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LIÇÕES DE MODA NA POLÍTICA: AS INDUMENTÁRIAS DO CASAL VARGAS NAS FESTIVIDADES

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Academic year: 2021

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LIÇÕES DE MODA NA POLÍTICA: AS INDUMENTÁRIAS DO CASAL VARGAS NAS FESTIVIDADES

Ivana Guilherme Simili Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Introdução:

Em 1930, a chegada da esposa de Getúlio Vargas, Darcy Vargas, ao Rio de Janeiro, para acompanhar o governante, foi deste modo descrita por Chermont de Brito, è época, jornalista do “Jornal do Brasil”:

Impressionou-me sobremodo a sua mocidade. Ela completaria trinta e cinco anos já como Primeira-dama do Brasil. A doçura do trato marcava todos os seus gestos, e conquistava logo simpatia e admiração. Não parecia assustada com os graves acontecimentos que tinham sacudido o país de norte a sul, antes preparada para desempenhar o grande papel que o destino lhe reservara. Um claro sorriso iluminava-lhe o belo rosto, respondendo sempre as perguntas do repórter. E notei: os dias vividos na agitação revolucionária, as graves preocupações com o marido à frente da Revolução, o filho mais velho alistado num dos batalhões de voluntários, não lhe deram tempo para cuidar das coisas fúteis. Era uma bela e ilustre senhora de província, que chegava ao Rio, capital da moda e do Brasil. (BRITO, 1983, p.67).

A narrativa é clara: Darcy Vargas tinha os atributos físicos que lhe conformavam uma aparência jovem e bela. No entanto, na frase “era uma bela e ilustre senhora de província, que chegava ao Rio, capital da moda e do Brasil”, encontramos pistas de que seus modos e seus trajes denunciavam tratar-se de uma mulher desatualizada na moda. É perceptível, também, um recado para a esposa de Vargas: ela precisava fazer ajustes no visual, para bem representar e desempenhar o papel de primeira-dama do país.

Em junho de 1944, a Revista Sombra, periódico que circulava na capital carioca, Rio de Janeiro, publicou uma matéria sobre “os aposentos do presidente Vargas”, na qual encontramos indícios importantes sobre o guarda-roupa presidencial. As fotografias das peças de roupas são detalhadas por estas narrativas: “Estes cinco ternos são os escolhidos para os dias chuvosos”;”Eis o guarda-roupa de verão do presidente: onze ternos”; “sapatos para passeio, trabalho e as botinas de cerimônia”. O presidente é um entusiasta do golf. Esses dois pares de sapatos são destinados a esse esporte”. “Entre a roupa branca comumente usada pelo

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Sr Getúlio Vargas podemos distinguir um vidro de água de colônia”. “Os quatro chapéus do presidente”. (SOMBRA, p.24-26)

Nas descrições das roupas (ternos e camisas), dos acessórios (sapatos, botinas, chapéus) e dos produtos de beleza (água de colônia), encontramos os sinais sobre as práticas de vestir de Getúlio Vargas, com tipos de indumentárias e modos de usar que conformam para o presidente a imagem de um homem atualizado na moda, preocupado com as regras do vestir-se de acordo com as “ocasiões” – trabalho, passeio e cuidadoso com o corpo e com a aparência ( visual e cheiro).

Os materiais narrativos acerca da aparência de Darcy Vargas e dos trajes de Getúlio Vargas foram considerados como ponto de partida para entendermos um aspecto pouco explorado pela história e historiografia política: as dinâmicas e os trabalhos da moda na política.

Este trabalho tem por objetivo examinar a contribuição da moda numa das faces das práticas políticas – as festividades do poder. Analiso as imagens do casal Vargas – Getúlio e Darcy, nos eventos e solenidades de cunho político (festas, recepções, bailes), ocorridas entre os anos 1930 e 1945, relacionando as indumentárias (roupas, complementos e/ou acessórios) à moda, com vistas a deslindar e compreender o papel desempenhado pelos trajes na política, na elaboração das aparências e de representações para os personagens

As fotografias do poder e da política como objeto de estudo de moda

Um aspecto salientado na produção historiográfica para o primeiro governo Vargas é o papel desempenhado pela propaganda política. Registrar fotograficamente os eventos e acontecimentos públicos e políticos encenados por Getúlio Vargas e usá-los para a propaganda do governante e do governo foi uma prática que marcaria a história política brasileira e os acervos de memória que podem ser explorados para a escrita da história. De certo modo, as imagens fotográficas que narram a trajetória do governante e dos homens públicos que participavam do poder, encontradas nos acervos da imprensa ou daqueles organizados para a consulta acerca da história política brasileira, como é o caso do CPDOC - Centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do Brasil- Fundação Getúlio Vargas, contém as pistas dos aparatos de propaganda criados por Vargas, desde 1930, quando chegou ao centro do poder republicano e que se acentua a partir de 1939, com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (1939), órgão que tinha entre suas incumbências a organização e a divulgação de seus atos e feitos, nas quais incluíam-se as

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festividades públicas (comemorações, inaugurações, atos públicos etc), nos meios de comunicação (CAPELATO, 1998; 1999).

De modo geral, a posição de primeira-dama do país, ocupada por Darcy Vargas, partir de 1930, fez que as estratégias políticas de propaganda do governante a beneficiassem “visualmente”. È possível observar nos fragmentos fotográficos que retratam as performances do governante, a presença e a participação da personagem em várias solenidades de cunho público, portanto com fins políticos e divulgados na imprensa e aquelas que podemos denominar de privado (ou privativo) do poder, como por exemplo, os “acontecimentos festivos”, nos quais incluímos os bailes, as recepções, os jantares promovidos pelo governo brasileiro, os quais estão distribuem-se entre as pastas dos homens públicos, no CPDOC. Sobre esta produção visual do “casal Vargas”, recaiu nossa análise. São fotografias que devem ser interpretadas como artefatos de recordação e como tais, foram objetos de triagem e a seleção dos personagens envolvidos na trama história. Por se tratarem de fotografias cedidas ao CPDOC pelos familiares, para a montagem dos acervos dos homens públicos, elas trazem os indícios das operações dos sujeitos retratados acerca das representações detidas para suas aparências, como queriam ser conhecidos e reconhecidos fisicamente, indicando, portanto, a maneira como se viam e as imagens de si que queriam perpetuar.

O que as imagens fotográficas dão a ver é que na composição de imagens para as aparências, as práticas de vestir dos sujeitos adquirem relevância. Por meio das indumentárias – roupas, acessórios e/ou complementos, os sujeitos criavam significados para os corpos, legando registros visuais que podem ser interpretados como artefatos de moda e estilo. Pelos fragmentos é possível identificar as tendências de roupas para homens e mulheres nos anos 30 e 40, obter as informações sobre os conceitos de bem-vestir, elegância, requinte e luxo de representantes emblemáticos da vida pública e da elite brasileira. Esta é a interpretação proposta para as fotografias do casal Vargas, nas festividades do poder e da política.

O uso das imagens fotográficas como fonte de pesquisa, se faz notar nos estudos da história e da moda, ou se preferirmos, da história da moda. Dada a multiplicidade de enfoques e metodologias empregadas naqueles campos de conhecimento, alguns critérios teórico-metodológicos orientaram a seleção e a análise do material do casal Vargas.

O levantamento inicial das fotografias no CPDOC resultou em cerca de 30 imagens, retratando vários tipos e estilos de “festividades”, tais como, reuniões, jantares, bailes, recepções para comemorar uma gama variedade de “acontecimentos e eventos”, como por exemplo, as homenagens preparadas para os chefes de estado e/ou de seus representantes, para os homens públicos que ocupavam cargos públicos e políticos, as inaugurações de

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espaços de representação política (edifícios de ministérios, por exemplo), os casamentos, as festas cívicas e comemorativas ( bailes e jantares organizados durante a semana da pátria, entre outras).

Algumas premissas teórico-metodológicas provenientes dos estudos da moda e os instrumentos de análise de fotografias, como fonte de pesquisa nas investigações da história, estabeleceram os critérios que orientaram a seleção das imagens. A premissa de que a moda manifesta-se “nos corpos das personalidades que desfilam noutros palcos” , além daqueles historicamente e culturalmente consagrados para a sua divulgação, tais como as passarelas, as vitrines, as revistas e os jornais etc. levou-nos a optar por trabalhar com as imagens do casal de “corpo inteiro”, ou seja, selecionamos as imagens que permitissem conhecer e avaliar a indumentária na sua totalidade ou em outros termos, que trouxessem os trajes completos ostentados pelos personagens “da cabeça aos pés”.

Deste modo, das trinta imagens levantadas inicialmente, somente cinco atendiam aos critérios fixados, as quais eram relativas aos anos 30. À época em que os registros visuais foram efetuados anos 30 do século XX, as imagens eram em preto e branco. Para uma análise de conteúdo sob o foco da moda, este tipo de fotografia apresenta problemas específicos por impedir um olhar mais acurado acerca do design (corte), cores e texturas das roupas, tópicos considerados importantes para o desvelamento da indumentária. Isto posto, a nitidez das imagens foi considerada como critério de seleção das fotografias e nos limites deste texto, optamos por selecionar e trabalhar com duas imagens fotográficas. Conforme ficará claro no decorrer da análise, a nitidez da indumentária da primeira-dama Darcy Vargas foi determinante na seleção dos fragmentos visuais ora examinados.

A análise imagética do casal Vargas para captação da moda nas festividades políticas foi conduzida seguindo os encaminhamentos sugeridos pelas reflexões de quem trabalha com fotografias/imagens no âmbito da história e da moda. Kossoy (1993, p. 14;2001, p.117), orienta que na análise do material fotográfico é necessário “conjugar as informações fotográficas ao conhecimento do contexto econômico, político e social, dos costumes, do ideário estético refletido nas manifestações artísticas, literárias, culturais da época retratada [...]”.Barthes (2005, p.263-263), afirma que nos exames de imagens, o vestuário deve ser “implicitamente concebido como o significante particular de um significado geral que lhe é exterior (época, país, classe social)”.

Associando e justapondo os usos particulares das roupas pelos personagens à moda dos anos 30, chegamos

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Usos particulares e tendências da moda para os contextos retratados deram o tom da análise e da narrativa das aparências dos personagens – Getúlio e Darcy Vargas, ou do casal Vargas, com vistas a entender as dinâmicas e os trabalhos da moda nos meandros da vida pública e política dos anos 30, configurados nas festividades do poder.

Nas reflexões de Kathia Castilho (2004), encontramos subsídios para articular e justapor as produções visuais e estéticas de personagens, em particular, à sociedade e cultura da moda. Para a autora, a moda é concebida como uma instância sociocultural que desempenha um papel significativo na modelagem de comportamentos, das ideologias, dos gostos, dos estilos de vida e das interações sociais. Por conseguinte, as aparências dos sujeitos se constituiriam em fragmentos daquela instância sociocultural, permitindo entrever os limites da liberdade sob a qual elas se constroem e os movimentos da moda vestimentar do corpo, que é concebida como o conjunto formado pelos trajes, adornos, acessórios, sinônimo de indumentária. A moda como produto sociocultural, portanto, materializar-se-ia e atualizar-se-ia no processo desencadeado pelas escolhas realizadas pelo sujeito que num movimento único absorveria suas regras e por meio delas também se constituiriam.

Portanto, as festividades promovidas pelo governo Vargas, como momentos/espaços das interações e de sociabilidades dos homens e das mulheres que se ligavam ao poder político pelos laços afetivos/familiares/políticos é possível perceber o papel desempenhado pela moda na modelagem das aparências de uns e outros, revelando a um só tempo, as escolhas pessoais no leque de opções oferecidas pela moda e, por conseguinte, os trabalhos de uma esfera em outra, da moda nos palcos das encenações e celebrações políticas.

Em cena, o casal: Getúlio com seus ternos; Darcy com seus vestido

A história do vestuário, inclusive a história atual, tem sido entendida como um “dueto para homens e mulheres que se apresentam no mesmo palco”,escreveu Anne Hollander (1996,p.18). No palco das festividades, Getúlio veste seus “ternos” e Darcy, seus vestidos, conforme estas imagens dão a ver:

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A primeira imagem, conforme identificação do CPDOC é da visita do presidente argentino, Agustín Justo, ao Brasil, em outubro de 1933. Da esquerda para a direita, a primeira figura feminina é a esposa do presidente argentino, a qual é seguida por Vargas, depois por Justo e finalmente, Darcy Vargas. A segunda fotografia é da inauguração do Ministério da Marinha, ocorrida em 1935.No centro da imagem, Getúlio e Darcy.

A diferença entre a indumentária dos homens e das mulheres é um dos motes dos estudos da história da moda. A tese de Hollander (1996, p. 21) é de que a diferença entre a indumentária de um e outro, denotaria uma história de permanências para a alfaiataria masculina, composta pelo conjunto de calças, de camisas e de casacos, a qual denunciaria a força, a autoridade e o vigor simbólico de uma forma visual que vem atravessando os tempos. Desde o século XVIII a alfaiataria masculina teria sido aperfeiçoada e, embora tenha passado por mudanças internas constantes, seria possível vislumbrar a força de um sentido de permanência e de continuidade em sua forma. Na tese da autora, “o vestuário masculino foi sempre mais avançado que o feminino e inclinado a fazer proposições estéticas as quais a moda feminina respondeu”. Uma das conseqüências apontadas pela autora é a de que “mulheres elegantes podiam parecer ridículas; homens elegantes, nunca” (HOLLANDER, 1996,p.151), aspecto que, de certo modo, remete ao papel da moda no seu relacionamento com as mulheres, tornando-as mais frágeis e suscetíveis aos seus apelos e influências estéticas.

Os ternos nas múltiplas versões possibilitadas pelas peças - as calças, as camisas, os paletós e as gravatas, são reveladores do que é afirmado por Alison Lurie (1997, p. 328), numa frase:“O vestuário masculino sempre foi desenhado para sugerir o domínio físico e/ou social”, a qual podemos ampliar e dizer: poder político também!

Os trajes usados por Vargas, além de refletirem os padrões de elegância estabelecidos pela moda masculina, transformam-se, também, em emblemáticos de como a história da indumentária foi construída de modo a reforçar os princípios da superioridade masculina e elaborar as representações acerca das fragilidades das mulheres.

Neste aspecto, é importante recordar que, conforme mostrou Silvana Goellner (2008, p.10) naqueles anos 30 do século XX, feminizar a mulher, significava, sobretudo, ‘feminizar a aparência e o uso do seu corpo”. Se o objetivo da “feminização do corpo da mulher” desenvolvida por diversas esferas sociais e políticas ( educação, medicina, moda), visava transformá-lo em belo, gracioso, elegante nos gestos e nos comportamentos, a indumentária

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dava a sua contribuição na formatação das aparências “femininas” , “elegantes”, “belas”, “bem-vestidas”, ou na criação de representações para as “feminilidades”.

O uso dos vestidos pelas mulheres é simbólico desta relação entre a moda e as feminilidades. Se a história deste tipo de vestuário esteve ligada à história das mulheres para dizer e mostrar o sexo feminino, os vestidos com os quais a personagem compareceu aos eventos festivos permitem identificar alguns dos conceitos de moda, elegância e feminilidade presentes naqueles anos.

Qualquer análise da indumentária deve considerar o papel desempenhado pelo cinema de Hollywood e pelos periódicos (revistas e jornais), na transmissão de conhecimentos de moda, na educação do gosto e do estilo. Por intermédio destes artefatos as mulheres aprendiam o que consumir, como consumir, o que fazer para estar na moda, o que vestir etc.

Entre os conhecimentos adquiridos pelas mulheres estava o “vestir-se de acordo com as ocasiões”. Para Maria Cristina V. Nacif (2002, p.43), “nos anos 30 e 40, o traje adequado para cada ocasião era determinado por regras muito detalhadas”. Para “andar na rua”, prescrevia-se o uso de vestidos de cores neutras e acessórios básicos: bolsa, luvas, chapéus. Uma jóia discreta ou cinto sobre a saia e blusa era permitido no visual das mulheres. Para a tarde, entre 4 e 6 horas e para as reuniões, chás ou lances, estar bem vestida significava fazer uso de outro tipo de traje: “chapéu mais enfeitado, sapatos abertos e luvas mais compridas;o vestido poderia ser mais colorido”. Para a noite, a natureza dos acontecimentos noturnos pediam outro conjunto indumentário. “Jóias, sapatos delicados e fantasiosos(sic), bolsa pequena e delicada e o vestido até os pés. Os vestidos de baile eram longos, decotados, usados com sapatos de cor clara ou prateados”.

Os vestidos longos com os quais personagem está vestida são emblemáticos de trajes para as festas, ou solicitados para uma ocasião que pedia luxo e requinte no vestir-se. Ambos trazem traços das tendências da moda dos anos 30, no que diz respeito aos cortes das roupas e acessórios. Os movimento presentes nas imagens para as saias dos vestidos, permitem pensar que os cortes eram evasê ou “enviesado”. Neste aspecto, é importante destacar que no período, Madeleine Vionnet, estilista francesa, lançou o coupe en biais ( corte enviesado), que foi copiado por todos os nomes da alta-costura. Os vestido para a noite impunham regras claras quanto ao seu estilo: eram longos, podiam ter saias retas ou evasês e, às vezes, até pequenas caudas. Podiam ser de cetim, tafetá, lamê, musselina, veludo, mas havia também os de algodão (organdi, laise) e até de lã. Os vestidos para a tarde e para a noite eram freqüentemente acompanhados de capinhas, e o bolero também esteve em moda.. (MOUTINHO; VALENÇA, p. 105-106).

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Darcy Vargas, uma mulher que pode ser chamada de “sintonizada” com a moda é o que as fotografias dão a ver. Se os trajes “de noite”, o que equivale a dizer, trajes para festas pediam vestidos longos e complementos indumentários que produzissem um visual luxuoso ou requintado, ela escolhia “roupas apropriadas”, vestindo-se e apresentando-se de acordo com as regras do vestir, estabelecidas para os tipos de ocasiões.

Sobre vestidos a “capinha” ou “pelerine” (na primeira imagem) e uma “capa” sobre o vestido (na segunda imagem). Mesmo em fotografias em preto e branco, é possível encontrar pistas sobre as texturas das roupas e conjeturar sobre os tipos de tecidos empregados em suas confecções. Na primeira imagem, é visível que o vestido e a capa são do mesmo tecido e da mesma cor, com aplicações de bordados ou algo similar na capinha ou pelerine. As ondulações refletidas na imagem pelo corte do vestido, sugerem que o tecido podia tratar-se de veludo. Na segunda fotografia, embora não seja possível verificar se o vestido e a capa eram da mesma cor, dá para identificar que o tecido de um e outro eram diferentes. Fica sugerido que o vestido era de tecido diferente e mais fino que a capa, cujo aspecto de textura proporcionada pela fotografia, permite dizer que se tratava de veludo ou pele.

Nos exemplares indumentários vestidos pela primeira-dama estão os sinais de como a moda dos anos 30 encontrou um meio de comunicação para mostrar e dizer às mulheres o que era ser feminina e os teores e matizes da feminilidade. O uso da capa, sobre os ombros, conforme usado por Darcy, era uma tendência na moda feminina e como tal, dava sua contribuição na construção de visuais que ressaltassem ou reafirmassem a fragilidade, o decoro, a necessidade de proteção, noções que definiam as mulheres na sociedade e cultura do período.

As regras do bem-vestir para as festas, em trajes longos, transformam-se em sintomáticos das performances ou o sentido que as presenças femininas adquiram nestas ocasiões: acompanhantes “naturais” e “propagandas caminhantes de seus maridos” (LURIE, 1997, p. )..

Neste ponto não há como deixar de vislumbrar um dos sentidos sugeridos pelas imagens acerca da participação das mulheres nestas ocasiões. As análises feitas por Richard Sennet (1988) acerca das engrenagens da vida pública moderna podem auxiliar na compreensão. O autor identifica no século XIX o lançamento das bases da sociedade intimista, cuja característica principal é a transformação dos fenômenos sociais em questões de personalidade para que tenham significado. Nesse processo de transformação, as pessoas seriam induzidas a acreditar que os intercâmbios em sociedade são demonstrações de

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personalidade, gerando a busca frenética e incessante pelos indivíduos, de como os outros e eles realmente “são”. Uma das conseqüências da emergência da personalidade na política moderna apontada pelo autor teria sido a transformação da vida privada em critério de credibilidade pública, em que o imaginário privado sobrepor-se-ia ao público.

As festividades do poder e da política, tais como as retratadas nas imagens fotográficas, podem ser interpretadas como momentos/situações em que os homens públicos encontravam na exposição/apresentação das esposas, um mecanismo para referendar suas masculinidades, criando imagens e representações como heterossexuais, casados, pais de família. Sobreposição do privado sobre o público? Sem dúvida! Aliás, este aspecto foi explorado por Simili (2008), no estudo sobre a primeira-dama.

Darcy Vargas, ao mostrar-se publicamente, como uma mulher “bem vestida”, “bem arrumada”, podia ser tomada como medida para as avaliações coletivas acerca do casal. Homens e mulheres presentes nas encenações ou quando as imagens eram divulgadas na imprensa, podiam avaliar o poder do governante Vargas, por meio de sua esposa, pela aparência e gestos, pelo que vestia e pela qualidade e valor do que vestia. Ao mostrar-se com vestidos e adereços de luxo, ao se mostrar “elegante” e de acordo com os padrões estabelecidos pela moda, a personagem agregava capital simbólico ao capital do homem público Getúlio Vargas e fazia aumentar seus poderes, como esposa dele e primeira-dama. Ora, um dos sentidos da moda é o oferecer produtos e artefatos que acentuem o “senso de influência e de poder. Esta perspectiva foi destacada por Diana Crane (2006,p.122), ao dizer que “as roupas podem ser vistas como um vasto reservatório de significados, passíveis de ser manipulados ou reconstruídos de forma a acentuar o senso pessoal de influência”. Se nos anos 30, os homens encontravam suporte na moda para fazer valer suas interpretações acerca dos ideais de beleza e feminilidade, de demonstrar por meio das mulheres com as quais estavam os “capitais detidos”, as mulheres também encontravam nas tendências de roupas e acessórios, algumas opções que podiam ser exploradas e manipuladas de maneira a aumentar seus poderes de encanto e sedução. Mostrar-se bem vestida, chamar a atenção, encantar e seduzir são estratégias postas em ação pelas mulheres, estimulando a competitividade e fazendo funcionar as engrenagens das indústrias de confecção e da cosmética.

Esta face fica sugerida na indumentária de Darcy Vargas, ao fazer uso do veludo e da pele nas roupas. Para Lurie (1997, p.245),“O aspecto mais sensual de uma roupa é o material do qual é feito. Até certo ponto, o tecido sempre representa a pele da pessoa que o veste: se é muito lustroso ou lanoso, áspero ou macio, grosso ou fino, inconscientemente atribuímos

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essas características às pessoas”. Um tipo de sensualidade “macia” e “delicada”, emanam das imagens fotográficas, criando aparências, texturas e adjetivos para a primeira-dama.

Referências

BARTHES, Roland. Imagem e moda. Inéditos, v.3. São Paulo: Martins Fontes, 2005. BRITO, Chermont de. Vida luminosa de Dona Darcy Vargas. Rio de Janeiro:LBA, 1983. CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998.

CASTILHO, Kathia. Moda e linguagem.São Paulo:Editora Anhembi Morumbi,2004.

CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. Tradução Cristiana Coimbra. São Paulo, Senac, 2006.

HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 1996

KOSSOY, Boris. Estética, Memória e Ideologia fotográficas. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v.6, n.1-2, p.13-24, jan./dez. 1993.

_____.Fotografia & História. 2 ed. revisada. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997

MOUTINHO, Maria Rita; VALENÇA, Máslova Teixeira. A moda no século XX. Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 2005.

NACIF, Maria Cristina Volphi.. A moda no Brasil e os modelos estrangeiros: a influência do cinema de Hollywood na moda do vestuário feminino nos anos 30 e 40. In: CASTILHO, Kathia; GALVÃO, Diana. A moda do corpo, o corpo da moda. SP: Esfera, 2002.

NO RIO Negro ‘Sombra’ visita os aposentos do presidente Vargas. Revista Sombra, p.24-26, jan./jun.1944.

SENNET, Richard. O declínio do homem público. SP: Cia das Letras, 1988.

SIMILI, Ivana Guilherme. Mulher e política: a trajetória da primeira-dama Darcy Vargas.São Paulo:EDunesp, 2008.

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