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EXCESSO DE PÓLIPOS EM IDADE JOVEM

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EXCESSO DE PÓLIPOS EM IDADE JOVEM

P. FIDALGO, S. MÃO DE FERRO, P. LAGE, C. NOBRE LEITÃO

Serviço de Gastrenterologia, IPOFG – CROL SA, Lisboa, Portugal.

Na carcinogénese colorectal, a hereditariedade desafia cada vez mais o Gastrenterologista.

Qual é o risco de cancro de uma dada condição? Deve o doente manter-se em vigilância endoscópica, ser “protegido” por tratamento anti-proliferativo, ou su-jeito a uma colectomia total? Deve o parente aparente-mente saudável ser incluído em vigilância? Qual a peri-odicidade dessa vigilância? E o que fazer se o diagnós-tico genédiagnós-tico for inconclusivo?

Ilustra este caso as dificuldades de uma entidade clíni-ca de difícil arrumação nosológiclíni-ca.

CASO CLÍNICO

Sexo feminino, 28 anos, natural da Covilhã. No con-texto de diarreia, são-lhe diagnosticados, por colonos-copia, 20 a 30 pólipos, com 3 a 25 mm de diâmetro, dispersos por todo o cólon. A ressecção endoscópica foi descartada no maior deles, junto ao esplénico, por ser de base larga, ocupar mais de 50% do contorno do cólon e apresentar áreas de ulceração. Por outro lado, a histologia mostrou displasia de alto grau. A distribuição dos pólipos era uniforme em todo o có-lon. Removido um deles, verificou-se que era um ade-noma tubular com displasia de baixo grau. A doente negava história de adenomas, ou de cancro do cólon nos parentes de primeiro grau, nos tios e avós. A his-tória pessoal era irrelevante. A observação da pele, lábios e mucosa jugal era normal. Um exame oftalmo-lógico sob midríase, com lâmpada de fenda e observa-ção selectiva dos campos periféricos, excluiu lesões de hipertrofia congénita do epitélio pigmentar da retina. Procedeu-se então à pesquisa de osteomas, lesões os-teodensas, ou anomalias dentárias, que foi negativa. Realizou endoscopia digestiva alta que mostrou a pre-sença de cerca de 20 lesões polipóides planas na região peri-papilar com 5 a 10 mm de diâ-metro. A sua his-tologia foi de displasia de baixo grau. Estes dados per-mitem classificar este envolvimento como adenomatose duodenal de Estádio II de acordo com a classificação de Spigelman (Quadro I) usada para classificar a doença duodenal na Polipose Adenomatosa Familiar do Cólon (PAFC). Não foram encontradas alterações no estôma-go e biópsias do fundo gástrico foram normais.

DISCUSSÃO

Trata-se portanto de uma jovem de 28 anos com cerca de vinte pólipos do cólon. Um deles pelo menos, poderia albergar já um cancro avançado, porque apresentava ul-ceração e displasia de alto grau.

Um pólipo adicional, classificado como adenoma, colo-ca-nos, naturalmente, na pista de uma forma de adeno-matose cólica. Destas, sabemos que a PAFC é o paradig-ma que paradig-mais rapidamente vem à ideia, se bem que a sua frequência real seja baixa – um caso para 10.000 habi-tantes.

A inexistência de história familiar não exclui uma neo-mutação – por mosaicismo nas gónadas dos progeni-tores –fenómeno que, na PAFC, acontece em cerca de 25% dos novos diagnósticos.

Porém, com a organização de registos, aos gastrentero-logistas aparecerão mais casos de neomutação.

Não cumpre este fenótipo os critérios de Bussey-Gar-dner para o diagnóstico de PAFC, onde se requer a pre-sença de pelo menos 100 adenomas do cólon.

Pode contudo ser esta regra desrespeitada quando um ca-so é detectado num programa de vigilância em famílias conhecidas. Nestes casos, a expressão fenotípica em des-cendente de risco pode permanecer, alguns anos, abaixo do critério diagnóstico. Não pode assumir-se contudo um diagnóstico de PAFC com a mesma liberdade

quan-Critérios Dimensão do pólipo maior Número de pólipos Histologia Displasia 1 1-4 mm 1-4 Tubular Média 2 5-10 mm 5-20 Tubulovilosa Moderada 3 >10 mm >20 Vilosa Grave Estádio 0 0 pontos Estádio I 1-4 pontos Estádio II 5-6 pontos

Estádio III 7-8 pontos

Estádio IV 9-12 pontos

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bilidade de um qualquer adenoma progredir para carci-noma.

Pelo seu fenótipo “adenomatoso” cólico e duodenal, e pe-la ausência de critérios de Amsterdão, pode a síndroma de Warthin-Lynch típica ser afastada. Devemos até dia-logar com o laboratório de biologia molecular no senti-do de não se incluir, pelo menos de início, o laborioso es-tudo dos genes de reparação de “mismatches” no inven-tário na doente.

Pode colocar-se ainda assim a questão de saber se, nesta doente, na ausência de história familiar, pode ser admi-tida uma forma atípica de síndroma de Warthin-Lynch, isto é, que não cumpre os critérios de Amsterdão? Foram efectivamente explorados, casos sem história fa-miliar e com história pessoal de tumores no espectro de síndroma de Warthin-Lynch. Os diagnósticos genéticos deste subgrupo raramente encontraram um defeito inequívoco nos genes de reparação do DNA e, portanto, a ausência de história familiar contrariaria de facto esta hipótese. Contudo, mesmo nos casos “singulares” de War-thin-Lynch molecularmente demonstrados, o estado dos genes de “mismatch-repair” nos progenitores acaba, sem-pre que estudado, por mostrar que um deles era já porta-dor. Está portanto por demonstrar que existam neomu-tações nesta síndroma.

A inactivação dos genes hMSH2 e hMLH1, produz ge-ralmente um estado de hipermutagénese “forte” que se traduz na presença de instabilidade de microsatélites de alto grau - em 2 ou mais marcadores de um painel de 5 con-siderado pela reunião de Bethesda como representativo. Os microsatélites são sequências repetitivas de DNA on-de incion-de com mais nition-dez este on-defeito. Contudo, sobre-tudo a partir do conhecimento do hMSH6, um gene de reparação menos implicado na síndroma de Warthin-Lynch, começa agora a perceber-se que há certas tações condicionantes de um motor mais “fraco” de mu-tagénese, produzindo fenótipos mutadores com instabili-dade de baixo grau ou mesmo estáveis.

Clinicamente, acontecem porventura com maior sobre-posição ao perfil esporádico, quanto à idade de diagnós-tico, agregação familiar menos nítida e, em consequên-cia, surge agora a noção de fenótipo atenuado/atípico de síndroma de Warthin-Lynch. Contudo, mesmo nestes casos atípicos ou de mutagénese “atenuada”, a presença de adenomas, na forma exuberante desta doente, não é também considerada no seu fenótipo.

Nesta fase, poderíamos portanto assumir que se trata de uma forma de adenomatose cólica e duodenal e que, cli-nicamente, uma síndroma de Warthin-Lynch típica ou atípica, pode ser afastada.

Seria então de excluir um fenótipo de displasia associa-do à via hiperplásica e promover o estuassocia-do associa-do estaassocia-do ger-minal do gene APC.

do deparamos com um caso sem história familiar. A favor da PAFC, está a presença de doença duodenal, fenómeno que afecta virtualmente todos os portadores de uma mutação do gene APC.

O gene APC é, como se sabe, “o gene dos genes” na car-cinogénese colorectal – a sua inactivação desencacadeia a transformação celular – e a sua mutação germinal ex-plica 75 – 80% dos casos de PAFC com fenótipo Bus-sey-Gardner positivo.

Sendo a doença duodenal prevalente na PAFC, isso acon-tece mais à custa da expressão apenas microscópica peri-papilar em biopsias randomizadas. A expressão duodenal exuberante, quando surge, é acima dos 30 – 35 anos, e os casos de Spigelman III e IV (Quadro I), onde é mais provável o adenocarcinoma do duodeno são, nesta idade, pouco frequentes. A nossa doente apresenta já uma adenomatose duodenal visível na endoscopia, um Spigelman II, o que faz de facto pensar numa forma de PAFC.

Sabemos agora que a doença duodenal, desde sempre considerada um paradigma da PAFC e uma consequên-cia igualmente específica da disfunção mutacional do ge-ne APC surge, igualmente, noutros contextos de heredi-tariedade.

De facto, o adenocarcinoma do intestino delgado, incluin-do o incluin-do duodeno, é uma marca considerada suspeita nos genogramas com critérios de Amsterdão, a regra que nos orienta para um diagnóstico de Sindroma de Warthin-Lynch.

Essa regra inclui (1) a presença de 3 parentes afectados, um deles parente de primeiro grau dos outros dois, com carcinoma do cólon e recto, ou com tumores considera-dos específicos no espectro da síndroma de Lynch: nocarcinoma do endométrio, tumores do urotélio e ade-nocarcinoma do delgado. É requerida confirmação his-tológica destes tumores. São indispensáveis ainda (2) a presença de duas gerações consecutivas afectadas, (3) um caso afectado antes dos 50 anos; e é finalmente obri-gatória (4) a exclusão de PAFC, aspecto aqui não afas-tado.

Ora, neste caso, não é o adenocarcinoma a apresentação de doença duodenal, mas sim os adenomas múltiplos, aspecto não descrito na síndroma de Warthin-Lynch. Observam-se para além disso, pólipos cólicos em nú-mero substancial, aspecto também não considerado no seu fenótipo.

De facto, na síndroma de Warthin-Lynch, não é a forma-ção aumentada de adenomas por probabilidade aumenta-da de inactivação do gene APC que ocorre, como na PA-FC, mas sim, uma hipermutagénese por inactivação de um dos genes críticos de reparação do DNA, geralmente o hMSH2 e o hMLH1. Nesta síndroma não se formam adenomas a mais, como na PAFC, mas é maior a

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proba-• Qualquer número de pólipos hiperplásicos proximais ao sigma num parente de primeiro grau de um doente com PH

• > 30 pólipos hiperplásicos em todo o cólon

Apesar do conhecimento ainda escasso da sua história natural, sabemos já que o seu risco de cancro do cólon é substancial (cerca de 40%) e que, numa percentagem de quase 50%, se verifica história familiar aumentada de cancro. Para além disso, uma fracção apresenta-se ine-quivocamente como poliposes familiares, inclusive se-gregando como um estigma dominante.

Esta doente revelou contudo um pólipo adenomatoso, digamos convencional e a polipose hiperplásica pode, portanto, ser também afastada.

Falta ainda avaliar o estado germinal do gene APC. Logo após a sua identificação como causa da PAFC se notou falta de concordância entre o fenótipo de Bussey e a presença de mutação germinal neste gene.

De facto, mutações nos extremos 5´e 3´do gene podiam segregar com fenótipos atípicos ou atenuados porque, aparentemente, um peculiar efeito de dosagem – devido a níveis de produto abaixo do normal - estaria presente nestas mutações e porque o “motor” de inactivação do segundo alelo do APC seria mais lento até à selecção do efeito mais vantajoso na modulação da ß-catenina, o on-cogene tornado superabundante pela sua inactivação. Surgiu assim o conceito de PAFC atenuada. Menores contagens de pólipos, idade de diagnóstico e idade de aparecimento de cancro mais avançadas do que na PAFC clássica, caracterizam estas formas. O tempo contudo veio revelar que a PAFC atenuada existe, mas é bastante rara.

No nosso registo situa-se ela nos 5% do total de famílias com mutação identificada. Por outro lado, os frequentes casos de excesso de adenomas, habitualmente por nós considerados acima dos 5, em colonoscopia índex, ou em acumulação de várias, quase nunca mostraram ano-malia germinal no APC.

Por outro lado, do conceito de polipose atenuada, a nos-sa doente apenas exibe uma baixa contagem de pólipos. Do ponto de vista da displasia de alto grau ou da iminên-cia de cancro, a doença parece agressiva e precoce. Do ponto de vista das manifestações extra-intestinais, a PAFC atenuada tem duas principais: a hiperplasia de glândulas fúndicas, nas formas com mutação mais a 5’ e os desmoídes mais a 3’. A doença duodenal pode apare-cer, mas não tem sido considerada uma marca particu-larmente evidente destes fenótipos. A hiperplasia do epi-télio pigmentar da retina está quase sempre ausente nas formas atenuadas da PAFC e não estão descritas outras manifestações extra-intestinais especialmente sugesti-vas.

É pois imperativo estudar-se nesta doente o estado do ge-Porque fará sentido reanalisar a morfologia das lesões

có-licas?

Só nos últimos anos iniciou o pêndulo da hiperplasia um movimento inverso, que a recentra, outra vez, na carci-nogénese. De facto, durante muitos anos, convenceram-se os gastrenterologistas, não convenceram-sem ásperas discussões, que os pólipos hiperplásicos, traduzindo embora um “am-biente” carcinogénico cólico, não eram, em si mesmo, marcadores de risco acrescido de transformação. E foi “decretado” assim, que o pólipo hiperplásico não era arguido na carcinogénese.

No entanto, o alibi do pólipo hiperplásico, baseou-se so-bretudo no comportamento das lesões distais do cólon, de facto, sem aparente potencial de risco.

O problema surgiu quando, patologistas atentos, puse-ram em causa a noção de “muralha da China” entre póli-pos hiperplásicos e adenomas. Descreveram-se assim pó-lipos mistos, com um componente hiperplásico, ao lado de um componente adenomatoso. Para além disso, des-creveram-se os pólipos serreados, com arquitectura de tipo hiperplásico e presença de células displásicas nas criptas serreadas.

Mais recentemente, os estudos apontam, sobretudo no can-cro proximal do cólon, para uma histogénese do cancan-cro segundo uma sequência hiperplasia-displasia-cancro. No próprio adenocarcinoma avançado pode até entrever-se a sua origem serreada. De tal forma que se cunhou a ex-pressão: “adenocarcinoma do cólon de tipo serreado”. Para além disso, a sequência hiperplasia-displasia ajus-ta-se a uma via molecular, designada por via metiladora, onde, aparentemente, o gene de reparação hMLH1 é tan-tas vezes silenciado por hipermetilação da sua região pro-motora, sem ser beliscada a sua integridade estrutural. Foram igualmente descritas formas de polipose hiper-plásica, inclusive familiares, onde o fenótipo evoca de forma bastante ilustrativa esta peculiar sequência. São hoje denominadas como poliposes hiperplásicas. O reavaliar-se a morfologia das lesões não é assim tão de somenos importância porque o patologista pode, ao encontrar a displasia no pólipo, dar-lhe apressadamente o rótulo de adenoma – porque é a displasia que conta na definição de um risco – e uma observação mais cuidada pode afinal revelar um pólipo serreado ou misto. É pos-sível, para além disso, que a morfologia de um pólipo apenas, não represente o fenótipo dominante de uma po-lipose ou excesso de pólipos, dado que as popo-liposes hi-perplásicas podem conter um pequeno número de ade-nomas convencionais (e as adenomatosas podem conter alguns pólipos hiperplásicos).

É talvez importante reverem-se os critérios de Jass para o diagnóstico de polipose hiperplásica:

• Cinco pólipos histologicamente caracterizados, proxi-mais ao cólon sigmoide, dois com >10 mm, ou

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ne APC. É de admitir, mesmo com as reservas acima ex-pressas, uma neomutação germinal eventualmente locali-zada nos determinantes de fenótipos atípicos, a 5’ ou 3’. CASO CLÍNICO (Continuação)

A revisão das biopsias e da morfologia do pólipo re-movido foi no sentido de confirmar a sua natureza de adenoma sem traço de componente hiperplásico, ou serreado. A pesquisa de mutações no gene APC por DGGE para os exões 1-14 e por PTT para o exão 15, não detectou mutações, nem a “pré-mutação” I1307K. Como se disse acima, um quinto das famílias PAFC po-dem ficar sem identificação da mutação causal. A tecno-logia empregue no rastreio de mutações deste gene foi a “convencional” nesta situação.

Contudo, poderia perguntar-se se este rastreio seria ain-da assim aumentado na sua eficácia se outra metodolo-gia fosse empregue como o SSCP, um método igual-mente baseado nas diferenças de migração de fragmen-tos mutados ou, ainda, a sequenciação directa de todo o gene. Na prática, nenhuma publicação mostra superiori-dade dos métodos quando eles estão bem padronizados num dado laboratório.

O APC é contudo um gene muito grande e a sequenci-ação total não tem sido considerada mesmo com os se-quenciadores automáticos. Poderia ainda pensar-se, por analogia com metodologia diagnóstica diversa, não mo-lecular, que poderia ser útil enviar DNA para um segun-do laboratório. Contusegun-do, as avaliações cruzadas entre la-boratórios só muito raramente conduzem à identificação de mutações adicionais.

Para diminuir os casos de rastreio negativo de mutações é um caminho incluir-se na análise metodologia que nos dê as raras mutações misense (que alteram a sequência sem truncagem do produto), ou os rearranjos genéticos. Por outro lado, foi bem descrito pelo grupo de Vogels-tein que um pequeno número de PAFC pode ser expli-cado por mutações na região promotora do APC e essa metodologia não foi aqui empregue.

Portanto, uma anomalia estrutural do APC está largamen-te avaliada mas não está completamenlargamen-te excluída. Por isso, um resultado negativo não pode ser dado como excluindo a doença nem se podem descartar os riscos que potencialmente afectam outros parentes.

O laboratório deu uma informação adicional geralmente não incluída na avaliação de “rotina” no estudo do APC. Disse-nos que o curioso polimorfismo, descrito na popu-lação Askenazi, conhecido pelo codão I1307K, não es-tava presente.

Este polimorfismo – variante em que o gene se mantem com função normal – caracterizado por uma longa se-quência de adeninas no exão 15 é susceptível de levar à

aquisição de mutação truncante no APC. É pois conside-rado uma pré-mutação. O fenótipo apresenta frequência aumentada de carcinomas e adenomas nos parentes. Fo-ra da comunidade Askenazi quase nunca foi encontFo-rado e em Portugal, concretamente, nunca foi descrito. Con-tudo, sabemos que existe ancestralidade judia na zona da Beira interior de onde a doente é originária. Foi a pensar nessa hipótese que se fez este estudo.

Sem um diagnóstico genético conclusivo há que, mesmo assim, decidir da melhor abordagem para esta doente. Sem outras delongas e dada a impossibilidade de ma-nejar endoscopicamente este caso, só podemos propor uma cirurgia. Na verdade, as formas atenuadas de PAFC, caso fosse este um desses casos, podem até ser vigiadas e tratadas com colonoscopias repetidas desde que a ade-rência do doente ao programa seja boa e as lesões sejam removíveis. Esta doente deve ser porém sujeita a cirur-gia porque tem uma lesão avançada não removível en-doscopicamente.

Nos excessos de adenomas, como se pode dizer deste caso, mesmo que a lesão suspeita seja apenas uma, faz sentido propor uma colectomia total, deixando uma anas-tomose ileo-rectal – dada a ausência, por enquanto, de envolvimento do recto.

São fortes os argumentos a favor de uma colectomia to-tal, e não segmentar, apenas dirigida à lesão mais suspei-ta, apesar de sabermos que, em abstracto, uma colecto-mia total tem uma mortalidade de 1%, o dobro de uma ressecção segmentar. Assim, considera-se que o apareci-mento da displasia de alto grau numa das lesões marca um risco alto em todo o cólon a partir de agora. Por ou-tro lado, como se depreende da presença de inúmeros pólipos em todo o cólon, é todo o órgão que está em ris-co e não apenas a zona mais suspeita. Por isso, sempre que uma ressecção se torne necessária, o que faz senti-do, mesmo nestes casos que não cumprem o critério de Bussey-Gardner, é oferecer uma colectomia total. CASO CLÍNICO (Continuação)

Foi submetida a colectomia total com anastomose ileo-rectal e a peça mostrou: 1 adenocarcinoma do có-lon (pT3N0), 3 adenocarcinomas em adenomas e cer-ca de 20 adenomas tubulares e tubulo-vilosos com dis-plasia de baixo grau.

O diagnóstico nesta fase só pode ser o de adenomatose cólica e duodenal que não cumpre os critérios de Bus-sey-Gardner. Apesar do estudo “negativo” para o APC teremos de classificar o caso como PAFC “atenuada”. Os filhos deverão ser sujeitos a rastreio de pólipos na adolescência, de preferência com colonoscopia total, da-da a natureza atípica deste fenótipo poder decorrer com lesões acima do alcance da sigmoidoscopia. A vigilância

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duodenal deverá ser anual. A partir deste nível de lesões, pode admitir-se o uso de celecoxib – 200 mg x 4 – como agente quimioprofiláctico. De facto, foi demonstrado em estudo controlado que este agente tem efeito redutor do número e volume das lesões duodenais. Não sabemos contudo se tem efeito na prevenção do ADC do duode-no. O coto rectal deverá ser sujeito a vigilância pelo me-nos anualmente.

Uma questão adicional é saber se uma neomutação no

APC se pode assumir sem sujeitar os colaterais e

ascen-dentes a colonoscopias. Dada a noção de penetrância qua-se total conferida pelas mutações no PAC – a probabili-dade de expressão de um portador de mutação numa PAFC é de virtualmente 100% por volta dos 39-40 anos – poderia confiar-se na história familiar nos casos típi-cos, que cumprem o critério Bussey-Gardner, para dizer que apenas os descendentes poderão vir a ser portadores. Na prática realiza-se uma colonoscopia nos parentes provavelmente não afectados porque ainda assim incor-rem no risco geral da população e porque isso pode ser útil na gestão da ansiedade dos familiares.

Contudo, este caso é atípico e sabemos que mutações no

APC, a 5’ e a 3’, podem ter penetrância sub-máxima e os

parentes, mesmo mais velhos, poderiam ainda não ter expresso o fenótipo. Por isso a irmã e os progenitores deveriam ser convidados a fazer colonoscopias. CASO CLÍNICO (Continuação)

Com a publicação em 2003 de uma nova síndroma adenomatosa, ligada à herança recessiva de mu-tações no gene MYH justifica-se inteiramente revisi-tar este caso à luz desta nova evidência. O estudo do gene MYH, por SSCP e sequenciação directa das al-terações encontradas, revelou, nos dois alelos, a pre-sença da mesma mutação 1103delC –homozigotia, no probando e na irmã. A irmã, com 23 anos, aceitou fa-zer uma colonosopia que mostrou cerca de 20 adeno-mas do cólon. Demonstrou-se ainda heterozigotia nos progenitores, com 59 e 50 anos, respectivamente. Con-vidados para realizar colonoscopia, foram-lhes de-tectados 5 e 2 adenomas, respectivamente.

A revelação desta síndroma de polipose associada ao ge-ne MYH (PAM) veio trazer uma nova compreensão para este caso e alterar o nosso algoritmo de conduta (Figura 1). Mostra-se assim como genogramas não classificados têm vantagem em continuar mesmo assim na dependência de registos de hereditariedade, pois podem mais depres-sa beneficiar de novos conhecimentos.

O fenótipo descrito para a PAM sobrepõe-se à PAFCs com critério Bussey-Gardner positivo e avaliação “ne-gativa” do APC, contribuindo para caracterizar mais cerca de 7 a 8 % de PAFCs antes sem diagnóstico

mole-cular. E explica cerca de 15% de portadores de excesso de adenomas, sobretudo se forem portadores de mais de 30 deles, o que permite considerá-los, em termos pura-mente clínicos, que não moleculares, como variante de PAFC atenuada.

As duas irmãs estão precocemente envolvidas e uma delas está severamente afectada. Os progenitores estão relativamente poupados, o que atesta a natureza recessi-va da síndroma.

Há contudo particularidades a referir neste caso. Apre-senta homozigotia para uma mutação – os dois alelos apresentam a mesma variante mutada – até agora apenas descrita uma vez e não a habitual heterozigotia compos-ta com mucompos-tações nos “hotspots” conhecidos.

Por heterozigotia composta entende-se a presença de va-riantes patogénicas do gene, diferentes, uma em cada alelo, um fenómeno que ocorre em síndromas recessivas e difere das formas de mutação dominante onde um ale-lo mutado coexiste com um normal. Pode este, nas

sín-dromas dominantes, ser depois perdido, por um proces-so de perda alélica – habitualmente por má segregação cromossómica e duplicação do cromossoma onde está a mutação – o que se designa por “perda de heterozigo-tia”. No caso da nossa doente, os progenitores eram het-erozigóticos para a mesma mutação o que determinou duas filhas homozigóticas.

O achado da nossa doente pode indiciar um fenótipo mais agressivo e suscitar portanto a questão de certas mutações se correlacionarem com certos fenótipos, fe-nómeno ainda não avaliado na PAM.

Esta suspeita carece contudo de mais confirmação. O

MYH pertence ao sistema de reparação do DNA

con-hecido por excisão de bases e corrige erros na duplica-Excesso de adenomas > 5 Hiperplásicos/Serreados/ Hiperplásicos Adenomas convencionais H. Familiar de PAFC S/ H. Familiar de PAFC Critérios de Jass + Estudar o MYH Vigilância se acessível Inventariar manifs. extra-cólicas Colectomia se vigilância difícil Estudar o APC Protocolo específico MYH- MYH+ APC- APC+

Figura 1 – Algoritmo do IPO para diagnóstico e conduta no exces-so de pólipos.

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ção da hélice do DNA decorrentes do efeito de espécies reactivas de oxigénio. A perda da função deste sistema aumenta indirectamente o risco de serem adquiridas mu-tações no APC. A questão de uma correlação genótipo-fenótipo é pertinente porque a variação de genótipo-fenótipo é enorme na PAM. Mesmo quando consideramos apenas portadores das mesmas mutações, podemos ter doentes com 5 adenomas e outros com mais de 100 o que faz admitir a existência de modificadores constitucionais ou ambienciais do fenótipo.

A abordagem da irmã coloca novos problemas pois não estão definidas regras de manejo nesta síndroma. Uma boa regra para estimar o seu risco é o de considerar co-mo referência, a gravidade do fenótipo e a idade do seu aparecimento na probando. Mesmo sabendo que a PAM é doença com expressão muito variável. Assim, justifi-ca-se a meu ver oferecer uma colectomia total profilác-tica neste caso.

Pouco ou nada se sabe sobre os riscos dos heterozigotos. É difícil dizer para já que os progenitores têm maior

fre-quência de lesões em relação à população em geral da mesma idade. Deverão ser pelo menos aconselhados a uma vigilância de acordo com as normas do National

Polyp Study que propõe a obtenção de um cólon limpo

de pólipos verificado pelo menos um ano após as po-lipectomias e, depois, colonoscopia de 3/3 ou de 5/5 anos consoante continuem a mostrar ser ou não forma-dores de adenomas.

Diagnóstico Final: Polipose associada a mutação no

gene MYH

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Knudsen AL, Bisgaard ML, Bülow S. Attenuated familial adenoma-tous polyposis (AFAP): a review of the literature. Fam Cancer 2003; 2: 43-55.

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