ao nível da Antropometria, permite então uma liberdade formal na representação da miologia e da osteologia. Um cânone viabiliza assim a caracterização de diversos mode- los preservando uma coerência das variadas partes que o compõem de forma objectiva e mensurável. Pensar em desenho acerca da sua representação objectiva é determinar o câ- none e os métodos de composição, de conceptualização e diferenciação anatómica. O câno- ne sendo suporte para a representação objectiva ou mimética de qualquer referente, permite entender a sua estrutura base ou essencial e facilita na representação do mesmo. Através

Referências

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