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Ana Maria Andrade Azevedo*

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Academic year: 2021

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A na M ar ia A n dr ad e A ze

Ana Maria Andrade Azevedo*

A autora começa o trabalho oferecendo um resumo de algu-mas idéias de Freud sobre a noção de inconsciente, desenvolvidas ao longo de sua obra. As noções de Inconsciente Substantivo e de Incons-ciente Adjetivo são examinadas à luz das contribuições freudianas, kleiniana e, finalmente, na obra de Bion. São enfatizados os aspectos que prevalecem na obra desses autores, sempre se levando em conta algumas colocações que permitem considerar as características dinâmi-cas, plásticas e estruturais da noção de inconsciente. Na reflexão sobre Bion, são expandidas suas colocações sobre o “sonho”, sendo este um ponto fundamental para a compreensão do autor sobre a noção de in-consciente. Na conclusão, a autora propõe pensarem-se algumas contri-buições atuais sobre a consideração do Inconsciente.

Inconsciente. Sonho. Subjetividade.

Segundo Freud, a principal razão pela qual a ordem oculta dos aspectos mentais psíquicos escapou aos especia-listas até sua época foi o fato de que a maioria das operações mentais mais importantes são, sem dúvida, inconscientes.

Freud não descobriu o inconsciente. Desde o Iluminismo, estudiosos da natureza humana já haviam reco-nhecido a existência de uma atividade mental supostamente não consciente. A contribuição específica e valiosa de Freud foi a de transformar uma noção que era até então pouco

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ra, mais ligada à poesia e à filosofia, convertendo-a em fundamento para uma teoria psicológica, a psicanálise.

Essa conceitualização do inconsciente, elaborada por ele, como já mencionamos, tinha e tem uma pré-história ilustre (Platão, Goethe, Schil-ler, Henry James, Nietzsche, etc.): como conceitualização fenomenológi-ca, data da era pré-psicanalítica e é trazida ao campo da psicologia por Freud, passando então a ter um estatuto de “sistema”. A noção de incons-ciente começa a fazer parte de uma visão sistemática da mente, que irá prevalecer na primeira tópica, baseada na idéia de um sistema energético, funcional e dinâmico.

Segundo o próprio Freud, a psicanálise foi obrigada, pelo estudo da repressão e da satisfação dos desejos reprimidos, a levar a sério o conceito de inconsciente, aproximando-o das teorias científicas, visando, com isto, a uma formulação teórica consistente.

Num primeiro momento de sua obra, Freud atribui enorme importân-cia à repressão, vista como pedra fundamental para a compreensão das neu-roses. A maior parte do inconsciente, como formulado inicialmente, é cons-tituída pelo reprimido. O inconsciente, no entanto, não pode ser considera-do apenas como um objeto a ser descoberto ou desvendaconsidera-do. A noção que Freud nos oferece desde o início implica uma redistribuição de investimen-tos, um levantamento de resistências, deslocando posições, o que produzi-rá necessariamente uma mudança no mundo interno.

Esse inconsciente, assim definido por Freud, se assemelha a uma

pri-são de “máxima segurança” (GAY, 1988), que, apesar do rigor de suas

re-gras, está sempre enfrentando tentativas de fuga de forças que buscam bur-lar e evadir o controle exercido. É um inconsciente metafórico, que se cons-titui numa “matriz” que indefinidamente produz elementos que tentam al-cançar o sistema pré-consciente e daí ascender à consciência.

Para Freud, os neuróticos sofrem de “reminiscências”. Tornar cons-ciente o inconscons-ciente é a meta psicanalítica que deve ser privilegiada – meta esta bastante difícil, por ter de lidar com conflitos, tensões e repres-sões de todo tipo.

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O “processo primário”, reinante no inconsciente, constituído pelo con-junto das energias mentais primitivas indomadas, está inteiramente sob o domínio do princípio do prazer. Somente com o desenvolvimento e o pas-sar dos anos é que a mente irá conseguir sobrepor a este um “processo secundário”, que levará em conta a realidade externa e material.

A essa noção de inconsciente nos referimos quando propomos a idéia de Inconsciente Substantivo. Trata-se, antes de tudo, de uma noção e de um estado com certas condições determinadas e pré-estabelecidas (processo primário, determinismo psíquico, princípio do prazer, etc.), o que irá per-mitir a Freud referir-se ao “Inconsciente” como uma área obscura, porém com um papel central na posterior formação dos conflitos, nas neuroses e no desenrolar do processo onírico (1900a , 1911, 1912, 1915a).

Freud afirma a existência de pensamentos inconscientes, de processos psíquicos inconscientes, e tem de se defrontar com a questão dos afetos inconscientes – o que passa a ser um ponto que propõe desafios, enormes dificuldades e ambivalências, em seu recém-criado modelo mental.

Não entraremos em mais detalhes, neste momento, não só devido à falta de tempo, como também por considerarmos que o tema é bastante familiar aos colegas. Salientaremos apenas a noção de pré-consciente, estabelecida também no início do trabalho de Freud, como uma outra ins-tância em que os elementos inconscientes conseguem uma mediação (re-presentação) que permitirá seu vir a ser conscientes.

O sistema Inconsciente é constituído de pulsões (conceito limite entre o somático e o psíquico) e de representantes pulsionais que necessitam descarregar sua energia, mobilizados pelos desejos. Para fazê-lo, precisam encontrar um disfarce ou a mediação do pré-consciente, que possibilite uma representação mental psíquica aceitável.

Embora Freud proponha a idéia de um “inconsciente dinâmico”, des-de seu primeiro modes-delo mental topográfico, suas idéias parecem muitas vezes mais lineares e diacrônicas que dinâmicas.

Após um período no qual é publicada Metapsicologia (FREUD, 1915a,

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deli-near com mais clareza algumas idéias inovadoras que certamente tornarão necessária uma reformulação do modelo mental adotado até então.

Narcisismo (1914) e Luto e Melancolia (1917) mostram um Freud em transição. As fundações que Freud pretendera assentar definitivamente para seus seguidores começam a se transformar em suas mãos. As idéias de inconsciente dinâmico (Substantivo), de repressão, de complexo de Édipo, a proposta da origem sexual das neuroses e de conflito permaneceram intocadas e inalteradas por muito tempo.

No entanto, em 1923, com o “Ego e o Id”, Freud conclui pela existên-cia de um inconsciente não reprimido, um inconsciente que não precisaria ser reativado para tornar-se consciente.

Mas que significava então “tornar-se consciente”? A consciência é definida como sendo uma propriedade do aparelho psíquico, tendo sua su-perfície externa influenciada pelo mundo externo. Por outro lado, sua outra face recebe as impressões internas. Percepção e consciência estão ligadas, embora não sejam interdependentes. A distinção entre o que vem de den-tro, do interior do corpo, e o que vem do exterior é estudada por Freud, sendo este um campo muito importante na psicanálise até hoje (distinção entre percepção e alucinação).

Propondo, naquele momento, uma modificação em sua proposta ante-rior, que considerava os processos inconscientes elementos e aspectos observáveis por nós apenas sob as condições do sonhar e/ou da neurose (regressão), dando ênfase à idéia de estruturas mentais, constituintes do psiquismo (Inconsciente Substantivo), Freud evolui para a posição de que estar consciente ou inconsciente não é mais apenas estar sob certas condi-ções, é, isso sim, uma qualidade (Inconsciente Adjetivo). É, pois, ao as-pecto Qualitativo, à condição mutável dos estados de consciência-incons-ciência, que nos referimos como o Inconsciente Adjetivo.

Recentemente, Spence (1987) referiu-se à idéia de Inconsciente Subs-tantivo e Inconsciente Adjetivo, acrescentando a essas duas possibilidades também a de inconsciente descritivo. Diz ele:

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Neste capítulo vou enfatizar bastante a distinção entre o Inconsciente como um sistema com regras de operação claramente definidas (o in-consciente Substantivo) e o inin-consciente Adjetivo, utilizado em geral para significar o que não está acessível à consciência, ou aos processos que operam fora da consciência (SPENCE, 1987, p. 17).

Freud refere-se, em O Ego e o Id, à idéia de que nossa mente é vivida por poderes desconhecidos e incontroláveis, assim designando e denomi-nando uma significativa parcela do inconsciente como “Id”. A idéia de uma separação entre o mundo consciente e o inconsciente parece, no entanto, continuar a ser vista por ele como fundamental, como a “[...] primeira mar-ca distintiva proposta”. Num primeiro momento, a impressão é de que suas idéias básicas, sua teoria inicial continuam familiares a quem já conhece seu pensamento.

No entanto, o fenômeno clínico da resistência levanta uma difícil questão: o paciente que resiste freqüentemente não percebe que o faz, ou em sua consciência não pretende obstruir um processo (análise). A consi-deração de que o ego represente o consciente deve ser revista, pois este, muitas vezes, não o é totalmente. Assim sendo, conclui Freud, as neuroses não necessariamente advêm de um conflito entre consciente e inconsciente. Freud havia proposto a idéia de conflito, nos primórdios de sua teorização, com características ontológicas, isto é, um conflito que se daria entre consciente e inconsciente, entre impulsos sexuais e interesses ou de-sejos do eu. Com a formulação do modelo estrutural, a questão passa a ser a de um conflito entre impulsos de vida e impulsos de morte (Eros e Tanatos).

As conseqüências dessas reformulações são bastante amplas. O in-consciente não é mais coincidente com o reprimido; o ego possui uma par-te que é também inconscienpar-te e outra que foi diferenciando-se gradualmen-te no desenvolvimento, chegando a adquirir o “status” de consciência. Uma nova complicação se apresenta, com a consideração de um superego, isto é, de uma parte do ego que deverá zelar criticamente por ele, que também

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possui um aspecto consciente e outro inconsciente (sentimento inconscien-te de culpa).

A partir de 1926, com “Inibições, Sintomas e Angústia”, o interesse de Freud parece deslocar-se com mais clareza para novas posições. Sua tática, naquele momento, é reconhecer que havia abandonado posições teóricas anteriores, mas minimizando as diferenças. Suas contribuições à teoria da repressão e da angústia encontram-se meio dispersas pelo texto e seu inte-resse parece estar voltado apenas aos mecanismos de defesa e à natureza da angústia.

A repressão, diz ele, não cria a angústia; pelo contrário, é a angústia que cria a repressão. Ao reformular sua definição de angústia, Freud passa do particular para o geral. Sem a noção de angústia como sinal de alerta, os seres humanos ficariam indefesos contra os impulsos internos inconscien-tes e também frente às ameaças vindas do mundo externo. Na verdade, a angústia assume o papel central tanto no desenvolvimento mental, nas re-lações internas, como nas rere-lações com o mundo externo.

Foi também a ênfase de Freud no tempo linear dos acontecimentos, (fases do desenvolvimento) em relação ao desenvolvimento mental, que fez com que ele considerasse a angústia como ponto central em torno do qual se dão tanto a repressão como as diferentes formas de acesso à consci-ência. A metáfora arqueológica e a idéia de um complexo nuclear continu-am a acompanhar Freud quase até o final de sua vida.

Em Construções em Psicanálise (1938), Freud, novamente nos ofere-ce um modelo novo, bastante ousado, que acreditamos ter importância e proeminência até hoje. Diz ele:

Sua tarefa (a do analista) é trazer de volta aquilo que foi esquecido, a partir dos traços deixados no passado, mais corretamente poderíamos dizer, construir. A forma e o quando o analista irá comunicar sua cons-trução ao analisando, assim como a explicação que acompanhará sua construção, irá se constituir na relação entre as duas partes do trabalho de análise, entre a dele, como analista, e a do paciente (FREUD, 1938, p. 360).

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No mesmo artigo, Freud, continua a dizer:

Apenas o curso da análise possibilitará que possamos decidir sobre a pertinência ou a inutilidade de nossa construção. Não pretendemos que uma construção individual seja nada além de uma conjectura, que es-pera ser examinada, confirmada ou rejeitada (FREUD, 1938, p. 367).

Com essas colocações, as idéias de Inconsciente, correspondendo à mais profunda verdade de cada um, à noção de tempo linear e à de modelo arqueológico da mente são colocadas em cheque e reformuladas. Na verda-de, na passagem de um estado inconsciente para um estado consciente, modificações e elaborações fazem com que seja “construída” uma nova cadeia de elementos, que corresponderão a algum aspecto minimamente aceitável na vida mental e psíquica do analisando, que será então aceita como verdadeira, mas que não necessariamente corresponderá à verdade factual (chamada por Spence de Verdade Histórica, em contraste à Verdade Narrativa).

A sensibilidade e o inconsciente do analista terão, nesta tarefa, um lugar importante, pois são as suas formulações e conjecturas – aliadas à idéia de que, na impossibilidade de ter acesso a vivências passadas, que tornaram possíveis aproximá-las a outras experiências – que irão sendo propostas e aceitas, pelo analisando, criando uma nova rede de significa-dos. A convicção será o elemento fundamental nesse processo: “Se a análi-se for conduzida corretamente, produzimos no paciente uma convicção da

verdade da construção que alcançamos e propusemos a ele” (FREUD, 1938,

p. 368).

Obviamente, a obra de Freud contém e expande muitos outros aspec-tos, de diversas e diferentes perspectivas; salienta vários outros tópicos e desdobra temas de inúmeras maneiras. Minha intenção, no entanto, é a de salientar a noção do “Inconsciente” como substantivo, como uma instância depositária de forças e pulsões sempre em busca de descarga, visando ao alcance do princípio do prazer, caracterizando o modelo topográfico da

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mente: inconsciente que se contrapõe à idéia de consciência, dominado muitas vezes pela repressão, disfarçado e deformado, outras vezes mani-festando-se via pré-consciente.

Já o inconsciente da 2.ª tópica, caracterizando muito mais claramente a idéia de “dinamismo” e plasticidade, não se restringe a um lugar, não é formado apenas pelo reprimido e não necessariamente está em busca de descarga. É o Inconsciente Adjetivo, que se refere a um estado, uma condi-ção, inclusive muitas vezes passageira e transitória. A questão da mobilida-de e plasticidamobilida-de da atividamobilida-de psíquica passa ao primeiro plano, ficando presente a idéia de inconsciente tanto como objeto da introspecção psíqui-ca como construção psíquipsíqui-ca, estado e conjectura hipotétipsíqui-ca.

A evolução do pensamento de Freud abarca, na 2.ª tópica, as questões ligadas aos afetos e suas relações com a representação psíquica (lingua-gem) e com o desenvolvimento da noção de Id em lugar de Inconsciente.

Na verdade, o estado inconsciente dos afetos e seu acesso à consciên-cia irão depender essenconsciên-cialmente do material em questão (diferenças entre percepções internas, externas, etc.). Existir em forma inconsciente e tor-nar-se consciente são possibilidades alcançadas de forma diferente, no que diz respeito aos conteúdos e aos afetos. As questões ligadas à representa-ção de coisa e à representarepresenta-ção de afeto são expandidas. Freud vê nos afetos a parte mais arcaica do ser humano, aquela que a linguagem pode acompa-nhar, mas que pode também seguir seu caminho independente desta.

Apesar de haver reformulado muitas de suas posições iniciais com o modelo estrutural da mente, Freud consegue, graças a sua genialidade, cer-to grau de emaranhamencer-to e harmonização entre o velho e o novo em suas teorizações. O Inconsciente não está constituído apenas pelo reprimido; nele habitam todas pulsões, desejos, impulsos, fantasias, tanto aquelas li-gadas à pulsão de morte como aquelas oriundas do impulso de vida – Eros. Até o final de sua vida, Freud parece que continuou a defender o con-ceito de Inconsciente Substantivo. Como menciona Renik (1998), Freud, em suas referências ao “Inconsciente Dinâmico” feitas mesmo depois que ele já havia abandonado seu primeiro modelo mental, aponta para sua

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sistência e dificuldade em abrir mão de um modelo cientificista e neurofisiológico. Da existência de um Inconsciente Substantivo dependia sua teoria sobre a reconstrução, sobre a noção de trauma – algumas de suas hipóteses fundamentais formuladas na Interpretação dos Sonhos e no Pro-jeto, além de seus estudos em torno das questões filogenéticas e ontogenéticas.

Nos anos que se seguem à publicação de O Ego e o Id, Freud não leva muito adiante essa discussão, mas sem dúvida a noção de pulsão, por ele mantida, nos leva a conjeturar que a ponte entre o somático e o mental se confundem no Id, que se mantém inconsciente. O id mergulha no orgânico, ficando em aberto a questão quanto à relação entre o psíquico e o somático, uma constante preocupação de Freud.

De certa maneira, de nosso ponto de vista, embora Freud evolua para uma noção de instâncias psíquicas, em que estar consciente ou inconscien-te é uma qualidade, persisinconscien-tem duraninconscien-te toda sua obra, lado a lado, as noções de Inconsciente Substantivo e Inconsciente Adjetivo.

[...] o sonho junto à função alpha, que torna o sonho possível, é central para a operação que torna consciente o inconsciente [...] o termo bar-reira de contato enfatiza a separação entre consciente e inconsciente e a passagem seletiva de elementos de uma para outra. Da natureza da barreira de contato irá depender a mudança de elementos do conscien-te para o inconscienconscien-te e vice/ versa (BION, 1962, p. 17).

Neste segundo momento, pretendemos desenvolver algumas idéias sobre o tema proposto, considerando as contribuições de autores kleinianos, em especial as de Wilfred Bion (1962, 1965, 1989).

Melanie Klein, de nosso ponto de vista, foi responsável por uma mu-dança no conceito de “Inconsciente” em relação ao trabalho de Freud. Ao propor as noções de identificação projetiva, de fantasia inconsciente e sua visão sobre o desenvolvimento simbólico da mente, Klein levou algumas idéias de Freud muito adiante.

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O que Freud apontou e descreveu inicialmente como uma tendência psíquica com a finalidade de liberar e descarregar a tensão produzida pelos desejos e pulsões (princípio do prazer) é descrita por M. Klein como um funcionamento psíquico que, por meio da fantasia inconsciente, do splitting e da identificação projetiva, procura buscar alívio e reduzir sem-pre a um mínimo o grau de tensão e de angústia sem-presentes. Embora, de certa maneira, as colocações kleinianas coincidam com as propostas de Freud quanto à descarga e à busca de prazer, Klein irá propor que é sempre numa relação de objeto externa ou interna que essa possibilidade se dará.

Os analisandos, desde muito cedo, desenvolvem, segundo Klein, a capacidade para agir, cindindo partes indesejáveis de seu mundo psíquico, projetando-as fora de si, em um outro objeto, que passa a representar e a funcionar como parte dele mesmo. Essa atividade, que na realidade está presente em todo processo de aprendizagem e desenvolvimento, depende fundamentalmente da tolerância à frustração, da intensidade da angústia e das condições de ego desenvolvidas até aquele momento. O uso exagerado da identificação projetiva e, conseqüentemente, do splitting e da distorção da realidade torna mais fortes as fantasias onipotentes e mais difícil o pro-cesso de introjeção decorrente da identificação projetiva. O desenvolvi-mento mental e emocional sofre dificuldades e pode vir a ser interrompido. Klein nos propõe um modelo de mundo interno e de objetos internos, onde se desenvolvem fantasias inconscientes em busca de um objeto exter-no continente que possa vir a funcionar como uma parte do próprio ego ainda incipiente. A realidade psíquica, para Klein, está sempre em movi-mento, e as fantasias são o conteúdo primário dos processos inconscientes. No início, referem-se ao próprio corpo e representam anseios instintivos e agressivos em relação aos objetos. É através das experiências externas com os objetos que essas fantasias iniciais podem tornar-se mais elaboradas e suscetíveis de expressão e simbolização.

É possível verificar que, nessa breve e parcial descrição da teoria da identificação projetiva e de algumas das idéias kleinianas, em nenhum momento é feita qualquer referência ao Inconsciente Substantivo. O estar

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inconsciente parece ser uma condição primária que só o desenvolvimento emocional irá alterar. A noção de working through e de insight serão funda-mentais no modelo kleiniano, e destes irá depender o alcance às condições mais desenvolvidas e simbólicas da mente.

Na verdade, M. Klein – e a maioria de seus seguidores – foca sua teoria muito mais nas relações de objeto e na idéia de fantasia inconsciente

como representante mental dos instintos (ISAACS, 1952) do que na

elabo-ração e descrição de um sistema ou de uma estrutura mental inconsciente, detalhada.

Para Freud, foi necessário, acima de tudo, formular a estrutura e o funcionamento de um sistema mental, seus alicerces, suas delimitações, concretamente, como as de uma construção; para M. Klein, todavia, o mun-do interno psíquico, com seus movimentos, angústias e fantasias, tem iní-cio em um estado muito desorganizado e caótico, rudimentos de ego, e só aos poucos vai podendo tomar forma. São pontos de partida diferentes, focalizados de ângulos e maneiras distintas, algumas vezes contraditórios. O modelo mental proposto por Klein aproxima-se mais de um

desa-brochar de uma flor (unfolding of a flower,MELTZER, 1984), quando esta

está livre de predadores e parasitas; a teoria freudiana, por seu turno, foi construída sobre um modelo muito mais próximo ao neurofisiológico e energético.

Dentro desse modelo mental de Klein, como o descrevemos, a noção de consciente-inconsciente é fundamentalmente dinâmica e Adjetiva. A própria substituição da noção de “fases” pela idéia de “posições” já aponta para uma diferença básica conceitual.

As fases de desenvolvimento, como propostas inicialmente por Freud, caracterizam um modelo linear, seqüencial de desenvolvimento histórico, enquanto as posições formuladas por Klein (EP e D) descrevem angústias e defesas características de certo modelo que, embora tenham sua origem durante os primeiros estágios da vida, não se restringem a eles. As oscila-ções entre EP D continuam durante toda a vida emocional e mental do

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que caracteriza a vida mental. A existência de um objeto externo é funda-mental para que as identificações projetivas sejam contidas e transforma-das, assim como as defesas e fantasias apontadas e elaboradas pelo prosse-guimento do processo psíquico psicanalítico, possibilitando que as introje-ções aconteçam.

Iniciamos essa segunda parte, trazendo as contribuições da escola kleiniana, no que diz respeito ao conceito de inconsciente, por considerar que Bion é um autor que, sem dúvida, tem suas origens e fundamenta suas idéias, em grande parte, na teoria kleiniana, embora seja também evidente em seu trabalho uma grande influência de Freud.

Pensamos que Bion, conforme evoluiu em sua obra, pôde criar sua própria conceituação teórica e clínica, na qual algumas idéias tanto de M. Klein como de Freud são visíveis e identificáveis, porém à sua maneira. De nosso ponto de vista, Bion não é um autor freudiano, nem um analista kleiniano. Bion é Bion, tem uma produção original e ao mesmo tempo é um dos autores que mais desenvolve uma perspectiva realmente psicanalí-tica.

Para Bion (1966), o desenvolvimento mental é um processo complica-do e tem que ser estruturacomplica-do a cada passo, não podencomplica-do ser comparacomplica-do ao desenvolvimento biológico. O desenvolvimento do psíquico para Bion, num certo sentido, é autônomo; a mente se constrói, pedacinho por pedaci-nho (“bit by bit“), digerindo as experiências vivenciadas.

Obviamente, Bion não começa de um “nada”. Ele propõe a existência no psíquico de “concepções que podem ter sido originadas na vida pré-natal e detectadas mais tarde, em alguns vestígios anatômicos primitivos. Essas pré- concepções irão mais tarde se transformar em realizações, al-cançando o status de “concepções”.

Com a função de estudar esses movimentos e poder observar e regis-trar o funcionamento mental, Bion criou uma “grade”, que vai dos elemen-tos beta ao cálculo algébrico, na axis vertical da grade, e da hipótese definitória à ação, na axis horizontal. No entanto, nessa grade, a questão do consciente e do inconsciente não é claramente considerada. Mais tarde, em

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Transformações (BION, 1965) e em seus estudos sobre os pensamentos

oníricos, sonhos e mitos (categoria C da grade), essa questão será mais elaborada.

É também uma perspectiva de Bion considerar muito importante o papel da mãe em relação ao bebê. Cabe a esta desempenhar certas funções no lugar de seu bebê, enquanto este não pode ainda fazê-lo. Aos poucos, o bebê pode vir a aprender por si mesmo, internalizando e introjetando tanto a figura materna como sua função, denominada por Bion de rêverie.

Portanto, desde o início, é como se estivéssemos lidando com dois inconscientes: o da mãe a serviço do bebê e o do bebê, que será “construído”, pouco a pouco, a partir da experiência emocional da relação com a mãe e com o meio externo.

A identificação projetiva, como formulada por Klein, passa a ter uma importância enorme nessa colocação, e o processo que é desempenhado pela figura materna na relação mãe-bebê, a rêverie, é o que irá, em grande parte, determinar as possibilidades de evolução daquela mente e o desen-volvimento da relação em curso.

A todo esse processo, Bion chamou de “desenvolvimento emocional”, e relacionou a possibilidade de rêverie ao processo onírico, às condições subjetivas do processo analítico e ao relacionamento entre duas personali-dades.

Bion (1965, 1966, 1992) considera os sonhos e as fantasias inconsci-entes como transações e mediações que têm lugar no mundo interno. Essa colocação obviamente possibilitou o desenvolvimento de uma nova visão sobre os processos mentais, em especial sobre o processo onírico. O sonhar passa a não ser mais visto apenas como um processo de descarga de ten-sões e satisfação de desejos ou, ainda, como uma forma para manter o sono. Os sonhos começam a ser considerados transações internas, formas ele-mentares de pensamento e de construção simbólica de sentidos e significa-dos.

Podemos chamar estas transações de “sonhos” quando acontecem du-rante o sono, num momento no qual a motilidade está suspensa e a barreira

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entre consciente/inconsciente, alterada. No entanto, Bion (1992) reconhe-ce e enfatiza que esse não é o único momento em que esse funcionamento tem lugar. Durante a vigília, em momentos de reflexão e durante o fantasi-ar, assim como na sessão analítica, essa atividade mental estará presente e irá caracterizar o que ele denominará de função do sonhar alpha.

Para Freud, o trabalho do sonho é equivalente ao processo psíquico em funcionamento. Por meio do trabalho do sonho, o compromisso entre as forças repressivas e a necessidade de externalização funcionam em acor-do (trabalho onírico) e encontram a satisfação acor-dos desejos reprimiacor-dos e proibidos sem perturbar e romper o trabalho de repressão feito pelas

agên-cias repressoras (FREUD, 1900b).

Bion parece não se sentir muito à vontade para considerar o sonho apenas um compromisso entre forças. Ele propõe tratar o sonho como uma estrutura que reflete, de certa maneira, a estrutura da personalidade, mos-trando claramente como a mente lida com as angústias e ansiedades e como as fantasias inconscientes são “elaboradas” durante o processo onírico. As contribuições posteriores de Segal (1981) e de Meltzer (1984) parecem ter sofrido com a influência do pensamento de Bion; nesses autores podemos encontrar várias propostas de Bion, bastante expandidas e bem elaboradas. O modelo do funcionamento psíquico de Bion, fazendo uso principal-mente de seu conceito de função alpha e elementos beta e da noção de uma mãe presente e capaz de conter a identificação projetiva, desempenhando a função de rêverie, vem sendo utilizado com freqüência na prática clínica como uma maneira de descrever o funcionamento mental, consciente e in-consciente, da dupla analítica.

Bion fez uma distinção entre elementos alpha e elementos beta, consi-derando os últimos como percepções precárias e sensações possíveis de serem utilizadas apenas pela identificação projetiva. No entanto, de nosso ponto de vista, excepcionalmente, os elementos beta podem ser transfor-mados pela função alpha em elementos alpha.

Os elementos alpha, por sua vez, são armazenados e guardados na memória, podendo, a partir daí, serem utilizados para o pensamento e para

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a rememoração. Estes passam a ser a base da simbolização, da possibilida-de possibilida-de representação e da formação do que Bion possibilida-denominou possibilida-de dream work alpha (trabalho do sonho alpha).

Estamos fazendo uso do modelo da elaboração onírica, acrescentando às idéias de elementos alpha elementos beta e função alpha, por considerar-mos que é neste contexto que algumas colocações de Bion nos permitem considerar e conjeturar sobre sua visão do “Inconsciente”.

Assim como Klein, Bion privilegia a noção de um mundo interno, no qual as transações e as transformações ocorrem. Um lugar no qual o senti-do e a significação serão gerasenti-dos, visansenti-do ao alcance da simbolização e senti-do pensamento.

Trata-se de uma dimensão geográfica que, inclusive, altera a teoria da transferência. Esta, a transferência, não é mais vista apenas como uma re-petição do passado e, sim, como o desenrolar no setting analítico de situ-ações internas, de transformsitu-ações alcançadas, seja pelo paciente seja pelo analista, fantasiadas e vividas subjetivamente, “construídas” a partir da experiência emocional.

O psíquico, correspondendo a esse mundo interno, oscila em suas re-lações entre narcisismo e rere-lações objetais (entre o privado e o público), desenvolvendo a possibilidade de estabelecer contatos em pelo menos dois mundos diferentes: o mundo externo e o mundo interno.

Nesse contexto, o sonho pode ser visto como acontecendo num lugar (um espaço) para onde vamos quando dormimos, quando nossa atenção pode ser totalmente voltada para nosso mundo interno. O processo criativo do sonho, transformando experiências e gerando novos sentidos e constru-indo uma nova linguagem, pode, então, produzir elementos alpha, armazená-los na mente inconsciente para serem utilizados posteriormente, quando necessários.

De acordo com minha afirmação de que uma pessoa tem que “sonhar” uma experiência emocional, ocorra ela durante o sono ou em vigília, pode ser reformulada assim: a função alpha humana transforma as

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im-pressões dos sentidos presentes numa experiência emocional em ele-mentos alpha que se juntam conforme proliferam para formar a barrei-ra de contato. Essa barreibarrei-ra de contato está em constante processo de formação e marca o ponto de contato e separação entre consciente e inconsciente, originando a distinção entre eles (BION, 1962, p. 19).

Acreditamos que essas propostas nos levam a ter de considerar a no-ção de inconsciente como se referindo a possibilidades de alcance e reali-zações que nunca terminam, que estão sempre em processo de evolução e transformação, correspondendo mais a um “armazenamento das experiên-cias vivenciadas emocionalmente”, a uma instância “construída” a partir da experiência, e não como um lugar pré-fixado, filogeneticamente e ontogeneticamente, continente das repressões e das pulsões instintivas.

Citamos novamente, nesse momento, Bion:

O uso psicanalítico do sonho, como um método pelo qual o incons-ciente é tornado consincons-ciente, corresponde ao uso em reverso do que naturalmente são os elementos utilizados na transformação do materi-al consciente em materimateri-al adequado para ser armazenado no incons-ciente. Em outras palavras, o trabalho do sonho que conhecemos é apenas uma pequena parte do aspecto do “sonhar”, sendo este um con-tínuo processo, pertencente à vida desperta, em ação todo o tempo, mas nem sempre observável, a não ser com pacientes psicóticos (BION, 1992, p. 37).

Acreditamos que o inconsciente, para Bion, no sentido psicanalítico do termo, não é mais sinônimo do desconhecido. Está constituído como uma forma de atividade mental dinâmica, que permeia nossas vivências e se abastece de nossas experiências. Desde o início da vida de um bebê, há uma inter-relação entre o processo psíquico da mãe (sua capacidade para a rêverie e para a contenção) e o desenvolvimento dos aspectos psíquicos do bebê. Desde o início, são duas mentes que, juntas e presentes, buscam de-senvolver um processo que conduza ao crescimento e à evolução psíquica. A experiência psicanalítica tampouco se caracteriza como um

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lho de deciframento ou de escavação arqueológica voltada ao passado re-moto, e certamente ultrapassa a idéia de apenas tornar consciente o incons-ciente, segundo nossa leitura da obra de Bion. É um trabalho muito mais de “construção” e “criação”, de busca de significados e atribuições de senti-dos, a partir do trabalho desenvolvido pelas duas mentes presentes: a do analista e a do analisando.

Bion (1965, 1992) aproxima o trabalho do sonho ao trabalho do

pen-samento e caracteriza essa atividade de transformação1 (BION, 1965)

como sendo talvez a função mais desenvolvida que uma mente pode reali-zar em direção ao conhecimento e à descoberta do novo.

Em qualquer sessão psicanalítica a evolução tem lugar. Do escuro e sem forma algo evolui. Essa evolução lembra vagamente a memória, mas, uma vez que tenha sido experimentada, nunca poderá ser confun-dida com a memória. Ela compartilha com os sonhos, a qualidade de ser totalmente presente ou incrivelmente e subitamente ausente. Essa evolução é o que o psicanalista deve estar pronto a interpretar (BION, 1967, p.17).

Bion propôs a teoria da função alpha2, que irá tornar possível a

exis-tência de uma “barreira de contato”, uma entidade que separa os elementos que formam o que chamamos de Consciente, ficando do outro lado tudo o que denominamos Inconsciente.

Pacientes difíceis, limítrofes e psicóticos têm dificuldades no estabe-lecimento dessa barreira de contato ou por sofrerem deficiências no

desen-1 Haveria aqui que especificar as diferentes formas de transformação propostas por Bion,

formações projetivas, transformações em movimento rígido, transformações em alucinose, trans-formações em K, em O, etc. Não o fazemos por falta de tempo e espaço.

2 Em conformidade com isso, minha afirmação de que o ser humano tem que sonhar uma

expe-riência emocional vivenciada, tenha esta ocorrido em um sonho ou durante a vida desperta, preci-sa então ser reformulada. A função alpha, seja durante o sono, seja na vigília, transforma as im-pressões sensoriais relacionadas à experiência emocional em elementos alpha, que se unem para formar a barreira de contato. Essa barreira de contato está em processo constante de formação, marca o ponto de separação entre elementos conscientes e inconscientes, originando a diferencia-ção entre eles (BION, 1962, p. 19).

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volvimento da função ou por não serem capazes de processar os pensamen-tos, o que cria pontos frágeis nos quais a diferenciação interno, externo, presente ou alucinado não se dará.

Durante o sonho, a elasticidade e a plasticidade da barreira de contato se alteram e há uma possibilidade de trânsito e troca que sugere e se apro-xima do trabalho psíquico da mente desperta. O sonho se desenrola man-tendo presentes, o tempo todo, as funções da censura e da resistência. No entanto, essas funções não parecem ser produto do inconsciente e, sim, instrumentos pelos quais o sonho cria e diferencia o consciente do incons-ciente.

Para Bion, o sonho, junto à função alpha que torna o sonho possível, é central na operação de diferenciação entre consciente e inconsciente. Daí resulta a possibilidade de serem desenvolvidos pensamentos oníricos e re-presentações, sejam em imagens, sejam em palavras. Dentro desse posicio-namento, a capacidade para sonhar é o que preserva a personalidade de um estado psicótico, em que não haveria nem a formação da barreira de conta-to pelos elemenconta-tos alpha, nem se daria a diferenciação seletiva entre

cons-ciente e inconscons-ciente (BION, 1962).

Graças ao desenvolvimento de uma visão binocular, o psicanalista pode vir a desenvolver uma capacidade para observar e captar pensamen-tos conscientes e eventualmente também os inconscientes, podendo, a par-tir daí, construir modelos e abstrações que sirvam para contribuir com as dificuldades dos analisandos.

Sem dúvida, parece-nos muito difícil entrar em contato com essas con-tribuições de Bion sem pensar na necessidade de reformular toda a Metapsicologia, de questionar preceitos básicos ditados por Freud, de certa maneira questionando a própria psicanálise. No entanto, devido à sua genialidade, Freud deixou em aberto um enorme campo de possibilidades, que é difícil não encontrar as raízes dos novos pensadores em sua obra.

Acreditamos que o posicionamento de Bion supõe a consideração de Inconsciente Substantivo, embora fique claro que o Inconsciente Adjetivo, neste autor, seja expandido ao extremo. Tudo no psíquico estará em

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mento constante. Não só as posições PS = PD oscilarão o tempo todo, como também as percepções, as fantasias e os desejos ora serão inconscientes, ora conscientes, dependendo das funções que estarão sendo desempenha-das psiquicamente no momento.

Todas essas observações e reflexões em torno da obra de Bion levam-nos a considerar que, para ele, o inconsciente se constitui um mundo de possibilidades sem fim que estão sempre em processo de evolução e trans-formação, correspondendo a um modelo que se aproxima da idéia de um “reservatório de vivências e experiências”, no qual essa experiência é construída e reconstruída constantemente.

Para finalizar, fazemos uso de um modelo proposto pelo próprio Bion, bastante simples, que no entanto nos parece elucidativo do que tentamos comunicar:

Uma criança, quando está apreendendo a andar, está tentando o tempo todo tornar consciente, material o que é inconsciente. Apenas quando ela consegue alcançar essa possibilidade é que ela poderá andar. O mesmo ocorre em relação a qualquer outro tipo de conhecimento ad-quirido até então. O sucesso irá depender da operação central pela qual o trabalho do sonho (dream work alpha) é capaz de transformar mate-rial consciente em inconsciente, adequado para se transformar em pen-samento inconsciente de vigília (BION, 1992, p. 71).

As questões que emergem dessas colocações são, sem dúvida, bastan-te perturbadoras. Poderíamos propor que “construíssemos” o inconscienbastan-te, assim como construímos interpretações e sonhos? E por que não? Apesar de perturbadora, acreditamos que essa idéia é talvez uma seqüência inevi-tável, decorrente das propostas de dinamismo psíquico, de movimento constante, de evolução e, mais recentemente, dos desenvolvimentos teóri-cos de Green (2001) e Botella (2004), no que se referem aos processos de regrediência e progrediência.

Pensamos que, sem dúvida, o resultado das modificações introduzidas por Bion nas modificações já anteriormente feitas por Klein no modelo

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psíquico como proposto por Freud terminam agora, no séc. XXI, por alcan-çar uma perspectiva que coloca a subjetividade, a vivência emocional e o apreender com a experiência num lugar de proeminência e importância no funcionamento psíquico – lugar este que de fato lhe cabe.

De certa maneira, consideramos que os três modelos mentais aqui bre-vemente apresentados – o neurofisiológico de Freud, o geográfico-teleológico de Klein e o epistemológico de Bion – podem ser vistos como numa continuidade de desenvolvimentos que visam, fundamentalmente, ao alcance e à integração das sensações, dos afetos e das experiências emo-cionais psíquicas, cujo entendimento é, então, transformado em estrutura de personalidade.

Como diria Bion: “Certamente precisamos de múltiplos vértices para

considerar múltiplas perspectivas” (1992a, p. 105).

The author starts the presentation of her paper, ofering a brief on some of Freud´s ideas on the uncouncious, developed during his work .The notion of Substantive Uncounscious and of Adjetive Uncouncious is proposed and examined considering Freud´s, Klein´s and finally in the work of W. Bion. Some aspects that prevailed and seem to be important in the work of these authors are taken in consideration,always having in mind dinamyc, plastic and estrutural caractheristics, in the notion of uncounscious. In the consideration of Bion´s ideas his controbutions to the theory of dreams is emphatized since this point is relevant to his notion of uncouncious. In the end the author proposes the importance of considering new contribuitions to the subject.

Unconscious. Dream. Subjectivity.

La autora empieza el trabajo ofreciendo un resúmen de algunas ideas de Freud sobre la noción de inconsciente desarrollada a lo largo de su obra. Las nociones de incons-ciente Substantivo y de inconsincons-ciente Adjetivo son examinadas a la luz de las contribuciones freudianas, kleinianas y, finalmente, en la obra de Bion. Son enfatizados de esos autores, siempre llevándose en cuenta algunos planteos que permiten considerar las características dinámicas, plásticas y estructurales de la noción de insconsciente. En la reflexión sobre

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Bion son expandidos sus planteos acerca del “sueño”, punto fundamental para la comprensión del autor de la noción de inconsciente. En la conclusión, la autora propone pensar acerca de algunas contribuciones actuales sobre la consideración del inconsciente.

Inconsciente. Sueño. Subjetividad.

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Referências

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