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Piano Maranhense: Barcarola para piano solo, de João Nunes ( )

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4º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 1 a 7 de dezembro de 2018 – ANAIS Artigo

Piano Maranhense: Barcarola para piano solo, de João Nunes

(1877-1951)

Daniel Lemos Cerqueira1 Categoria: Recital-conferência Resumo: O presente artigo, que complementa o vídeo homônimo submetido ao

Congresso Virtual de Música Nas Nuvens, apresenta uma interpretação para piano solo de Barcarola, composição de João Nunes (1877-1951). Ela está associada ao projeto cultural Piano Maranhense, cujo objetivo central é retomar a circulação do repertório de piano solo de compositores nascidos ou radicados no Maranhão entre os séculos XIX, XX e XXI. Há uma explanação sobre os métodos empregados na pesquisa em andamento que deu origem ao projeto cultural em questão, além de informações complementares sobre a trajetória de João Nunes.

Palavras-chave: Práticas interpretativas. Performance musical. Piano maranhense.

João Nunes. Pesquisa artística.

Piano Maranhense: Barcarola for solo piano, by João Nunes (1877-1951) Abstract: The present work, which adds to the homonym video submitted to the

Virtual Congress Nas Nuvens, shows a solo piano performance from Barcarola, composed by João Nunes (1877-1951). This recording is associated to the cultural project Piano Maranhense, aimed to bring back the repertoire from Maranhão’s native or settled composers from 19th, 20th and 21th centuries. There is a brief

explanation about the ongoing research methods, as well as complementary information about the composer’s biography.

Keywords: Music Performance. Piano Maranhense. João Nunes. Artistic Research.

Introdução

O título “Piano Maranhense” remete ao projeto cultural de mesmo nome, criado a partir do projeto de pesquisa O Piano no Maranhão, em andamento no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

1 Mestre em Performance Musical pela UFMG. Aluno do Doutorado em Práticas Interpretativas do

PPGM/UNIRIO, com apoio do Departamento de Música da UFMA, do curso de Música Licenciatura EaD da UEMA e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA). Orientado pelo Prof. Dr. Marco Túlio de Paula Pinto e co-orientado pelo Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho (UFPI). Endereço do vídeo relacionado ao presente trabalho: https://youtu.be/5VM4dchTRp4.

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(PPGM/UNIRIO) na subárea de Práticas Interpretativas. A elaboração desse projeto cultural é resultado direto do objetivo central de nossa pesquisa: trazer de volta à circulação obras para piano solo de compositores nascidos e radicados no Maranhão durante os séculos XIX, XX e XXI.

Nesse processo, emergiram algumas questões acerca de pesquisas vinculadas às Práticas Interpretativas/Performance Musical, conforme os diagnósticos de Correia (2015) e Borges (2017). Segundo esses autores, os tipos mais recorrentes de teses e dissertações associados a esta subárea contemplam estudos biográficos de compositores da música erudita e a análise de suas respectivas obras, podendo contemplar recitais e/ou gravações do repertório estudado. No entanto, Correia (2015) e Borém e Ray (2012) destacam que nos últimos anos, as investigações em Práticas Interpretativas no Brasil têm se diversificado consideravelmente, a exemplo do que já acontecia no exterior, adotando abordagens interdisciplinares e trazendo o tema da pesquisa artística – que introduz os conceitos metodológicos de “conhecimento incorporado”, “reflexão em ação” e “pesquisa nas artes” (BORGDORFF, 2012).

Na perspectiva de estar inserido nesse contexto acadêmico, o presente artigo complementa a gravação em audiovisual homônima que oferece uma interpretação de Barcarola, peça composta por João Sebastião Rodrigues Nunes (1877-1951), músico nascido em São Luís e, portanto, associado a nossa investigação.

1. Metodologia da pesquisa

Na primeira etapa, nossa pesquisa não diferiu substancialmente dos trabalhos que têm caracterizado a subárea de Práticas Interpretativas. As referências disponíveis sobre músicos nascidos ou radicados no Maranhão, a exemplo de A Grande Música do Maranhão do pe. João Mohana (1974), Teatro no Maranhão de José Jansen (1974), A Música e o Tempo no Grão-Pará de Vicente Salles (1980) e Músicas e Músicos em São Luís do prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho (2010), foram o ponto de partida para mapear os compositores associados à nossa proposta. Fazendo uso da historiografia, reconstituímos informações sobre as práticas musicais e biografias de músicos, em especial por meio dos jornais disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (BN). Conhecendo a trajetória desses compositores, levantamos possíveis locais e

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instituições com coleções e acervos de documentos sonoros – partituras principalmente – a fim de obter fontes do repertório proposto na pesquisa. Entre os locais, definimos o Rio de Janeiro (onde muitos dos músicos contemplados na pesquisa residiram ou enviaram suas partituras para publicação), Recife, Belém e Manaus, além de São Luís, onde o Arquivo Público do Estado (APEM) guarda a coleção feita pelo pe. João Mohana entre 1950 e 19742.

Posteriormente, editamos as fontes encontradas no MuseScore, programa livre de notação musical. Com base nos métodos de edição crítica propostos por James Grier (1996) e Carlos Alberto Figueiredo (2017), realizamos 181 edições. Algumas obras possuem mais de uma edição – a primeira procurando maior fidelidade ao texto original, em espírito próximo às edições diplomáticas; enquanto a segunda possuía o acréscimo de dedilhados e notação de gestos corporais/recursos fisiológicos, além da revisão de estruturas musicais interpretadas como “erros”. Todas as decisões editoriais do repertório foram registradas detalhadamente em um documento à parte, podendo servir a estudos posteriores sobre práticas de edição musical. Isso reflete, ainda, uma característica associada à pesquisa artística: a ênfase do trabalho pode estar no registro do processo de investigação, ao invés de contemplar somente a apresentação de resultados ou produtos finais (LILJA, 2015, p. 64). Segundo a coreógrafa e pesquisadora sueca Efva Lilja:

Pesquisa artística é continuamente desenvolvida por artistas interessados nas metodologias de processos aprofundados. Muitos artistas que estiveram ativos por um longo período sentem a necessidade de processos de um tipo que não estão mais acessíveis em um mercado cada vez mais comercializado. O processo artístico às vezes tem uma obra de arte como seu objetivo final, mas a necessidade de processos que vão além da produção, buscando outros tipos de conhecimento, está constantemente se fortalecendo. (LILJA, 2015, p. 15)

A artista-pesquisadora continua, esboçando a necessidade de refletir sobre os conceitos de “conhecimento” e “pesquisa” historicamente estabelecidos na academia:

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Nós, artistas como pesquisadores, podemos arguir que a pesquisa artística é quem adiciona legitimidade ao processo artístico como método e subsequente aceitação de uma definição mais adequada do conhecimento. Pesquisa é simplesmente uma maneira de aumentar nosso conhecimento e concepções sobre o que desejamos saber. (LILJA, 2015, p. 15)

Foi a partir desse ponto que nossa investigação passou a se direcionar para a pesquisa artística, que nada mais é do que um método científico. O musicólogo holandês Henk Borgdorff (2012, p. 37-39) a define em três categorias:

1) Pesquisa sobre artes: investigações onde a prática artística são o objeto de estudo. Focam em conclusões válidas sob uma perspectiva teórica, implicando em uma distância hipotética – e idealizada – entre pesquisador e objeto. São utilizados métodos e ferramentas de pesquisa já consolidados no meio acadêmico.

2) Pesquisa para as artes: investigações caracterizadas como pesquisa aplicada. A prática artística constitui o objetivo da investigação, oferecendo ferramentas e concepções que podem ser utilizados no fazer artístico. Como exemplo, temos trabalhos voltados à fabricação de instrumentos musicais ou interfaces de áudio para performances ao vivo – ou seja: voltam-se à realização da prática artística.

3) Pesquisa nas artes: trabalhos onde a prática artística assume a posição tanto de objeto quanto de processo metodológico, não havendo separação entre pesquisador (artista) e objeto (prática artística). Também não há distinção entre teoria e prática, pois é a partir dessa última que os problemas da pesquisa são detectados, analisados e resolvidos. A teoria, se existe, advém da prática e é estudada/reelaborada para se fundir novamente com a prática, formando um modelo cíclico – daqui advém o conceito de “conhecimento incorporado”, admitindo que o saber de artistas e mestres da cultura popular está associado a todas as suas experiências cognitivas, motoras e sensoriais3.

3 Esse tipo de conhecimento, por sua natureza, não é documentável, ao menos com nossa tecnologia atual.

Associamos essa questão ao que o Prof. Dr. Jorge Salgado Correia chamou de “fratura epistemológica” do modelo tradicional de pesquisa acadêmica (CORREIA, 2013).

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O musicólogo continua, afirmando que “conceitos e teorias, experiências e compreensões estão inter-relacionados com a prática artística; e, parcialmente por essa razão, a arte é sempre reflexiva” (BORGDORFF, 2012, p. 21). Essas referências nos influenciaram muito ao iniciar a terceira etapa de nossa pesquisa, que envolveu o estudo ao piano de parte do repertório editado. Algumas perguntas, não respondidas desde os tempos do curso de Bacharelado em Piano, emergiram: esse recital vai acontecer apenas uma vez, restrito à instituição? Como podemos aproveitar ao máximo esse trabalho? É possível transformá-lo em um projeto cultural e levar essa produção a um público mais abrangente? E que tipos de documentação nessa etapa podem ser mais úteis para os pianistas que pretendem conhecer e/ou se basear em nossa pesquisa?

Com boa parte das edições realizadas, foi possível saber que obras revelam mais claramente as características estéticas de cada compositor. Sendo assim, fizemos uma seleção de que peças que ilustram a diversidade estético-musical da música maranhense dos séculos XIX e XX até o limite de 65 minutos para o recital – o século XXI teria de ficar para outra oportunidade. Levamos em conta também a biografia dos músicos, buscando contemplar aqueles que se destacaram mais evidentemente em seu contexto histórico-cultural. Sendo assim, fizemos a seguinte escolha (Tabela 1):

Tabela 1. Lista de compositores, obras e breves biografias contempladas nos recitais do projeto cultural “Piano Maranhense”

Compositor Obras e duração estimada Breve biografia

António Luiz Miró (1805-1853)

Introdução e Thema com Variações para Pianoforte

(1835); 17min15s

Nascido na Espanha, foi para Portugal na Infância. Estudou com Domingos Bomtempo. Teve prolífica carreira como pianista, professor, compositor de operetas e diretor de orquestra

Leocádio Rayol (1849-1909)

Minuête (1905); 2min00s Marcha Rio Branco (1905);

5min25s

Natural de São Luís, estudou violino e composição em Portugal. Teve relevante atuação no Maranhão até ir para o Rio de Janeiro em 1883. Compôs obras religiosas e música para acompanhar peças de teatro

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Compositor Obras e duração estimada Breve biografia

Elpídio Pereira (1872-1961)

Dois Romances sem palavras; 6min40s Três danças sobre temas

brasileiros; 8min15s

Nascido em Caxias/MA, estudou na França por três vezes com Paul Vidal. Residiu em Manaus e no Rio de Janeiro. Era criticado em sua época por compor obras na estética romântica, sendo indiferente ao movimento nacionalista brasileiro

João Nunes (1877-1951)

Barcarola; 3min40s Pièces Drôles; 12min00s

Ludovicense, foi um autodidata em piano até se mudar para o Rio de Janeiro, onde estudou com Arthur Napoleão e Alfredo Bevilacqua. Após dois anos em Paris, voltou ao Maranhão em 1906. Em 1914, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a atuar como professor do Instituto Nacional de Música (INM) e crítico de música

Ignácio Cunha

(1877-1951) Elixir de Carnaúba (1907); 2min40s

Violinista e professor de música nascido em São Luís. Atuava na orquestra contratada do Teatro Arthur Azevedo e dirigia grupos musicais para atuar em festas religiosas e nos cinemas mudos. Foi um compositor relevante em seu contexto

Antonio Rayol

(1863-1904) Vera Lowndes; 3min00s

Irmão de Leocádio, iniciou seus estudos na viola, passando para o violino. Destacou-se como diretor de grupos musicais e tenor, quando ganhou uma bolsa de estudos do Conde de Leopoldina em 1892 para passar seis meses em Milão. Residiu no Recife, Rio de Janeiro e em Salvador. Foi uma figura de liderança em São Luís, quando dirigiu a Escola de Música pública entre 1901 e 1904

Com o repertório preparado em nível de apresentação, submetemos uma proposta ao Edital n.º 003/2017 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA) – Patrimônio Imaterial, voltado ao apoio de ações artísticas e culturais com

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um ano de duração4. Fomos contemplados, permitindo contratar um produtor cultural –

o músico e professor Ivaldo Guimarães Torreão Júnior – e desenvolver um projeto cultural intitulado “Piano Maranhense”. Nossa proposta era levar este recital a pelo menos dez municípios do interior do Maranhão, transportando um piano digital e um projetor para exibir imagens históricas e curiosidades sobre a música maranhense ao longo do tempo. Sob o “tripé” universitário de ensino, pesquisa e extensão, essa ação se caracteriza como extensão. Porém, acreditamos que ela é mais ampla do que levar o conhecimento para além da comunidade institucional: é a própria investigação que se materializa na prática através do produto artístico (recital) – aqui, remetemos mais uma vez à pesquisa artística.

Outra questão debatida no contexto da pesquisa nas artes é o suporte para apresentação dos produtos da investigação. Na investigação acadêmica tradicional, o suporte básico é a publicação de textos. Já nas Artes – tomaremos como exemplo a área de Música – temos documentos sonoros (partituras, gravações em áudio), gravações em audiovisual e produção de conteúdo multimídia na internet, entre outras variações. Borgdorff defende que:

1. Processo ou produtos artísticos são componentes essenciais da e na pesquisa artística. A opção por métodos de investigação é livre e irá variar conforme as questões problematizadoras. A diversidade metodológica referida anteriormente, todavia, é sempre complementar a seu uso pelo processo em si.

2. Resultados da pesquisa consistem parcialmente em uma ou mais produções artísticas tanto cognitivamente quanto artisticamente. Longe de serem uma mera ilustração que acompanha a pesquisa, as produções artísticas são um componente indispensável da mesma. (BORGDORFF, 2012, p. 24-25)

James Grier, ao tratar sobre edição musical, aponta a necessidade de avaliar sistematicamente a apresentação do texto final de uma edição conforme a finalidade e o contexto para a qual foi elaborada (GRIER, 1996, p. 144-179), não necessariamente

4 Uma das observações que temos feito é que a FAPEMA, uma fundação científica, tem contribuído muito

mais para o desenvolvimento artístico e cultural do Maranhão do que a Secretaria de Estado da Cultura e Turismo (SECTUR), órgão que deveria ser o provedor desse tipo de iniciativa por excelência. Para maiores informações, ver Cerqueira (2017).

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vindo como anexo de um trabalho acadêmico que “valide” esse tipo de produção – como, por exemplo, uma tese ou dissertação.

No formato atual de pesquisa acadêmica instituída no Brasil, ainda não há flexibilidade para o suporte – com exceção dos Mestrados profissionais, que têm como característica justamente a elaboração de um produto final não limitado apenas a uma dissertação. Mesmo assim, em nossa investigação, já estamos gerando produtos em multimídia sob influência da pesquisa artística: todas as apresentações associadas ao projeto “Piano Maranhense” estão sendo registradas em audiovisual e disponibilizadas em um canal na plataforma YouTube – http://www.youtube.com/user/dlemosufma, além de estarmos produzido um relatório para cada evento. Para o público em geral, estas gravações são registros de diversos momentos do projeto. Já para os especialistas em pesquisa artística, é interessante observar algumas questões para reflexão como, por exemplo:

▪ É possível analisar as decisões interpretativas do pianista, objetivamente captadas através do áudio, com base em uma audição crítica acompanhada da partitura resultante do processo de edição;

▪ Ao mesmo tempo, podemos traçar um panorama cronológico da interpretação de cada obra ao longo do projeto, comparando as decisões interpretativas realizadas em cada evento/gravação – considerando também evidências circunstanciais; ▪ Podemos estudar as diferenças geradas na interpretação em função do contexto

de cada espaço cultural, que contemplou teatros, salas de concerto, bares, escolas, centros religiosos, bares, universidades e espaços voltados à cultura popular; ▪ Há a possibilidade de estudar a melhora progressiva na questão da ansiedade na

performance, observando como o pianista foi ficando mais à vontade ao longo das apresentações, caso as coloquemos em ordem cronológica;

▪ Sobre a questão da “qualidade” musical – amplamente presente nos estudos em Práticas Interpretativas, de forma explícita ou não – podemos discutir como esse parâmetro de avaliação se aplicaria ao contexto de nossa pesquisa nas diferentes interpretações (que, naturalmente, variam em qualidade), ao invés de tentar estabelecer um critério “universal” para definir o que seria a qualidade na

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performance, independentemente do contexto de prática musical – abordagem fortemente ligada ao positivismo na Música;

▪ Em termos técnico-operacionais, podemos desenvolver um estudo sobre as diferentes formas de captação de áudio utilizadas em cada gravação, avaliando sua adequação ao auditório e à instrumentação – no caso, piano solo. Fizemos uso de recursos variados, envolvendo o microfone da câmera, um microfone direcional ligado à câmera e uma ligação direta entre a câmera e o piano digital, entre outras técnicas.

Destacamos, assim, as possibilidades de estudo que os produtos gerados por meio de suportes variados podem proporcionar, além de contemplar de maneira mais clara e adequada informações muito difíceis de serem abordadas apenas por meio do texto escrito. Assim, reiteramos a valiosa oportunidade que iniciativas como o congresso virtual Nas Nuvens oferecem para o desenvolvimento da pesquisa artística no Brasil.

2 João Nunes e a Barcarola

Como ponto de partida para o estudo da trajetória de João Nunes, utilizamos a biografia do pianista elaborada pelo historiador maranhense José Jansen (1976). O método historiográfico utilizado pelo autor é baseado em entrevistas com pessoas próximas – as ex-discípulas Helsa Camêu (1903-1995), Yara Camarinha, Maria Luísa Vaz e Creusa Tavares da Silva Loretto (1904-1986) – análise de reportagens em jornais, os dois livros que João Nunes publicou em função de sua admissão em concursos para a carreira docente no INM (1914; 1941) e aquisição de documentos junto a familiares do pianista, que foi casado com a cantora lírica e professora Lília Nunes (1900-1991) e era cunhado do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012). Sendo assim, nosso trabalho consistiu basicamente em verificar as informações providas no livro, complementando-as com outros achados não constantes no mesmo.

Em jornais, há algumas informações que não foram contempladas no livro de Jansen. O autor afirma que João Nunes ficou órfão de pai logo na infância. Ao consultar jornais da época, vimos que sua mãe Emília das Neves Marques Nunes faleceu em 1888 (PACOTILHA, 1888). Posteriormente, seu pai se casou com a irmã dela, Amélia Marques

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Nunes. No entanto, ele faleceu três anos depois (PACOTILHA, 1891), quando João contava com apenas 13 anos. Diante das dificuldades financeiras da família, ele fez concurso para os correios e foi aprovado. No entanto, teve de apresentar provas de que já era de maior idade para a nomeação (JANSEN, 1976, p. 16). Para isso, recorreu a seus padrinhos residentes em Caxias que, por meio de uma justificação de nascimento da Diocese de São Luís, alegaram seu ano de nascimento como sendo 1873. Encontramos esse documento no APEM.

Em 1929, quinze anos após sua admissão no INM, João Nunes foi convidado para escrever na coluna “Música” do Diário Carioca. Sua atuação nesse campo foi reconhecida na época, chegando a receber uma observação de Oscar Guanabarino (1851-1937):

No Instituto começa a aparecer um professor de grande merecimento. Homem de poucos amigos, talvez devido ao seu gênio seco, fisionomia fechada com tendência à misantropia. Referimo-nos ao Sr. João Nunes, grande talento que lutou com dificuldades sérias para estudar mas que chegou a conquistar um lugar de destaque, entre os melhores professores de piano desta Capital. (GUANABARINO In: JANSEN, 1976, p. 31)

As críticas de João Nunes, voltadas ao público e geral e não para especialistas, revelam curiosidades sobre compositores, intérpretes, obras, o contexto musical em outros países e críticas de concertos, entre outros assuntos. Nelas, o pianista revela uma personalidade aberta a novas tendências musicais e à tecnologia, comentando a ascensão das pianolas e o recital de um sexteto transmitido ao vivo via rádio onde cada intérprete se localizava em uma cidade da Europa (NUNES, 1929a; ibidem, 1929b).

No entanto, a primeira atividade de João Nunes com cronista aconteceu em São Luís, em uma edição especial da Pacotilha em 1910. Nessa crítica, intitulada “O Audaz” (NUNES, 1910), o pianista já traz críticas à influência da música italiana no Brasil – na qual ele convivera intensamente antes de ir para a França, pois vivenciou o período áureo das óperas no Teatro Arthur Azevedo e tocou com músicos maranhenses da época como Alexandre Rayol (1855-1934), Ettore Bosio (1862-1936), Antonio Rayol (1863-1904), Marcellino Maya (1867-1935) e Ignácio Cunha (1871-1955). Além disso, ele fez referências ao INM na crítica, elogiando o trabalho de Leopoldo Miguez (1850-1902),

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Henrique Oswald (1852-1931), Alberto Nepomuceno (1864-1920), Francisco Braga (1868-1945) e Alfredo Bevilacqua (1874-1942), sendo um possível sinal de interesse em se juntar futuramente ao corpo docente dessa instituição.

Barcarola é uma peça que ilustra tanto a estética musical de João Nunes em suas obras de maior complexidade, com uma sonoridade que remete ao Impressionismo, quanto a abertura do pianista às novas propostas estéticas de seu tempo. Apesar de não conseguirmos acesso à data ou ano de composição da peça, ela certamente foi escrita após seu período de estudos na França, entre 1905 e 1906. Uma notícia de jornal indica que ela foi transmitida na Rádio Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1935 (DIARIO CARIOCA, 1935), sendo a referência de maior recuo cronológico que encontramos sobre a veiculação da mesma.

É notável a influência do compositor Claude Debussy (1862-1918) na produção de João, especialmente por ele ter deixado vários ciclos de peças infantis como Parque de Diversões, Os Três Meninos, Quatro Peças Infantis e Seis Peças Infantis – assim como os dois Arabescos, Children’s Corner e Le Petit Nègre do supracitado compositor, sendo essas duas últimas publicadas após a estadia do pianista na França. A fonte utilizada em nossas edições é um manuscrito autógrafo presente no Setor de Música da Biblioteca Nacional. Ela traz indicações de dedilhado e pedalização, sugerindo a sonoridade de reverberação do pedal e o legato que o pianista imaginou para determinadas passagens. Observamos, ainda, que as estruturas musicais dessa peça remetem à primeira fase de Debussy: Barcarola possui um motivo temático que se apresenta em regiões diferentes do piano na primeira seção, enquanto na segunda parte há uma melodia em terças com acompanhamento. Não nos parece, portanto, trabalhar “coloridos sonoros” através das harmonias – apesar do intérprete poder explorar essa abordagem musical, buscando valorizar a sonoridade dos pedais e as harmonias de tons inteiros que acontecem ao longo da peça. Nossa edição segue em anexo ao presente trabalho.

3 Considerações finais

Esperamos que o presente artigo, associado ao vídeo homônimo disponível na plataforma do congresso virtual Nas Nuvens, acrescente à literatura disponível sobre pesquisa artística na língua portuguesa. Apesar do debate sobre este tema estar sendo

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realizado em outros países desde o final da década de 1980, segundo o teatrólogo e pesquisador Robin Nelson (2013, p. 11), esse tema só começou a ser efetivamente contemplado na área de Música brasileira nos últimos anos. Mesmo havendo resistência por parte de muitos acadêmicos, o interesse mais direto nessa questão parte da subárea de Práticas Interpretativas. Esperamos, assim, encorajar novos trabalhos baseados em métodos diversificados e que façam uso de suportes variados.

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