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J. J. Canotilho (Cord) Direitos Fundamentais Sociais

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Editor•

Saraiva

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Direitos Fundamentais Sociais

COORDENAÇÃO:

]. ]. GOMES CANOTILHO rviAHCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA

ÉRICA PAULA BAHCHA CORHEIA

AUTOHES

j.]. COMES CANOTILHO ÉHICA PAULA BARCHA CORREIA

fLAVIA PIOVESAN INGO WOLFGANG SAHLET MAHCUS ORIONE GONÇALVES COHHEIA

WALTER CLAUDIUS HOTHENBUHG JOÃO LUIZ MOHAES ROSA THAÍS DE FIGUEIREDO FEDERIGHI

ANA PAULA MAGENIS PEREIRA CAMILA GALVÃO TOUHINHO

2010

(\1.

Editor~

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V4 Saraiva

Ruo llcnrlqun Sdmumnnn, 270, Cerqueim Césm - São Paulo- SP liP05413-909 :::2

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Ondas lnlernncionnis de ColologoíÕO no PublitoíiiO (CIPJ (Cõmmo Brasileiro do livro, SP, Brasil) Direitos lundomenlois sodoi:; I J. J. Gomes Cono!ilho ... [el oi.J; coordenadores J, J. Gamas Conoti!ho, Marcus Oriona Gonçalves Corroia e flim Paulo Dorcho Conoia.- São Pnulo: Smolvo, 2010.

Outros oularos: Érico Poulo Rorcho (arroio, Flávio Piovcson, lngo Wallgong Sorlct, Morcus Oriono Gonçalves Correio, Wollor Cloudius Rolhonburg.

1. Oireilos fundomonlols 2. Diroilos sodois L Conotilho, J. J. Gomes. I!. Correio, Érica Pauln Dorcha. 111. Piovemn, Flávio. IV. Sar1c1, lngo Vlolfgong, V. Correia, Morws Oriona Gon1olves. VL Rothemburg, C!oudius [et oi].

09-11113 CDU-347.121

Indico paro cotrilogo-sistcmãtico: 1. Oireitos lundomcntois sociais

Diretor edi!ario/ Arrtanin luiz de Taledo Pinte Dirolor de produção editaria/ luiz Roberto Curio

Assistente editorial Rasnno Simaue Silvn

Produção editorial ligia Alves C/arissa Bamschi Alaria Preparação de originais Alaria Iúcia de 0/iveim Gadoy

Camil/a Bammi de A!edeims Arte e diagramação Cristina Aparecida Agudo do Fmitas

A!ãnica lnndi

Revisão de provru Rita da Cüssia Queiroz Gorgah· Rita de Crissie S. Perelm

Servi~os editoriais Ana Paula Alunaw

f/oins Clistino da Silvo Copo Ana Dobón

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- bata}lffechamEmtô dã: ifdiçãÕ~: 6'-4-2010::~ DUvidas?

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tlenhuma pu11~ d~sta puhlim1fio pailerli ser reproduzido pm quolquc1 meio ou fmmo .1em a pu!vio outmiw1iia da Editora Suraivo.

A vialo(iio dos direilol autorais ó uimo estabelecido nn L~i n. 9.610/93 e punida pelo mligo 184 Uo (õdi~a Penal.

(6)

ÍNDICE

J. J.

Gomes Canotilho

O direito constitucional como ciência de direcção- o núcleo essencial de prestações sociais ou a localização incerta da socia-lidade (contributo para a reabilitação da força normativa da

"constituição social")... 11

§

I" Retrospectiva ... li I A análise estrutural da posição jurídico-prestacional... 11

li Os direitos sociais e os "cam<:Jlcões normativos"... 12

III - O direito é política, o direito é economia... 13

IV O local incerto da socialidade ... 13

V A "governance" do terceiro capitalismo e a constituição social 18 I. Colocação do problema... 18

2. Os pressupostos económico-financeiros do Estado Social.. 19

3. O Estado Social como instrumento da inclusão social 20

§

2" Desafios metódicos e metodológicos à sustentabilidade norma-tiva do Estado Social... 22

- A direcção através do direito... 23

TI - Refracções metódico-metodológicas... 25

1. A determinação dos níveis essenciais de prestações sociais... 25

J. J.

Gomes Canotilho O direito dos pobres no activismo judiciário ... 33

Érica Paula Barcha Correia A relação homoafetiva e o direito de seguridade social -uma lei-tura a partir dos direitos fundamentais... 37

(7)

Introdução ... 37 A proteção jurídica à relação homoaFetiva à luz da Consti-tuição Federal... 3 7 1. O direito como regulador das relações sociais-

neces-sidade de dinamismo e evolução- a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo... 38 2. O princípio constitucional da igualdade - proibição

constitucional de discriminação em razão do sexo- ado-ção de igual tratamento por parte da Administraado-ção Pú-blica... 38 3. A proteção especial do Estado à Família e o

reconheci-mento, para fins previdenciários, de união estável entre homossexuais... 40 II - A proteção do sistema de seguridade social em casos de

união homoafetiva ... 40 1. O direito à Previdência Social como direito fundamental. 40

1.1. A Previdência Social no plano infraconstitucional -Lei n. 8.213/91 ... 40 1.2. A Instrução Normativa n. 25/2000 do INSS e a

dificuldade prática de sua aplicação... 41 1.3. A concessão do beneFício previdenciário

salário--maternidade para o segurado adotante... 43 2. O direito à saúde como direito fundamental... 45 III - A força normativa da Constituição Federal... 51

Flávia Piovesan

Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e pers-pectivas... 53

Introdução... 53 li Proteção dos direitos sociais e econômicos na

Constitui-ção brasileira de 1988 ... 53 III - Justiciabiliclade dos direitos sociais e econômicos nas

Cor-tes brasileiras... 57 1. Casos relativos ao direito à saúde... 58

(8)

7

7

1 .I. Casos relativos ao fornecimento de medicamentos e

ao acesso à assistência médico-hospitalar... 58

1.2. Casos relativos a tratamento diferenciado... 60 1.3. Casos relativos à responsabilidade por dano à

saú-de e ao alcance saú-de contratos saú-de seguros saú-de saúsaú-de 61 2. Casos relativos ao direito à educação... 62 2.1. Casos relativos ao ensino Fundamental... 62 2.2. Casos relativos à matrícula em instituições de

en-sino superior e à cobrança de mensalidades esco-lares... 63 IV - Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos nas

Cortes brasileiras: desafios e perspectivas... 64

Ingo Wolfgang Sarlet

Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de re-trocesso: revisitando o problema da proteção dos direitos funda-mentais sociais... 71 I Considerações introdutórias ... 71 II Fundamentação e conteúdo da assim chamada proibição

de retrocesso na ordem jurídico-constitucional brasileira. 74 1. Aspectos terminológicos e conceituais: em busca de

um consenso possível ... ... 7 4 2. Elementos para uma Fundamentação

jurídico-consti-tucional de uma proibição de retrocesso, especialmen-te em matéria de direitos sociais... 82 III - Parâmetros para aferição do alcance do princípio da

proi-bição de retrocesso em matéria de direitos sociais, com destague para a dignidade da pessoa humana e o assim chamado "mínimo existencial"... 93 !V - Considerações finais ... 106

Marcus Orione Gonçalves Correia

Interpretação dos direitos fundamentais sociais, solidariedade e consciência de classe ... 111

(9)

li - Vícios de interpretação em matéria de direitos sociais ... 114 Ili - Algumas soluções propostas ... 125 A) Direitos sociais e consciência de classe ... 126 B) O direito social na lógica da intensificação da solidariedade -

en-quanto espaço para a consolidação da consciência da classe dos que vivem do trabalho ... 139 C) A interpretação e a aplicação do direito como indissociáveis de seu

aspecto científico- uma demonstração a partir dos direitos sociais. A questão central do valor social do trabalho ... 142 D) O princípio da igualdade como técnica de efetivação dos direitos

sociais- um elemento capital na consolidação de uma tática ... 150 D.l) Introdução - a igualdade como postulado indissociável da

solidariedade ... !50

0.2) A isonomia como um dos elementos basilares das teorias da

justiça ... !54

0.3) A igualdade como técnica para otimização de direitos sociais .. 158

I. No direito civil.. ... 160 2. No direito processual civil ... 162 3. Nos direitos sociais, em geral, e mais especificamente nos direitos do trabalho e previdenciário ... 163

Walter Claudius Rothenburg, João Luiz Moraes Rosa, Thaís de Figueiredo Federighi, Ana Paula Magenis Pereira, Camila Galvão Tourinho

Assistência e previdência social em conexão com os direitos fun-damentais: análise de casos ... 173 1. Introdução ... 173 2. Capacidade de trabalho parcial e incapacidade econômica total em

relação à assistência social.. ... 175 3. Como aferir a carência econômica nos beneFícios assistenciais:

re-latividade do art. 20,

§

32, da Lei n. 8. 742/93 (Lei Orgânica de As-sistência Social) ... 182 4. Um salário mínimo é igual a um salário mínimo: a possibilidade de

cumulação do benefício assistencial no Estatuto do Idoso (a analo-gia do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003) ... 188

(10)

4 5 6

J

S. Conversão entre benefícios previdenciários e assistenciais indepen-dentemente de pedido: tutela jurisdicional efetiva ... 192 6. Menor sob guarda como dependente de segurado da Previdência

Social ... 198 7. A educação não morre nunca: o afastamento do limite de 21 anos

para a pensão por morte ... 202

S. A plebeia das provas: comprovação de tempo de trabalho exclusiva-mente por testemunhas, especialexclusiva-mente para o trabalhador rural.. .. 21 O 9. Os casamentos resistem, mas resiste a pensão por morte? ... 213

(11)

O DIREITO CONSTITUCIONAL COMO

CIÊNCIA DE DIRECÇÃO- O NÚCLEO ESSENCIAL

DE PHESTAÇÕES SOCIAIS OU A LOCALIZAÇÃO

INCERTA DA SOCIALIDADE (CONTHIBUTO

PAHAA REABILITAÇÃO DA FORÇA NORMATIVA

DA "CONSTITUIÇÃO SOCIAL")

J. J. Gomes Canotilho 4

Retrospectiva

I - A análise estrutural da posição jurídico-prestacional

Ao fazermos o trabalho de casa para elaborar esta intervenção,

resol-vemos interrogar-nos sobre o acerto teórico e dogmático das nossas

ante-riores incursões pelo tema da "socialidade estatal" e pela "constituição dos

direitos econômicos, sociais e culturais". Temos de confessar que o

resul-tado, em termos práticos, não é animador. Resolvemos, por isso, revisitar o tema, desde logo porque se assiste a inquietantes regressões, nos planos doutrinário, metodológico e jurisprudencial, quanto à concretização dos princípios da socialidade nos estados de direito democráticos 1

• Vejamos,

per suma capita, as nossas anteriores posições sobre o problema. Em tra-balho intitulado "Tomemos a sério os direitos econômicos, sociais e cultu-rais"2, procuramos fazer um estudo analítico-estrutural sobre a "posição

*Professor Catedrático cla Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

1 Veja-se numa incisiva discussão do problema no trabalho co\ectivo coordenado por l'vi. Bovcro,

Quale LiberM. Dizionario m[nimo contra i fa]si libcrali, Roma-Bari, Laterza, !."!OO+.

~Publicado inicialmente no número especial do Boletim da Faculdade dt! Direito de Coimbm- Estu-dos em Homem1gem ao Prol: Doutor Antônio de Arruda Fcrrcr Correia, 1988, c rcpublicado no nosso livro Estudos sobre direito.rjimdameutais, Coimbra, 200.'J, p . .'J5 c s.

(12)

jurídico-prestacional". O nosso objectivo era recortar uma posição jurídico--prestacio11al com a mesma densidade jurídico-subjectiva dos direitos de

defesa. No entanto, e embora tenha sido reconhecido que o Estado, os poderes públicos e o legislador estão vinculados a proteger e a garantir prestações existenciais, a doutrina e a jurisprudência abraçaram uma posi-ção cada vez mais conservadora: (i) as prestações existenciais partem do mínimo para uma existência minimamente condigna; (ii) são consideradas mais como dimensões de direitos, liberdades e garantias (direito à vida, direito ao desenvolvimento da personalidade, direito ou princípio da digni-dade da pessoa humana) do que como elementos constitutivos de direitos sociais; e (iii) a posição jurídico-prestacional assenta primariamente em

deveres objectivos, ]Jrima facie do Estado, e não em direitos subjectivos

prestacionais derivados directamente da constituição.

Tal como se poderá ver na retórica argumentativa do Tribunal Cons-titucional Português no caso referente ao rendimento social de inserção (Ac. 590/02), a jurisprudência reconduz o direito ao rendimento social de inser-ção à ideia de "conteúdo mínimo do direito a um mínimo de existência condigna" e acaba por colocar entre parênteses os próprios direitos econó-micos, sociais e culturais3

• A metódica jurisprudencial tende a transformar-se em uma metodologia funcional de obtenção de vencimento decisório.

II- Os direitos sociais e os "camaleões normativos"

Voltamos ao tema quase dez anos depois em trabalho intitulado "Me-todologia 'fuzzy' e 'camaleões normativos' na problemática actual dos direi-tos económicos, sociais e culturais"4

• Em tal estudo procuramos problema-tizar a dependência legal dos direitos constitucionais sociais tendo em conta a "reserva de coFres financeiros". De certo modo, a nossa perspectiva dirigia-se no sentido de salvar a dimensão normativa da socialidade me-diante dois esquemas: (i) procurar novas vias para a "des-introversão" da socialidade estatal; e (ii) distinguir entre direitos coustiUtcionais sociais e políticas públicas de realização de direitos sociais. A linha ideológica de

fundo poderia ser resumida da seguinte forma: o carácter dirigente da

~ V~ja-se a crítica desse acórdilo em Jorge Reis Nm•ais, Os pril1cípios constituciomús estrutunmfes da RejJiíblica Portuguem, Coimbra, ~00·~. p. 67.

I Este trabalho foi preparm.lo para um colóquio em Madrid, promovido pela Universidade Carlos

Ill, sobre Deredws econômicos, .wcialeseculturolt!.l', em B~/26 de abril de 1996. Está também publicado em Estudo sobre direitosfimdamenflús, cit., p. 93 s.

(13)

constituição social não significa a optimização directa e já dos direitos so~ ciais, antes postula a graduabilidade de realização destes direitos. Gradua~ bilidade não signiFica, porém, reversibilidade social.

O problema desta posição é que ela foi rapidamente ultrapassada pela chamada "crise do Estado Social" e pelo triunfo esmagador do globalismo neoliberal. Em causa está não apenas a graduabilidade, mas também a reversibilidade das posições sociais.

III- O direito

é

política, o direito

é

economia

Quase na mesma altura do trabalho anterior, iniciamos a aprofundar as nossas dúvidas sobre o tom e o do1n do nosso discurso5

• Começou a

ganhar centralidade metódica aquilo a que chamamos paradoxia da autos~ sujiciê11cia das normas jurídico-constitucionais, sobretudo o mperdiscHrso social em torno dos direitos fundamentais.

Tratava-se, como é óbvio, de uma proposta de leitura crítica da "consti-tuição dirigente social". As críticas dirigidas por quadrantes culturais opostos

~pelos cultores da sociologia crítica e pelos adeptos da constituição, quadro rebelde a programas constitucionalizados -levaram-nos a considerar que as "políticas constitucionalizadas fecharam a comunicação com o direito respon-srivcl expresso na criação jurídica por meio de pactos e de concertação social, quer com o direito refle.~:ivo gerado na "rua", no "asfalto", no "emprego parale-lo", na "economia subterrânea". Em boa medida, a socialidade constitucional dirigente estava colocada sob a pressão de dois antinormativismos: o das so-ciologias críticas e o dos teóricos liberais. O compromisso constitucional possível para manter a força normativa da constituição social passava, a nosso ver, por uma leitura mais pós-positivista da socialidade estatal.

IV- O local incerto da socialidade

Voltamos recentemente ao tema dos direitos sociais e a socialida-de estatal6 e procuramos fazer o ponto da situação quanto à constituição

i; Cfr., precisamente, o trabalho "O tom c o dom na teoriajurfdico-constitucional dos direitos

funda-mentais", in Estudos subn direitus.fillulmnwtaú, cit., p. 115 s. O texto inicial foi lido no Colôquio ln-ternacirmal de Direito Crm.rtitucimllll realizado em Recife (~2/~H de agosto de 1996).

r. Cfr. o trabalho de 2006, .m mws de Cmr.>tituirllo da Hejlli/Jlica: a sedimentaçllo dos direitos

(14)

portuguesa de direitos sociais. Os tópicos que salientamos foram os seguintes:

1) C01IIiu1tação da crítica ideológica à "carta de direitos sociais" A carta constitucional de direitos sociais não é mais do que um con-junto de preceitos sem determinabi\idade aplicativa, impositivos de políti-cas públipolíti-cas caracterizada pela mistura de "keynesismo económico" e de "humanitarismo socializante".

2) C0111estação do arquétipo ant-ropológico

A dimensão estruturante da socialidade andava ligada (e ainda se mantém) a uma coucepçüo maropolágica complexa, cujo centro é o indivíduo

como pessoa, como cidadão e como trabalhador. Esta "trindade antropoló-gica", por mais ontologicamente radicada que seja, vê-se confrontada com quatro deslocações contextualizadoras: (i) acentuação da dignidade da pessoa como princípio fundante da sociedade, mas simultaneamente

dcssubstantizador da autonomia jurídico-constitucional dos direitos sociais; (ii) desmbjectivizaçüo regulatária conducente à substituição da cidadania social pela cidadania do consumidor; (iii) dessolidarizaçào liberal empresarial

relativLimente aos encargos sociais; e (iv) crítica da eficácia e eficiência dos serviços públicos sociais pelas correntes económico-reguladoras da boa govemaçüo.

Não colocaremos o discurso no plano do ideologismo, hoje obsessivo nos quadrantes liberais que procuram um "revisionismo" sem Fronteiras de Forma a purificar as "constituições" por meio da expulsão dos direitos eco-nómicos, sociais e culturais. Interessa-nos mais a desconstrução do arqué-tipo antropológico. Comecemos pela hipertrofia da dignidade

da

]Jessoa huma11a.

Aparentemente, o recurso à dignidade da pessoa humana como prin-cípio ontoFenomenológico Fundante da dignidade social da pessoa humana

nada teria de problemático. O desenvolvimento da personalidade ancorado na dignidade da pessoa ainda é o fundL!mento mais inquestionável das prestações sociais a cargo do Estado. \VIas o "teste dóxico" de jurisprudên-cia constitucional portuguesa aponta para o "esvaziamento solidarístico" desta estratégia discursiva do Tribunal Português. O leading case é o

Acór-dão n. 509/2002 sobre o rendimento de inserção social que veio alterar o

mentais c o local incl!rto da Hocialidadc {texto inêdito), embora com leitura em Coimbra (Curso de Direi los Humanos) c em Sllo Paulo {Curso de Direito Social).

(15)

anterior regime do rendimento mínimo garantido. O cerne argumentativo do Tribunal acabou por ser o da conformidade ou não do regime legislativo definidor do subsídio de inserção social com o princípio jurídico-constitu-cional fundante da dignidade da pessoa humana. Este princípio postularia sempre um agasalho prestacional assegurador de uma existência minima-mente condigna. A dignidade da pessoa só seria afectada se o regime jurí-dico-legislativo não garantisse os "mínimos" da dignidade. O problema é que a estratégia discursiva do Tribunal, sob a aparente solidez da dignidade da pessoa humana, acaba por proceder à redução eidética da socialidade, colocando entre parênteses os direitos econômicos, sociais e culturais. Em toda a sua radicalidade, a orientação do Tribunal conduziria a este resulta-do desolaresulta-dor: não há direitos sociais autonomamente recortaresulta-dos, mas re-fracções sociais da dignidade da pessoa humana aferidas pelos stcmdards

mínimos da existência.

A segunda deslocação da socialidade remete-nos para a problemática da dessHhjectivação regulatória. De uma forma ou de outra. os figurinos do "sen,ice p11hlique'', à francesa, e do "Daseinsvorsorge", à alemã, justificavam

a existência de serviços garantidores de cidadania social e econômica quanto aos bens públicos essenciais. Subjacente à missão do Estado Social, estava a ideia dos "bens sociais" (saúde, ensino, segurança, trabalho) como

bens públicos que só excepcionalmente podiam ser prosseguidos por

priva-dos. A convergência das políticas liberalizadoras (globais e europeias) e privatizadoras juntamente com a atribuição a entidades independentes da competência regulatória conduzem a uma rotação de 360 graus na qualifi-cação desses bens. Agora são bens privados que só excepcionalmente devem

ser prosseguidos por serviços públicos. A socialidade estatal é um lugar incerto. Por um lado, a ideia de serviços públicos de interesse econômico geral é uma fórmula de manutenção do acesso a bens essenciais (energia, água, telecomunicações) não já na qualidade de cidaclüo social, mas sim na

qualidade de 11tente ou de consumidor. É possível que, em termos de efi-cácia e eficiência, o "novo modelo" seja mais transparente e racional, mas não é líquido que lá onde falha o mercado o Estado Social possa ser subs-tituído por um conglomerado de serviços privados aqui e ali sensíveis às responsabilidades sociais. Isto nos conduz ao terceiro teste da socialidade. Quem estiver atento às tendências políticas e econômicas neoliberais facilmente compreenderá que o mercado de serviços tende a preencher o espaço social em domínios tão sensíveis como hospitais, estabelecimentos de ensino, sistemas de segurança social. A actual pressão no sentido de transformar os serviços públicos em indústrias de sen1iços não deve

(16)

sariamente ser remetida para o campo dos malefícios econômicos do neo-liberalismo. Daremos dois exemplos, um relacionado ao direito à saúde e o outro, ao direito ao ensino.

A Lei Constitucional n. 1/97 (4.!!. Revisão) acrescentou ao art. 642 (direito à saúde) em novo inciso onde se estabelece:

i\rL 64!!, n. 3 "Para assegurar o direito il saúde incumbe prioritariamente ao Estado:

( .. )

d ) - Disciplinur e fisculizar as formas empresariais c privadas da medi-cina, articulando-as com o senriço nacional de smíde, por Forma a assegu-rar, nas instituições de saúde públicas c privadas, mlequl/[los padnles de

ejiciê11cia e qualidade". (griro nosso)

Esse inciso consagra a expressa valorização constitucional dos padrões de eficiência e qualidade que, além de estar em consonância com as dispo-sições da União Europeia nas quais se estabelece como objcctivo a garantia de um uível elevado ele protecção da saúde humana, sugere o novo contexto

do princípio ela ecoJZomicidade na prestação de senriços públicos. Ademais,

aponta para diferentes esquemas organizativos do serviço público de saúde como gestão empresarial c regime convencional e para sistemas específicos de monitorização c controlo dos respectivos serviços. Por sua vez, o elevado nível de protecção pressupõe a e .. Ycelêucia e a govemação clínica ("clinicai

governance") como veículo de qualidade clínica e como instrumento de excelência assistencial. A progressiva especificação de padrões de qualidade, recortados em termos de gestão, regulação, procedimento e controlo, acaba por ter incidência materialmente positiva nos direitos dos doentes (direito à autonomia e informação, liberdade de escolha, direito à equidade no acesso, direito a tratamento em prazo clinicamente razoável com gestão racional e eficiente ajuste das listas de espera, direito à participação democrática dos doentes ou associações de doentes na definição de escalas de prioridades e sua definição de períodos de espera clinicamente aceitáveis). Devemos ter serenidade bastante para reconhecer que a optimização dos direitos sociais não deriva só ou primordialmente da proclamação exaustiva do texto cons-titucional, mas da "good governance" dos recursos públicos e privados afectados ao sistema de saúde.

O segundo exemplo relaciona-se com o direito ao ensino. O paradig-ma constitucional português do ensino assenta na centralidade de uparadig-ma rede de estabelecimentos públicos de ensino. fvlas a ideia de rede passou a ser

(17)

abrangente do ensino particular e cooperativo, em que é reconhecido a todos os estabelecimentos de ensino uma dimensão pública. O ensino é,

em todos os sectores- público, privado e cooperativo-, um sen,iço ptíH blico. É óbvio que essa interpretação só estará em conformidade com a Constituição se ela não implicar a neutralização do imperativo constitucio-nal de criação da rede de estabelecimentos públicos estatais de ensino público, pois é essa a matriz republica1la de ensino constitucionalmente

consagrado. Vale a pena, porém, aprofundar as deslocações normativas de sentido insinuadas pelo conceito de rede, ampliada de serviço público de ensino. Ao incorporar-se na rede, o ensino particular e cooperativo procu-ra, directa ou indirectamente, fomentar esquemas de concorrência entre os vários estabelecimentos de ensino à qual não é alheia a ideia de marhe-t.iug comercial. Esta concorrência seria, de resto, um factor decisivo para

aumentar a eficiência e a rentabilidade do ensino público, pois ela permi-tiria que os utentes directos do serviço- as famílias- se convertessem em árbitros do mercado de emino por meio do exercício do direito à escolha de escola. Mais do que isso, ainda. A concepção jacobina de ensino,

tradu-zida na unicidade e uniformidade da oferta escolar, seria substituída por um sistema plural marcado pela flexibilidade do sistema ed11catiro mais apto

para a concretização do livre desenvolvimertto dos jovens (combatendo-se,

inclusive, de forma mais eficaz, os Fenômenos de abandono e de insatisfa-ção escolar). Por último, o esquema em concorrência serviria de esteio à

própria relegitimação do sistema de ensino mediante os mecanismos de

avaliação c coJltrolo ex/emas indispensáveis à promoção de qualidade e à

eFicácia de toda a rede de estabelecimentos de ensino. É bom de ver que o núcleo central das novas propostas se reconduz à transformação de todo o sistema de ensino em uma empresa ed11cacioual, centrada em problemas

da utilização racional dos recursos e da gestão da qualidade. A teleologia intrínseca da liberdade de aprender e de ensinar pela escola pública dá lugar a uma outra compreensão finalística. O direito à escola é o direito à aprendizagem das lcges art.is de uma profissão inserida no mercado de

tra-balho. Em termos mais analíticos, dir-se-ia que o direito à escola é (i) o direito à obtenção de meios para estudar; (ii) o direito à aprendizagem das leis da profissão; e (iii) o direito a resultados formativos em concorrência com as exigências da procura e da oferta do mercado de trabalho para jovens. O actual confronto de modelos - a ('universidade pública republicana" e a "universidade privada livre"- demonstra, com e.xuberância, que também nesse domínio a socialidade estatal já não é o que era, embora continuemos fiéis à bondade da escola pública republicana, livre, igual e laica.

(18)

V- A "governance" do terceiro capitalismo e a

constituição social

Como o título em epígraFe, redigimos um trabalho que se destinava a ser discutido em São Paulo em setembro de 2009. Por motivos pessoais, não nos foi possível colocar a sua discussão no espaço público. Como ver--se-á, o campo da análise retoma alguns passos dos itinerários anteriores, mas procura também questionar o modelo de acção social universal

insinu-ado pela "governance" do terceiro capitalismo.

1. Colocação do problema

Em substituição do Estado Social constitucionalmente conformado propõe-se - umas vezes de forma sub-reptícia, outras vezes em termos abertamente frontais - que o terceiro capitalismo com a sua sociedade aberta conduz necessariamente a um corolário lógico: a empresa privada, a actuar no mundo global, será o único sujeito capaz de responder a um modelo de acção social univcrsaF. A demonstração dessa tese é Feita de diversos modos e presta-se a várias abordagens consoante a localização dos problemas. Por uma questão de economia discursiva, partiremos aqui das seguintes proposições:

( l) o Estado Social é o tipo de Estado que coloca entre os seus prin-cípios Fundantes e estruturantes o princípio da socialidade;

(2) o princípio da socialidade postula o reconhecimento e a garantia dos direitos sociais; e

(3) a garantia dos direitos sociais pressupõe uma articulação do direi-to (de direi-todo o direidirei-to, a começar pelo direidirei-to constitucional) com a economia intervencionista progressivamente neutralizada pela expressão do mercado

global.

Vejamos, então, com mais pormenor, a sequência destas proposições. Todos estaremos de acordo que o Estado Social- ou, melhor, o "modelo social" tal como ele, de forma diversa, ganhou substância na Europa Oci-dental- ergueu os direitos sociais a dimensão estruturante da juridicida-de e da juridicida-democracia. Por um lado, passadas que Foram as disputas sobre a

7 Cfr. o perturbador livro cle Pictro Barccllona, Lu Spa:do del/a jmlitim, Honw: Editora Hiuniti, 1993, p. li.

(19)

incompatibilidade entre Estado ele Direito e Estado Social ou, se preFerir-mos entre o princípio da juricliciclade e o princípio ela socialiclade, ganhou relativa estabilidade a compreensão constitucional do Estado como Estado de direito social. Por outro lado, o reconhecimento e a garantia dos direitos sociais passaram a dimensão estruturante do próprio princípio democráti-co. Com eFeito, a ideia de liberdade igual estrutura o princípio democrático, dado que: (i) arranca do postulado inquestionável (desde as primeiras de-clarações ele direito) de que os homens nascem livres e iguais em direitos; (ii) a liberdade e a igualdade começam pela garantia dos direitos de liber-dade, e, dentre estes, dos direitos fundamentais da pessoa humana (direi-to à vida, à integridade física e pessoal, ao desenvolvimento da personali-dade, à família); e (iii) a liberdade igual passa pela progressiva radicação de uma igualdade real ou substancial entre as pessoas.

A articulação da socialidade com democraticidade torna-se, assim, clara: só há verdadeira democracia quando todos têm iguais possibilidades de participar no governo da polis8

• Uma democr"acia não se constrói com

Fome, miséria, ignorância, analfabetismo e exclusão. A democracia só é um processo ou procediJJle11to jmto de pmticipação política se existir uma jusJ.iça distributiva no plano dos bens sociais. A juridicidade, a sociabilidade e a democracia pressupõem, assim, uma base jusfunclamental incontornável, que começa nos direitos fundamentais da pessoa e acaba nos direitos sociais.

2. Os presmpostos económico-financeiros do Estado Social

Os direitos sociais são caros, já o dissemos. Algumas prestações in-dispensáveis à efectivação desses direitos devem ser asseguradas pelos poderes públicos de forma gratuita ou tendencialmcnte gratuita. Ora, o Estado Social só pode desempenhar positivamente as suas tarefas de so-cialidade se se verificar em quatro condições básicas:

(I) provisões Financeiras necessárias c suficientes, por parte dos cofres públicos, o que implica um sistema fiscal eficiente e capaz de assegurar e exercer relevante capacidade de coacção tributária;

(2) estrutura da despesa pública orientada para o financiamento dos serviços sociais (despesa social) e para investimentos produtivos (despesa produtiva);

11 A indissociabilidade de democracia c os direitos sociais têm sido postos em relevo por v;írios

au-tores. Citaremos apenas A. B;lldassare, Dirittidellapemuw evalori costitu::.imwli, Torino: Giappiehelli,

l!J97.

(20)

(3) orcamenlo público equilibrado de forma a assegurar o controlo do déFice das despesas públicas c a evitar que um déFicc elevado tenha refle-xos negativos na inflação e no valor da moeda; e

(4) taxa de crescimento do rendimento nacional de valor médio ou elevado (3% pelo menos ao ano).

A verificação de todas as condições enumeradas coloca o Estado Social em reais dificuldades. Em primeiro lugar, o modelo social subjacen-te às premissas indicadas é, dizem alguns, um modelo dos países ricos. Em segundo lugar, mesmo nos países ricos ela pode ser posta em causa por vários motivos (desde o crescimento incontrolável das despesas com alguns serviços, como o de saúde, passando pelo desequilíbrio das obras públicas regionais e locais, e terminando na existência de défices estruturais, como políticas de coesão econômica e territorial, como acontece com a integração da ex-DDR na Alemanha Federal). É por isso que desde os anos 1970 se insiste na crise fiscal do Est.ado e a partir da década de 90 do século

passa-do o tema obsidiante é o da s11stentabilidade do modelo social. As críticas ao

Estado Social e às constituições programático-sociais inserem-se neste contexto, insistindo uma significativa parte dos políticos e economistas inHuentes na reorientação das políticas das finanças e despesas públicas. No banco dos réus está a célebre política do deficit. spemliug:

endividamen-to do Estado com a finalidade de Financiar a despesa pública, sobretudo a despesa social.

3. O Estado Social como instrumento da inclusão social

A crise do Estado Social tornou-se, para muitos, um problema do ocaso da socialidade. Nas sociedades funcionalmente diferenciadas não há lugar para políticas de inclusão. A chamada iudividualizaçüo da sociedade

signiFica precisamente o indeclinável direito c o dever de cada indivíduo colocar no seu plano de vida e condução da existência as responsabilidades que lhe cabem na luta pela sobrevivência. Dito por outras palavras: o risco

da vida é também, e sobretudo, um risco individual'~. Ainda de outro modo, cada um deve assumir um papel activo para assegurar a sua inclusão nos novos sistemas diferenciados da sociedade10O problema é o de que a

di-~Vejam-se as considerações de Ulrich. Beck na sua conhecida obra sobre a sociedade tlc risco:

Risikogesellschqjl, Fran]ifurt, I D8G, p. 115.

w De uma !Orma incisiva, cfr. Bcdt/Bed\-Gernsheim (org.), Ri:;kmJte Freiheiten, Franl1furt/M, 19H+,

Jl· 12 S.

l

I

I

(21)

ferenciação funcional individualizadora conduz a uma dependência orga-nizativa mais forte. Individualmente responsável dentro dos vários sistemas funcionalmente diferenciados- família, trabalho, formação e qualiFicação, transporte, saúde, consumo-, a pessoa corre sempre o risco de não ter possibilidade de inclusão nos esquemas prestacionais dos vários sistemas11 [sso tanto mais quanto é certo que a necessidade de inclusão nos sistemas funcionais diferenciados começa muito cedo: o direito de nascer não se exerce em casa, mas na maternidade "incluída" no sistema de saúde; o desenvolvimento da criança não é um problema de crescer nos braços da ama, mas de socialização nos jardins de infância "incluídos" no sistema de ensino pré-escolar; o conhecimento e a informação começam na escola e isto é parte integrante do sistema de ensino.

A liberdade igual é interpretada neste contexto como a igual

possibi-lidade de inclusão em um sistema social diferenciado. A realização deste princípio de igiJaldade de iJiclmão continua a colocar o nó górdio da

socia-lidade: a inclusividade pressupõe justiça quanto às possibilidades iguais de

acesso. Como garantir esta justiça? A resposta para muitos (nos quais nos incluímos) é a reinvenção do Estado Social. Os direitos sociais e os prin-cípios socialmente conformadores significam, no actual contexto, a legiti-mação de medidas públicas destinadas a garantir a inclusão do indivíduo nos esquemas prestacionais dos sistemas sociais funcionalmente diferen-ciados!:!.. Mesmo que este Estado Social não seja mais, hoje, do que um simples "pendant" funcional de relações subjectivas interpessoais, ele continua a ter a indeclinável tarefa da inclusão social politicamente

pon-derada. f'vlas como poderá o Estado Social continuar a desempenhar essa função de inclusão em um contexto global de progressiva carência de meios financeiros? Como alicerçar expectativas sabendo-se, à partida, que é muito difícil preencher os pressupostos da sua realização? Na verdade, algumas das críticas mais persistentes contra o Estado Social e a constitui-ção dos direitos sociais reconduzem-se a esta ideia básica: eles alicerçam expectativas normativas que não mais estão em condições de garantir. Isso pode ilustrar-se facilmente por meio de três tópicos, hoje correntes na li-teratura "globalizadora":

li E o prôprio Ni!das Luhmann a salientar esse problema cle inclusilo. Cfi-. Potitischen Theorie im lfáh{fillmttwt, !viUnchcn, 1981, p. ~5.

~~Nesse sentido, di-., por último, Thorsten 1\ingreen, Da.r Srr::ialstaaL>jtrin'=i_/1 im europiiischen l'ú:fiJS-srmgn!abmui, TUbingen, :!OO.'J, p. ~07: "a autorizaçilojurlclico-constitucional para a inclusilo clc vários sistemas parciais sociais encontra-se no princípio do Eswclo Social".

(22)

1) O mercado global e a collcorrêucia

Não há pacto de estabilidade e crescimento que escape à lógica da captação de investimentos directos, nacionais e estrangeiros. Mas o Estado que os atrai tem de ser um Estudo garnlztido da concorrência. As empresas privadas adaptam estratégias de deslocalização, de política de investimen-to e de mão de obra tendentes a redução dos cusinvestimen-tos de exercício e maxi-mização de lucros. O Estado, por sua vez, assume cumplicidade com estas estratégias mediante a criação de infraestruturas, benefícios fiscais c legis-lação laboral. As políticas públicas optam por encaminhar os dinheiros públicos para grandes investimentos infraestruturantcs (aeroportos, vias férreas, autoestradas) em vez de os desonerar para os serviços garantidores da eFectivação de direitos sociais. Em quase todos os países assiste-se à substituição de serviços públicos por empresas de interesse económico geral, muitas delas privatizadas.

2) A redução dm despesas pliblicm

A redução das despesas públicas obriga a cortes orçamentais c ao drástico emagrecimento do aparelho organizativo do Estado. Alguns, em termos puramente ideológicos, combatem o Estado, empurrando-o para um Estado mínimo e subsidiário. Outros salientam a lógica económica: o equilíbrio do deficite orçamental indispensável à criação de um clima atractivo para investimentos não é compatível com uma administração pública herdada do "Estado máximo".

3) O calllércio elect.rónico e as tmnsacções telellláticm

O impacto sobre os cofres do Estado do incremento do comércio clectrónico c das transacções telemáticas permite uma fuga fiscal para os caminhos da anacionalidade intemética relativamente à qual o sistema tributário nacional pouco pode fazer. Como se sabe, a evasão Fiscal anda de mãos dadas, muitas vezes, com a fraude fiscal c a lavagem de dinheiro. Além de impotente no combate às actividades ilícitas, o Estado Social vê os seus recursos Fiscais em permanente retrocesso.

Desafios metódicos c metodológicos

à

sustentabilidade normativa do Estado Social

Um jovem constitucionalista brasileiro escreveu "que não há mais espaço para optimismo metodológico, isto é, para a crença de que o

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rcsul-tado da interpretação constitucional depende pura e simplesmente do método utilizado"13

• Estamos de acordo. Mas o que se exige, hoje, do juris-ta é que, sem deixar de ser um pessimista metodológico, dê positividade à sua retórica e abra caminhos hermenêuticas capazes de auxiliarem a ex-trinsecação do direito constitucional. Ora, a nosso ver, a "lloresta tem ca-minhos". É necessário descobrir os caminhos da floresta.

I -A direcção através do direito

O primeiro ponto que merece nova suspensão reflexiva relaciona-se com o problema da ca1Jacidade de direcção do direito constitucional. Se a

"lógica dirigente" está hoje posta em causa, isso não significa que o direito tenha dei:x:ado de se assumir como instrumento de clirecção de uma comu-nidade juridicamente organizada. A constituição pode ter dei'\ado de ser uma norma dirigente, mas não está demonstrado que não tenha capacidade para ser uma Jwmw directora. lVIesmo tendo em conta as críticas dirigidas contra o normativismo constitucional (a que atrás fizemos referência), cremos que o direito continua a ser um instrumento fiável c incontornável de comando em uma sociedade H. Este ponto de partida justifica, desde

logo, a clarificação do conceito de direcçüo. A simples convocação dogmá-tica deste conceito para assumir um papel relevante na problemádogmá-tica me-todológica de concretização do direito significa que não estamos em sinto-nia com as conhecidas teorias autorrcferenciais do direito. Como se sabe, várias abordagens teóricas têm tentado demonstrar a mudança de

paradig-mas na compreensão do direito e da estabilidade. As fórmulas linguísticas escolhidas são sugestivas, embora nem sempre contenham rigor e:%:plicati-vo: "direito pós-intervencionista", "direito regulatório", "direito procedural" etc. Em comum, têm todas elas o chavão da insuFiciência, da ineficiência e da improdutividade do direito intervencionista. A isso acrescenta-se a chamada "décalage" regulat.iva do normativismo: a crescente discrepância

entre os fins das normas e os resultados fácticos e jurídicos. Embora isso não seja sempre salientado, o comando normativo é também considerado

1!1 Cfr. Virgllio AfOnso da Silva, "Interpretação consritudonal e sincretismo metoclolôgico", in Vir-gflio Afonso cln Silva (coord.), 11Jlerpretap1u cuustituciunal, Sllo Paulo, 2005, p. HS.

H Cfr., por ültimo, Dictmar Braun, Die Polifische Steuenmg der !Vissensduifl, 1D97, p. ~g s.; Gunnar Fol\w Shuppert, "Selbstvcrwaltung, Selbststeuerung, Sc\bstorganization", in Archiv des i!ffeutlidwll

Rechts, 1 H {IHBD), p. 127; c Florian Bed!er, J\oopemtive mtd f{unmzsualeStntkfuren in der Normsel!::1111g, TUhingcn, ~ooLi, p. IS s.

(24)

como um modo clecisionista de resolver problemas a partir de um

signiFica-do monocausal. Acresce que o mosigniFica-do normativo-intervencionista descura a necessidade de infomwção quer no momento do impulso regulativo quer

na Fase de controlo. l\!las há mais. No que respeita às formas de interacção entre o estado e a sociedade, subsiste a dominância da razão hierárquica,

com completa indiferença e até ignorância relativamente aos destinatários. Não admira, assim, que em muitos sectores (incluindo o campo dos pro-fissionais do direito) se venham acumulando imponentes Fundamentações teoréticas e teóricas da perda de capacidade de direcção e de comando por parte do Estado e do direito.

Embora as teorias autorreferenciais tenham obrigado a revisão (por vezes dramática) dos esquemas de direcção do estado e do direito, enten-demos que é possível manter tendencialmente a ideia de direcção:

coman-do dirigicoman-do à conformação, regulação, alteração intencional e finalística de situações polít~cas, econômicas, sociais e culturais por meio dos instrumen-tos jurídicos. A semelhança das teorias sistémicas, a direcção não deve

conceber~se como ordem autocrática do Estado soberano juridicamente imposta, antes deve compreender esquemas múltiplos de mecanismos accionados por vários actores sociais. É nesta perspectiva que se orienta a

análise ueoinstitucioualista centrada nos vários actores sociais e nos vários

instrumentos de direcção. O conceito de direcção é, assim, um conceito analítico que engloba vários meios ele clirecção ao lado do direito (mercado,

finanças, organizações). Daí que seja importante salientar a centralidade directora do direito em um Estado de direito democrático, mas não a sua exclusividade, impondo~se mesmo a conjugação de vários instrumentos de direcção para que sejam obtidos os fins desejados. Em segundo lugar, a direcção pressupõe actores sociais mesmo que se reconheça - como sa~

lientam as teorias autopoiéticas - a existência de sistemas diferenciados dotados de uma dinâmica própria15

• Diversamente, porém, da

autorrefen-cialidade sistémica, o institucionalismo centrado nos actores depende de urna direcçilo político~social entendida como um sistema intencional e co-municativo de acção influenciadora da conformação de relações sociais orientadas para o bem comum. O que é absolutamente necessário, neste modo de ver as coisas, é dar centralidade regulativa aos sistemas de inte-racção sociais por meio dos seus actores individuais ou colectivos. A partir desse conceito analítico de direcção, o institucionalismo centrado nos

15 Cfr., por todos, Frit1. Sc\mrpt: bJ/emktion.~fonneu .• -Jkteur.::mtrierter Jnstitulirmali.mws i11 tler

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actores defende uma "nova estatalidade", uma "nova arquitectura de Esta-do", em que se recortem novas formas institucionalizadas de cooperação e

de comHnicação entre: (i) os actores sociais mais importantes e os

interes-ses politicamente organizados; e (ii) o Estado e as organizações políticas.

l i -

Refracções metódico-metodológicas

Chegamos ao momento de perguntar pelo impacto praxeológico desse esquema de direcção no campo da interpretação e da concretização do direito directivo-consUtucional. Antes de procedermos à exemplificação

prática da metódica aplicadora, tentemos sintetizar algumas das dimensões a ter em conta:

(1) as grandezas de referência são as instituições (sistemas) ao lado dos esquemas tradicionais das relações jurídicas e dos mecanismos jurídi-co-processuais e procedimentais;

(2) relevância dos novos modelos de direcção, designadamente os

modelos de mauagemeu-t- desenvolvidos pela ciência econômica no âmbito

do mercado e da economia privada (particularmente importantes para as questões da modernização c eficiência dos mecanismos de direcção);

(3) pluralidade das regulações jurídicas, tendo, sobretudo, atenção que

a regulação dircctora pode convocar complexos normativos diversos como o direito dos contratos, o direito da lei, o direito da constituição, o direito europeu, o direito intemacional; c

(4) mecanismos densificadores (boas práticas, excelência de serviços, standards) de normas de direcção constitucionais.

1. A determinação dos níveis essenciais de prest-ações sociais

Os esquemas de racionalização de prestações sociais, no âmbito dos direitos sociais (saúde, segurança social, ensino), são o exemplo típico de que a constituição social directora precisa de novos arrimos jurídico-dog-máticos. A sua análise do modo como os juristas têm discutido o problema das prestações sociais leva-nos a algumas conclusões desconsoladoras. Em primeiro lugar, os anseios da constituição social vinculados às premissas típicas do positivismo legalista mais não fazem do que repetir até à exaus-tão o círculo vicioso de qualquer positivismo. Em termos simples, o círcu-lo pode descrever-se assim: (i) as normas consagradoras dos direitos sociais, econômicos e culturais consagram o direito à saúde, à segurança social, ao

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ensino; (ii) logo, todos temos direitos por via da constituição a todas as prestações da saúde, da segurança social e do ensino; e (iii) então, a polí-tica do direito constitucionalmente conforme no campo destes direitos é a que consagra a gratuitidade de todas as prestações reclamadas pela neces-sidade de realização desses direitos.

Em sentido diametralmente inverso, os ideólogos liberais partem das seguintes premissas: (i) os direitos sociais não são verdadeiros direitos, porque não possuem a dignidade de direitos subjectivos; (ii) as normas constitucionais consagradoras desses direitos são normas programáticas que, em rigor, não deveriam estar no texto constitucional, pois as suas concretizações dependem das políticas públicas dos órgãos políticos legi-timados para desenvolvê-las; e (iii) os bens protegidos por essas normas são, em primeira linha, bem privados, cuja protecção só excepcionalmente deve ser confiada às entidades públicas. É bom de ver que não é por sermos positivistas constitucionais que os direitos sociais são realizados pelos po-deres públicos e não é por insistirmos na mão invisível que os problemas sociais deixam de existir, e, mais do que isso, são satisfatoriamente solu-cionados para todas as camadas da população. De qualquer modo, impõe-se discutir o modo como se assegura a direcção jurídica- política da

concre-tização dos direitos constitucionais sociais. E já vimos que as recentes leituras jurisprudenciais portuguesas, a pretexto de reconhecerem o "míni-mo social" compatível com o "míni"míni-mo de dignidade", estão a reforçar indi-rectarnente o retrocesso social do Estado. Vamos tentar uma recentração do problema com base na ideia central de clirecção constitucional social. A

ideia do direito como instrumento de direcção ao lado de outros instrumen-tos (financeiros, organizatórios) é, hoje, como dissemos, uma das premissas metodológicas de institucionalismo jurídico. Essa perspectiva neoinstitu-cionalista mantém as tradicionais categorias jurídicas e hermenêuticas mas introduz outras valências normativas. Testemos a sua operacionalidade prática.

a) A icleia de "11úcleo esseucial"

Trata-se de uma categoria central da dogmática jurídico-constitucio-nal do último meio século. O recorte de um "núcleo essencial" de direitos, liberdades e garantias perFilava-se como o último reduto de garantia contra as leis e as medidas agressivamente restritivas desses direitos. Hoje, pare-ce reconhepare-cer-se que a determinação da essência de um direito não é ta-refa fácil, sobretudo quando eles se colocam perante os juízos de

balance-amelltO de bens e direitos em caso de conflito. Por outro lado, defende-se,

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residu-ul, dado que se trat<:J <:Jpenas de um conceito-limite depois da operaciona-lizaçilo hermenêutica do priucípio da jmta 111edida e da razoabilidade. Em terceiro lugar, contesta-se a própria bondade jurídico-dogmática deste conceito, dizendo-se que, como postulado nascido no pós-guerra, pretendia apenas reForçar no plano geral a garantia da liberdade e dos direitos pesso-ais. Não é este o lugar para retomar a gênese da essênci<:J das essências dos direitos, mas damos como jurídica e constitucionalmente adquirido que o núcleo essencial desempenha um papel relevante na garantia dos direitos. Mas de que direitos? Este é o ponto central ela presente nota.

A doutrina do núcleo essencial Foi desenvolvida tendo em vista o regi-me de protecção de direitos, liberdades e garantias (cl'r. art. 187" da Consti-tuição portuguesa). Ora, o problema que se coloca é o de saber se ela não deve ser alargada aos direitos econômicos, sociais e culturais, pelo menos em aspectos em que eles têm uma natureza análoga aos direitos de liberdade. Sendo assim, o prmctum salie115 da questão é este: como determinar o núcleo essencial do direito à saúde? Como o direito à saúde implica um fei-...:e de prestações, como determinar o nível essencial de prestações sociais?

h) Os IZÍveis esseuciais ele prestações sociais

Em recente trabalho, tentam-se Fornecer algumas pistas inovadoras a este respeito16

• Os pontos de partida para a compreensão do chamado Lep (Livelli essen::ial i clelle prestazioui), consagrado no art. I 172/2 da Cons-tituição italiana (revista), parecem Formulados em um linguajar clássico: (i) o nível essencial de uma prestação referente a um direito social con-substancia um autêntico direito individual irrcstringível Fundado nas normas constitucionais; (ii) a constitucionalização de um direito essencial de pres-tação constitui uma heterodeterminação constitucional à autonomia nor-mativa c administrativa de todos os níveis de governo, começando no go-verno central e acabando nos gogo-vernos regionais e locais; e (iii) o nível essencial de prestação condiciona as políticas econômicas c financeiras. No entanto, os autores sujeitam um modelo unidimensional assente na deFinição de prestações e propõem uma aproximação multidimensional na determinação dos níveis essenciais das prestações que tem como ponto de partida a consideração de que as prestações transportam determinadas dimensões consideradas esse11ciais em relação a essas mesmas prestações.

Em outras palavras que pertencem aos autores da obm: por cada prestação

1<1 ReiCrinm-nos ;i obra Jri'{fim~ e.fi!demlúmrJ, Bo\ogna, :!005, elaborada por um grupo de peritos reunido na otssociaçilo Astrid c coordenado por L. Torchia.

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são especificadas e pormenorizadas as dimensões que asseguram a sua adequação. Se bem interpretamos as propostas multidimensionais, elas pretendem conseguir aquilo que as interpretações- concretizações dou-trinárias e jurisprudenciais clássicas - não conseguiram até agora: asse-gurar a eFectividade da disciplina constitucional ao nível das prestações sociais. A efectivação passa pelo recurso aos esquemas tradicionais de le-gislação e regulação porque se considera indispensável uma lei e um regu-lamento de execução. Aquela disciplinaria as prestações, os destinatários, os indicadores, o sistema informativo, os recursos financeiros, as acções estaduais de suporte, os programas de intervenção extraordinária e o remé-dio para a inobservância de standards. O regulamento, por sua vez, devia

especificar a lista dos indicadores, individualizando, para cada um deles, o valor objectivo que as administrações devem respeitar.

O que há de novo é a tentativa de introduzir guicle-liues de boas

prá-ticas ou de sta11dards possibilitadores de controlo e que, primariamente,

dirão respeito aos mecanismos de govemmzce c de accountability, mas que

poderão constituir também elementos de facto para a eventual jurisdicio-nalização dos conllitos prestacionais. l\'las não é só isso: perante a incon-tornável pressão dos custos dos serviços de saúde e consequentes políticas de racionalização, a metodologia mais segura para a garantia dos direitos não é a da subsunção positivista-constitucional, mas a de recortar o núcleo duro da subjectivização dos direitos sociais1

;.

c) Do direito à sazíde aos direitos dos doentes

Outra forma de dar efectividade à direcção normativo-constitucional do direito fundamental à saúde é a de a metódica constitucional estar atenta aos outros instrumentos ele direcção, designadamente os instrumen-tos reguladores e a carta de direiinstrumen-tos dos utentes. Mesmo que se aceite a lógica sistémica da diFerenciação e autonomização de sistemas- sistemas de saúde, sistemas de segurança social-, a direcção por meio do direito constitucional pode concretizar-se mediante boas prâticas18 emergentes da

17 A efectivid;ldl! da regulu~~ao do Lep assenta na individualizaçilo d<Js dimensücs IHísicas: i)

macro-área de intervenção; ii) prestaçfies; iii) descrição sintética; h·) destinat<irios; v) indicadores; vi) \'alor

o~jcctivo. Exemplo: i) macroârea rh~ iulervençlio-assistência sanitária; ii) jlreslaç11o- tomografia axial computadorizada; iii) deo~criç110 si11!iftica-utilização de aparelho de alta prcds;1o no diagnôs-tico tu moral; h·) desti1111lârios- pessoas a quem é passada uma prcscri~~iio médica expressa para o caso; v) iudimdores-tempo qui! ocorri! entre a prestaçilo e a e!Cl:tiva~~ilo da prestaçilo; vi) valor olljectir.•u-até ao fim clc ~006 (:x. clias).

tH Para o conceito de boas jmílicas, cfr. Rosaleth Moss I\anter (coord.), Beo~t Jmzrtiu !wudlmok, London,

(29)

cli11ical govemauce. A qualidade dos serviços de saúde- quer sob o ponto

de vista clínico quer do ponto de vista assistencial-, com a consequente uarantia dos direitos dos utentes, sobretudo dos doentes, pode resultar da

~bservância

dos padrões técnicos e humanos deFinidos em códigos de boas práticas do que na execução hierárquica de regulamentos c procedimentos administrativos. Não foi a exegese da constituição e o platonismo subsun-tivo que permitiram individualizar os direitos elos H lentes (autonomia,

infor-mação, vontade previamente manifestada, liberdade de escolha, privacida-de, acesso à informação da saúde, não discriminação e não estigmatização, acompanhamento espiritual, primado da pessoa sobre a ciência e a socie-dade, direito de guei'Xa e reclamação, equidade no acesso, acessibilidade em tempo útil)19Se o direito constitucional quiser continuar a ser um instrumento de direcção e, ao mesmo tempo, reclamar a indeclinável fun-ção de ordenafun-ção material, só tem a ganhar se introduzir nos seus proce-dimentos metódicos de concretização os esquemas reguladores e de direc-ção oriundos de outros campos do saber (economia, teoria da reguladirec-ção). E a conclusão parece-nos clara: a governação clínica (cliuical govenwnce) é um esquema de boas práticas concretizador do direito à saúde.

d) Direcçüo cousUt.uciOJwl e metódica de concreti:ação dos direitos sociais

A metódica de concretização por meio de instrumentos normativos e de instrumentos reguladores de boas práticas não significa que ponhamos de lado a metódica de concretização judicial. O que os anteriores exemplos pretendem demonstrar é que o direito constitucional como ciência de di-recção não pode ficar alheio a esquemas novos de concretização. E não deb.:a de ser um bom "teste" à metodologia jurídico-constitucional a carac-terização, em sede judicial, do nível essencial de prestações sociais.

O simples reconhecimento de um núcleo essencial de prestações sociais, equivalente ao nlicleo essencial dos direitos, liberdades c garantias, impõe uma revisão do canícter prestacionalmente dependente dos direitos sociais. Isso não tanto porque não seja juridicamente correcto, mas porque, de uma Forma ou de outra, todos os direitos- desde os direitos, liberdades e garantias pessoais aos direitos - apresentam dimensões caracterizada-mente regulativo-prestacionais. Lembramos tão socaracterizada-mente o direito de aces-so ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o direito de participação na vida política (financeiramente, por exemplo, dos partidos e das campanhas elei-torais), da liberdade de ensino da religião (com professores pagos pelo

Es-w Cfr. Hui Nunes, llegulllçlio tlil smid1~, Portu, ~005, p. H~ s.

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tado}. Em segundo lugar, se há um núcleo essencial de prestação, então deve colocar-se o problema da aplicabilidade directa das normas

constitu-cionais garantidoras das prestações essenciais constitutivas desse núcleo20 • Esgrimir aqui com as tradicionais ''reservas"- "reserva de lei" constitutiva das prestações e "reserva do possível" em termos econômicos e financeiros" - significaria que bastaria o legislador e todos os órgãos responsáveis pela concretização Ficarem silentes, para se negar a existência de um núcleo essencial de prestações sociais. Afinal, a direcção da constituição, ou melhor,

da direcçüo, dos direitos sociais constitucionalmente garantidor ficaria

neu-tralizada pelas omissões legislativas e executivas. A "reserva de lei" transmu-ta-se em inimigo dos direitos sociais que, no Fundo, são dimensões consti-tutivas da igual dignidade social e da jmtiça distribut-iva.

É óbvio que os tribunais não podem ficar alheios à concretização judicial das normas directoras da constituição social. Não pode é impor-se à metódica constitucional a criação de presmpostos de facto e de direitos

claramente fora da sua competência ou extravazando os seus limites jurí-dico-Funcionais. Os tribunais não podem neutralizar a liberdade de confor-mação do legislador21

, mesmo em um sentido regressivo em épocas de escassez e de austeridade financeira. Isso significa que a chamada tese da "irreversibilidade de direitos sociais adquiridos" deve entender-se com ra-zoabilidade e racionalidade, pois poderá ser necessário, adequado e pro-porcional baixar os níveis de prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio direito sociaF2

e} E o que dize/Jl os juí:es quem to ao 11ível esse11cial de prestações socinis?

As jurisprudências comuns c constitucionais, ao ser confrontadas com o "direito ao mínimo existcncial"2

\ orientaram a sua estratégia

hermenêu-tica no seguinte sentido: (i) o direito ao mínimo prestacional para uma existência condigna é um direito prestacional originário fundado em um

~o A doutrina italiana tem aprofUndado o tema em trabalhos recentes: A. Giorgis, La autitula!::ioua-li!::!:llziolle dei diritti all'eqmtglitlll!:ll .m.r/au!:liiie, Napoli, 19DH, p. 87 s.; C. Salawr, Dal riamoscimeuto alfa ganwda dá diritti socialt: Orientamenti e tccniche decisorie della Corte Costituzionalc italiana, lvlilano, 1 D9U.

~~ Cfr. Virgflio Afonso da Silva, Gnmdrechte mui geul!:gelwriJdw Sj,elrilume, Badcn-Badcn, ::!OO:J, p.

JJj S.

~~ Cfr., por Ultimo, L i\•lnssa Pinto, .. Conrenuro minimo cssenziale dei diritti costituzionalc c conce-úone espansiva della Costituzione", in Diritti Pubblim, ~001, p. 109li s.

~'1 Cfr., para o caso português, Jorge Reis Novais, Os Jm"ndjliru e.ílrulunmln, cit., p. :!91 s.; José Carlos

Vieira de Andrade, Os direitosfimdanu·nlaiJ 11/l Coustituirtio Portuguesa de 1976, !!. ed., ~001, p. :171 s.

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direito fundamental da dignidade da pessoa; e (ii) os direitos, liberdades e

garantias transportam uma dimensão objectivn conducente à

ressubjectivi-zação de posições prestacionais, configurando-se, assim, eles próprios em esquemas de garantia dos direitos sociais24

• Temos dúvidas quanto a este

ponto de partida. Em primeiro lugar, com o uso e abuso do recurso à dig-nidade da pessoa humana (de resto sendo problemática a sua estrutura como direito autónomo) corre-se o risco de "dessubstantivar" todos os outros direitos, quer os de liberdade, quer os sociais. Em segundo lugar, mesmo quando não se convoca apenas a dignidade da pessoa humana e se apela para outros direitos e liberdades (ex.: direito à vida, direito ao desen-volvimento de personalídade) insinua-se que há uma fwrçüo prestaciOJml. geral inerente a todos os direitos negativos de liberdade. Em terceiro lugar, uma jurisprudência aparentemente amiga da dignidade humana e das suas refracções sociais pode, afinal, ser uma jurisprudência que cncapuçada-mente se recusa a olhar de frente para o direito à igual diguidade social (e não apenas dignidade da pessoa humana), o direito à igHaldade distributiva,

o direito ao desenvolvimento da personalidade, o direito a níveis esseuciais de prestações sociais inerentes aos direitos sociais. O problema é, afinal, nesse contexto o de saber se os juízes têm instrumentos metódicos e metodoló-gicos para concretizarem a direcçüo constitucional de direitos sociais15

. O limite que os tribunais constitucionais invocam, em geral, é o de que não lhes pertence interferir nas políticas públicas. Resta saber se o ecological approach da função judicial não vai entrar decisivamente na extrinsecação dos direitos sociais. Aqui a resposta é clara: o juiz participa na política porque desempenha um papel considerado adequado para assumir a cum-plicidade de partilhar os valores e interesses dos grupos e indivíduos que perante ele reivindicam direitos e posições prestacionais negadas ou blo-queados pelos decisores político-representativos26

• Isso obrigará a

desen-volvimentos doutrinais que estão fora da economia deste trabalho.

~f Cfr. us trabalhos de \V. Neumann sobre a problcmiitica do mini mo g-.~ramido de existência a partir da dignidade da pessoa humana: "MenschenwUrde unr.l psychischer 1\ranl\cit", in NVWZ,

1995, p. ·H~ü s.; "Sozialstaat und Grundrecht~r.logmatil\", in DT'BL, 1997, p. 92 s.

~r. A doutrina mostra-se reticente. Cff., por exemplo, C. Salazar, Dal ricrmoscimeu/o al/n ganm:::li1 dei diritti soda!~ cit., p. 150; Wolfram Cremen, Frâheitsgrundrechte, TUbingen, eoo:J, p . .'JüO s.

~~~Veja-se este ecolo~::,riralajJjmJach em H. Jacob, "The governance of trialjudges", in Law lllul.mciety revzi.'1lJ, .'J 1, I, p . .'J s.

Referências

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