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Colecao Diplomata - Tomo I Geografia

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Academic year: 2021

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ISBN 978850262400-9

Santos Junior, Washington Ramos dos

Geografia I : epistemologia, política e meio ambiente / Washington Ramos dos Santos Junior. – São Paulo : Saraiva, 2016. – (Coleção diplomata / coordenador Fabiano Távora)

1. Geografia 2. Geografia - Concursos I. Távora, Fabiano. II. Título. III. Série. 14-13093 CDD-910.076

Índices para catálogo sistemático:

1. Geografia : Concursos 910.076

Diretor editorial Luiz Roberto Curia

Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues

Gerência de concursos Roberto Navarro

Editoria de conteúdo Iris Ferrão

Assistente editorial Thiago Fraga | Verônica Pivisan Reis

Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria

Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e Ana Cristina

Garcia (coords.) | Liana Ganiko Brito | Luciana Cordeiro Shirakawa

Projeto gráfico Isabela Teles Veras

Arte e diagramação Know-how editorial

Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.) |

Setsuko Araki

Conversão para E-pub Guilherme Henrique Martins Salvador

Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva | Kelli Priscila Pinto

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Data de fechamento da edição: 1-10-2015

Dúvidas?

Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou

forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é

crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

PREFÁCIO

APRESENTAÇÃO

EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES POR ANO

1 - HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

1.1. A GEOGRAFIA, DOS GREGOS A HUMBOLDT E RITTER

1.2. GEOGRAFIA MODERNA, RATZEL E LA BLACHE

1.3. CORRENTES METODOLÓGICAS E CONCEITOS DA GEOGRAFIA

1.3.1. Correntes metodológicas da ciência geográfica

1.3.2. Paisagem

1.3.3. Território

1.3.4. Região e regionalização

1.3.5. Espaço

1.3.6. Lugar

2 - Geografia Política e Geopolítica

2.1. GEOGRAFIA POLÍTICA CLÁSSICA7

2.1.1. Geopolítica Clássica e seus desdobramentos

I) Mahan

II) Mackinder

III) Haushofer

IV) Spykman

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2.2. GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA CONTEMPORÂNEAS

2.2.1. Da Guerra Fria à Guerra ao Terror

2.2.2. Energia

I) Eletricidade

II) Petróleo

III) Gás natural

IV) Carvão

V) Nuclear

VI) Biocombustíveis

VII) Outras renováveis

2.2.3. Logística

2.3. FRONTEIRAS

2.3.1. Fronteiras brasileiras

2.4. FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA27

3 - Meio Ambiente

3.1. GEOGRAFIA FÍSICA E NATUREZA

3.2. MARCOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS E BRASILEIROS

Referências Bibliográficas

1. história do pensamento geográfico

2. GEOGRAFIA POLÍTICA e geopolítica

3. MEIO AMBIENTE

Questões do IRBr

1. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

2. GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA

3. MEIO AMBIENTE

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AUTOR

Washington Ramos dos Santos Junior

Professor-assistente temporário da Universidade do Estado do Piauí, campus de São Raimundo Nonato. Doutorando em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Geografia Humana pela USP. Bacharel em Geografia pela Universidade Federal Fluminense. Recebeu o auxílio à pesquisa do Instituto Rio Branco em conjunto com o CNPq, parte do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco.

Coordenador

Fabiano Távora

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Turma do Centenário – 2003. Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV) – 2005. Mestre em Direito dos Negócios pelo Ilustre Colégio de Advogados de Madri (ICAM) e pela Universidade Francisco de Vitória (UFV) – 2008. Mestre em Direito Constitucional aplicado às Relações Econômicas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) – 2012. Advogado. Diretor-geral do Curso Diplomata – Fortaleza/CE. Foi Coordenador do único curso de graduação em Relações Internacionais do Estado do Ceará, pertencente à Faculdade Stella Maris. Professor de Direito Internacional para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática. Professor de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito do Comércio Exterior e Direito Constitucional em cursos de graduação e pós-graduação.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, ESPECIALMENTE, a Laura, Ivana, Rosi, Lilly, Lara, Vivi, e minha professora orientadora, pacientíssima, Yvette Piha Lehman – sem estas pessoas não haveria livro.

Merecem nota, ainda, os amigos Florêncio, Thaís, Minoru e Marcos Fávaro.

Aos colegas de trabalho da ETEC Guaracy Silveira Regiane, Kátia, Malu, Ana, Rosane, Sílvia, Fabiana, bem como os alunos que me trouxeram muita alegria – especialmente 3º ETQ, 3º ETFI, 3º ETE e 3º ETLÂMBDA, turmas das quais fui paraninfo.

Agradeço, ainda, aos alunos que se prepararam comigo para o CACD, em especial aos queridos André e Rafaela.

Agradeço aos meus colegas de São Raimundo Nonato, da UESPI e do PARFOR, em especial, Vanessa, Ana Stela, Críssula, Florentino, Waldirene, Werton, Maria Xavier e Judson, e aos meus orientandos e alunos do curso de Licenciatura em Geografia pelo aprimoramento acadêmico e pessoal.

A Luciane Caleia, Marcos Paes, Rose, Almiro e Reinaldo. A Marlene e Adriana.

Aos meus amigos do CEFET-RJ que me presentearam com o Atlas do The Times, inesquecível! A Priscila, minha primeira aluna.

A Alessandra, Monique, Heloísa, Rodrigo e Rodrigo.

Aos professores do Aníbal Freire e a Santos Filho (in memoriam). Aos meus pais, que tornaram livros e atlas passatempos da infância. A Maria de Xangô.

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PREFÁCIO

*

Dez anos atrás, recebi a notícia de que havia sido aprovado no concurso do Instituto Rio Branco para a carreira diplomática. Era difícil acreditar que meu nome estava na lista de aprovados, que o meu antigo sonho tornara-se realidade. Aquele momento deu-me a impressão de ser um divisor de águas, o primeiro passo da carreira que por tantos anos me fascinara.

Hoje, percebo que o primeiro passo para a carreira diplomática havia sido dado em um momento anterior, quando comecei meus estudos de preparação para o concurso. A preparação para a carreira diplomática exige o desenvolvimento da capacidade de analisar politicamente a combinação de diferentes fatores da sociedade. Essa capacidade pode ser adquirida pela leitura atenta de diferentes pensadores e exposição a diferentes manifestações artísticas, o que requer uma caminhada de constantes descobertas.

Essa caminhada é feita em direção às mais profundas e fundamentais características da sociedade brasileira, percorrendo a longa estrada que lentamente mostra as cores que delineiam o multifacetado cenário que é o Brasil. A preparação para a carreira diplomática requer este (re)encontro com o Brasil, este momento em que o futuro diplomata reflete sobre seu país e sobre seu povo. Eu diria que o processo de preparação é uma caminhada para dentro.

Ao caminhar em direção às profundezas do Brasil, o futuro diplomata se defrontará com perspectivas históricas, geopolíticas, econômicas e jurídicas da realidade brasileira que lhe proporcionarão o arcabouço intelectual para sua contínua defesa dos interesses do Brasil e do povo brasileiro no exterior. Essa observação de quem somos como povo e como país é fundamental para o trabalho cotidiano dos diplomatas brasileiros, principalmente porque também pressupõe as relações do Brasil com outros países. Ao compreender a história política externa brasileira, o candidato poderá perceber características do Brasil que explicam como o país percebe sua inserção no mundo.

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contato com o mundo. Os diplomatas são os emissários que também contam para o mundo o que é o Brasil e o que é ser brasileiro. A aprovação no concurso do Instituto Rio Branco não é, portanto, o primeiro passo da carreira. É o momento em que a caminhada para dentro do Brasil se completou e passa a ser uma viagem para fora, para relatar ao mundo o que nós somos e o que pensamos.

Devo confessar que a minha caminhada foi bem difícil. Quando comecei a me preparar para o concurso, poucas cidades brasileiras tinham estruturas que guiassem os estudos dos candidatos para o concurso. Apesar de ter certeza de que nunca nenhuma leitura é inútil, estou certo de que a imensidão de pensadores e artistas que conformam o pensamento brasileiro é difícil de ser abordada no momento de preparação para o concurso. Lembro-me de que sempre busquei obras que me guiassem os estudos, mas não tive a sorte de naquele momento haver publicações neste sentido.

Foi com muita alegria que recebi o convite para escrever sobre minha experiência pessoal como jovem diplomata brasileiro em uma coleção que ajudará na caminhada preparatória dos futuros diplomatas. Esta coleção ajudará meus futuros colegas a seguir por caminhos mais rápidos e seguros para encontrar o sentido da brasilidade e a essência do Brasil. Congratulo-me com a Editora Saraiva, com os autores e com o organizador da coleção, Fabiano Távora, pela brilhante iniciativa e pelo excelente trabalho.

Aos meus futuros colegas diplomatas, desejo boa sorte nessa caminhada. Espero que se aventurem a descobrir cada sabor deste vasto banquete que é a brasilidade e que se permitam vivenciar cada nota da sinfonia que é o Brasil. Espero também que possamos um dia sentar para tomar um café e conversar sobre o que vimos e, juntos, contar aos nossos amigos de outros países o que é o Brasil.

Pequim, novembro de 2014.

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APRESENTAÇÃO

**

Indubitavelmente, o concurso para o Instituto Rio Branco, uma das escolas de formação de Diplomatas mais respeitadas do mundo, é o mais tradicional e difícil do Brasil. Todos os anos, milhares de candidatos, muito bem preparados, disputam as poucas vagas que são disponibilizadas. Passar nessa seleção não é só uma questão de quem estuda mais, envolve muitos outros fatores.

Depois de muito observar essa seleção, nasceu a ideia de desenvolver um projeto ímpar, pioneiro, que possibilitasse aos candidatos o acesso a uma ferramenta que os ajudasse a entender melhor a banca examinadora, o histórico dos exames, o contexto das provas, o grau de dificuldade e aprofundamento teórico das disciplinas, de forma mais prática. Um grupo de professores com bastante experiência no concurso do IRBr formataria uma coleção para atender a esse objetivo.

Os livros foram escritos com base nos editais e nas questões dos últimos 13 anos. Uma análise quantitativa e qualitativa do que foi abordado em prova foi realizada detalhadamente. Cada autor tinha a missão de construir uma obra que o aluno pudesse ler, estudar e ter como alicerce de sua preparação. Sabemos, e somos claros, que nenhum livro consegue abordar todo o conteúdo programático do IRBr, mas, nesta coleção, o candidato encontrará a melhor base disponível e pública para os seus estudos.

A Coleção Diplomata é composta dos seguintes volumes: Direito internacional público; Direito

interno I – Constituição, organização e responsabilidade do Estado brasileiro; Direito interno II –

Estado, poder e direitos e garantias fundamentais (no prelo); Economia internacional e brasileira (no prelo); Espanhol (no prelo); Francês (no prelo); Geografia I – Epistemologia, política e meio ambiente; Geografia II – Geografia econômica; História do Brasil I – O tempo das Monarquias;

História do Brasil II – O tempo das Repúblicas; História geral; Inglês; Macroeconomia; Microeconomia; Política internacional I – A política externa brasileira e os novos padrões de

inserção no sistema internacional do século XXI; Política internacional II – Relações do Brasil com as economias emergentes e o diálogo com os países desenvolvidos; Português.

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Todos os livros, excetuando os de língua portuguesa e inglesa, são separados por capítulos de acordo com o edital do concurso. Todos os itens do edital foram abordados, fundamentados numa doutrina ampla e atualizada, de acordo com as indicações do IRBr. Os doutrinadores que mais influenciam a banca do exame foram utilizados como base de cada obra. Juntem-se a isso a vivência e a sensibilidade de cada autor, que acumula experiências em sala de aula de vários locais (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Teresina...).

Cada livro, antes da parte teórica, apresenta os estudos qualitativos e quantitativos das provas de seleção de 2003 até 2014. Por meio de gráficos, os candidatos têm acesso fácil aos temas mais e menos cobrados para o concurso de Diplomata. Acreditamos que esse instrumento é uma maneira inteligente de entender a banca examinadora, composta por doutrinadores renomados, bastante conceituados em suas áreas.

No final de cada livro, os autores apresentam uma bibliografia completa e separada por assuntos. Assim, o candidato pode ampliar seus conhecimentos com a segurança de que parte de uma boa base e sem o percalço de ler textos ou obras que são de menor importância para o concurso.

As questões são separadas por assunto, tudo em conformidade com o edital. Se desejar, o aluno pode fazer todas as questões dos últimos anos, de determinado assunto, logo após estudar a respectiva matéria. Dessa forma, poderá mensurar seu aprendizado.

Portanto, apresentamos aos candidatos do IRBr, além de uma coleção que apresenta um conteúdo teórico muito rico, bastante pesquisado, uma verdadeira e forte estratégia para enfrentar o concurso mais difícil do Brasil. Seguindo esses passos, acreditamos, seguramente, que você poderá ser um DIPLOMATA.

Fortaleza, 29 de julho de 2015.

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HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

Este capítulo trata da História da Geografia como ciência. Apesar de não ser cobrado com muita frequência pelo concurso, cabe aqui explicitar o caminho percorrido pela Geografia na sua configuração científica. Não é porque é cobrado raramente que o futuro diplomata não deve saber do que trata a Geografia e de como esta aborda temas que estão em nosso cotidiano, especialmente se considerarmos que a Geografia, “serve, antes de tudo para fazer a guerra” (LACOSTE, 2001). Homens de Estado têm de saber Geografia muito bem, e para confirmar essa assertiva, basta lembrar o papel que o Barão do Rio Branco teve na definição das fronteiras brasileiras.

Este capítulo está estruturado em quatro subcapítulos. O primeiro traça o caminho da Geografia dos gregos a Humboldt e Ritter; o segundo comenta sobre a Geografia Tradicional; o terceiro trata das correntes metodológicas e dos conceitos caros à Geografia – paisagem, território, região, espaço e lugar; ademais da regionalização do Brasil; o quarto traz exercícios do teste de pré-seleção comentados.

1.1. A GEOGRAFIA, DOS GREGOS A HUMBOLDT E RITTER

A palavra Geografia foi adotada por Eratóstenes no século II a.C.; geo, significando terra, e

grafia, descrição. Corografia era a descrição das diferenças e contrastes da Terra. Na Grécia antiga,

havia uma disputa entre a Jônia, centro das colônias dos mares Egeu e Negro, e a Magna Grécia, áreas de ocupação decorrentes das expansões marítimas. A escola jônica, cujo centro era Mileto, e a escola pitagórica, cujo centro era Cróton ou Crotona (hoje sul da Itália), concorriam para obter o pioneirismo nas transformações políticas e filosóficas. Os primeiros consideravam a Terra cilíndrica, e os segundos, esférica. Estes, exatamente por essa concepção, dividiram a Terra em

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zonas, por critério de temperatura. Hecateu de Mileto, jônico, traçou o primeiro mapa-múndi.

Em seguida, Aristóteles introduziu a ideia de ecúmeno, enquanto Hiparco, em Alexandria, introduziu a noção de clima, estabelecendo a relação entre latitude e longitude, e inventou o astrolábio. Entre 275 a.C. e 194 a.C., Eratóstenes introduziu no seu mapa-múndi as coordenadas geográficas e mediu a circunferência da Terra; sua obra manteve-se viva até hoje devido a Estrabão (63? a.C.-24? d.C.). Este afirmou ter viajado da Armênia à Sardenha e do Ponto Euxino à Etiópia e sua Geografia descreve detalhadamente o mundo tal como era na Antiguidade. Para Sandra Lencioni (2003: 46), ele é

[...] o marco inaugural da Geografia Regional, pois os recortes analíticos que elabora não são feitos a partir de parâmetros geométricos, embora considerasse a Geometria o fundamento da Geografia. Seus recortes são estabelecidos segundo a composição territorial das civilizações. Juntamente com Estrabão, Ptolomeu foi outro importantíssimo geógrafo para a época em que viveu, apesar de sua obra ter se tornado conhecida apenas no século XV. Distinguiu Cosmografia de Geografia e de Corografia, as quais, respectivamente, estudam o Universo, a Terra como um todo, e as partes da Terra. Este realizou suas observações entre 125 e 151 d.C. Com a Idade Média, o conhecimento astronômico foi sendo abandonado, e, com efeito, os erros cometidos por Ptolomeu foram se cristalizando. Entre estes, estavam o sistema astronômico geocêntrico e coordenadas distorcidas que alongaram a Ásia e a Europa, o que induziria Colombo a tentar uma rota para as Índias pelo oeste.

Na Baixa Idade Média, as descrições de viajantes dos séculos XIII a XV foram a base do conhecimento geográfico desse período e também contribuíram para consolidar as informações acerca de diversas áreas do globo. Guillaume de Rubrouck percorreu a Crimeia e as estepes do sul da atual Rússia; Hayton de Corigos se aventurou pela Ásia Central, desde o Mar Negro até o Lago Baikal, e Marco Polo, talvez o mais famoso de todos, viajou pela Ásia oriental, tendo servido como informante do rei mongol no contemporâneo Subcontinente Indiano, na China, no Tibete e em Sumatra.

A divulgação dos relatos dessas viagens e de estudos parciais sobre diversos lugares criou o desafio de formular generalizações. Dois fatos exigem nossa atenção, de acordo com Sandra

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Lencioni (2003: 66)

[...] o primeiro se refere às questões que os homens dedicados ao conhecimento enfrentavam; ou seja, o que deveria ser observado, como fazê-lo e como deveriam ser explanados, tanto em relação à natureza quanto em relação à organização social, aos hábitos e aos costumes dos povos, às cidades, às atividades econômicas, à história e à política; o segundo se refere ao fato de que esses estudos acabavam por colocar a questão entre o geral e o particular.

Do século XIII ao século XVII, a Europa sofreu abalos no saber e na forma de pensar. São Tomás de Aquino (1225-1274) cristianizou a filosofia aristotélica; a imprensa surgiu em 1450; as Américas foram descobertas em 1492; Maquiavel (1469-1527) separou moral e política; Nicolau Copérnico (1473-1543) desenvolveu a teoria heliocêntrica do Universo, posteriormente comprovada por Galileu (1564-1642); Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564) distanciaram-se da Igreja Católica; Francis Bacon (1561-1626) propôs o método ​experimental, fundamentado em observações e experimentações, a fim de chegar às formas universais e às generalizações; e, por fim, Kepler (1571-1630) demonstrou que as órbitas dos planetas eram elípticas. Esse pequeníssimo resumo ilustra as transformações profundas vivenciadas pela Europa em quatro séculos (LENCIONI, 2003).

Paulo Cesar da Costa Gomes (2000) assegura haver duas direções dadas pelo Renascimento à Geografia: um novo modelo cosmológico, já que houve a ruptura do sistema geocêntrico consolidado por Ptolomeu e sustentado pelo dogma da Igreja; e a retirada dos modelos dessa geografia emergente da Antiguidade Clássica. Este autor revela que a geografia ptolomaica tinha por finalidade a cartografia e que esta, por sua vez, buscava oferecer, ao mesmo tempo, uma imagem e uma representação da Terra. Como considerava a unidade da Terra fundamento de seu pensamento, refutava qualquer descrição parcial, ou seja, rejeitava a Corografia.

Ptolomeu, portanto, é precursor de uma geografia matemática, sob a forma de cosmografias, similares às da Antiguidade, que consistiam em análises sobre a origem e a forma da Terra, as zonas climáticas e as características físicas do globo. Por se tratarem de fenômenos naturais, esses trabalhos mantinham-se separados de interpretações medievais que lhes poderiam alterar a própria metodologia com que eram elaborados. A Geografia, assim, estava pronta a difundir sua cosmovisão; Estrabão, contudo, compunha uma imagem própria a cada região visitada,

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diferenciando-se de Ptolomeu, uma vez que, para caracterizar cada região, Estrabão utilizava elementos econômicos, étnicos, históricos e naturais, possuindo caráter histórico-descritivo. Paulo Gomes (ibid.: 130) afirma que

[...] estes dois autores fundaram então duas escolas de geografia, que conviveram lado a lado até a revolução científica. Certos geógrafos procuraram reunir ao mesmo tempo os princípios gerais cosmográficos e as descrições regionais corográficas, integrando assim, em uma mesma obra, essas duas abordagens até aí distintas. É então possível afirmar que existia já nessas tentativas de integração uma maneira de conceber a geografia como uma relação entre a organização geral do mundo e sua imagem, de um lado, e a fisionomia particular de algumas de suas partes, de outro. Esta concepção é talvez a origem da aproximação retida pelos manuais tradicionais de geografia moderna, que fazem figurar em geral uma cosmografia seguida de descrições regionais.

Varenius (1622-1650), nesse sentido, foi o que melhor conciliou, à época, essas duas vertentes, distinguindo a Geografia Geral ou Universal da Geografia Especial ou Particular. A esta cabe o estudo da constituição de cada uma das regiões e se subdivide em Corografia e Topografia; aquela explica suas propriedades sem recorrer a particularidades de cada região. Em outras palavras, a Geografia Geral era essencialmente física, e a Geografia Especial tratava de interações entre o meio e o homem. De fato, essa dicotomia está presente na análise de diversos autores e não se restringe à Geografia. Ainda segundo Paulo Gomes (2000: 132),

[...] de um lado, considera-se que o conhecimento repousa sobre a observação de fatos regulares, que levam a generalizações abstraindo-se todo contexto particular; ele se apoia sobre o raciocínio, o qual trabalha a partir de representações racionais. De outro lado, ​estima-se que o conhecimento se adquire através do estudo de casos específicos, únicos e não redutíveis, devendo ser apreendidos em todas as suas especificidades.

Para compreender como essa dicotomia foi assimilada pela Geografia moderna, é necessário recorrer a Kant (1724-1804), que elaborou “o primeiro sistema filosófico capaz de definir o papel e o valor da geografia moderna” (ibid.: 138). Isso se deve, primeiramente, ao ensino de Geografia por Kant ao longo de 40 anos, entre 1756-1796, e, em segundo lugar, ao prestígio e reconhecimento do filósofo. Deve-se, portanto, situar os conceitos de empirismo, de natureza e de antropologia e de

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geografia em sua realidade temporal. Àquela época, a ciência empírica não refutava categorias advindas do raciocínio e fundamentava-se na primazia da experiência.

A Geografia recobria, desde fins do Novecentos, dois campos distintos em Kant, a antropologia e a geografia; e a natureza era composta pelos dados empíricos, cujos fenômenos eram ordenados por leis universais, não da própria natureza, mas depreendidas da razão humana. Nesse sentido, a Geografia, que produz um conhecimento sistemático da natureza, é uma ciência empírica; as ciências empíricas, do mesmo modo que as teóricas, não são opostas à abstração. Naquelas ciências, o conhecimento provém do contato entre sujeito e objeto real. Em consequência, como isso ocorre por meio de representações, tempo e espaço são apriorísticos, as únicas intuições1 puras, anteriores a toda experiência (GOMES, 2000); logo, moldam a ação do homem.

Para Sandra Lencioni (2003), a origem da ideia de que o fundamento da Geografia é o espaço surge com Kant. Ao analisar o pensamento kantiano, essa autora diverge claramente de Ruy Moreira sobre a definição de Geografia Física. Segundo este, o filósofo “lecionou na Universidade de Koenigsberg o que hoje chamamos de ‘geografia física’” (MOREIRA, 1994: 23). Todavia, para a autora, “o nome Geografia Física, em Kant, não tem nada a ver com o que pensamos hoje em dia como Geografia Física” (LENCIONI, op. cit.: 78). Abordaremos a evolução desta no capítulo sobre Meio Ambiente.

Ruy Moreira comenta sobre Kant em seu livro O que é Geografia (MOREIRA, op. cit.: 23-5). Diz que, para este filósofo, o conhecimento é dado pelos sentidos e, portanto, é empírico; ademais, advém da percepção ocasionada por estes. Assim sendo,

[...] A percepção orienta a experiência, que, para isso, precisa ser sistematizada. À geografia cabe esta sistematização, no plano do espaço, cabendo-a à história no plano do tempo. Isto porque a sistematização passa por dois processos: a narrativa (história) e a descrição (geografia) [...] Como a geografia (a geografia física, lembremos) é a descrição geral da natureza, segue-se que ela subestrutura a história e a antecede. Substrato da história, a geografia física é a base de todas as “geografias”, isto é, os ramos em que pode ser dividida a geografia [...] Os precursores da geografia moderna não romperão com a “epistemologia geográfica” deixada por Kant. Assim, consolidarão a noção de geografia kantiana de conhecimento empírico, de síntese espacial, bem como as noções kantianas de espaço e de tempo, isto é, tempo e espaço como “lugares” [onde a

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experiência se deposita]; tempo e espaço separados.

Kant, porém, não foi o único a deixar legado para a Geografia. Johan Gottfried Von Herder (1744-1803) foi importante filósofo, cujas obras contribuíram para o surgimento do Romantismo alemão. Líder do movimento Sturm und Drang – Tormenta e Impulso, traduzido para o português –, que surgiu como reação ao valor atribuído pelo Iluminismo à civilização, ao intelecto e à razão, Herder forneceu outra abordagem à Geografia, ao incluir a nação como nível de análise em sua filosofia, nível intermediário entre o Estado e o indivíduo.

A nação constitui-se por um povo ou por uma comunidade, sendo um e outra identificados com um organismo vivo, e possui três elementos que a compõem: as condições do ambiente, base do sistema; os gêneros de vida; e a tradição, conjunto de valores e costumes desenvolvidos ao longo da História. Desse modo, o espírito do povo seria percebido por intermédio das relações de cada cultura com o meio, o que demonstraria a capacidade daquele de se adaptar a este. Dessas relações, desenvolver-se-ia um gênero de vida próprio, o qual criaria tradições que definiriam a individualidade do povo.

Para esse autor, por meio das comparações com outros povos é que se permite caracterizar o que há de comum com base na observação das diferenças. É necessário, porém, abster-se de valores fundamentados na cultura a que se pertence, a fim de evitar a hierarquização cultural. Esse relativismo originou perspectiva oposta à de Kant, e ambos os modelos serão frequentemente encontrados nas análises geográficas por meio da dupla filiação a essas correntes, que Paulo Gomes assegura ser característica da Modernidade. Assim sendo, será encontrada nas obras de Humboldt e de Ritter, fundadores da Geografia moderna.

A Modernidade transformou o problema do conhecimento ao centralizá-lo no sujeito, questionando a existência do objeto. Assim, o critério para se ter certeza quanto ao pensamento que se tem do objeto dará origem a duas correntes filosóficas, o racionalismo e o empirismo. Enquanto o racionalismo circunscreve o homem à própria razão, tornando ocasional e secundária a experiência como fonte de conhecimento, o empirismo afirma que o trabalho da razão subordina-se ao experimento. Com efeito, os racionalistas acreditam na possibilidade de se alcançar verdades universais, enquanto os empiristas consideram o conhecimento parte de uma realidade em

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permanente transformação, sempre relativa, contingente. Kant questiona, pois, se há razão pura, independente da experiência.

Com o objetivo de superar a dicotomia entre racionalismo e empirismo, assevera que o conhecimento é constituído de matéria e de forma. A matéria é a coisa em si, e a forma é o sujeito, na medida em que a experiência é organizada pela sensibilidade dele. Como as formas da sensibilidade do sujeito são anteriores a toda experiência, e condição da própria experiência para efetivar o conhecimento sobre algo, deve-se organizá-lo a partir da intuição, ou seja, do tempo e do espaço. Por ambos serem atributos do sujeito, não existem como realidade externa. Assim sendo, é o sujeito que constrói o objeto de seu saber. Ao determinar o conhecimento pela consciência, Kant firmou-se, pois, como idealista, sem, contudo, romper com o racionalismo. Segundo a interpretação de Hartshorne sobre Kant (GOMES, 2000: 139), haveria, pois, dois tipos de geografia:

[...] A primeira, definida como geral e sistemática, faria parte das ciências teóricas ao lado das ciências naturais; a segunda, empírica e regional, seria metodologicamente análoga à História. Para a geografia geral, a metodologia é analítica, objetiva e normativa. Para a ciência regional, ela é empírico-descritiva e seu objeto final é buscar um espírito de síntese.

Como visto anteriormente, a ciência empírica não refutava o racionalismo, e após a crítica de Kant, ambos serão identificados a um dos polos epistemológicos da Geografia científica. O outro pilar será a contribuição dos pensadores que questionavam o racionalismo moderno, por meio de correntes que desconsideravam a universalidade da razão humana e privilegiavam o particular como fonte de conhecimento, entre estas o Romantismo, a Filosofia da natureza e a Hermenêutica. A Geografia moderna configurar-se-á quando esses pilares estiverem incorporados na mesma análise, o que ocorrerá com Humboldt e Ritter no final do século XIX.

Neste momento, havia a necessidade de circunscrever o objeto e de sistematizar dados e informações coletados ao longo dos séculos anteriores. Desse modo, a Geografia (ibid.: 150)

[...] conhecida na época como “física do mundo”, colocou sob sua responsabilidade a interpretação da dinâmica da natureza e de suas relações possíveis com a marcha histórica. [...] A temática escolhida, a saber, as relações entre homem e natureza, conduziu-a a se transformar também em um dos porta-vozes dos novos tempos e, de certa maneira, a exprimir o sentido desta

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modernidade paradoxal e contraditória.

Antonio Carlos Robert Moraes (2002: 15) alerta, contudo, que

[...] desse processo de sistematização da Geografia, iniciado com a publicação das obras de Humboldt e Ritter, não emerge uma Geografia sistemática, isto é, um estudo voltado para a compreensão de um fenômeno (ou classe de fenômenos) particular. Emerge, isto sim, uma Geografia sistematizada que, apesar de assumir-se como campo autônomo de conhecimento científico, não chega a formular uma proposta de estudo sistemático, isolando um objeto especificamente seu. Ao contrário, tal Geografia toma como elemento de sua identidade esta característica assistemática, propondo como legitimação de sua especificidade a diferenciação introduzida pela perspectiva associativa ou sintética, que trabalha com uma variedade enorme de fenômenos estudados, cada um, pelas mais diferentes ciências.

Mapa 1: Primeiro mapa-múndi com o Novo Mundo, elaborado por Cantino em 1502.

Esse autor afirma ainda que a sistematização da Geografia moderna decorreu do conhecimento efetivo de todo o planeta, cuja consequência primeira foi a formação de acervos informativos sobre locais os mais recônditos. Além disso, o cálculo da longitude (1761) e o aprimoramento da cartografia possibilitaram a criação de uma cosmovisão moderna e precisa, facilmente perceptível ao se contrastarem mapas dos séculos XVIII e XIX com anteriores, da transição da Idade Média para o Renascimento, como bem ilustra Harvey (2005: 219-35) e os mapas 1 (ABRIL CULTURAL, 1971. v. 1, p. 253) e 2 (ibid., v. 2, p. 403).

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gregos não tinham palavra para espaço. Segundo Stuart Elden (2001: 324),

[...] a geometria grega – e, por conseguinte, a fundação da geometria moderna – não requer um conceito que seja equivalente a noção moderna de “espaço”. Nós podemos, portanto, conceber um entendimento de geometria sem a extensão cartesiana. Podemos conceber uma área sem espaço [...] Entretanto, o caminho em que estou mais interessado é em suas principais consequências políticas. A tecnologia moderna requer uma visão de espaço que possa ser mapeado [mappable] e controlado e útil à dominação. Isso não é encontrado no pensamento grego. O sistema moderno de Estados de territórios geográficos limitados por fronteiras surge da Paz de Westphalia em 1648 [...]. É sintomático que a justificativa filosófica para espaço demarcável, controlável e calculável é feita ao mesmo tempo em que esse sistema é colocado em prática.

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Mapa 2: Mapa elaborado pelo governador britânico da Índia, James Rennel, publicado em 1782.

Sandra Lencioni (2003: 70) corrobora Stuart Elden afirmando que

[...] o final do século XVIII se caracteriza pela afirmação do Estado Absolutista, fundado numa monarquia centralizadora em que a administração territorial passa a ser de interesse primordial do rei. Isso significa a elaboração de um conhecimento geográfico sobre os lugares de forma mais rigorosa em que se fazem presentes as estatísticas de aspectos econômicos e demográficos. Essa relação entre conhecimento geográfico e inventários precisos é que faz com que, nesse período, a fronteira entre Geografia e estatística seja bem estreita.

David Harvey (2005: 225; 235) complementa o pensamento dos autores supracitados dizendo que, [...] se as experiências espaciais e temporais são veículos primários da codificação e reprodução de relações sociais (como sugere Bordieu), uma mudança no modo de representação daquelas certamente gera algum tipo de modificação nestas. Esse princípio ajuda a explicar o apoio que os mapas da Inglaterra renascentista deram ao individua​lismo, ao nacionalismo e à democracia parlamentar em detrimento dos privilégios dinásticos. Mas, como assinala Helgerson, os mapas podiam funcionar com a mesma facilidade como “um apoio imperturbável de um regime monárquico fortemente centralizado”. [...] todos os projetos iluministas tinham em comum uma concepção, com certo grau de unificação, da importância do espaço e do tempo e de sua ordenação racional. Essa base comum dependia em parte da disponibilidade popular de relógios, bem como da ​capacidade de difundir o conhecimento cartográfico por intermédio de técnicas de impressão mais baratas e mais eficientes. Mas também dependia do vínculo entre o perspectivismo da Renascença e um conceito do indivíduo como fonte e continente últimos do poder social, embora assimilado no interior da nação-Estado como um sistema coletivo de autoridade.

O ordenamento da representação cartográfica e o acúmulo de informações de todo o planeta permitiram, pois, que “a física do mundo” recriasse e reproduzisse sua cosmovisão, articulando não só homem e meio, mas também a unidade da superfície terrestre e as particularidades de diferentes áreas do planeta. Assim, cabe-nos, agora, resgatar nas obras de Humboldt e de Ritter o modo pelo qual a Geografia tornou-se, definitivamente, moderna e científica. Alexander Von Humboldt (1769-1859), cuja obra mais importante é Cosmos (1845 a 1862, cinco volumes), tanto foi influenciado

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pela intelectualidade francesa quanto pelo romantismo alemão.

Humboldt resgatou a tradição dos relatos de viagens e das cosmografias, com os diferenciais de buscar um método próprio à Geografia e de realizar comparações entre fenômenos a fim de estabelecer encadeamentos gerais. Parte do talento de Humboldt consistia na sua formação enciclopédica – especialmente em Botânica, em Geologia e em Geografia –, o que era percebido como adequado a uma ciência cujo caráter era sintético. Um dos aspectos centrais na obra humboldtiana é a influência da Filosofia da Natureza de Schelling. Segundo Antonio Carlos Vitte (2006: 45),

[...] a Naturphilosophie propunha a substituição de uma filosofia da natureza mecanicista por uma visão orgânica do universo [...] Pode-se dizer que a Naturphilosophie é a instituição dos princípios reguladores pelos quais as noções de continuidade e homogeneidade são transformados em princípios ontológicos. Isto porque a natureza é considerada como que sendo o passado inconsciente do Eu e o Homem, por sua vez, o auge do processo de evolução da natureza. Neste movimento geral, há uma continuidade entre os diversos graus do ser e é quando o real entra em homogeneidade inteligível.

Essa homogeneidade está manifestada nas formas e em seus conteúdos e é decorrente de um processo que mantém a organização das formas naturais e no qual orgânico e inorgânico estão interconectados. Estas representam a síntese e a diferenciação da natureza e derivam da constante evolução dos organismos. Para Kant, ainda consoante Vitte (ibid.: 43),

[...] os fenômenos da natureza são submetidos ao juízo reflexionante2, o que significa dizer que com a ação deste juízo as heterogeneidades e a multiplicidade da natureza imediatamente são submetidas ao conceito geral de natureza, não havendo necessidade de nenhum princípio particular. Com isto há uma esquematização a priori que se aplica a toda a síntese empírica.

Desse modo, a razão atua sobre a natureza por meio da identificação das formas, as quais podem ser especificadas “como gêneros, espécies ou, em termos de geografia, como as formas de relevo” (loc. cit.). Com efeito, o pensamento kantiano, por meio de sua Geografia Física, forneceu elementos tanto da mecânica da natureza quanto da teleologia da natureza, com a incorporação do conceito de organismo, o qual encerra ambos os princípios de causalidade e finalidade, além de corresponder à

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totalidade encontrada na própria natureza, por meio do conceito kantiano de juízo reflexionante, visto que somente com o uso do entendimento não seria possível conhecer a natureza como sistema. Assim (ibid.: 42),

[...] a concepção de natureza não está mais associada às rígidas regras da matemática e da física, mas estrutura-se a partir da noção de organismo, como totalidade com uma finalidade técnica no mundo. A finalidade natural existiria apenas quando as partes se relacionam com um todo, sendo ao mesmo tempo causa e efeito de sua forma. Assim, a ideia de organismo é determinante da forma e da ligação de todas as partes em uma unidade sistemática, ou seja, o todo. Este princípio de finalidade, por sua vez, está necessariamente associado à faculdade de conhecer, que prescreve uma lei para a natureza.

A metafísica do organismo que Kant abordou foi incorporada por Schelling. Além dos princípios de continuidade e de homogeneidade, este trata ainda do princípio da especificação da natureza, o qual possibilita o agrupamento em conjuntos homogêneos de formas que, na natureza, se apresentam diferenciadas, com base na relação forma-conteúdo. Quanto à sucessão dessas formas, é feita por meio de uma escala graduada, em que os fenômenos naturais corresponderiam a diferentes graus de um processo de criação das formas, tornando necessária a descrição da natureza, a qual permitiria a dedução deste processo. Humboldt utilizou-se desta metodologia, conforme nos diz Robert Moraes (2002: 113):

[...] ao colocar como objeto de estudo da Geografia as conexões entre os fenômenos, apreendidas nas individualidades locais, enquanto manifestações da unidade da natureza, Humboldt necessita dotá-la de um instrumental ágil e múltiplo. Na verdade na proposta humboldtiana, objeto e método não são separados na exposição. O itinerário entre a análise de individualidade e a generalização traduz-se, ao nível do método, num jogo entre observação-descrição e reflexão-teorização [...] O método da Geografia, na concepção de Humboldt, deve articular a observação dos fenômenos e sua descrição com a reflexão e a possibilidade teórica que demanda seu objeto. Sua proposta vai tentar dar conta desse itinerário entre o levantamento empírico e a Filosofia da Natureza, que busca abranger todos os procedimentos e campos de investigação da Geografia. A observação é o princípio de todo o processo cognitivo, a objetividade do mundo exterior não sendo negada por Humboldt.

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A articulação entre o percebido subjetivamente e o observado decorrente de medições e de classificações permitirá que haja a apreensão da realidade por meio das impressões que serão definidas com dados recolhidos por meio de investigação sistemática. Para Humboldt, o método geográfico deriva da observação da paisagem e é chamado de empirismo raciocinado. Esse método combina (ibid.: 117)

[...] a observação, a medição e a descrição com a elaboração indutiva, a comparação e a generalização num procedimento de pesquisa que articula diversidade e unidade (assim estudos sistemáticos e sintéticos), e individualidade e universalidade (assim a escala local e a escala global), e ainda a subjetividade e a objetividade (assim as impressões e os dados empíricos). Essa proposta de método culminaria com a generalização, o estabelecimento de leis da distribuição e combinação espacial dos fenômenos da superfície da Terra.

Esse empirismo raciocinado é uma mediação entre a Filosofia e as ciências sistemáticas. Contudo, a Geografia Física de Humboldt se aproximava destas quando buscava o estabelecimento de leis por meio de relações entre processos, sendo, portanto, uma geografia unitária e generalizadora. Cabe ressaltar que o adjetivo física conferido por Humboldt servia para denotar uma ciência de leis, exatamente como a Física. Outrossim, era uma ciência de síntese. Por fim, deve-se lembrar que a obra humboldtiana tem por objetivo construir uma experiência estética na esfera científica, com base na transformação em imagens das formas espaciais.

Carl Ritter (1779-1859) foi contemporâneo a Humboldt e também possui em sua obra características iluministas e românticas. Semelhantemente a Humboldt, Ritter também considera a Geografia uma ciência de síntese e uma ciência empírica. Contudo, distingue a Terra da Natureza e do homem. Para Ritter, a natureza era obra divina modelada pelo ​Criador, e a Terra

[...] foi organizada desde a origem para servir de teatro à Natureza e suas forças e para acolher os povos. É interessante assinalar nesta afirmação que Ritter trata a Terra e a Natureza distintas, criações diferenciadas, se bem que integradas num plano comum. Daí pode-se deduzir que a Terra é uma base para a Natureza e para o homem, também diferenciado desta. Entretanto, homem, Natureza e Terra unificar-se-iam ao nível da divindade, que a todos criou (MORAES, 2002: 163). Desta citação de Robert Moraes, podem-se inferir alguns aspectos da obra ritteriana: em primeiro

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lugar, a teleologia e o pietismo existentes em seu pensamento; em segundo lugar, a distinção entre Terra e Natureza; e, por último, a distinção entre Natureza e homem. A teleologia, também presente em Humboldt, é influência de Schelling, que, como vimos, crê estar o sistema da natureza identificado ao do homem. Esta visão da natureza e do homem está presente, outrossim, no idealismo de Fichte e de Hegel, em que (ibid.: 157)

[...] o conceito de conjunto relacionava-se com o conceito teleológico de universo. Schelling, por exemplo, afirmava que a natureza não era apenas uma unidade viva, mas que ela se desenvolvia para determinado fim. A natureza é o ego ou o eu no processo de existir, tal é o tema da Filosofia da Natureza de Schelling. Este conceito teleológico, aceito por Ritter, é reforçado por sua tendência ao pietismo (outra afinidade com Kant) [...] Humboldt partilhava com Ritter o conceito de unidade da natureza, concordando que demonstrar isso era o fim da Geografia Física... A concepção de unidade viva da natureza [...] havia sido revivida pelos idealistas. Constitui parte primordial do pensamento de Fichte, Schelling e Hegel e é expresso, de maneira admirável, na poesia de Goethe e Schiller.

Esse pietismo é consequência da acepção de ciência de Ritter, para o qual esta tinha como objetivo (MORAES, 2002: 162) uma aproximação entre homem e divindade por intermédio da “observação e [do] entendimento da forma de ser das obras criadas. A contemplação da criatura (e das coisas criadas para acolhê-la) seria uma forma de adoração do criador”. O conhecimento se constituía como forma de adoração. Segundo Paulo Gomes (2000: 170-1), o pensamento ritteriano estava próximo ao cartesiano:

[...] em primeiro lugar, há essa mesma busca de caução divina para fundar a racionalidade, o que coloca todo o problema da verdade na relação entre consciência e revelação. Em segundo lugar, poder-se-ia dizer que o Deus ritteriano é também geômetra, visto que manifesta sua vontade e mensagem através da perfeição lógica dos números. Ritter se ocupa muito do problema da aplicação das matemáticas à geografia. Contudo, a matemática não é considerada unicamente como um meio de representar os fenômenos, mas como sendo ela mesma a expressão de uma lógica viva3.

Essa preocupação com a Matemática é baseada no pensamento da escola pitagórica, havendo, de acordo com este, uma analogia entre algarismos e formas geométricas. Estas, por sua vez, são

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ordenadas e harmônicas, e conferem individualidade às formas terrestres. Outros fatores capazes de gerar equilíbrio e harmonia a estas formas é a proporcionalidade entre os elementos (água, terra, fogo e ar) constituintes da matéria, bem como sua distribuição pelo planeta. Desse modo, os legítimos indivíduos geográficos são os continentes, cujas personalidades e cujas leis que definirão o próprio desenvolvimento estão inseridas em suas formas (loc. cit.). Deve-se lembrar que Ritter concebe Natureza e Terra como duas totalidades distintas (MORAES, 2002: 178-80):

[...] a Terra apresenta-se no real como um Todo, a “totalidade do sistema terrestre”, que “foi organizada desde a origem para servir de teatro à natureza e suas forças e para acolher os povos”. A Terra é tomada assim como “um sistema diversificado de fenômenos”. O conhecimento das leis que regem a harmonia telúrica, logo a unidade dessa totalidade, seria o objeto último da Geografia ritteriana. Essa totalidade-Terra, segundo Ritter, seria subdividida em outros todos menores, sendo a compreensão destes e da lógica de sua divisão o caminho para se chegar à compreensão da totalidade maior [...] Os conjuntos individuais poderiam ser de várias dimensões. Cada continente possuía diversos conjuntos, sendo entretanto, em si, um conjunto [...] Pesquisar e apresentar a individualidade da Terra constituía a maior tarefa da ciência geográfica [...] os continentes representam uma divisão primeira e fundamental do “Todo que é o globo terrestre enquanto forma de espaço”, sendo em si mesmo, cada um, um Todo.

Outra separação evidente em Ritter é a que aparta o homem da Natureza, até então algo novo na Geografia. Isso decorre de seu pensamento religioso que concebe a Natureza em uma relação subordinada ao homem, tendo sido criada para o desenvolvimento deste. Assim sendo, a determinação da Natureza sobre o homem seria inversamente proporcional ao nível de civilização em que se encontrasse. Além disso, cabe ressaltar que a evolução humana estaria relacionada à predestinação dos lugares, de acordo com as condições físicas e as formas de cada continente. Nesse sentido, Ritter se aproxima de Herder sem, contudo, abster-se do eurocentrismo condenado por este filósofo.

Com as especificidades de cada lugar, Ritter aproximará a Geografia das ciências históricas, cujo método objetivo ou dedutivo se aplica às relações entre fenômenos e se opõe ao método das ciências sistemáticas, chamado de subjetivo ou classificatório. Isso significa dizer que, em Ritter, não há distinção entre análises regionais ou globais, mas sim entre perspectivas sintéticas, cujo

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método é o dedutivo, e perspectivas tópicas, que correspondem a classes de fenômenos. Por valorizar a dimensão histórica da Geografia, a Geografia Física para Ritter seria limitada por tratar apenas de características dos fenômenos naturais estudados por ciências específicas.

Nesse sentido, Ritter proporá como objeto da Geografia a busca de leis telúricas, e, para tanto, o homem é imprescindível. A abordagem ritteriana para atingir este fim foi chamada de Geografia Geral Comparada, que titula sua mais importante obra, Geografia Comparada (1822 a 1859, dezenove volumes). Esta é assim chamada porque “está empenhada em explorar com a mesma atenção cada parte da Terra e cada uma de suas formas” (Ritter apud MORAES, 2002: 176) e também porque no “conhecimento dos distintos pontos da Terra nos defrontamos com fatos análogos e análogos modos de atuação” (loc. cit.).

Embora concordem em definir a Geografia como ciência empírica e de síntese, as divergências entre as obras de ambos os geógrafos são consideráveis. Segundo Robert Moraes, as divergências são claras no que consideram o objeto da Geografia; na escala empregada, que é local e global, em Humboldt, e multiescalar, na análise ritteriana; a harmonia do universo em Humboldt é epifenomênica, em Ritter é primordial; em Humboldt, a intuição manifesta-se no início da pesquisa, em Ritter apenas quando ocorre a generalização; e, por fim, Humboldt tinha a Geografia como uma Filosofia da Natureza com base empírica, enquanto Ritter tornou-a científica (MORAES, 2002: 166; 199-201).

Toda a Geografia pensada posteriormente terá Humboldt e Ritter como parâmetros, o que demonstra a importância dos dois autores para a ciência geográfica. Apesar de originarem perspectivas diferentes, a Geografia Tradicional, definida nas escolas geográficas francesa e alemã, assimilará e redefinirá questões tratadas por ambos os autores, como o determinismo ritteriano e a estética da paisagem humboldtiana.

1.2. GEOGRAFIA MODERNA, RATZEL E LA BLACHE

Com Humboldt e com Ritter, as bases para que a Geografia se constituísse como ciência estavam dadas. O cartesianismo e o idealismo kantiano fundamentaram o surgimento da concepção de

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espaço, o qual é substrato das ações humanas, e, desse modo, a Geografia, inicialmente sob a influência do positivismo, era uma Geografia Física. Não havia, ainda, a noção de Geografia Humana como conhecemos e esse adjetivo ‘física’ referia-se à generalização que os fenômenos físicos possibilitam, a qual se vincula ao princípio de Geografia Geral de La Blache (1896; 2002). Segundo Milton Santos (2002: 45),

[...] tanto a respeito dos “primeiros geógrafos modernos de estatura”, como Fischer batizou os pioneiros, chamem-se Ritter, Humboldt ou Brun, como no que se refere aos que intitulamos “fundadores”, como Vidal de La Blache, Ratzel, ou Jean Brunhes, pode-se dizer que todos eram principistas. Lutavam para encontrar leis ou princípios que norteassem a disciplina geográfica nascente como ciência moderna. A Humboldt devemos o princípio da geografia geral que Vidal de La Blache devia, em seguida, retomar, paralelamente à ideia da unidade da terra (outro princípio famoso). Ratzel é o responsável pelo princípio da extensão e a Jean Brunhes devemos o de conexão.

A Geografia Moderna, assim, revivia a tradição clássica percebida pelos renascentistas, a de duas correntes que, por um lado, retratam as experiências de viagens e as diferenças entre os lugares, cujo representante é Estrabão; e que, por outro, tende a encontrar uma linguagem abstrata e unificadora para a Geografia, cujo representante foi Ptolomeu. O discurso moderno da Geografia como ciência reproduziu essa dicotomia por meio da diferenciação entre Geografia Geral e Geografia Regional e entre Geografia Humana e Geografia Física, ressaltando que a Geografia Geral aproximava-se da Geografia Física e que a Geografia Humana aproximava-se da Geografia Regional. Segundo Thiago Macedo Alves de Brito (2008: 6-7),

[...] esses dois ramos do conhecimento geográfico [geral-físico/regional-humano] ​retornariam à distinção proposta por Varenius entre geografia geral (sistemática) e geografia regional (especial). A primeira, fruto da física de Newton, das ciências naturais e do positivismo. A segunda, marcada pela filosofia da natureza, pelo pensamento de Kant e pelo romantismo alemão. Foi a partir da influência de Kant que se tornaram possíveis a institucionalização e a legitimação da moderna geografia regional. Kant distinguiu o conhecimento do espírito humano do conhecimento da matéria natural. Com isso, ele influenciou a distinção entre geografia humana e geografia física. A geografia humana, empírica e regional, valoriza a história dos fatos singulares

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no espaço, das particularidades; e a geografia física, definida como geral e sistemática, baseada nas ciências naturais, é capaz de gerar normas, generalizações.

Houve, na virada do século XIX para o século XX, a ascensão do historicismo, posteriormente incorporado ao discurso geográfico, em especial em sua corrente conservadora, como vemos em La Blache, e a do neokantismo. Nesse sentido, a Escola dos Annales e o conceito de civilização foram de grande importância para a Geografia (francesa), que adquiriu status científico por intermédio do conceito de região. Ainda, conforme Brito (ibid.: 8):

[...]a geografia regional como ciência do singular tornou-se aceita, pois tinha suas bases no pensamento filosófico kantiano que distinguia as características lógicas das características físicas. As descrições geográficas da superfície da Terra localizariam o lugar da natureza em que aparecem os fenômenos naturais ou humanos. Já a ciência da lógica procuraria a constância desses fenômenos no intuito de criar generalizações, modelos e leis. A oposição entre ciências da natureza e ciências do espírito tornou a geografia dividida. Ante o desafio de unir a ciência geográfica, a geografia regional tornou-se o caminho promissor para assegurar à geografia o caráter de ciência.

A ideia de unidade da Geografia é, pois, um dos pilares da Geografia Moderna. Além deste, os demais, como vimos no tópico anterior, são a unidade terrestre (juízo reflexionante kantiano; princípio da Geografia Geral lablachiano), a noção de espaço, uma nova cosmovisão e o surgimento do Estado-nação. Sobre este tema, arcabouço da Geografia alemã, falaremos com mais detalhes nos conceitos de território e no capítulo sobre Geografia Política. Outrossim, Massimo Quaini (1983) lembra que preocupações ideológicas prevaleceram nas tentativas de datar o surgimento da Geografia moderna e científica.

Dessa forma, “a maior parte dos estudiosos estabelece uma ruptura ou descontinuidade entre os anos de 1850 e 1870, e a este período decisivo refere-se o nascimento da geografia moderna” (QUAINI, 1983: 32). Consoante Quaini (ibid.: 32; 22-3),

[...] o divisor cultural, que separa os precursores ou pioneiros da geografia moderna como ciência constituída e sistemática, é representada pelo positivismo: de um lado estão Humboldt e Ritter ainda embebidos da herança iluminista ou do historicismo idealista, e, do outro lado, Darwin, Haekel, Ratzel, Vidal. [...] Se Humboldt é visto como aquele que antecipa todos os

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princípios metodológicos da geografia sintética (também e principalmente pelo “caráter essencialmente naturalista” de sua obra), K. Ritter é interpretado como o representante de uma orientação em que [...] “a influência do ambiente natural é colocada em relevo através do desenvolvimento histórico dos povos que habitaram sucessivamente uma região: o elemento histórico adquire assim uma importância de primeira ordem, muitas vezes excessiva”.

Apenas por esmero, lembramos que ainda há alguns que dividem o período positivista da Geografia moderna em dois momentos, sendo o segundo a ruptura (científica) constituída por Vidal de La Blache, especialmente entre autores franceses, e aqueles que afirmam ser científica a Geografia produzida pelos geógrafos quantitativos desde 1950. Retornaremos a esse tema mais à frente. Ainda sobre a Geografia moderna, cabe ressaltar que foi o Iluminismo que discutiu o princípio do Determinismo e formatou os problemas essenciais concernentes à Geo​grafia – gêneros de vida, distribuição da população, ação recíproca do homem e do ambiente.

Faltava, entretanto, uma concepção evolucionista menos linear e mecanicista, somente possível após a contribuição do evolucionismo darwiniano. Com este, a análise geográfica passou a se tornar mais relevante, já que Darwin atestou o papel que o ambiente exerce nos mecanismos da evolução, por meio da adaptação. Assim, foi com Ratzel que o Positivismo e o Darwinismo imbricaram-se, mas antes de julgá-lo como determinista, cabe uma análise acerca da obra ratzeliana, importante também para a Antropologia e para a Ciência Política.

Friedrich Ratzel (1844-1904) foi o responsável pela inserção do homem na Geografia científica, apesar de isso ocorrer sob uma análise focada na Biogeografia, ou seja, a abordagem ratzeliana vinculava o homem ao meio e se preocupava com a dispersão das sociedades humanas pelo globo. Assim, podemos afirmar que “a antropogeografia ratzeliana teria como núcleo o determinismo geográfico ou a concepção ambientalista ou ecológica da história” (ibid.: 41), mas devemos tomar o cuidado de não empobrecer a teoria ratzeliana com uma análise simplista. Segundo Quaini (ibid.: 23),

[...] o estudo do ambiente, ou melhor, das características naturais de um Território habitado, é portanto de importância fundamental para explicar a distribuição do homem e as manifestações de sua atividade, à medida que possuem um interesse geográfico. [...] Ratzel pela primeira vez leva em consideração, sistematicamente, a difusão da humanidade na superfície terrestre na

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dependência das condições ambientais. [...] Com ele a geografia humana conquista seu espaço em relação à geografia natural. Mas Ratzel, apesar da excepcional vastidão de informações, apesar de sua originária formação de naturalista, não escapou aos excessos do determinismo físico. Ele encerra a atividade humana em um quadro preestabelecido e a faz obedecer às leis impostas pelo espaço e pela situação.

Outrossim, Ratzel, para alguns de forma contraditória, assegura a importância que a difusão técnica tem entre as sociedades humanas. Desse modo, se absorve o evolucionismo em sua teorização acerca do Estado, o geógrafo não o reproduz em relação ao homem, já que,

[...] com seu agudo senso geográfico e histórico, foi capaz de ver e demonstrar que muitos paralelismos entre instrumentos, invenções, costumes e ideias devem ser explicados não com base no princípio de que, num determinado estágio da evolução, aparecem certas ​similaridades, mas com a demonstração do contato direto entre culturas e da extensão das invenções através das comunicações. Deste modo, a difusão, como é chamada a apropriação dos traços da cultura, se tornou o princípio fundamental da explicação etnográfica ​(QUAINI, 1983: 40).

Ainda conforme Quaini, a base da Geografia Humana de Ratzel distingue três formas de influência da natureza sobre o homem – a primeira orienta a expansão das massas étnicas, determinando os limites e a amplitude desta. A segunda interfere no isolamento ou no contato entre os povos, dependendo das condições geográficas de um recorte espacial, e a terceira influencia diretamente a aquisição dos meios necessários à vida, em um primeiro estágio, e à indústria e ao comércio, posteriormente. Entre as funções da geografia ratzeliana estava a de legitimar a unificação alemã, ocorrida em 1871, no Palácio de Versalhes.

Em contraponto, a Geografia lablachiana assegurava o direito francês sobre o território da Alsácia-Lorena, perdido na guerra franco-prussiana. O processo de unificação alemã é um episódio fundamental para a constituição da Geografia científica, tanto na própria Alemanha quanto na França, e seu início pode ser marcado quando o domínio napoleônico sobre a Europa cessou, momento este em que houve considerável redução no número de Estados germânicos, alguns dos quais, em 1834, constituíram uma união alfandegária, a Zollverein.

Isso foi fundamental para a consolidação da Prússia na vanguarda do desenvolvimento capitalista, bem como na liderança entre os Estados germânicos, já que representou o fim dos entraves à

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circulação interna e fortaleceu os laços comerciais entre os membros. Embora tenha se desenvolvido industrialmente com certo retardo, a Alemanha conseguiu sobressair-se no cenário europeu porque garantiu a primazia na Segunda Revolução Industrial, com uma boa infraestrutura de transportes e com características monopolistas já amadurecidas.

Cabe ressaltar que a industrialização prussiana se deu sem alteração das estruturas agrárias existentes, o que tornou esse processo conhecido por modernização conservadora. Isso propiciou o fortalecimento dos proprietários de terras, de cunho político reacionário, conhecidos por junkers. Estes mantiveram-se no poder no Segundo Reich e podem ser responsabilizados pelo hiato entre desenvolvimento industrial e produção agrícola, o que tornou a economia alemã importadora de alimentos e justificou sua necessidade por espaço vital.

Além disso, o Segundo Reich ficou para trás na corrida colonialista e, embora possuísse umas poucas colônias, conduziu sua Realpolitik de forma pragmática, com o intuito de evitar a convergência de interesses franceses e britânicos contra a nação alemã, sendo esse o motivo pelo qual Berlim sediou a conferência de partilha africana. Sob Bismarck, a Alemanha ateve-se a um imperialismo econômico e ao isolamento da França entre as nações europeias. Com a queda do chanceler, houve uma alteração na política externa alemã.

Para a Weltpolitik, a ideia de Mitteleuropa – integração econômica centro-europeia – consistiria em um sistema comandado pela Alemanha. Se a Realpolitik orientava-se pela balança de poder, a

Weltpolitik baseou-se sobremaneira na expansão do poder econômico alemão e adquiriu forte cunho

nacionalista. Além da Mitteleuropa, (FISCHER, 1968), havia o projeto de um império mundial, com colônias ao redor do mundo, e de uma forte Marinha, capaz de competir com a britânica.

O nacionalismo presente na Weltpolitik inflou-se com o desenvolvimento da economia e das instituições acadêmicas, apesar de as Guerras de Liberação funcionarem como estopim para que se criasse, por uma causa antifrancesa, uma comunidade de interesses entre as aristocracias germânicas. Entretanto, a transformação da Pátria e da honra nacionais em deidades terrenas as quais o povo devesse servir lhe é anterior, e vinculava-se ao pietismo e ao nacionalismo presentes no próprio pensamento germânico, em especial no de Fichte.

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unidade espiritual e física comum, da mesma forma que o universal divino manifesta-se na existência particular desse povo. Assim, o patriotismo representaria a individualização do universal, o que significava, em amálgama com o pensamento pietista, transformar a totalidade da nação (alemã) em representação do divino. Culturalmente, isso se manifestou no pensamento romântico, o qual foi “nacionalizado” como peculiaridade do povo alemão, implicando uma identidade entre nação e povo (Volk) (GREENFELD, 1992).

Consequentemente, esse pensamento tornou os alemães aqueles que melhor expressavam a humanidade (uma vez que individualidades equivalentes não poderiam existir), e a nação alemã aquela que melhor representaria a civilização europeia (pan-europeísmo). O Romantismo alemão, desse modo, contrapunha-se à modernidade ilustrada, a qual tinha forte influência francesa. Ademais, o Volk distinguia-se do Estado, representado como unidade interior e espírito do povo, ou seja, a corporificação dessa unidade e desse espírito.

Essa distinção entre povo e Estado decorre das tensões existentes entre Estados germânicos do norte e o Império austríaco. Havia o questionamento acerca de qual Estado corporificaria a nação alemã, um problema cuja solução foi estabelecida apenas em 1866, com a guerra entre Prússia e Áustria. Derrotado, o Império Austríaco tornou-se dual, e passou a se chamar Império Austro-Húngaro. Quatro anos mais tarde, a unificação alemã foi realizada sob a liderança prussiana, criando uma potência capaz de alterar em definitivo a balança de poder europeia.

O desenvolvimento alemão coincidia, então, com o evolucionismo social, o qual acreditava que as sociedades humanas reproduziam o mesmo comportamento verificado biologicamente entre as espécies, de organismos simples para os mais complexos (politicamente, o Estado). Darwin introduziu a teoria da seleção natural no processo evolutivo e esse arcabouço teórico, por influência do positivismo, foi assimilado pelas ciências sociais. Isso possibilitou que a influência exercida pelo meio, por intermédio da adaptação, fosse trabalhada na Geografia, sendo o arcabouço da Geografia Tradicional – tanto na escola francesa ​quanto na alemã.

A influência de Haeckel, professor de Ratzel e criador do termo ecologia, é perceptível por meio da ideia de competitividade entre todos os seres vivos no meio natural, o que ocasionaria a limitação espacial destes decorrente da luta pelo espaço. No homem, em particular, esse processo

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refletir-se-ia em suas entidades políticas. A luta pelo espaço vital, tão comentada quando mencionamos a obra ratzeliana, tem origem nos ensinamentos de Haeckel. Comentaremos mais acerca da ecologia no capítulo sobre Meio Ambiente.

Há, ainda, o historicismo conservador, o qual assevera que a manutenção da ordem tradicional é percebida como inevitável porque resulta de uma organicidade inerente ao processo constitutivo das instituições de determinada sociedade. É vinculado ao Romantismo, negação das doutrinas iluministas, e invoca a intuição e o nacionalismo, já que refuta o cosmopolitismo revolucionário e até mesmo o capitalismo. O historicismo contribuiu também para a separação entre as ciências naturais e as ciências humanas.

Ratzel dividiu a Geografia em três grandes campos de pesquisa: a Geografia física, a Biogeografia e a Antropogeografia (MORAES, 1990: 9), todas concebidas como estudos sintéticos, buscando relações entre fenômenos diversificados e explicativos, gerando leis. Ainda segundo Moraes (loc. cit.), “a unidade do conhecimento geográfico estaria assegurada em uma abordagem telúrica, ou seja, a Terra associaria os fenômenos dos três reinos da realidade”. Isso tornou Ratzel o fundador da Antropogeografia, ou posteriormente Geografia Humana, já que se dedicou mais a esse campo.

O objeto da Antropogeografia, segundo Ratzel, também apresentaria uma tríplice repartição – as condições que a natureza impõe à historia; a distribuição das sociedades humanas sobre o globo; e, por fim, o estudo da formação dos territórios. Essas três variáveis se inter-relacionam e estão calcadas na relação entre homem e natureza. Ratzel critica a ideia de predestinação dos lugares de Ritter, na qual há influência do determinismo de Montesquieu, encarado como simplista e sem base empírica pela Geografia ratzeliana (loc. cit.).

O positivismo domina completamente o método assumido por sua Antropogeografia, pois na concepção ratzeliana havia a ideia de unidade do método científico, ou seja, um único método para todas as ciências. Ratzel se posicionou radicalmente contrário ao uso de procedimentos dedutivos, ao levantamento de hipóteses lógicas e à especulação em geral. A ideia – correta – de ver a natureza como estímulo ou limite para a ação humana passa a ser acoplada, pela opção metodológica, a um raciocínio de movimento reativo, isto é, passa a ser equacionada em uma visão de causa e efeito

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